DANTAS, San Tiago
* mov. integralista; dep. fed. MG 1959-1961; min. Rel.
Ext. 1961-1962; dep. fed. MG 1962-1963; min. Faz. 1963; dep. fed. MG 1963-1964.
Francisco
Clementino de San Tiago Dantas nasceu no Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, em 30 de agosto de 1911, filho do almirante Raul de
San Tiago Dantas e de Violeta de Melo de San Tiago Dantas. Seu pai foi
comandante-em-chefe da Esquadra de 1949 a 1951 e chefe do Estado-Maior da
Armada de 1951 a 1953.
Em
1924, iniciou em sua cidade natal o curso secundário, que concluiu quatro anos
depois em Belo Horizonte. De volta ao Rio, ingressou em 1928 na Faculdade
Nacional de Direito, entrando em contato logo após a vitória da Revolução de
1930 com grupos que combatiam o liberalismo e o comunismo e propunham a adoção
de uma política nacionalista e autoritária por parte do Governo Provisório
chefiado por Getúlio Vargas. Assim, ainda estudante, vinculou-se no início de
1931 a um círculo de intelectuais cariocas que apoiava as idéias do escritor
Plínio Salgado, um dos principais divulgadores da doutrina fascista no Brasil.
Em março desse ano, Plínio redigiu o manifesto de fundação da Legião
Revolucionária de São Paulo e convocou para o mês seguinte uma reunião com
intelectuais e estudantes no Rio para debater as propostas ali contidas. San
Tiago Dantas participou desse encontro, que resultou na criação do núcleo
carioca de divulgação do movimento, composto também por Hélio Viana, Lourival
Fontes, Augusto Frederico Schmidt e Américo Jacobina Lacombe, entre outros.
Em
julho de 1931, em São Paulo, ao lado de Plínio Salgado e de Alfredo Egídio de
Sousa Aranha, San Tiago Dantas fundou e se tornou um dos principais redatores
do jornal A Razão, que defendia o aprofundamento do processo
revolucionário iniciado em 1930, combatendo as crescentes reivindicações de
reconstitucionalização do país. Passou a trabalhar em dezembro no gabinete do
ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos, e no ano seguinte participou,
no Rio, da criação da revista Hierarquia, também vinculada às idéias de
Plínio Salgado. O jornal A Razão foi empastelado por um grupo liderado
por Alfredo Ellis Júnior e Sílvio de Campos em maio de 1932, durante a grave
crise política que precedeu a deflagração, em julho, da Revolução Constitucionalista
de São Paulo, afinal derrotada no início de outubro. No dia 7 desse mês,
Plínio Salgado lançou na capital paulista o manifesto de fundação da Ação
Integralista Brasileira (AIB), organização de inspiração fascista que pregava a
implantação de um Estado cooperativo-sindicalista no Brasil. San Tiago Dantas
e os demais integrantes da equipe da revista Hierarquia aderiram
imediatamente à nova agremiação.
San
Tiago Dantas concluiu o curso de direito em fins de 1932 e, apesar da pouca
idade, tornou-se professor catedrático interino de legislação e de economia
política na Escola Nacional de Belas Artes, sem prejuízo do alto cargo que
ocupava no Ministério da Educação. Ao mesmo tempo, montou um escritório de
advocacia e prosseguiu suas atividades políticas, participando em abril de
1933 da instalação oficial do primeiro núcleo integralista do Distrito
Federal, junto com Antônio Gallotti, Hélio Viana, Américo Lacombe, Belmiro Valverde
e José Madeira de Freitas, entre outros. Em fevereiro de 1934, casou-se com
Edméia Carvalho Brandão e passou a escrever sobre a doutrina integralista e a
situação política nacional e internacional no recém-fundado semanário A Ofensiva,
que, dirigido por Madeira de Freitas, se tornou o principal órgão de
divulgação da AIB.
Os
estatutos e a estrutura da AIB foram oficialmente definidos no I Congresso
Nacional Integralista, realizado em Vitória no fim de fevereiro de 1934. Foi
então aprovado o princípio de uma direção única e centralizada na figura do
chefe supremo, Plínio Salgado, que seria assessorado por seu gabinete e pelo
conselho nacional da organização. San Tiago Dantas tornou-se professor dos
cursos promovidos pelo departamento de doutrina da "província" da
Guanabara da AIB a partir de julho desse ano. Em outubro, concorreu, sem
êxito, a uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo Distrito Federal na legenda
da AIB.
