FERRARI,
Fernando
*dep. fed. RS 1951-1963.
Fernando Ferrari nasceu em São Pedro do Sul (RS) no dia 14 de junho de 1921, filho do agricultor Tito Lívio Ferrari e de
Maria Margarida Ferrari. Seu pai foi prefeito de São Pedro do Sul.
Fez
os estudos secundários no Colégio Marista Santa Maria na cidade gaúcha do mesmo
nome, trabalhando em seguida como comerciário. Formado pela Faculdade de
Ciências Econômicas de Porto Alegre e, em 1946, pela Faculdade de Direito da
Universidade do Rio de Janeiro, lecionou economia política na Escola de
Comércio de Santa Catarina.
Com o processo de enfraquecimento do Estado Novo em
1945, Ferrari ajudou a fundar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual
se filiou. Em janeiro de 1947, elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte do
Rio Grande do Sul, onde atuou como relator da Comissão de Ordem Econômica e
Social, sendo assessorado por Alberto Pasqualini, já reconhecido como um dos
mais importantes teóricos trabalhistas, de quem mais tarde se declararia
discípulo.
Eleito
deputado federal pelo Rio Grande do Sul em outubro de 1950 para a legislatura
de 1951 a 1955, foi reeleito em 1954 com mandato de 1955 a 1959 e escolhido vice-líder do PTB na Câmara. Em 1955 ingressou na Liga de Emancipação
Nacional (LEN), sociedade civil fundada no Rio de Janeiro em abril de 1954 com
os objetivos de defender as liberdades democráticas e lutar pelo
desenvolvimento econômico autônomo do Brasil. Acusada de infiltração comunista,
a LEN seria fechada em 1956.
Iniciadas as articulações para a eleição presidencial de
1955, o PTB recebeu uma proposta de aliança por parte do Partido Social
Democrático (PSD). Quando a convenção do seu partido se reuniu, Ferrari e Lúcio
Bittencourt conseguiram dela uma decisão no sentido de só firmar qualquer
protocolo eleitoral com outra agremiação sobre bases programáticas comuns. O
governo assim eleito estaria, portanto, comprometido com a execução de um
programa mínimo de cunho trabalhista. Na prática, prevaleceu um acordo que
fixou apenas os nomes de Juscelino Kubitschek, indicado pelo PSD para concorrer
à presidência, e de João (Jango) Goulart, escolhido pelo PTB para disputar a
vice-presidência. Ambos foram eleitos em 3 de outubro.
Ainda em 1955, Ferrari foi eleito líder da bancada petebista
na Câmara. Em novembro, apoiou o movimento militar liderado pelo ministro da
Guerra, general Henrique Teixeira Lott, visando, segundo seus promotores,
barrar uma conspiração em preparo no governo e assegurar a posse de Juscelino e
Jango. O movimento provocou o impedimento dos presidentes da República Carlos
Luz, em exercício, e Café Filho, licenciado, empossando na chefia da nação o
vice-presidente do Senado, Nereu Ramos. Ferrari liderou a formação de uma
frente parlamentar, integrada por membros do Partido Social Progressista, do
Partido Republicano e do PTB, que até fins de 1956 defendeu um programa
nacionalista e popular e de apoio ao governo de Juscelino, empossado em
janeiro.
O rompimento com o PTB
Descontente
com a maneira como vinham sendo tomadas as decisões dentro do PTB — cujo
diretório nacional era presidido por João Goulart desde 1952 — Ferrari iniciou
uma aproximação com os trabalhistas mais dispostos a uma renovação dos
mecanismos partidários. Baseados em princípios formulados por Alberto
Pasqualini, iniciaram a crítica da estrutura unipessoal do poder decisório e,
portanto, a luta contra a liderança de Goulart no partido. O grupo obteve a
assinatura da maioria da bancada federal do PTB gaúcho e de diversos membros
dos diretórios regionais para um manifesto que Ferrari redigiu, reclamando a
democratização da organização partidária, a definição de sua opção ideológica e
uma atuação mais efetiva junto às massas trabalhadoras do campo e das cidades.
