LOTT, Henrique
*militar; min. Guerra 1954-1960; cand.
pres. Rep. 1960.
Henrique
Batista Duffles Teixeira Lott nasceu em Sítio (MG),
hoje município de Antônio Carlos, no dia 16 de novembro de 1894, filho de
Henrique Matthew Lott e de Maria Batista Duffles Teixeira Lott. Seu pai era um
pequeno industrial e sua mãe professora primária.
Fez seus primeiros estudos no Ginásio Mineiro, em Barbacena,
e em março de 1905, quando se transferiu com a família para o Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, matriculou-se no Colégio Militar. Aluno interno, seguia
uma tradição familiar: seu bisavô e avô do lado paterno haviam pertencido ao
Exército inglês e entre seus antepassados por parte de mãe havia também
militares.
Ao
sentar praça em março de 1911, tentou inscrever-se na Escola Naval, mas no
próprio momento da matrícula desistiu da idéia por considerar que sua aparência
de rapaz pobre provocara hostilidade por parte do secretário da escola.
Continuou então seus estudos no Colégio Militar e, em 1913, quando o curso de
artilharia e engenharia foi extinto no colégio, transferiu-se para a curso de aplicação
de infantaria e cavalaria da Escola Militar do Realengo. Em janeiro de 1914 foi
declarado aspirante-a-oficial, sendo sua turma a primeira a se formar naquela
escola. Ainda em 1914, integrando o 56º Batalhão de Caçadores (56º BC),
participou de operações na Guerra do Contestado, rebelião popular de cunho
messiânico ocorrida entre 1912 e 1916 numa região fronteiriça do Paraná com
Santa Catarina cuja posse era disputada pelos dois estados.
Promovido
a segundo-tenente em fevereiro de 1916, entre dezembro de 1917 e junho de 1918
serviu no 59º BC em Belo Horizonte, de onde saiu para servir no 55º BC no Rio
de Janeiro. Em abril de 1919, ainda no Rio, serviu na Vila Militar como
instrutor de sargentos. Promovido a primeiro-tenente em novembro de 1920, fez
os cursos de engenharia militar, cavalaria e infantaria, em cuja arma foi
classificado, obtendo o primeiro lugar da turma.
Em
1922, quando eclodiu a Revolta de 5 de Julho, que deu início ao ciclo de
revoltas tenentistas da década de 1920, trabalhava no Serviço Geográfico do
Exército, participando do levantamento da Carta Geográfica Militar do Distrito
Federal. A sublevação irrompeu no Rio e em Mato Grosso em protesto contra a eleição de Artur Bernardes para a presidência da República e
as punições impostas pelo governo Epitácio Pessoa aos militares, com o
fechamento do Clube Militar e prisão do marechal Hermes da Fonseca. A revolta
foi debelada no mesmo dia, tendo envolvido, no Rio, o forte de Copacabana, a
Escola Militar e efetivos da Vila Militar e, em Mato Grosso, o contingente do Exército local. Lott só tomou conhecimento da insurreição após
esta ter sido esmagada.
Já no Segundo 5 de Julho, ocorrido dois anos depois, Lott
lutou ao lado das forças legalistas. Na ocasião freqüentava a Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, cujo curso concluiu como primeiro aluno da turma.
A Revolta de 5 de Julho de 1924 irrompeu em Sergipe, Amazonas e São Paulo,
sendo dominada com rapidez nos dois primeiros estados. Em São Paulo, porém, os rebeldes ocuparam a capital por três semanas, após o que rumaram para o
interior. Esse mesmo grupo rebelde viria a unir-se em abril de 1925, no oeste
do Paraná, ao contingente que sublevara em outubro do ano anterior unidades
militares no Rio Grande do Sul, constituindo dessa forma a Coluna Miguel
Costa-Prestes.
Em
março de 1925, Lott matriculou-se no primeiro ano da Escola de Estado-Maior do
Exército, cujo curso concluiu em dezembro de 1927, mais uma vez como primeiro
aluno da turma. Promovido a capitão durante o curso, em junho de 1926, foi
nomeado em fevereiro de 1928 instrutor da Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais, retornando em janeiro do ano seguinte, como instrutor, à Escola
Militar do Realengo.
Quando irrompeu a Revolução de 1930, Lott servia ainda como
instrutor da Escola Militar, onde comandava um batalhão. Segundo contou em
entrevista ao Cpdoc, já naquela ocasião defendia a tese de que os militares tinham
o dever de garantir o poder constituído, colocando-se por esse motivo contra o
movimento. Vitoriosa a revolução, manteve-se coerente com sua posição e teve
aceito seu pedido de demissão do cargo de instrutor, fato que, no seu entender,
levou-o a ter sua carreira prejudicada no Exército.
Em 1931 foi nomeado auxiliar de instrutor de tática de
infantaria da Escola de Estado-Maior do Exército e, em março do ano seguinte,
foi designado auxiliar de ensino de tática de infantaria, acumulando assim as
funções de instrutor e de professor de tática da escola. Quando eclodiu a
Revolução Constitucionalista em julho de 1932 e o governo determinou o
fechamento dos cursos de oficiais, foi nomeado adjunto do estado-maior da 4ª
Divisão de Infantaria (4ª DI), em Juiz de Fora (MG), e, logo depois, chefe da
4ª seção do estado-maior da 4ª DI. Promovido a major em fevereiro de 1933, e
transferido de volta à Escola de Estado-Maior do Exército, no ano seguinte
acumulou durante um mês e meio suas funções anteriores com as de subdiretor de
ensino. Em 1935 serviu em Campo Grande, então no estado de Mato Grosso, hoje
capital de Mato Grosso do Sul como comandante do 18º BC, entre fevereiro e
agosto, e do 16º BC, entre agosto e setembro, quando foi convidado para
integrar a Comissão de Estudos para a Indústria Brasileira e Compra de
Armamentos, em Bruxelas, na Bélgica, e Copenhague, na Dinamarca. Permanecendo
nesta última cidade até 1937, tomou conhecimento de que alguns colegas de farda
mais jovens (entre os quais o então capitão Humberto Castelo Branco) haviam-se
matriculado na Escola Superior de Guerra, em Paris. Na qualidade de primeiro colocado em cursos anteriores, fez então um requerimento
especial e conseguiu também matricular-se, ainda em 1937, na referida escola.
Promovido
a tenente-coronel em maio de 1938, em meados do ano seguinte concluiu o curso
em Paris, com distinção. De volta ao Brasil, integrou a delegação brasileira
que viajou ao Peru para a posse do presidente Manuel Prado. Nomeado em outubro
de 1939 comandante do Batalhão Escola da Vila Militar, no Rio de Janeiro, foi
promovido a coronel em fevereiro de 1940. Em dezembro desse ano foi nomeado
instrutor-chefe de tática geral e de estado-maior da Escola de Estado-Maior e,
em 1941, exerceu o cargo de vice-diretor dessa instituição. No ano seguinte
comandou o 15º Regimento de Infantaria (15º RI) em João Pessoa e o 26º BC em Belém, e voltou mais uma vez à Escola de Estado-Maior, da qual se
tornou comandante e diretor de ensino.