O
ano de 1935 foi marcado pela radicalização da conjuntura política nacional,
com a multiplicação dos conflitos de rua entre partidários da AIB e da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), frente oposicionista fundada em março com o apoio
dos comunistas para lutar "contra o imperialismo, o latifúndio e o fascismo".
Os dois movimentos experimentaram notável crescimento até julho desse ano, quando
a ANL foi colocada na ilegalidade e, dirigida pelos comunistas, optou pela
preparação de um levante armado contra o governo federal. Deflagrado em
novembro, o levante foi rapidamente sufocado, sendo seguido pela decretação
do estado de sítio que foi sucessivamente renovado - sob a forma agravada de
estado de guerra - até junho de 1937. A AIB não foi afetada pela repressão
que se abateu sobre a oposição nesse período, prosseguindo seu crescimento. Em
1936, San Tiago Dantas passou a integrar a recém-criada Câmara dos 40, órgão
consultivo da direção integralista, composto por "personalidades de alto
valor moral e intelectual da AIB". Permaneceu nesse organismo até o ano
seguinte.
Plínio
Salgado foi um dos candidatos lançados para concorrer às eleições
presidenciais previstas para janeiro de 1938, que não se realizaram em virtude
da implantação do Estado Novo em novembro de 1937, provocando o fechamento dos
órgãos legislativos e dos partidos políticos existentes, inclusive a AIB. Inicialmente
simpáticos ao golpe de Estado liderado pelo presidente Getúlio Vargas, os integralistas
perceberam em seguida que não desempenhariam papel de relevo no novo regime e
adotaram uma política de confronto com o chefe do governo, iniciando a
preparação de um levante armado. Nessa fase conspirativa San Tiago Dantas,
Miguel Reale, Lafayette de Paula e José Loureiro Júnior atuaram como assessores
diretos de Plínio Salgado.
No
dia 11 de março de 1938 ocorreu a primeira tentativa de levante, abortada
devido à ação da polícia, que prendeu o grupo de milicianos encarregado de
ocupar a Rádio Mayrink Veiga, no Rio, e transmitir a ordem para o início das
ações. O grande número de prisões então efetuadas levou San Tiago Dantas a se
refugiar na capital paulista em uma casa alugada para Plínio Salgado. A
conspiração, entretanto, não foi debelada e nova revolta começou a ser
preparada. Nessa fase, San Tiago Dantas resolveu retirar-se do movimento,
retornando ao Rio para se dedicar aos estudos, tendo em vista os exames para a
cátedra de direito civil da Faculdade Nacional de Direito.
O
novo levante integralista foi marcado para o dia 11 de maio. Pouco antes dessa
data, San Tiago Dantas foi procurado por Lafayette de Paula, que lhe entregou
uma carta de Plínio Salgado com informações sobre o movimento. O chefe
integralista pedia que San Tiago Dantas lesse em uma estação de rádio o
manifesto dos revoltosos no dia do levante, mas este se recusou, devolvendo o
texto ao emissário e declarando que se havia afastado do movimento. A revolta
foi desencadeada na data prevista, mas se limitou a poucas ações militares no
Rio de Janeiro, sendo rapidamente sufocada e resultando na prisão de vários líderes
integralistas.
Atividades
docentes durante o Estado Novo
Afastado
da militância integralista, San Tiago Dantas passou a se dedicar à prática da
advocacia e à vida acadêmica, onde se destacou nos anos seguintes. Ainda em
1938, foi aprovado no concurso para professor catedrático da Faculdade de
Arquitetura da Universidade do Brasil e tornou-se professor visitante da
Universidade de Montevidéu, cargo que voltaria a ocupar dez anos depois. Em
1939, assumiu a cadeira de instituições de direito civil e comercial da
Faculdade de Ciências Econômicas e, novamente por concurso, passou à condição
de professor catedrático de direito civil da Faculdade de Direito, ambas
ligadas à Universidade do Brasil. No ano seguinte começou a ensinar economia
política na Escola de Estado-Maior do Exército. Exerceu a direção da Faculdade
Nacional de Filosofia entre 1941 e 1945, período em que também lecionou
direito romano na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica,
dirigiu a Revista Forense e participou, como delegado do Brasil, da I
Conferência de Ministros da Educação das Repúblicas Americanas, realizada no
Panamá em setembro de 1943.
Os
cursos ministrados por San Tiago Dantas nesse período se tornaram famosos e
seus ensinamentos influenciaram toda uma geração de estudantes. Suas aulas
proferidas entre 1941 e 1945 foram editadas na forma de apostilas que serviram
de base para o estudo de várias turmas nos anos seguintes e vieram a ser
publicadas em 1977.