O lançamento do manifesto resultou em fortes pressões no interior do partido e,
em fevereiro de 1957, Ferrari optou por renunciar à liderança da bancada,
justificando sua atitude num documento intitulado Sentido de uma mensagem.
Nesse
documento, Ferrari fazia um balanço de sua atuação, anotando as propostas
formuladas pelo PTB durante seu mandato e transformadas em lei. Entre elas destacavam-se: estabilidade dos sargentos das forças armadas; prisão especial
para os dirigentes sindicais; desconto máximo de 25% nos salários dos
empregados em hotéis, restaurantes e similares; prorrogação da Lei do
Inquilinato, diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e
alteração da legislação do imposto de renda, com taxação dos lucros excessivos.
Ainda neste período, Ferrari havia liderado a atuação dos petebistas no sentido
de conseguir a extensão das leis trabalhistas ao meio rural. O documento
sistematizava também os problemas que localizava no PTB, especialmente as
indicações para os cargos públicos, quando “nem sempre prevalece o critério da
indicação dos mais capazes ou dos mais probos!” e a existência, entre os
petebistas, da “psicologia dos donos” da carta-testamento de Getúlio
Vargas, herança política do ex-presidente.
Durante
o ano de 1957, Ferrari dedicou-se à luta interna no PTB, procurando ampliar o
apoio às propostas de renovação partidária. Em meados desse ano, apresentou um
projeto de reforma estatutária, que foi derrotado em votação antes mesmo de ser
discutido. Em março de 1958, após disputada eleição definida por escrutínio
secreto, Ferrari foi reconduzido à liderança da bancada trabalhista na Câmara.
Em outubro desse ano, foi reeleito deputado federal à legislatura 1959-1963,
recebendo o maior número de votos conseguido por um candidato em todo o país.
Com o início, em abril de 1959, das discussões preparatórias da campanha para
as eleições presidenciais do ano seguinte, formou-se no Rio Grande do Sul uma
corrente favorável à sua candidatura à vice-presidência da República. A
convenção nacional do PTB deliberou indicar o nome de João Goulart para
presidente, mas deixou em aberto a vaga do seu companheiro de chapa, delegando
poderes ao candidato para conduzir entendimentos com outros partidos, visando à
formação de uma aliança eleitoral.
A indefinição quanto ao nome do candidato petebista à vice-presidência
reforçou a campanha pelo lançamento de Ferrari como postulante ao cargo, que
cresceu decisivamente após o lançamento, em maio de 1959, de um manifesto
assinado por cerca de duzentos estudantes de Santa Maria propondo a
organização, em torno da sua candidatura, de uma “cruzada cívica de mãos
limpas”, numa referência às acusações de corrupção feitas contra petebistas
detentores de cargos públicos.
Nesse
ínterim, o diretório municipal do PTB de Porto Alegre propôs o seu nome para
disputar as eleições à prefeitura da capital gaúcha. Ferrari recusou a
indicação e, em carta à executiva petebista no estado, justificou sua atitude
pela “corrente incessante de apelos e de moções que venho recebendo de todo o
Brasil para que me apresente candidato à vice-presidência da República”. Mais
adiante, Ferrari frisava: “Bem sei que nada tenho a oferecer, além de trabalho;
bem sei que não disponho de dinheiro nem de empregos para distribuir com a
generosidade própria dos períodos pré-eleitorais; bem sei que gigantescas ondas
se levantarão contra a minha caminhada.” E, finalizando o documento, advertia:
“Continuarei fiel ao lema de que não basta buscar o poder — não basta, mesmo,
chegar ao poder com as mãos limpas: é preciso levar para o poder soluções para
os problemas que afligem o povo — e o povo é o operariado, é a classe média, é
também o abastado... Começo agora a minha Campanha das Mãos Limpas.”
Em junho, Ferrari recebeu um ofício, assinado por
companheiros de bancada, convidando-o a renunciar à liderança, cujo exercício
estaria em contradição com a sua disposição de concorrer às eleições.
Discordando da argumentação apresentada, recusou-se a renunciar, deixando à
bancada a decisão de destituí-lo do cargo. No dia seguinte, 36 deputados
comunicaram ao presidente da Câmara que a liderança da bancada petebista
naquela casa passaria a ser exercida pelo deputado Osvaldo Lima Filho.