Em
decorrência de o Brasil haver declarado guerra ao Eixo em agosto de 1942, no
ano seguinte um grupo de 120 oficiais, entre os quais Lott, foi enviado para
fazer um curso de comando em Fort Leavenworth, nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, em 1944 Lott foi nomeado subchefe de uma comissão encarregada de
preparar a organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que iria
combater na Itália ao lado dos Aliados. Devido à lentidão dos trabalhos da
comissão, que era chefiada pelo general Anor Teixeira dos Santos, foi convidado
pelo ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, para apressar a
organização da FEB e sua entrada nos combates. O 1º Escalão da Força Expedicionária
partiu em julho de 1944 e Lott seguiu em setembro, junto com o 2º Escalão. A
participação de Lott na FEB foi pequena, pois esteve na Itália apenas um mês,
sem comando e na expectativa de uma função. Encontrando-se com Dutra, que
inspecionava as tropas da FEB, recebeu ordem de voltar ao Brasil para chefiar
um grupo de oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica incumbido de fazer um
levantamento do material bélico necessário para o reaparelhamento das forças
armadas brasileiras. Tal reaparelhamento respondia também aos interesses dos
Estados Unidos, que, prevendo a proximidade do final da guerra, pretendiam
negociar seu material excedente ou obsoleto.
Em novembro de 1944 Lott foi promovido a general-de-brigada,
seguindo logo depois para Santa Maria (RS) como comandante da Infantaria
Divisionária local (ID/3). Estava nesse posto quando, sondado, aquiesceu com o
movimento militar que destituiu Vargas no dia 29 de outubro de 1945. Deixou a
ID/3 em março de 1946, para comandar a ID/2, em São Paulo. Em maio desse mesmo ano ocupou interinamente o comando da 2ª Região Militar (2ª
RM), em São Paulo, e no mês seguinte tornou-se subchefe do Estado-Maior do
Exército (EME), no Rio de Janeiro.
Em dezembro de 1946 Lott foi nomeado adido militar junto à
embaixada brasileira em Washington, acumulando esse cargo com o de delegado à
Junta Interamericana de Defesa. Em dezembro de 1948 foi promovido a
general-de-divisão.
Comandante da 2ª RM e da 2ª DI em São Paulo entre 1949 e 1952, a partir deste último ano Lott foi diretor-geral de Engenharia
do Exército, no Rio de Janeiro. De 1953 em diante exerceu cumulativamente essa
função com a de membro da Comissão de Promoção do Exército, até o dia 24 de
agosto de 1954, data do suicídio do presidente Vargas.
No ministério de Café Filho
Uma grande mobilização de massas tomou conta das principais
capitais do país logo após o anúncio da morte do presidente. A envergadura da
reação popular desarmou a ofensiva que vinha sendo montada contra o governo nos
últimos meses e barrou a alternativa de uma intervenção de caráter
antigetulista radical por parte das forças armadas, que vinha sendo preparada
por líderes militares e estimulada pelo jornalista Carlos Lacerda. Lott, que se
mantivera afastado da conspiração, aquiesceu contudo em juntar seu nome a um
manifesto contrário ao presidente da República assinado por generais e
divulgado na véspera da morte de Vargas.
No próprio dia do suicídio de Vargas, o vice-presidente João
Café Filho tomou posse na presidência da República. Conhecido por suas posições
de intolerância a qualquer indisciplina militar, Lott foi imediatamente
escolhido para ocupar o Ministério da Guerra. Ex-instrutor e comandante de
inúmeras unidades de ensino do Exército, conhecia boa parte da oficialidade e
não teve dificuldades em remanejá-la nos diferentes postos, de modo a
dificultar as atividades conspirativas em curso. A composição do ministério de Café Filho, entretanto, era quase toda antigetulista e ligada à União
Democrática Nacional (UDN), partido que encabeçara a campanha anti-Vargas.
No dia 18 de setembro de 1954, menos de um mês após,
portanto, o suicídio do ex-presidente, foi divulgado um documento conhecido
como Manifesto dos generais, assinado também por Lott, que tentava
reconstituir historicamente, do ponto de vista de seus signatários, os
acontecimentos da crise político-militar de agosto. Nele era dito que as forças
armadas sempre haviam procurado manter a ordem e a Constituição e que a
proposta que haviam feito no sentido do afastamento de Vargas havia sido a
única forma de preservar sua unidade e a própria Constituição.
Ainda nos primeiros meses de sua gestão como ministro, Lott
modificou, de acordo com a orientação do presidente da República, o sistema de
promoções ao generalato. Até então os coronéis classificados votavam entre si,
sendo promovidos aqueles que recebessem o maior número de votos. Com as
modificações, para evitar que o voto em si mesmo acabasse influindo, passou-se
para os generais a atribuição de votar nos coronéis mais aptos a serem
promovidos.
Conforme
previa o calendário eleitoral, no dia 3 de outubro de 1954 foram realizadas as
eleições para os governos de 11 estados, para a Câmara dos Deputados e o Senado
Federal. O resultado das urnas não alterou significativamente a composição do
Congresso, mas a UDN teve sua representação diminuída, perdendo dez cadeiras e
passando de 84 para 74 deputados.
Logo após os resultados do pleito eleitoral, a questão da
sucessão presidencial passou a constituir o tema central das discussões
políticas. A direção nacional do Partido Social Democrático (PSD) lançou de
imediato, ainda que de forma extra-oficial, a candidatura do governador de
Minas Gerais, Juscelino Kubitschek. Essa candidatura, embora não contasse com o
apoio dos pessedistas de Pernambuco, liderados pelo governador Etelvino Lins,
de Santa Catarina, tendo à frente Nereu Ramos, e do Rio Grande do Sul, fez com
que as forças antigetulistas se sentissem ameaçadas. Em janeiro de 1955 Carlos
Lacerda, em artigo publicado na Tribuna da Imprensa, exortava as forças
armadas a “entregarem a mãos fortes a sucessão presidencial para a reorganização
completa do país”.
O presidente Café Filho, a UDN e a alta oficialidade das
forças armadas defendiam a tese de um candidato de “união nacional” para a
presidência da República. Assim, ainda no mês de janeiro de 1955, o ministro da
Marinha Edmundo Jordão Amorim do Vale entregou pessoalmente a Café Filho um
documento nesse sentido, assinado pelos três ministros militares e por várias
outras importantes patentes das forças armadas. O documento apelava aos
dirigentes dos principais partidos políticos para que resolvessem o problema da
sucessão presidencial com espírito de cooperação interpartidária, ressaltava a
conveniência de um candidato único e civil e assegurava que a candidatura de
qualquer líder militar não encontraria respaldo nas forças armadas.
Entretanto, a candidatura de Juscelino crescia indiferente ao
apelo dos adeptos da “união nacional”, passando a receber também o apoio do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que em 18 de abril indicou oficialmente o
nome de João Goulart à vice-presidência na chapa de Kubitschek. A tese da
“união nacional” enfraqueceu-se ainda mais quando o Partido de Representação
Popular (PRP) lançou a candidatura de seu presidente e ex-chefe integralista,
Plínio Salgado. Em junho — mês em que Lott foi promovido a general-de-exército
— o Partido Social Progressista (PSP) também lançou a candidatura de seu
presidente e ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, que tinha como
companheiro de chapa o petebista dissidente Danton Coelho. Diante do quadro de
candidatura que se formava, a UDN rendeu-se à realidade do jogo das forças
políticas e, no dia 31 de julho, em convenção nacional, homologou as
candidaturas de Juarez Távora e Mílton Campos, presidente nacional do partido,
à presidência e vice-presidência da República.