Na
assessoria do presidente Vargas
Em
1945, San Tiago Dantas trabalhou no Conselho Nacional de Política Industrial e
Comercial (CNPIC), órgão ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, permanecendo afastado das atividades político-partidárias então
reiniciadas. Em outubro desse ano, o Estado Novo foi derrubado e em 2 de
dezembro seguinte o general Eurico Dutra, ex-ministro da Guerra, foi eleito
presidente da República, sendo empossado em fevereiro de 1946. Nesse ano, San
Tiago Dantas saiu do CNPIC e passou a lecionar na Faculdade de Direito de
Paris, na condição de professor conferencista.
Em
1948, representou o Brasil nos seminários sobre direito francês e
latino-americano, realizados em Paris. Participou, também da Comissão
Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos, formada esse ano sob a direção de
John Abbink e de Otávio Gouveia de Bulhões com o objetivo de analisar a
situação da economia brasileira e suas possibilidades de desenvolvimento.
Conhecida como Missão Abbink, ela agrupou técnicos, economistas, advogados,
industriais, banqueiros e militares, distribuídos por diversos grupos de
trabalho. San Tiago Dantas foi o relator da comissão de comércio e estudos
gerais, e participou também da subcomissão de investimentos. Em fevereiro de
1949 ficou pronto o relatório final da missão, que atribuía à iniciativa
privada o papel dinamizador da atividade econômica e defendia a intervenção do
Estado apenas como coordenador dos investimentos. Esse trabalho não teve
resultado prático, pois não foi liberado nenhum empréstimo ou financiamento
para a execução dos projetos propostos.
Ainda
em 1949, San Tiago Dantas assumiu a vice-presidência da refinaria de petróleo
de Manguinhos, no Rio, pertencente ao grupo Peixoto de Castro, permanecendo
nesse cargo durante nove anos. Em março de 1951, já no segundo governo
constitucional de Getúlio Vargas, desempenhou a função de conselheiro da
delegação brasileira enviada à IV Reunião de Consulta dos Ministros do Exterior
das Repúblicas Americanas, realizada em Washington. Durante a permanência
nessa cidade, participou, também, junto com Válter Moreira Sales, Valentim Bouças,
Glycon de Paiva e Roberto Campos, das negociações desenvolvidas com o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) sobre as possibilidades
de investimento de capital norte-americano no Brasil. Esses entendimentos influíram
na liberação, em fins de 1954, de um empréstimo de quinhentos milhões de
dólares.
San
Tiago Dantas atuou como assessor pessoal de Vargas durante os estudos
preparatórios do anteprojeto de criação da Petrobrás, encaminhado pelo governo
ao Congresso Nacional em outubro de 1951. O projeto, que previa a criação de
uma empresa mista sob controle majoritário do governo, sofreu modificações
durante a tramitação legislativa, resultando na Lei nº. 2.004, assinada por
Vargas em outubro de 1953, instituindo o monopólio estatal sobre o petróleo
brasileiro.
San
Tiago Dantas assessorou também o presidente da República no estudo do projeto
relativo à reorganização da estrutura ferroviária da União e à criação da Rede
Ferroviária Federal. O projeto foi enviado ao Congresso em abril de 1952,
propondo que as estradas de ferro de propriedade do governo federal fossem
agrupadas na forma de sociedades anônimas de âmbito regional, controladas
majoritariamente pela nova empresa, que ficaria encarregada de supervisionar
seu funcionamento. Depois de longa tramitação, o projeto viria a resultar na
Lei nº.3.115, sancionada em março de 1957.
A
partir de 1952, San Tiago Dantas participou ativamente de reuniões e
organismos internacionais. Em janeiro desse ano, passou a integrar a Corte
Permanente de Arbitragem, com sede em Haia, na Holanda, encarregada de resolver
litígios entre países contratantes. Em agosto seguinte, tornou-se perito
jurídico do Comitê sobre Obrigações Alimentares e Execução de Sentenças no
Estrangeiro, sediado em Genebra e ligado à Organização das Nações Unidas
(ONU). Chefiou a delegação que representou o Brasil na III Reunião do
Conselho Interamericano de Jurisconsultos, realizada em Buenos Aires em 1953
e, no ano seguinte, foi conselheiro da delegação brasileira presente à IV
Reunião do Conselho Interamericano Econômico e Social, realizada no Rio de
Janeiro. Representou o Brasil em maio de 1955 na reunião da Comissão Jurídica
Interamericana, realizada no Rio, tornando-se de então até 1958 presidente
dessa entidade.