Mesmo pressionado por importantes setores que seguiam a
liderança de Goulart, Ferrari prosseguiu na campanha para obter a indicação do
seu nome pela convenção do PTB como candidato oficial dos trabalhistas à
vice-presidência nas eleições marcadas para outubro de 1960. Dentre os diversos
obstáculos que precisou enfrentar, encontrou fechadas as portas de muitas sedes
do partido nos estados de São Paulo, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro,
Amazonas, Alagoas, Mato Grosso e no território do Amapá. Em Santos (SP), por
exemplo, onde foi convidado a pronunciar uma conferência sobre o tema
“Nacionalismo e desenvolvimento”, o presidente do diretório municipal do PTB
divulgou um telegrama que enviara a Jango anunciando que os trabalhistas da
cidade “não recebiam divisionistas e traidores” e que apenas a Goulart,
presidente da executiva nacional do partido, reconheciam “como autêntico
nacionalista e com autoridade para falar sobre tal tema”.
Entrementes, Fernando Ferrari resolveu intervir nas eleições
municipais de Porto Alegre, marcadas para novembro de 1959, apoiando Loureiro
da Silva, velho líder petebista, que concorreria pela legenda do Partido
Democrata Cristão (PDC), contra o candidato oficial do partido, Wilson Vargas
da Silveira. Essa determinação despertou diversas manifestações de hostilidade
por parte de setores petebistas, culminando com a queima em praça pública de
dois bonecos de pano simbolizando Ferrari e Loureiro da Silva. Dias depois,
alguns membros do diretório municipal do PTB de Porto Alegre propuseram a
expulsão de Ferrari do partido.
Enquanto
tramitava pelas instâncias partidárias o processo de expulsão, Ferrari
aproximou-se do Partido Democrata Cristão (PDC) que, através do deputado
Antônio de Queirós Filho, lhe oferecera, meses antes, a legenda para concorrer
às eleições. Ao mesmo tempo, resolveu fundar o Movimento Trabalhista Renovador
(MTR), entidade “cívico-apartidária” da qual foi líder, destinado a organizar
as bases dissidentes do PTB e trabalhistas de outros partidos, aos quais
dirigiu um manifesto.
Realizadas as eleições para a prefeitura de Porto Alegre,
sagrou-se vitorioso Loureiro da Silva, resultado que fortaleceu a posição de
Ferrari diante dos seus adversários no interior do PTB. Ele foi então convidado
a participar de uma reunião ordinária do diretório municipal de Porto Alegre,
quando deveria ser discutida a sua expulsão. O convite foi, contudo, recusado
e, em carta a João Caruso, presidente regional do partido, reafirmou suas
discordâncias com as cúpulas petebistas. Algumas semanas depois, Ferrari foi
avisado pela comissão de inquérito da executiva estadual de que teria o prazo
de dez dias para apresentar uma defesa à acusação de ter aceito a legenda de
outro partido. Respondeu à intimação citando diversos casos semelhantes que não
haviam provocado processos de expulsão e portanto, recusando a condição de réu.
Reunidas
as convenções partidárias, formalizaram-se as chapas concorrentes às eleições
presidenciais. O PTB acabou por alterar a decisão tomada anteriormente,
lançando com o apoio do PSD o general Henrique Lott para a presidência e João
Goulart para a vice-presidência. O mais forte adversário do candidato petebista
era Jânio Quadros, apoiado por uma coligação de partidos encabeçada pela União
Democrática Nacional (UDN), tendo como companheiro de chapa o mineiro Mílton
Campos. O PDC apoiou Jânio Quadros e Ferrari, apresentando-se este, portanto,
como um candidato à vice-presidência de “faixa própria”, sem companheiro
definido, embora sua preferência pessoal recaísse no candidato udenista.
Ferrari
realizou uma campanha eleitoral muito prejudicada pela escassez de recursos, já
que não dispunha das grandes máquinas partidárias para sustentá-lo. Para
financiar o trabalho eleitoral, escreveu o livro Mensagem renovadora, destinado
a divulgar seu programa e, com as vendas avulsas, arrecadar fundos. Sua
pregação eleitoral, embora abordando os principais temas político-econômico-sociais
do país, centrou-se no binômio “nacionalismo e austeridade”.