Lançadas
oficialmente as quatro chapas, a crise política agravou-se. O grupo organizado
em torno do Clube da Lanterna, liderado por Carlos Lacerda, apregoava cada vez
mais um golpe militar. No dia 5 de agosto, quando do aniversário da morte do
major Rubens Vaz, o general Canrobert Pereira da Costa, na qualidade de
presidente do Clube Militar, proferiu um discurso que alcançou grande
repercussão e contribuiu para agravar as tensões: além de pedir a unidade das
forças armadas e a reformulação dos costumes políticos do país, referia-se ao
regime de “falsidade democrática” e de “pseudolegalidade em que vivia o país”,
lamentando que a fórmula da “união nacional” não tivesse vingado. Um dia
depois, a revista Manchete publicou declarações de oficiais de várias
patentes criticando o sistema eleitoral vigente. Diante disso tudo, Juscelino
declarou à imprensa que não concordava que o país vivesse num regime de
falsidade democrática e alguns parlamentares chegaram a pedir a Café Filho a
prisão de Canrobert.
Uma
semana mais tarde, o diário do Partido Comunista Brasileiro, então Partido
Comunista do Brasil (PCB), Imprensa Popular, editado no Rio de Janeiro,
publicou em sua primeira página o Manifesto eleitoral do Partido
Comunista do Brasil. O documento, que contribuiu igualmente para
intensificar a crise, conclamava a população a se unir “para impedir a
implantação de uma ditadura militar fascista no Brasil” e expressava a posição
oficial do PCB de apoio às candidaturas de Kubitschek e Goulart. Esse documento
causou grande irritação nos meios militares e Lott declarou-se publicamente
preocupado com o apoio dos comunistas a Kubitschek e Goulart e com a aceitação
daquele apoio por parte dos dois candidatos.
Enquanto
isso, na Câmara, a UDN movimentava-se para alterar os métodos de votação nas
eleições que se avizinhavam. Alegando o temor da fraude no pleito presidencial,
os udenistas propuseram a instituição da cédula oficial de votação, impressa
exclusivamente pelo Estado e portadora dos nomes dos candidatos. O Senado
manifestou-se a favor da adoção de cédula oficial mas na Câmara o PSD opôs-se
firmemente a ela. No dia 16 de agosto o projeto udenista foi derrotado em
votação na Câmara e, no dia seguinte, Lott compareceu a essa casa para
transmitir a seu presidente, Carlos Luz, o “ponto de vista das forças armadas”,
favorável à adoção da cédula.
No
dia 19 de agosto a Tribuna da Imprensa, em artigo assinado por Carlos
Lacerda, lançava o “Programa para o contragolpe” onde, entre outras medidas,
pedia a extinção dos partidos políticos com menos de um milhão de votos, a
instituição do parlamentarismo e o adiamento das eleições presidenciais de 3 de
outubro de 1955 para 1º de janeiro de 1956. Um dia depois, a 20 de agosto, o Jornal
do Comércio de Recife publicou o Manifesto de apoio à
legalidade, assinado por um grupo de oficiais do Exército lotados em
guarnições do norte e nordeste do país.
A discussão a respeito da cédula prosseguia e, poucos dias
depois, chegou-se a uma solução de compromisso patrocinada pelo presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edgar Costa: todos os candidatos
seriam relacionados numa única cédula, a ser impressa e distribuída tanto pelo
governo, quanto pelos partidos políticos. Apesar da oposição da bancada
udenista, a relação final do projeto da “cédula única” — como ficou conhecida —
foi aprovada no dia 27 de agosto.
Depois
de superado o problema da cédula, já no mês seguinte outro fato veio contribuir
para acirrar a tensão. O deputado Carlos Lacerda publicou um documento,
conhecido como “Carta Brandi”, onde Goulart aparecia como responsável por
entendimentos secretos com o governo peronista, buscando uma “coordenação
sindical” entre o Brasil e a Argentina e a aquisição de armas contrabandeadas
através de Uruguaiana (RS). A pedido de líderes petebistas, Lott procedeu a uma
investigação, entregando a chefia do inquérito policial-militar ao general
Emílio Maurell Filho, secretário-geral do Ministério da Guerra. Esse ministério
emitiu uma nota no dia das eleições, baseada em notícia enviada da Argentina,
dando margem a que se admitisse a denúncia como verdadeira. Porém, depois da
votação, ainda no mês de outubro, o inquérito concluiria que a carta era
“incontestavelmente falsa”.
O 11 de Novembro
Transcorridas
as eleições no dia 3 de outubro de 1955, Kubitschek obteve 3.077.411 votos (36%
de total) —, Juarez Távora, 2.610.462 (30%), Ademar de Barros, 2.222.725 (26%)
e Plínio Salgado, 714.379 (8% do total). Para vice-presidente, João Goulart
recebeu cerca de três milhões e seiscentos mil votos, aproximadamente duzentos
mil a mais do que Mílton Campos, enquanto Danton Coelho obteve apenas pouco
mais de um milhão de votos.
Na tentativa de impedir a posse dos candidatos eleitos, a UDN
alegava que as eleições haviam sido fraudulentas e contestava a validade dos
votos dados pelos comunistas aos candidatos vitoriosos. Utilizando também esses
argumentos, o próprio ministro da Aeronáutica, Eduardo Gomes, pronunciou-se
contra a posse de Juscelino e Goulart. Ao mesmo tempo, compartilhando das
posições golpistas de Lacerda, o presidente da Cruzada Brasileira
Anticomunista, o contra-almirante Carlos Pena Boto, declarou a O Globo
(14/10/1955) “ser indispensável impedir que Juscelino e Jango tomem posse nos
cargos para que foram indevidamente eleitos”. Na área militar os ministros
Eduardo Gomes e Amorim do Vale tentavam convencer Lott da justeza da tese da
“maioria absoluta”, projeto de emenda constitucional apresentado pelo deputado
udenista Afonso Arinos de Melo Franco, segundo o qual a eleição presidencial
deveria ser transferida para a Câmara dos Deputados caso o candidato eleito não
conseguisse maioria absoluta nas urnas.
Dirigindo-se ao presidente do TSE, Luís Gallotti, Lott foi
certificado do que definia a Constituição e colocou-se contra a tentativa
udenista. Segundo declararia mais tarde em entrevista a O Estado de S. Paulo
(28/9/1980), “a partir desse momento as divergências com os ministros
Eduardo Gomes e Amorim do Vale começaram a se aprofundar”.
Por outro lado, militares favoráveis à posse dos candidatos
eleitos também se pronunciavam publicamente. Entre eles, o general Euclides
Zenóbio da Costa, último ministro da Guerra de Vargas e chefe da Inspetoria
Geral do Exército, assinou um manifesto publicado na imprensa no dia 18 de
outubro, advertindo o Exército para a ação golpista de uma “minoria desvairada”
que se convertia “numa ameaça grave à ordem e ao progresso do país”. Café Filho
pediu a Lott a punição de Zenóbio, por haver se manifestado sobre assuntos
políticos. Lott atendeu ao presidente, mas solicitou simultaneamente a demissão
do general Alcides Etchegoyen, então inspetor da Artilharia de Costa e da
Artilharia Antiaérea, que se havia pronunciado contra a posse de Juscelino e
Goulart. Os dois generais perderam, então, seus cargos.
No dia 1º de novembro, por ocasião do enterro do general
Canrobert Pereira da Costa, a crise político-militar ganhou nova dimensão.
Durante a cerimônia, na qual, entre outros oradores, Lott pronunciou um
discurso, um destacado integrante da corrente udenista nas forças armadas, o
coronel Jurandir de Bizarria Mamede, pediu a palavra e fez também um
pronunciamento. Mamede, que não estava escalado para falar, além de elogiar o
general morto por haver liderado o movimento contra Vargas em agosto de 1954,
afirmou que “seria uma indiscutível ‘mentira democrática’ se o regime
presidencial, que comporta uma enorme soma de poderes no Executivo, permitisse
a vitória da minoria que seria consubstanciada na posse dos eleitos”. Lott
julgou imprescindível a punição de Mamede, o que entretanto dependia do
assentimento de Café Filho, pois o oficial na ocasião lecionava na Escola
Superior de Guerra (ESG), órgão ligado ao Estado-Maior das Forças Armadas
(EMFA) que, por sua vez, era subordinado à Presidência da República.