O
primeiro mandato parlamentar
San
Tiago Dantas retornou às atividades político-partidárias em 1955, ingressando
no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em maio do ano seguinte, foi nomeado
vice-presidente de uma comissão especial de juristas formada por Nereu Ramos,
ministro da Justiça do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), para
estudar uma reforma constitucional que não chegou a ser implementada. Em
setembro foi convidado pelo presidente Kubitschek para substituir o general
Ernesto Dornelles na chefia do Ministério da Agricultura, mas o PTB vetou sua
indicação, pois, segundo o acordo estabelecido durante a campanha eleitoral,
cabia a esse partido indicar o ocupante da pasta. Embora Kubitschek
sustentasse o nome de San Tiago Dantas, este preferiu declinar do convite,
alegando interesse em candidatar-se a vice-governador de Minas Gerais nas
eleições de 1958.
Em
1957, comprou o Jornal do Comércio, um dos mais antigos periódicos da
imprensa carioca, que, sob sua direção, passou a identificar-se com as
posições do PTB e das demais correntes nacionalistas, na defesa, por exemplo,
do monopólio estatal do petróleo e da construção de Brasília. Os prejuízos
decorrentes de um incêndio que destruiu a sede do jornal na rua do Ouvidor
obrigaram San Tiago Dantas a vendê-lo, em 1959, para Francisco de Assis
Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados.
Embora
não tivesse ligações com a política de Minas Gerais, San Tiago Dantas foi
eleito deputado federal por esse estado na legenda do PTB em outubro de 1958,
graças à intervenção de João Goulart, vice-presidente da República e
presidente do partido, junto a Camilo Nogueira da Gama, presidente do diretório
estadual. Na legislatura iniciada em fevereiro de 1959, tornou-se um dos
principais expoentes da bancada petebista, ocupando a vice-liderança do bloco
parlamentar formado pelo PTB e o Partido Social Democrático (PSD) para apoiar o
governo de Kubitschek. Ainda em 1959, integrou a delegação brasileira que
participou da V Reunião dos Ministros do Exterior das Repúblicas Americanas,
realizada em Santiago.
Em
1960, tornou-se vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara e foi o autor do projeto que resultou na Lei nº. 3.752, promulgada em 14
de março, criando o estado da Guanabara no lugar do antigo Distrito Federal,
então transferido para Brasília. Assumiu a vice-presidência da comissão
executiva nacional do PTB no dia 1º. de maio desse ano, em plena campanha para
as eleições presidenciais de outubro seguinte, vencidas por Jânio Quadros, da
União Democrática Nacional (UDN). Pela primeira vez na história republicana
do Brasil, a maioria parlamentar, então formada pelo bloco PTB-PSD, ficou na
oposição ao governo, embora o petebista João Goulart tivesse conquistado seu
segundo mandato na vice-presidência.
Em
22 de agosto de 1961, San Tiago Dantas foi nomeado por Jânio Quadros para substituir
Ciro de Freitas Vale, recém-aposentado, como embaixador do Brasil na ONU.
Entretanto, não chegou a assumir oficialmente esse cargo em virtude da
renúncia do presidente Quadros, ocorrida três dias depois. Esse fato provocou
uma grave crise política no país, pois os ministros militares vetaram a posse
de Goulart na presidência. Buscando viabilizar a sucessão nos marcos de
legalidade, parlamentares de diferentes partidos se reuniram e decidiram
apresentar uma emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista de
governo, que retiraria do presidente parte dos poderes definidos na
Constituição de 1946. San Tiago Dantas, Afonso Arinos de Melo Franco, Nélson
Carneiro, Nestor Duarte, Luís Viana Filho e Guilhermino de Oliveira, entre
outros, ficaram encarregados da redação do projeto, aprovado pelo Congresso em
2 de setembro, criando as condições para uma solução da crise.
No
Ministério das Relações Exteriores
João
Goulart assumiu a presidência em 7 de setembro de 1961, indicando Tancredo
Neves, do PSD, para o cargo de primeiro-ministro. Escolhido para chefiar o
Ministério das Relações Exteriores desse governo, San Tiago Dantas deixou a
Câmara Federal e foi empossado no dia 11, quando discursou afirmando seu
propósito de executar uma política externa independente, baseada na
"contribuição à preservação da paz...;reafirmação dos princípios de
não-intervenção e autodeterminação dos povos; ampliação do mercado externo
brasileiro mediante o desarmamento tarifário da América Latina e a
intensificação das relações comerciais com todos os países, inclusive os
socialistas; apoio à emancipação dos territórios não autônomos; política de
autoformulação dos planos de desenvolvimento econômico e de prestação e
aceitação de ajuda internacional".