Foram eleitos em outubro de 1960 Jânio Quadros e João
Goulart, ficando Ferrari na terceira e última posição entre os candidatos à
vice-presidência. Apesar de derrotado, o MTR considerou os 2.137.382 votos
recebidos por seu candidato uma vitória. Reunida sua convenção nacional,
a maioria dos delegados manifestou-se a favor da imediata transformação do
movimento em partido. No entanto, Ferrari conseguiu aprovar sua proposta no
sentido de que ainda fosse tentado um último apelo à presidência nacional do
PTB para que esta renunciasse, convocando eleições que escolhessem uma nova
direção. O apelo não foi atendido e Ferrari foi expulso dos quadros partidários
petebistas.
Transformado
o MTR em partido ainda em 1960, suas bases se fixaram, segundo Ferrari, entre
as donas-de-casa, os trabalhadores e os estudantes, contando também com o apoio
de dissidentes trabalhistas, como Loureiro da Silva e Jairo Brum. Após a renúncia
de Jânio Quadros (25/8/1961), o MTR defendeu a posse, sem restrição de poderes,
do vice-presidente João Goulart, vetada pelos ministros militares.
Conseqüentemente, o MTR votou contra a emenda parlamentarista aprovada pelo
Congresso em setembro como solução conciliatória diante do impasse criado pelo
veto militar. Pessoalmente, no entanto, Ferrari declarou-se, na ocasião,
convicto de que o parlamentarismo era o regime que mais convinha à “nação,
cansada de um presidencialismo prepotente, personalista”. Recusava-se, contudo,
a decidir a adoção desse sistema naquelas condições, preferindo “votar o
parlamentarismo através das normas legais e processuais”, porque entendia que
“o primeiro dever do legislador é respeitar a Constituição”, ameaçada pela
atitude dos militares.
Líder do MTR, em outubro de 1962 Fernando Ferrari concorreu
às eleições para o governo do Rio Grande do Sul, vencidas por Ildo Meneghetti,
candidato apoiado por uma coligação que incluía a UDN, o PSD, o PDC e os
partidos Libertador e de Representação Popular. Em março do ano seguinte, o
Congresso aprovou um projeto de lei apresentado por Ferrari, cujo mandato já
expirara, que, depois de receber algumas emendas, veio a transformar-se no
Estatuto do Trabalhador Rural. Largamente inspirado na CLT, o estatuto procurou
sistematizar a regulamentação das condições políticas e econômicas dos
contratos de trabalho na agricultura brasileira, para onde estendeu a
legislação social e sindical já aplicada aos trabalhadores urbanos.
Fernando Ferrari faleceu no dia 27 de maio de 1963, vítima de
desastre aéreo ocorrido no Rio Grande do Sul.
Era casado com Elsa Ferreira Ferrari, com quem teve quatro
filhos.
Publicou Novos rumos do trabalhismo (1957), Trabalhismo:
nova armadura para novos rumos (1957), Mensagem renovadora (1960),
Minha campanha (1961) e Escravos da terra (obra póstuma,
1963).
Renato Lemos
FONTES: AUDRÁ, A. Bancada;
CÂM. DEP. Anais (1962-1 e 1963-1); CÂM. DEP. Deputados; CÂM.
DEP. Deputados brasileiros. Repertório (1946-1967); CÂM. DEP.
Relação dos dep.; CÂM. DEP. Relação nominal dos senhores; CISNEIROS,
A. Parlamentares; CORTÉS, C. Homens; COUTINHO, A. Brasil; Encic.
Mirador; FERRARI, F. Minha; Grande encic. Delta; Grande
encic. portuguesa; LIGA DE EMANCIPAÇÃO NAC.; MACEDO, N. Aspectos;
MACEDO, R. Efemérides; POERNER, A. Poder; QUADROS, J. História;
SILVA, H. História; SILVA, R. Notas; SKIDMORE, T. Brasil;
Última Hora (28/5/63); VÍTOR, M. Cinco.