Naquela mesma noite Lott recebeu um telefonema de Eduardo
Gomes e lhe falou de sua posição a respeito de Mamede. O brigadeiro,
entretanto, queria pedir a Lott que assinasse um relatório sobre as atividades
comunistas no país, no qual era solicitado o fechamento dos diversos órgãos de
imprensa ligados ao PCB, inclusive o jornal Imprensa Popular. Já na
manhã do dia seguinte, Café Filho recebeu esse relatório assinado pelos três
ministros militares. O presidente convocou, então, o ministro da Justiça, José
Eduardo Prado Kelly, que por sua vez procurou o consultor-geral da República,
Temístocles Cavalcanti, tendo ambos julgado inconstitucional o ato reclamado
pelos ministros militares.
Persistindo em seu empenho de punir o coronel Mamede, no dia
3 Lott telefonou para o chefe do Gabinete Militar, coronel José Canavarro
Pereira, para saber se Café Filho já havia tomado conhecimento do discurso de
Mamede. Foi então informado de que o presidente acabava de ser internado no
Hospital dos Servidores do Estado. No dia seguinte, Lott foi chamado por Carlos
Luz — presidente da Câmara dos Deputados e substituto legal de Café Filho —,
que lhe pediu um relato sobre a situação no Exército. O ministro da Guerra
transmitiu ao presidente interino a opinião de que quase todos os chefes e
oficiais estavam a favor da manutenção da ordem constitucional e do respeito às
decisões da Justiça Eleitoral. Lott ressaltou ainda a importância das
providências de caráter disciplinar que havia solicitado em relação ao “caso
Mamede”, oferecendo quatro linhas de ação para solucionar o problema: a) volta
do oficial aos quadros do ministério, sem qualquer punição; b) sua punição por
intermédio do EMFA; c) sua punição pelo presidente da República; d) sua punição
pelo ministro da Guerra. Ao final da conversa Lott afirmou a Carlos Luz que
preferia a aplicação da primeira fórmula, acrescentando ainda que, se o caso
não fosse resolvido dentro de uma das alternativas por ele apresentadas,
abandonaria o ministério.
Ainda no dia 4, o brigadeiro Luís Leal Neto foi punido com
dez dias de prisão pelo ministro da Aeronáutica, Eduardo Gomes, que era
contrário à punição de Mamede, por haver declarado ao Correio da Manhã ser
favorável à posse dos candidatos eleitos.
No
dia 5 Lott resolveu pedir diretamente ao chefe interino do EMFA, brigadeiro
Gervásio Duncan de Lima Rodrigues, por meio de um ofício, a reversão de Mamede
às fileiras do Exército sob o argumento de que já se havia esgotado o prazo
limite de três anos permitido para um oficial servir na ESG. Duncan, que queria
evitar que Mamede fosse punido, respondeu afirmando que ele ainda era
necessário à escola.
Como
a junta médica que tratava de Café Filho exigiu que este ficasse inativo por
mais alguns dias, no dia 8 Carlos Luz foi empossado na presidência da
República, sendo substituído por José Antônio Flores da Cunha, da UDN gaúcha,
na presidência da Câmara dos Deputados. No dia seguinte à sua posse, Carlos Luz
reuniu os ministros de Café Filho e comunicou-lhes sua intenção de manter o
mesmo gabinete. Logo após a reunião, Lott pediu uma audiência particular ao
presidente e exigiu uma definição para o “caso Mamede”.
Voltando
no dia 10 ao palácio do Catete para a audiência marcada, Lott foi recebido por
Carlos Luz depois de esperar hora e meia. Na conversa entre os dois o
presidente comunicou ao ministro da Guerra o parecer do consultor-geral da
República, Temístocles Cavalcanti, contrário à punição do coronel Mamede, acrescentando
que este último permaneceria lotado no EMFA, resguardado, portanto, de qualquer
sanção. Imediatamente Lott colocou seu cargo à disposição do presidente, que,
além de aceitar o pedido de demissão, informou-lhe que já havia pensado num
substituto para o posto, o general Álvaro Fiúza de Castro. O general Fiúza, que
se encontrava naquele momento no palácio, foi chamado à sala da reunião e tanto
ele quanto o presidente manifestaram o desejo de que a posse fosse imediata.
Lott argumentou, entretanto, que precisava “esvaziar as gavetas” do ministério,
ficando assim a transmissão do cargo marcada para o dia seguinte.
A notícia da demissão de Lott provocou intensa atividade nos
círculos militares e políticos ligados a Juscelino. Ainda no dia 10, na casa do
general Zenóbio da Costa, reuniu-se o comando central do Movimento Militar
Constitucionalista, composto por oficiais que serviam sob suas ordens. Na
residência do general Odílio Denis, comandante da Zona Militar Leste (hoje I
Exército), realizou-se uma outra reunião congregando dez generais comandantes
das guarnições do Rio de Janeiro, além do general Olímpio Falconière da Cunha,
comandante da Zona Militar Centro (atual II Exército), que se encontrava de
passagem pelo Rio. O general Denis estivera com Lott antes da reunião e o havia
informado de que a Marinha e a Aeronáutica estavam de prontidão. Quando
comunicou-lhe que ele e os generais sob seu comando estavam dispostos a
abandonar seus cargos caso Lott deixasse o ministério e que julgavam
conveniente que o Exército também entrasse de prontidão, o ministro da Guerra
colocou-se contra, ainda não convencido da validade de opor-se abertamente ao
que considerava intentos golpistas do governo. Finalmente, à uma hora da
madrugada do dia 11, Lott telefonou para o general Denis e comunicou-lhe que
estava disposto a agir. Juntando-se ao grupo que se encontrava na casa de
Denis, seguiu para o Ministério da Guerra, onde foi centralizado o comando das
operações militares. Às quatro horas da manhã Carlos Luz tentou comunicar-se
com Lott, mas este recusou-se a atendê-lo.
Após sua deflagração, o movimento ganhou inúmeras adesões. Às
seis horas da manhã Lott expediu uma declaração aos chefes dos estados-maiores
dos principais comandos do país explicando sua posição, “como intérprete dos
anseios do Exército, objetivando o retorno da situação aos quadros normais do
regime constitucional vigente”. Paulatinamente, todas as unidades do Exército
foram-se pronunciando a favor da decisão do ministro da Guerra. Lideradas pelos
generais Floriano de Lima Brayner e Emílio Maurell Filho, as tropas de Lott
chegaram ao palácio presidencial ainda a tempo de prender os generais Fiúza de
Castro e Alcides Etchegoyen, levados em seguida para o Ministério da Guerra.
Com a situação do Rio definida em favor de Lott, Pena Boto
sugeriu a Carlos Luz que transferisse o governo para Santos, já que contava com
o apoio das tropas sediadas em São Paulo, cujo comando estava nas mãos do
general Tasso Tinoco. A sugestão foi aceita e, às nove horas da manhã do dia
11, o cruzador Tamandaré zarpou levando a bordo 27 personalidades, entre
as quais Carlos Luz, Carlos Lacerda, Prado Kelly e outros. Conseguindo
entretanto chegar a tempo em São Paulo, o general Falconière impôs seu comando,
colocando as tropas sediadas naquele estado ao lado das forças de Lott.