Pretendendo
aumentar a integração dos mercados latino-americanos, visitou oficialmente a
Argentina em novembro de 1961, enfatizando então a necessidade de
"preservação do sistema democrático representativo" e de realização
progressiva de "reformas sociais profundas". A declaração conjunta
assinada pelos chanceleres no fim da visita ressaltava "a execução de uma
política de defesa recíproca das exportações dos dois países" face às
"práticas discriminatórias adotadas por alguns países altamente
industrializados", que alteravam "as condições de concorrência entre
os países exportadores de matérias-primas e produtos primários".
Uma
das mais importantes medidas adotadas pela diplomacia brasileira durante a
gestão de San Tiago Dantas foi o reatamento das relações com a União
Soviética, que estavam rompidas desde 1947. Em discurso pronunciado na Câmara
dos Deputados no dia 23 de novembro de 1961 - data da Formalização daquela
medida -, o chanceler esclareceu que essa decisão se baseava em razões de ordem
política e econômica que levavam em conta, exclusivamente, os interesses do
Brasil e não significavam nenhuma simpatia ou mesmo "tolerância
ideológica" para com o regime vigente naquele país. Enfatizou as amplas
possibilidades apresentadas pelo mercado soviético para as exportações
brasileiras, além da conveniência do desenvolvimento das relações entre os
povos como garantia para a paz.
Na
fase preparatória da VIII Reunião de Consultas dos Ministros das Relações
Exteriores dos Estados Americanos - prevista para janeiro de 1962 na cidade
uruguaia de Punta del Este -, San Tiago Dantas convocou ao Itamarati todos os
embaixadores de países do continente para defender a adoção de uma política de
coexistência com o regime revolucionário de Cuba, condenando o recurso às
sanções econômicas, militares e diplomáticas contra esse país. Sugeriu ainda
que se negociasse com o governo cubano um "estatuto consensual" que
evitasse "a integração daquele país no chamado bloco político-militar
soviético" e garantisse seu desarmamento "até níveis compatíveis
com as necessidades defensivas regionais", oferecendo em contrapartida
garantias contra o risco de intervenção militar.
San
Tiago Dantas chefiou a delegação brasileira enviada à reunião de Punta del
Este, discordando ali da posição norte-americana, que pretendia articular uma
política de intervenção em Cuba e expulsar esse país da Organização dos
Estados Americanos (OEA). O encontro aprovou uma declaração condenando a
adesão de Cuba ao comunismo, considerada incompatível com o sistema
interamericano, mas aprovou a permanência desse país na OEA, excluindo-o
contudo do organismo militar dessa entidade. A conferência teve grande repercussão
no Brasil, e a posição defendida por San Tiago Dantas recebeu o apoio dos
setores nacionalistas e de esquerda, além de vários órgãos de imprensa, como o
Diário de Notícias e o Jornal do Brasil, ambos do Rio de Janeiro.
Em
março de 1962, San Tiago Dantas chefiou a delegação brasileira enviada a
Genebra para participar da Conferência de Desarmamento, onde o Brasil se
definiu como "potência não-alinhada", desvinculada de "qualquer
bloco político-militar", ao lado da Suécia, México, Índia, Nigéria,
República Árabe Unida, Birmânia e Etiópia. Esses países redigiram então a
chamada Declaração das oito potências não-alinhadas,
dirigindo um apelo para a suspensão dos testes com armas atômicas.
Nesse
período, o debate em torno da nacionalização das concessionárias de serviço público
se intensificou no Brasil devido à repercussão obtida pela encampação, em
fevereiro de 1962, da Companhia Telefônica Rio-Grandense, subsidiária da
International Telephone and Telegraph (ITT), mediante pagamento de 149.758.000
cruzeiros. Essa medida determinada pelo governo gaúcho provocou protestos da
companhia norte-americana, acompanhados de uma nota oficial da embaixada dos
Estados Unidos dirigida ao chanceler brasileiro. San Tiago Dantas organizou
então uma reunião no palácio do Itamarati com a presença de Leonel Brizola
(governador do Rio Grande do Sul), representantes da ITT e os embaixadores
dos dois países, Roberto Campos e Lincoln Gordon, que não conseguiram estabelecer
as bases de um acordo. As negociações foram retomadas durante a visita do
presidente João Goulart aos Estados Unidos em abril, quando ficou definido que
as nacionalizações respeitariam o "princípio de justa compensação, com
reinvestimento em outros setores importantes para o desenvolvimento do Brasil".
