GUINLE,
Guilherme
*pres. Bco. Bras. 1945.
Guilherme Guinle nasceu
no Rio de Janeiro, então capital do Império, no dia 27 de janeiro de 1882,
filho do empresário francês Eduardo Palassin Guinle e de Guilhermina Coutinho
Guinle. Em 1892, as famílias Guinle e Gaffrée tornaram-se proprietárias, até
1980, da concessão da Companhia Docas de Santos, primeira sociedade aberta do
país, criada para operar o maior porto comercial do território brasileiro.
Guilherme Guinle fez o curso de humanidades no Colégio Kopke
e freqüentou a Escola Naval durante três anos. Ingressou em seguida na Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, formando-se em
engenharia civil em 1905. Depois de realizar estágio de aperfeiçoamento na
General Electric e outras empresas de eletricidade dos Estados Unidos, fixou
residência na Bahia, onde iniciou suas atividades ligadas a esse setor. Uma das
empresas que fundou e dirigiu — a Companhia Brasileira de Energia Elétrica —
construiu as usinas hidrelétricas de Alberto Torres (RJ) e Bananeiras (BA).
De
volta ao Rio de Janeiro, Guilherme Guinle fundou e tornou-se presidente do
Banco Boavista. Em 1914, dois anos depois do falecimento de seu pai, foi eleito
diretor da Companhia Docas de Santos, cuja presidência assumiu em 1918 e
exerceu até o fim de sua vida. Em 1923, organizou a Fundação Gaffrée Guinle em
homenagem à memória de seu pai e de Cândido Gaffrée, falecido em 1919. Voltada
para a assistência médica à população, a instituição fundou inicialmente 13
ambulatórios nos bairros do Rio de Janeiro e, em novembro de 1929, inaugurou um
grande hospital nessa cidade.
Guilherme
Guinle foi segundo vice-presidente do Centro Industrial do Brasil (CIB) na gestão
de Francisco de Oliveira Passos (1931-1936) e fez parte do círculo de
empresários ligados a Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório formado
depois da vitória da Revolução de 1930. No ano seguinte, com a adoção de novas
regras para a organização sindical no país, o CIB transformou-se em Federação
Industrial do Rio de Janeiro (FIRJ), mantendo a mesma diretoria.
Em
1934, começou a colaborar no financiamento dos trabalhos de prospecção de
petróleo no Recôncavo baiano que, realizados sob a chefia de Sílvio Fróis de
Abreu, levaram à descoberta do poço de Lobato em 1939. Nessa época, Guilherme
Guinle obteve uma efêmera concessão para desenvolver a exploração do produto,
dando em seguida apoio financeiro à prospecção petrolífera no Sul do país.
Segundo
o historiador norte-americano Robert Levine, Guinle contribuiu financeiramente
para a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política fundada em
março de 1935 e definida como “uma frente popular contra o imperialismo, o
latifúndio e o fascismo”. A ANL foi fechada pelo governo em 11 de julho do
mesmo ano, passando a operar na clandestinidade sob hegemonia do Partido
Comunista Brasileiro.
Guilherme
Guinle deixou a diretoria da FIRJ em 1936, e ingressou no conselho deliberativo
da Confederação Industrial do Brasil, fundada em 1933 e transformada cinco anos
depois na Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A criação da grande siderurgia no Brasil
A questão do desenvolvimento da metalurgia nacional ganhou
nova feição depois da Revolução de 1930. Não se tratava mais de incentivar a
criação de pequenas usinas, como havia sido feito até então, e sim de criar uma
indústria siderúrgica capaz de operar em larga escala, considerada essencial
para garantir a própria soberania nacional
Em
março de 1938, o governo federal reuniu os principais projetos existentes sobre
esse assunto e os submeteu à apreciação do Conselho Técnico de Economia e
Finanças do Ministério da Fazenda, cuja vice-presidência era exercida por
Guilherme Guinle. Depois de estudar as propostas elaboradas por Raul Ribeiro,
Paul Denizot e pela companhia norte-americana Itabira Iron, a maioria dos
integrantes do órgão manifestou-se a favor desta última, concordando com o
parecer apresentado pelo relator Pedro Rache. Guilherme Guinle e Mário de Andrade
Ramos opuseram-se energicamente à proposta aprovada e apresentaram seus votos
em separado, sendo apoiados em seguida por diversas autoridades militares.
Em seu parecer, Guinle reconhecia a necessidade de utilização
de capitais estrangeiros para o desenvolvimento do país, mas ressaltava a
inconveniência de deixar a exploração e comercialização de minérios brasileiros
a cargo de empresas estrangeiras. A seu ver, o governo deveria integrar na
economia nacional “pelo menos uma grande parte dessa enorme riqueza”,
coordenando a instalação da siderurgia pesada — inclusive a indústria do aço —
em local próximo a um grande centro de consumo. Relacionando essa questão com
“a criação da indústria básica e (…) a segurança da nação”, Guinle combatia
energicamente uma política que poderia levar o Brasil a entregar “em caráter
perpétuo” a propriedade de jazidas, estradas de ferro e portos situados em seu
território a uma nação estrangeira.
O debate em torno do tema se intensificou, mobilizando o
governo, políticos, empresários e militares, ao mesmo tempo em que começavam a
ser tomadas medidas concretas para a criação da grande siderurgia no Brasil. Em
janeiro de 1939, o tenente-coronel Edmundo de Macedo Soares e o chanceler
Osvaldo Aranha realizaram viagens simultâneas à Europa e aos Estados Unidos
para desenvolver negociações que resultaram em um compromisso preliminar do
Export-Import Bank (Eximbank) com o financiamento de uma usina e no envio de
uma missão técnica da United States Steel ao Brasil em junho.