A
partir daí, com a situação militar sob controle, Lott chamou ao Ministério da
Guerra os deputados José Maria Alkmin e Flores da Cunha e o senador Nereu
Ramos, propondo-lhes promover a substituição legal do presidente Carlos luz.
Assim, baseando-se no artigo 79, §1º da Constituição, a aliança PSD-PTB
apresentou na Câmara e no Senado moção declarando Luz impedido para o exercício
da presidência e designando o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, para o
cargo. Na Câmara a moção foi aprovada por 185 votos contra 72 e no Senado por
43 votos contra oito. Assim, no próprio dia 11, às 18:30h, Nereu Ramos foi
empossado na presidência da República, onde deveria permanecer até o
restabelecimento de Café Filho. O novo presidente nomeou os ministros de seu
gabinete, reconduzindo Lott à pasta da Guerra e designando o brigadeiro Vasco
Alves Seco para a Aeronáutica e o almirante Antônio Alves Câmara Júnior para a Marinha.
No dia 14 os três ministros militares enviaram a Nereu Ramos
um memorando que solicitava a decretação do estado de sítio e acusava Carlos
Luz de estar sob a influência daqueles que tramavam contra o regime. Nesse
mesmo dia o Tamandaré, que retornava ao Rio depois de haver ficado clara
a inutilidade da resistência, fundeou na baía de Guanabara. O deputado Ovídio
Abreu, do PSD, enviado a bordo pelo presidente Nereu Ramos, pediu a renúncia de
Luz à presidência da Câmara, cargo que legalmente lhe cabia, já que não estava
mais à frente do governo, oferecendo em troca a permissão para desembarcar. Luz
afirmou que pretendia renunciar, mas que não assinaria nenhuma declaração
naquele sentido a bordo do Tamandaré. Essa resposta não tranqüilizou
Lott e outros membros do ministério, que temiam que Luz viesse a tomar alguma
medida legal contra a decisão do Congresso. Somente depois de assegurar não ser
esta sua intenção, Luz pôde desembarcar.
O recrudescimento da crise
Devido
à suspeita de envolvimento de Café Filho nas articulações contra a posse de
Juscelino e Goulart, a perspectiva de seu retorno à presidência era fonte de
preocupações para o novo governo. No dia 20 de novembro, Juarez Távora
entrevistou-se com Lott e, fazendo referência à gravidade da situação, afirmou
ao ministro da Guerra que o “desastre total” talvez pudesse ser evitado caso
Café Filho retornasse à presidência. Concordando em princípio com Juarez, Lott
concluiu que uma solução nesse sentido dependeria das intenções de Café. Este,
segundo Lott estava informado, continuava em conversações com seus antigos
ministros e em entendimentos com Nereu Ramos, com vistas a acertar seu retorno
imediato às funções de presidente da República.
Desconfiado das intenções de Café Filho, Lott presidiu no
mesmo dia uma reunião de generais para debater o caso, concluindo finalmente
que a melhor solução seria que Café não retornasse à presidência. Informado de
que Café Filho desejava um entendimento, Lott visitou-o ainda no dia 20, na
clínica onde estava internado, informando-o dos resultados da reunião dos
generais. Eximindo-se de qualquer responsabilidade no processo que culminou com
a demissão de Lott e afirmando que as medidas naquele sentido haviam sido
tomadas por Carlos Luz à sua revelia, Café Filho insistiu em ser reempossado,
dizendo que preferia ser deposto a renunciar.
Na manhã do dia seguinte, a junta médica que o assistia
declarou-o em condições de voltar à presidência. Em seguida, Café assinou uma
declaração oficial, redigida por Prado Kelly, informando Nereu Ramos e os
presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal (STF) de que, a
partir daquele momento, reassumia o cargo de presidente da República. Quando o
documento de Café Filho chegou à Câmara já era sabido que Lott desejava que o Congresso
votasse o impedimento do presidente licenciado. Havia entretanto entre os
parlamentares uma forte resistência ao desejo do ministro da Guerra: o próprio
líder do PSD, Gustavo Capanema, afirmou que o Congresso não poderia afastar
Café Filho devido à inexistência de base legal. O problema foi contornado pelo
vice-líder do PSD, Tarcílio Vieira de Melo, que pronunciou o discurso que
Capanema se recusara a fazer, justificando o afastamento de Café.
Liberado pelos médicos, após reunir-se com seus ministros
Eduardo Gomes, Amorim do Vale, Bento Munhoz da Rocha, Prado Kelly e Napoleão
Alencastro Guimarães, Café Filho deixou a clínica onde estava internado.
Quando, porém, chegou à sua residência em Copacabana, encontrou o prédio
cercado por poderoso aparato militar, que incluía até veículos blindados. O
presidente licenciado obteve permissão para entrar no edifício, mas seus
acompanhantes tiveram que ficar do lado de fora. Ao mesmo tempo, por ordem de
Lott, o palácio do Catete havia sido cercado por tanques e tropas, e todas as
unidades do Exército sediadas no Rio haviam sido colocadas em estado de alerta.
Às duas horas da manhã do dia 21 de novembro foi iniciada a
votação do afastamento de Café. Na Câmara a proposta foi aprovada por 179 votos
contra 94 e no Senado por 35 contra 16 votos. Nereu Ramos foi, então,
confirmado como presidente legítimo até a posse de Juscelino, que se daria a 31
de janeiro de 1956. No dia 22 os três ministros militares, em nome das forças
armadas, assinaram um documento reafirmando seu total apoio ao presidente Nereu
Ramos e a mais completa liberdade de decisão do Poder Legislativo.
No ministério de Juscelino
Empossados Juscelino e Goulart, Lott foi mantido no
Ministério da Guerra e, logo depois, tratou de distribuir pelas circunscrições
de recrutamento de todo o país os oficiais suspeitos de conspirarem contra o 11
de Novembro, tirando-lhes o comando de tropas.
No
entanto, já em fevereiro de 1956 o ministro da Guerra teve que enfrentar uma
rebelião militar, conhecida como Revolta de Jacareacanga, no Pará. O movimento
era chefiado pelo major-aviador Haroldo Veloso e pelo capitão-aviador José
Chaves Lameirão, envolvendo uns poucos militares da Aeronáutica. Os rebeldes
conseguiram manter sob seu controle por alguns dias a cidade de Santarém, além
de três outros pequenos povoados, mas, ao final do mês de fevereiro, o
movimento já havia sido debelado e Veloso, juntamente com vários outros
oficiais, fora preso e enviado para Belém.
Preocupado em governar numa atmosfera de distensão, o
presidente Kubitschek obteve do Congresso a concessão de uma anistia “ampla e
irrestrita” para todos os civis e militares acusados de haverem cometido “atos
revolucionários” entre 10 de novembro de 1955 e 1º de março de 1956,
incluindo assim os rebeldes de Jacareacanga. De outro lado, com o intuito de
desarticular o ambiente conspirativo reinante no meio militar, Lott empenhou-se
indiretamente nas eleições para a presidência do Clube Militar em maio de 1956,
passando a proibir a propaganda nas unidades militares dentro do expediente.
Nessa ocasião, foi eleito presidente do clube o general José Segadas Viana,
derrotando a chapa encabeçada pelo candidato da Cruzada Democrática, general
Nicanor Guimarães de Sousa, o que significou uma vitória das posições
defendidas pelo ministro da Guerra. O Clube Militar era antes presidido pelo
general Pedro Leonardo Campos, que por sua vez havia substituído o general
Canrobert Pereira da Costa. Nas eleições subseqüentes de 1958 e de 1960 mais
uma vez as posições de Lott sairiam fortalecidas, com a vitória nos dois
pleitos do general Justino Alves Bastos.