A partir desses entendimentos, o governo brasileiro começou a estudar a criação
da Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços
Públicos (Conesp), medida efetivada no fim do mês seguinte.
San
Tiago Dantas integrou a comitiva presidencial nessa viagem (que incluiu uma
escala no México), participando das negociações que levaram também à assinatura
do Convênio sobre Auxílio ao Desenvolvimento do Nordeste, ao compromisso do
governo dos Estados Unidos de apoiar a Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (ALALC) e ajudar as gestões junto à Comunidade Econômica Européia
(CEE) para a eliminação dos pesados impostos sobre os produtos
latino-americanos, e ao acordo sobre a efetivação do projeto da Aliança para o
Progresso.
No
Ministério da Fazenda
Em
25 de junho de 1962, San Tiago Dantas deixou a chefia do Ministério das
Relações Exteriores, a fim de desincompatibilizar-se para tentar renovar seu
mandato de deputado federal nas eleições previstas para outubro desse ano. No
dia seguinte, o primeiro-ministro Tancredo Neves renunciou e, pouco depois, o
presidente Goulart encaminhou ao Congresso o nome do ex-chanceler para
substituí-lo. San Tiago Dantas era apoiado pelos setores nacionalistas e de
esquerda do parlamento e pelo movimento sindical, mas as bancadas do PSD e da
UDN se uniram para vetar sua indicação, criticando durante os debates a
condução da política externa brasileira durante sua gestão. Goulart indicou
então o pessedista Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, aprovado pelo
Congresso em 3 de julho, com o apoio do PSD e da UDN. Ao mesmo tempo,
lideranças sindicais reunidas em São Paulo decidiram convocar para o dia 5 uma
greve geral de 24 horas em apoio a San Tiago Dantas. A greve foi realizada,
apesar da renúncia de Moura Andrade nesse mesmo dia, devido à recusa do
presidente em homologar o gabinete ministerial que ele propunha.
O
impasse para a indicação de um primeiro-ministro foi finalmente resolvido no
dia 10 de julho, quando o Congresso aprovou o nome de Francisco de Paula
Brochado da Rocha, que afirmou em seguida seu empenho na antecipação para
dezembro seguinte do plebiscito destinado a decidir sobre a continuidade do
regime parlamentarista, previsto anteriormente para o início de 1965. O
governo chefiado por Brochado da Rocha durou até 14 de setembro de 1962,
quando o primeiro-ministro renunciou, diante da impossibilidade de obter
aprovação parlamentar para as medidas econômicas e políticas por ele
pretendidas. No dia seguinte, o Congresso autorizou a realização do plebiscito
no dia 6 de janeiro de 1963. Encarregado de formar um gabinete interino que
atuaria até essa data, Goulart nomeou Hermes Lima para o cargo de primeiro-ministro.
No
pleito de outubro de 1962, San Tiago Dantas foi reeleito deputado federal por
Minas Gerais na legenda do PTB, que conseguiu duplicar sua bancada federal.
Em janeiro de 1963, o plebiscito determinou por larga margem de votos o
retorno ao regime presidencialista, devolvendo a Goulart os poderes previstos
na Constituição de 1946, inclusive no tocante à formação da equipe
ministerial. O presidente formou então um gabinete de composição entre
várias forças políticas, empossado no dia 24 seguinte. San Tiago Dantas
assumiu a pasta da fazenda, comprometendo-se com um programa de austeridade
econômica baseado nas diretrizes traçadas em fins de 1962 pelo Plano Trienal
de Desenvolvimento Econômico e Social, de autoria de Celso Furtado, ministro
extraordinário para o Planejamento do novo gabinete.
O
plano previa a retomada de um índice de crescimento econômico em torno de 7% ao
ano, paralelamente à redução da taxa de inflação - que em 1962 chegara a 52% -
para 10% em 1965. Para isso, considerava necessário a realização das reformas
de base, especialmente no tocante à racionalização da ação do governo (através
das reformas administrativa e bancária) e à eliminação de "entraves
institucionais à utilização ótima dos fatores de produção, destacando-se as
reformas fiscal e agrária". Previa também a utilização de meios não
inflacionários de financiamento dos investimentos estatais, como, por exemplo,
a criação de novos impostos para as camadas mais ricas da população, e
propunha a combinação do refinanciamento da dívida externa com um programa de
exportações mais agressivo, capaz de sustentar a capacidade de importar, fator
essencial para o crescimento da economia.