Os
setores nacionalistas brasileiros, especialmente os militares, opuseram-se à
proposta elaborada pela companhia norte-americana, que pretendia se associar a
capitais privados brasileiros, inclusive da família Guinle, na condição de
sócia majoritária. Em agosto de 1939, o contrato da Itabira Iron foi
considerado caduco pelo governo brasileiro e em janeiro do ano seguinte foi
aprovado um Código de Minas que proibia o controle de capitais estrangeiros
sobre a mineração e a metalurgia no Brasil. Pouco depois, a United States Steel
desistiu de participar do projeto siderúrgico brasileiro, fortalecendo no
governo de Vargas a idéia de criar a grande siderurgia através de uma empresa
nacional, com ajuda de capitais estrangeiros apenas sob a forma de empréstimos.
Em março de 1940, Guilherme Guinle foi convidado por Vargas
para assumir a presidência da recém-criada Comissão Executiva do Plano
Siderúrgico Nacional, integrada também por Oscar Weinschenck, Ari Frederico
Torres, Heitor Freire de Carvalho, Edmundo de Macedo Soares e o capitão-tenente
Adolfo Martins de Noronha Torrezão. As negociações no exterior se desenvolviam
em várias frentes, incluindo países adversários entre si, como a Alemanha e os
Estados Unidos. Em 11 de junho de 1940, Vargas pronunciou um discurso a bordo
do encouraçado Minas Gerais que foi interpretado como sinal de uma aproximação
do Brasil com as potências do Eixo, alarmando profundamente as autoridades
norte-americanas. Segundo Humberto Bastos, por trás do discurso estavam as
ofertas da United States Steel e da empresa alemã Krupp. A primeira havia sido
retirada e a segunda estava em mãos do governo brasileiro.
Depois do discurso, Vargas procurou retomar as negociações
com os norte-americanos, enviando Guilherme Guinle, Macedo Soares e Ari Torres
para discutir com o Eximbank o financiamento para a usina brasileira. Ao mesmo
tempo, telegrafou para o presidente Roosevelt reiterando a lealdade do Brasil
com os Estados Unidos. Mesmo assim, de acordo com os documentos diplomáticos da
época, o governo norte-americano ficou preocupado com a possibilidade de o
Brasil aceitar a oferta alemã para a construção da usina.
Os
três representantes brasileiros chegaram a Washington em julho de 1940 e
encontraram a situação bastante modificada. O Eximbank concordou em conceder 20
milhões de dólares para financiar a siderúrgica, exigindo apenas a presença de
engenheiros e administradores norte-americanos no acompanhamento do projeto
durante suas fases iniciais. Posteriormente, com o desenvolvimento dos
trabalhos, o empréstimo foi elevado para 45 milhões de dólares em virtude do
aumento dos custos previstos.
A comissão presidida por Guilherme Guinle elaborou o plano da
construção de uma usina em Volta Redonda (RJ), recebendo aprovação do governo
para a implantação do projeto no dia 31 de janeiro de 1941. Em abril desse ano,
foi realizada a assembléia geral de constituição da Companhia Siderúrgica
Nacional, com capital inicial de quinhentos milhões de cruzeiros, divididos em
partes iguais em ações ordinárias e preferenciais. Guinle chamou o capital
privado brasileiro a se integrar no projeto e subscreveu 2.500 ações da nova
empresa em seu nome e outras 2.500 em nome da Companhia Docas de Santos.
Guilherme Guinle foi eleito primeiro presidente da Companhia
Siderúrgica Nacional, permanecendo no cargo até 1945, quando passou à condição
de membro do conselho consultivo da empresa. Em abril desse ano começaram a
funcionar os primeiros setores da Usina Presidente Vargas, em Volta Redonda. Em
6 de novembro, dias após a deposição de Getúlio Vargas da presidência
(29/10/1945), Guinle foi nomeado para a presidência do Banco do Brasil, função
que exerceu apenas durante 16 dias. Permaneceu até o fim da vida no conselho
consultivo da Companhia Siderúrgica Nacional.
Como empresário, Guilherme Guinle foi presidente da Companhia
Segurança Industrial, Companhia Nacional de Seguros, Companhia Nacional de
Tecidos de Juta, Fábrica de Tecidos Aliança, Usina São José, Banco Boavista
S.A., Indústria Brasileira de Regeneração de Óleos S.A., Artes Gráficas
Indústrias Reunidas, Moinho Selmi-Dei S.A., Companhia Territorial Jardim
Guilhermina, Companhia Brasileira de Educação, Fábrica de Tecidos Santa Helena,
Companhia Telefônica Nacional, Companhia de Cigarros Souza Cruz, Indústria da
Seda Nacional, Mesbla S.A. e Guinle e Irmãos. Foi membro do conselho executivo
da Companhia Belgo-Mineira, do conselho administrativo da Panair do Brasil e do
conselho diretor da Fundação Getulio Vargas. Foi também delegado do Tesouro
Nacional para a Carteira de Emissão do Banco do Brasil.
Guilherme Guinle ficou conhecido por sua obra filantrópica.
Além da criação e desenvolvimento da Fundação Gaffrée-Guinle, contribuiu com
doações para diversas instituições, como o Instituto do Câncer, a Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro e a de Santos, e o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Doou ao patrimônio carioca o parque da Cidade, na Gávea.
Faleceu no Rio de Janeiro, aos 78 anos de idade, solteiro, no
dia 20 de maio de 1960.
Publicou
trabalhos sobre a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande e o parecer Os
problemas da grande siderurgia nacional e a exportação do minério de ferro em
larga escala (1938).
A seu respeito, Geraldo Mendes Barros escreveu Guilherme
Guinle: 1882-1960; ensaio biográfico (1982).
Sônia Dias
FONTES: ABREU, A.
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