Ainda em maio de 1956, quando ocorreu a primeira manifestação
popular, liderada pelos estudantes, contra o aumento das tarifas de bonde no
Rio de Janeiro, Lott foi convocado por Kubitschek, juntamente com Odílio Denis,
comandante do I Exército, e Felisberto Batista Teixeira, chefe de polícia, para
que fosse encontrada uma forma de sustar o movimento. A cidade foi ocupada por
tropas militares, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi cercada e até
deputados foram espancados pela polícia, fato que provocou protestos na Câmara.
Nessa época avolumavam-se as rivalidades e os ataques mútuos
através da imprensa entre os elementos ligados ao Clube da Lanterna e à Frente
de Novembro, esta última integrada por civis e militares que defendiam a
legalidade constitucional e apoiaram a ação de Lott no Movimento do 11 de
Novembro de 1955. No dia 10 de agosto, o deputado Raimundo Padilha, da UDN,
acusou Lott de oferecer postos de comando no Exército a elementos comunistas.
Em resposta ao ataque de Padilha, o ministro da Guerra aludiu ao fato de esse
parlamentar haver sido durante a guerra simpático à causa alemã. Ainda no mês
de agosto, a Tribuna da Imprensa acusou o presidente de estar “afinado
com os comunistas e dominado por traidores”, sofrendo uma apreensão cuja ordem,
segundo o general Augusto Magessi da Cunha Pereira, teria partido de escalões
superiores do Exército. Aproveitando esse incidente, os comunistas, com o apoio
do ministro do Trabalho, José Parsifal Barroso, promoveram uma homenagem a
Caxias e outra, no Ministério da Guerra, ao patrono da Frente de Novembro, o
ministro Henrique Lott, que, em seu discurso de agradecimento, exaltou o regime
democrático.
No dia 2 de outubro de 1956 Lott fez parte da comitiva
encabeçada pelo presidente Juscelino Kubitschek na visita ao local escolhido
para a construção de Brasília.
Por ocasião do primeiro aniversário do 11 de Novembro, o
ministro da Guerra foi mais uma vez homenageado por lideranças sindicais e
diversas associações, algumas das quais reconhecidamente comunistas, recebendo
em praça pública uma espada de ouro como símbolo da sua luta pela legalidade.
Sabedor de que essa atitude de Lott desagradava aos meios militares, Juscelino
chegou a enviar emissários solicitando ao ministro da Guerra que desistisse da
homenagem. Lott, entretanto, foi irredutível. Ante as punições sofridas por
alguns oficiais que compareceram à cerimônia e o conseqüente agravamento de
tensões no seio das forças armadas, no dia 21 de novembro de 1956 Juscelino
enviou aos três ministros militares uma recomendação proibindo a todos os
oficiais, quer da ativa, quer da reserva, qualquer pronunciamento político. Por
fim, considerando que a única saída seria a extinção dos dois focos de
agitação, Juscelino chamou João Goulart, presidente da Frente de Novembro, e
avisou-lhe do fechamento da entidade. O Clube da Lanterna foi igualmente
fechado. Quanto a Lott, Juscelino não só comunicou-lhe sua decisão, como
solicitou que providenciasse a prisão imediata do general Juarez Távora em
função do pronunciamento que este havia feito na véspera, dia 22 de novembro,
atacando a autoridade moral do presidente. Juarez foi então preso por 48 horas
em sua residência.
No
dia 25 Lott viajou para São Paulo a fim de inspecionar algumas unidades do
Exército e foi, mais uma vez, homenageado em praça pública, recebendo o título
de Cidadão Paulistano, entregue pelo prefeito Vladimir Toledo Piza.
No tocante ao capital estrangeiro, Lott, em perfeita sintonia
com Kubitschek, defendia sua entrada maciça no país, declarando à revista O
Cruzeiro (17/11/1956) que, na prática, não via dicotomia entre “capital
estrangeiro” e “capital nacional”, mas lhe interessava somente o capital “em
si’, como mola do progresso. Nessa entrevista afirmou ainda sua profunda
convicção anticomunista.
No
final de 1956 o governo norte-americano incumbiu seu embaixador no Brasil de
propor às autoridades brasileiras a instalação, em Pernambuco, de uma estação
de rastreamento de foguetes. Juscelino submeteu o assunto aos três ministros
militares, que vetaram o local escolhido, sugerindo a ilha de Fernando de
Noronha. Além disso, exigiram especificações a respeito da natureza e do uso
dos equipamentos utilizados e um esquema dos trabalhos a serem realizados. Ante
essas exigências, houve uma série de discussões com as autoridades
norte-americanas sobre o assunto, conseguindo-se ao final a presença de
oficiais brasileiros em todos os setores da base, ficando, entretanto, os
Estados Unidos com o direito de manter em segredo vários aspectos do seu plano
de operações. Em 17 de dezembro de 1956 o acordo foi assinado, tendo ainda
recebido um último ajuste no dia 21 de janeiro de 1957. Pela concessão o Brasil
recebeu cerca de cem milhões de dólares em armamentos.
Com sua atuação em defesa da ordem e da legalidade, Lott
desagradava profundamente aos círculos oposicionistas do governo Kubitschek. Em
maio de 1957, passando por cima das autoridades policiais locais, o Exército
interveio colocando tanques nas estradas para impedir o movimento que ficou
conhecido como a Marcha da Produção, organizada por cafeicultores do Paraná,
São Paulo e Minas Gerais. Os agricultores pretendiam marchar em direção ao
Catete, saindo uma coluna de cada estado, com o objetivo de pressionar o
governo para uma reforma no sistema cambial que viesse a beneficiar a
cafeicultura.
Retornando a São Paulo em junho, Lott foi homenageado com um
banquete pelos principais comandantes do Exército e da Aeronáutica naquele
estado. Na ocasião, vários oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) que não
compareceram ao ato foram presos. Ainda no mês de junho Lott entrou em atrito
com o ministro da Fazenda, José Maria Alkmin, em torno do aumento do custo de
vida. Em memorial enviado a Juscelino, o ministro da Guerra chegou a apontar
Alkmin como o responsável direto pela crise financeira. Nesse mesmo período
Lott sofreu pesado ataque da imprensa oposicionista por se ter declarado
favorável ao projeto de lei que instituía o voto aos analfabetos. O projeto foi
apresentado pelo PTB e derrotado na Câmara em agosto de 1957.
Em maio de 1958, quando os cafeicultores de São Paulo
tentaram novamente realizar a Marcha da Produção, o ministro da Guerra reagiu
da mesma forma que no ano anterior, impedindo a realização do movimento.
No mês seguinte ocorreu outro atrito entre Lott e Alkmin.
Enquanto o ministro da Guerra era contrário ao reatamento das relações
comerciais do Brasil com a União Soviética por motivos de segurança, o ministro
da Fazenda defendia essa medida, visando, entre outras coisas, a exportação de
café para aquele país. Esse conflito gerou uma séria crise no interior do
governo e Alkmin acabou por demitir-se do ministério no dia 24 de junho de
1958.
Em agosto do mesmo ano, o secretário de Estado norte-americano
John Foster Dulles visitou o Brasil. Diante de suas pressões no sentido de que
se alterasse o estatuto da Petrobras, Lott pronunciou uma frase que se tornaria
célebre: “A Petrobras é intocável.”