Logo
após sua posse no Ministério da Fazenda, San Tiago Dantas tomou medidas voltadas
para a estabilização da moeda, colocando em execução uma lei de reforma fiscal
que fora votada pelo Congresso no ano anterior. Ao mesmo tempo, aboliu os
subsídios para as importações de trigo e de petróleo a fim de aliviar a difícil
situação do balanço de pagamentos, conforme exigência do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Em março de 1963, viajou para os Estados Unidos, onde
estabeleceu prolongadas conversações - inclusive com o presidente John Kennedy
- sobre a ajuda norte-americana ao Brasil e a renegociação da dívida externa do
país. Esses encontros foram marcados pela descrença manifestada pelo FMI e o
governo americano quanto à capacidade do governo brasileiro de implementar as
políticas de estabilização por eles exigidas. San Tiago Dantas chegou a
cogitar de romper as negociações e mobilizar a opinião pública brasileira em
favor de um projeto de desenvolvimento que prescindisse do capital estrangeiro.
O resultado das conversações foi a obtenção de um empréstimo de 398.500.000
dólares, dos quais 84 milhões seriam entregues imediatamente e o restante
ficaria na dependência do cumprimento pelo governo brasileiro de um programa
de reformas sociais e de estabilização econômica especificado em um documento
assinado por San Tiago Dantas e David Bell, diretor da United States Agency for
International Development (USAID). A concessão de novos financiamentos ficou
sujeita à implementação de medidas antiinflacionárias que seriam avaliadas
por uma comissão do FMI em maio de 1963.
San
Tiago Dantas retornou ao Brasil em fins de março e adotou medidas mais drásticas
de estabilização monetária, visando conter a inflação que se mantinha em níveis
bastante superiores aos previstos no Plano Trienal. Em 22 de abril,
desvalorizou o cruzeiro em 30%, elevando o valor do dólar a uma taxa próxima à
do câmbio negro. Pouco depois, firmou um acordo comercial com a União
Soviética no valor de 585 milhões de dólares. Em fins desse mês, presidiu as
negociações entre o governo brasileiro e a American and Foreign Power (Amforp),
que resultaram num acordo que previa a compra dos bens da companhia norteamericana
pelo preço de 135 milhões de dólares, 75% dos quais deveriam ser reinvestidos
no país em empresas que não operassem no ramo dos serviços públicos. O acordo
provocou forte oposição dos setores nacionalistas mais radicais, que
consideravam esse preço exorbitante e lesivo aos interesses do país. Leonel
Brizola chegou a advertir San Tiago Dantas de que o acordo provocaria um rompimento
irreparável das forças nacionalistas com o governo. Por outro lado, os
udenistas, liderados pelo governador da Guanabara Carlos Lacerda, também
criticaram a posição do governo, aproveitando a ocasião para denunciar o
encaminhamento da compra da Companhia Telefônica Brasileira, cujo patrimônio, a
seu ver, fora superavaliado pelos técnicos do governo federal.
A
política salarial implementada segundo as diretrizes anti-inflacionárias do
Plano Trienal também provocou nova área de atritos para o governo. Diante da
pressão exercida pelo movimento sindical e pelos setores militares
nacionalistas, San Tiago Dantas foi obrigado a redigir, ainda em abril de 1963,
um projeto de lei que estipulava um aumento de até 56% para os funcionários
públicos civis e até 55% para os militares, ultrapassando o limite máximo de
40% previsto pelo acordo com o FMI e o governo norte-americano. Mesmo assim, o
projeto desagradou a vários setores, que reivindicavam 70% de reajuste
salarial.
Em
meio à crescente radicalização das forças conservadoras e reformistas, ainda
em abril de 1963 San Tiago Dantas fez um pronunciamento pela televisão
apontando a existência de "duas esquerdas", a "positiva",
onde ele mesmo se inseria, e a "negativa" que, segundo ele, adotava
atitudes extremistas e desfavoráveis ao desenvolvimento do país, a exemplo da
ala esquerda do PTB, liderada por Leonel Brizola.