Ainda, em 1958, no mês de outubro, Lott seguiu para Roma,
representando o Brasil nas exéquias do papa Pio XII. Nessa ocasião, passou o
Ministério da Guerra ao ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Francisco Correia
de Melo. De volta ao país ainda no mesmo mês, respondeu pelo Ministério da
Aeronáutica durante a viagem de Correia de Melo aos Estados Unidos. Descontente
com esse fato, o brigadeiro Ivo Borges prestou declarações à imprensa
desrespeitosas ao ministro (Diário de Notícias, de 28/10/1958) e foi
punido disciplinarmente. No dia seguinte, o mesmo órgão de imprensa publicou
uma lista de outros oficiais da Aeronáutica que se apresentavam como solidários
ao punido. Novas sanções foram determinadas por Lott e um processo foi aberto
contra o jornal, animador dos adversários do ministro dentro da Aeronáutica.
Pouco tempo depois, por ocasião da comemoração de seu aniversário (16/11/1958),
Lott defendeu a censura à imprensa, afirmando que ela era um meio legal e
indispensável à manutenção das instituições vigentes.
Transferido para a reserva remunerada no posto de marechal em
janeiro de 1959, no final de março o ministro da Guerra viajou aos Estados
Unidos para uma visita oficial de três semanas. Por ocasião de seu embarque no
aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, houve uma verdadeira manifestação
pública em seu favor à qual compareceram grande massa popular e notórias
personalidades políticas e militares, destacando-se a presença do
vice-presidente, João Goulart. Nos Estados Unidos o marechal foi questionado
acerca da notícia que corria no Brasil, segundo a qual a Frente Parlamentar
Nacionalista — criada em 1956 na Câmara dos Deputados, reunindo parlamentares
de quase todos os partidos políticos em defesa de ideais nacionalistas —
lançaria sua candidatura à presidência da República nas eleições de 1960. Lott,
na ocasião, declarou que não lhe interessava ser candidato.
Candidato à presidência da República
A aliança PSD-PTB, que havia levado à vitória a chapa
Kubitschek-Goulart em outubro de 1955, enfraqueceu-se muito durante o governo
de Juscelino. De um lado, o PTB, sob a liderança de Goulart e de seu cunhado, o
deputado Leonel Brizola, direcionava suas atividades para as bases trabalhistas
do partido, aproximando-se do PCB e do Partido Socialista Brasileiro (PSB); de
outro, o PSD, mais conservador, acercava-se da UDN.
Segundo
Maria Vitória Benevides, Juscelino manobrou desde o início de 1959 para que
Juraci Magalhães, governador da Bahia e presidente da UDN, fosse o candidato à
presidência apoiado pelo PSD e pelo PTB. Seria uma tentativa de estabilizar a
vida política brasileira, permitindo à UDN, três vezes derrotada, chegar ao
governo federal pelo caminho das urnas. Ao mesmo tempo, achando que Juraci
faria um governo inepto, devido principalmente à difícil situação econômica,
Juscelino pensava garantir sua volta à presidência em 1965.
Entretanto
Brizola, que não aceitava a alternativa de Juraci Magalhães, tampouco via com
simpatia a possibilidade de uma candidatura de Lott à presidência, preferindo
um candidato “popular e nacionalista”. Assim, em meados de 1959,
aproveitando-se da ausência de Goulart, que se encontrava no exterior, tentou
promover greves operárias com o intuito de comprometer o governo na solução que
ele, Brizola, preconizava. Sabedor do plano, Juscelino convocou os ministros
militares, do Trabalho e da Justiça e os autorizou a coordenar um plano de
prevenção e repressão a tais atividades.
No
dia 20 de abril de 1959 ocorreu outro fato que iria atropelar os cálculos dos
pessedistas e udenistas: foi lançada no Rio de Janeiro, através da
formação do Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), a candidatura do
ex-governador paulista, então deputado federal pelo Paraná, à presidência da
República. Carlos Lacerda apoiou essa iniciativa tornando ostensiva a divisão
na UDN e inviabilizando assim definitivamente a coligação dos três maiores
partidos, almejada por Juscelino.
A chapa Lott-Goulart, que já havia sido anunciada por este
último como a de preferência do PTB, foi lançada publicamente no dia 4 de
julho, numa reunião presidida pelo deputado pessedista Último de Carvalho,
realizada na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro. Ao
final desse mesmo mês, a maioria da comissão executiva do PSD confirmou a
indicação do nome do ministro da Guerra. Juscelino, entretanto, só em outubro
deu a ela seu apoio oficial.
No
dia 8 de novembro a convenção da UDN escolheu Jânio como seu candidato a
presidente, por 250 votos contra 83 dados a Juraci. Para concorrer à
vice-presidência foi escolhido o ex-governador de Sergipe (1955-1959), Leandro
Maciel. Jânio Quadros era, também, apoiado pelo Partido Trabalhista Nacional
(PTN), o Partido Libertador (PL) e o Partido Democrata Cristão (PDC).
No dia 25 de novembro de 1959 Jânio resolveu renunciar à sua
candidatura, apontando como razão dessa atitude os conflitos existentes entre
os partidos que o apoiavam. Endereçou uma carta a José de Magalhães Pinto,
sucessor de Juraci Magalhães na presidência da UDN, comunicando sua decisão e,
dois dias depois, divulgou uma proclamação ao povo brasileiro onde ela era
reiterada.
Esse
fato, aliado à suspeita de que havia uma conspiração esquerdista liderada por
Leonel Brizola, levou a uma crise militar que culminou com a chamada Revolta de
Aragarças. A revolta, que contou com a participação de apenas dez oficiais da
FAB, três do Exército e uns poucos civis, foi chefiada pelo
tenente-coronel-aviador João Paulo Moreira Burnier e constituiu, na prática, a
ocupação por cerca de 24 horas da localidade de Aragarças, em Goiás. A operação teve início na noite do dia 2 de dezembro e terminou na madrugada do dia 4,
quando, informados de que o governo enviara pára-quedistas para as imediações
de Aragarças, os rebeldes fugiram para o Paraguai, Bolívia e Argentina.
Entretanto, depois que Jânio, a 5 de dezembro, reconsiderou sua decisão de
renunciar à candidatura, concordando em concorrer às eleições, Burnier afirmou
de La Paz que essa atitude significava que a Revolta de Aragarças tinha
alcançado seus objetivos.
Ainda
em dezembro de 1959 foi homologada a candidatura Lott, mas em janeiro do ano
seguinte a questão da vice-presidência de sua chapa permanecia em aberto. Osvaldo Aranha havia sido sondado, tendo aceitado a indicação como única forma de
conseguir a unidade do PTB em torno do nome de Lott para a presidência.
Pretendia-se manter sua candidatura em sigilo até a convenção nacional do PTB,
mas seu falecimento súbito ocorrido no dia 27 de janeiro de 1960 reabriu a
questão.
Em
11 de fevereiro Lott deixou o ministério, desincompatibilizando-se para
concorrer às eleições, e foi substituído pelo marechal Odílio Denis. Na
verdade, desde julho de 1956 Denis já deveria estar na reserva em função de sua
idade, tendo permanecido na ativa graças à chamada Lei Denis, que fora votada no
Congresso com o apoio de Lott e garantira sua permanência no Exército até
fevereiro de 1960.
Finalmente, a 18 de fevereiro foi homologada pela convenção
nacional do PTB a chapa Lott-Goulart. Na ocasião, contrários a essa decisão, os
diretórios estaduais do partido em Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina declararam-se dissidentes. Em março, já apoiado pelo PTB, pelo
PSD, pelo Partido Republicano (PR) e pela Frente Parlamentar Nacionalista,
Lott, apesar de haver feito declarações contrárias à legalidade do PCB, recebeu
o apoio dos comunistas, através de declaração de Luís Carlos Prestes,
secretário-geral do partido.