No
mês de maio, o ministro da Fazenda, contrariando suas posições anteriores,
acabou concordando com o aumento de 70% para o funcionalismo público, em
virtude da pressão exercida pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que
estava preparando uma greve geral para pressionar o Congresso. Pouco depois,
ainda em meio aos conflitos gerados pelo acordo com a Amforp e a campanha
salarial, chegou ao Brasil a comissão do FMI encarregada de avaliar as medidas
de combate à inflação tomadas pelo governo e emitir um parecer sobre o
refinanciamento da dívida externa brasileira. A presença dessa comissão provocou
o acirramento das críticas da esquerda e de setores nacionalistas à política
aplicada por San Tiago Dantas. Nessa altura, o projeto de estabilização
monetária definido pelo Plano Trienal já estava ultrapassado e o índice de inflação
atingira a 25% nos primeiros cinco meses do ano. Em junho, a comissão do FMI
deixou o Brasil, manifestando suas conclusões negativas a respeito da política
econômica do governo, o que criou um impasse para o refinanciamento da dívida
externa brasileira.
Diante
das dificuldades encontradas na aplicação do Plano Trienal, Goulart decidiu
promover mudanças em seu gabinete. Celso Furtado deixou o Ministério do
Planejamento, que foi substituído por um novo órgão - a Coordenação do
Planejamento Nacional. San Tiago Dantas, que estava com a saúde seriamente
afetada em virtude de um câncer no pulmão, foi levado a renunciar no dia 20 de
junho de 1963, sendo substituído por Carlos Alberto Carvalho Pinto, líder da
chamada ala progressista do Partido Democrata Cristão (PDC).
De
volta ao Parlamento
San
Tiago Dantas assumiu sua cadeira de deputado federal em meio a um processo de
radicalização política que, nessa época, já tinha como componente a
articulação de setores militares, políticos e empresariais em torno de um
projeto de deposição do governo João Goulart. A pedido do presidente, o
ex-ministro da Fazenda começou em outubro de 1963, um trabalho de articulação
de todas as correntes políticas próximas do governo com o objetivo de evitar
"a quebra da legalidade democrática". Para tal, terminou em janeiro
de 1964 a elaboração de um programa mínimo capaz de criar as condições para a
formação de um governo de frente única "de todas as correntes ainda
formalmente comprometidas com Goulart, do PSD ao Partido Comunista Brasileiro
(PCB)". Esse documento foi entregue ao presidente em fevereiro, tendo como
primeiro item a defesa da legalização do PCB, que apoiava a proposta.
Entretanto, o PSD e a Frente de Mobilização Popular manifestaram-se contra
ela. Essa última entidade era liderada por Brizola e composta pela Frente
Parlamentar Nacionalista (bloco suprapartidário que defendia a adoção de uma
política econômica nacionalista), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e
organizações intersindicais não oficiais, como o CGT e o Pacto de Unidade e
Ação (PUA), que acusavam Goulart de conciliar com grupos contrários às reformas
de base e só passaram a apoiar a constituição da frente única quando o
movimento, militar contra o governo era iminente. Deflagrado em 31 de março
de 1964, o movimento foi vitorioso, levando o general Humberto Castelo Branco
ao poder. Em junho, o novo presidente indeferiu o pedido de cassação do
mandato parlamentar de San Tiago Dantas, que se encontrava gravemente enfermo
devido à evolução do câncer pulmonar.
San
Tiago Dantas faleceu no Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1964. Foi um dos
organizadores do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais da Faculdade Nacional
de Direito da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de
Janeiro), membro do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais e do
conselho técnico consultivo da Confederação Nacional do Comércio.
Deixou
publicadas as seguintes obras: O conflito de vizinhança e sua composição
(1939); Rui Barbosa e o Código Civil (1949); A educação jurídica e a
crise brasileira (1955); Reformas de base (1959); Política
externa independente (1962); Figuras do direito (1962); O
reatamento das relações diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética (1962);
Dom Quixote, um apólogo da alma ocidental (1964); A ALALC
e o neo-subdesenvolvimento (1964); Palavras de um professor (1975).
Sobre
o biografado, foi publicada uma série de artigos de diferentes autores em
Vários números de Digesto Econômico entre 1964 e 197 3, além do nº. 27
da Revista Brasileira de Política Internacional, de
setembro-dezembro de 1964, que lhe foi especialmente dedicado.
Vilma Keller
FONTES:
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BANDEIRA, L. Presença; BLAKE, A. Dic.; BROXSON, E. Plínio;
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M. AMORIM; Grande encic. Delta; INST. NAC. LIVRO. índice; Jornal
do Brasil; Jornal do Comércio, Rio (25/1/63); KUBITSCHEK, J. Meu (3);
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