Em
abril, o companheiro de chapa de Jânio Quadros, Leandro Maciel, deixou claro
que iria renunciar à candidatura, considerando-se abandonado pela UDN.
Imediatamente Lacerda e outros dirigentes do partido definiram-se pelo nome de
Mílton Campos para assumir o lugar de candidato udenista à vice-presidência,
julgando que ele tinha reais possibilidades de derrotar Goulart. Mílton Campos
concordou com a indicação e sua candidatura foi formalizada pelo diretório
nacional da UDN em 9 de junho.
Nas eleições realizadas em 3 de outubro, Jânio obteve
5.636.623 votos contra 3.846.825 dados a Lott e 2.195.709 a Ademar de Barros, candidato do Partido Social Progressista (PSP). Na disputa da
vice-presidência, João Goulart suplantou Mílton Campos em cerca de
trezentos mil votos, obtendo 4.547.010 sufrágios.
Jânio Quadros tomou posse no dia 31 de janeiro de 1961, mas
renunciou a seu mandato na presidência da República em 25 de agosto do mesmo
ano. Logo após a renúncia, os ministros militares — marechal Odílio Denis,
almirante Sílvio Heck e brigadeiro Gabriel Grün Moss — declararam a
inconveniência de que o vice-presidente João Goulart, que se encontrava no
exterior, assumisse a presidência. No dia seguinte Lott divulgou um manifesto
“às forças vivas da nação, às forças da produção e do pensamento, aos
estudantes e aos intelectuais, aos operários e ao povo em geral”,
conclamando-os a tomar posição em defesa da Constituição. Em função deste
manifesto, foi imediatamente preso e conduzido à fortaleza de Laje.
A posse de Goulart só ocorreu duas semanas mais tarde, graças
a um poderoso movimento político-militar a seu favor, concentrado no Rio Grande
do Sul. Buscando uma solução conciliatória, o Congresso votou a Emenda
Constitucional nº 4, através da qual o regime vigente, de caráter
presidencialista, foi substituído pelo regime parlamentarista. Com seus poderes
diminuídos, mas respaldado pela maioria dos congressistas, desde o início de
seu governo Goulart procurou encurtar a vigência do novo regime, cuja
continuidade dependeria do resultado de um plebiscito marcado para o princípio de
1965. Iniciada a campanha pela volta ao presidencialismo, em setembro de 1962
Lott prestou uma declaração ao Jornal do Brasil dizendo-se favorável ao
regime anterior. O plebiscito acabou sendo antecipado para o dia 6 de janeiro
de 1963, decidindo o retorno ao regime presidencialista por 90% dos votos.
No
dia 1º de abril de 1964 o presidente João Goulart foi derrubado por um
movimento político-militar. Na ocasião, Lott declarou numa nota a seus colegas
de armas que era “completamente antidemocrático e contrário aos interesses
nacionais procurar depor um presidente da República mediante uma insurreição”.
Após um período de repressão política efetuada com base no Ato Institucional nº
1 (9/4/1964), no mês de abril de 1965 o governo, presidido pelo marechal Humberto
Castelo Branco, enviou ao Congresso os projetos do novo Código Eleitoral e da
nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos, que seriam aprovados. Esta última
estabelecia severas condições para o reconhecimento dos partidos políticos,
proibia as alianças partidárias em todas as eleições proporcionais e
determinava a vinculação do voto para presidente e vice-presidente, governador
e vice-governador e prefeito e vice-prefeito.
Das eleições programadas para outubro daquele ano para
governos de estado, as duas mais importantes seriam realizadas em Minas Gerais e na Guanabara, onde o PTB havia escolhido como candidato um ex-ministro de João
Goulart, Hélio de Almeida. Para evitar candidaturas desse tipo, no dia 22 de
junho de 1965 o governo enviou ao Congresso um projeto de lei sobre
inelegibilidades, posteriormente aprovado, contendo um dispositivo que tornava
inelegíveis aqueles que, entre 23 de janeiro de 1963 e 31 de março de 1964,
isto é, durante o governo Goulart, houvessem sido ministros de Estado. Hélio de
Almeida tornou-se então inelegível e a coligação PTB-PSD aprovou, em 2 de
agosto, a candidatura de Lott para substituí-lo. A reunião foi bastante
tumultuada e o vencedor da votação entre os convencionais foi, na verdade, Francisco
Negrão de Lima. Entretanto, a urna foi violada por militantes de esquerda,
sobretudo estudantes, forçando a mudança dos resultados. Lott, porém, também
era inelegível segundo a nova legislação por não ter domicílio eleitoral no
estado da Guanabara: em julho ele havia transferido seu título de eleitor para
Teresópolis (RJ), onde residia. Embora tentasse cancelar a transferência, teve
seu pedido nesse sentido negado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da
Guanabara. Em 6 de setembro, a sentença do TRE que impossibilitava a
candidatura de Lott foi confirmada pelo TSE e o candidato do PSD-PTB acabou
sendo Negrão de Lima, vitorioso nas eleições de outubro de 1965. Segundo o
cronista político Carlos Castelo Branco (Jornal do Brasil, 6/8/1965),
era unânime o veto à candidatura de Lott, seja na área do governo, seja na área
militar.
Depois de dez anos inteiramente recolhido à vida privada, em
27 de setembro de 1975 Lott recebeu a Comenda da Escola de Estado-Maior dos
Estados Unidos, no consulado norte-americano no Rio de Janeiro. Nessa ocasião,
seu nome começou a aparecer novamente na imprensa, inclusive através de
entrevistas, como a que deu ao Jornal do Brasil (11/11/1975) onde
expressava sua confiança na promessa de abertura política feita pelo então
presidente, general Ernesto Geisel. Ao completar 85 anos em novembro de 1979,
defendeu publicamente a necessidade e a importância da anistia.
Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 19 de maio de 1984.
Lott foi casado duas vezes, em segundas núpcias com Antonieta
Duffles de Andrade Lott. Sua filha, Edna Marília Lott de Morais Costa,
conhecida como Edna Lott, foi eleita deputada estadual na Guanabara em 1962,
pelo PTB, e nas eleições de novembro de 1966 foi a deputada mais votada do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) para a Assembléia Legislativa.
Sobre Lott foram escritas as seguintes obras: Espada x
vassoura — marechal Lott (1959), de Viriato de Castro; Marechal Henrique
Lott (1960), de Jofre Gomes da Costa; Lott, o marechal da legalidade (1960),
de Benedita Vieira Bentes Pampulha; A vida do marechal Lott (1960), de
Salomão Jorge, e Como não se faz um presidente (1968), de Mílton
Osório Sena.
Amélia
Coutinho
FONTES:
Almanaque Abril (1975 e 1976); ALMEIDA, A. Dic.; ARQ. GETÚLIO
VARGAS; ARQ. MIN. EXÉRC.; BANDEIRA, L. Presença; BEHAR, E. Vultos; BENEVIDES,
M. Governo Kubitschek; BRAYNER, F. Verdade; CAFÉ FILHO, J. Sindicato;
CÂM. DEP. Anais (1959-27); CARNEIRO, G. História; CASTELO
BRANCO, C. Militares (1); CONSULT. MAGALHÃES, B.; CORTÉS, C. Homens; COSTA,
J. Marechal; COSTA, M. Cronologia; COUTINHO, A. Brasil; DULLES,
J. Getúlio; Encic. Mirador; ENTREV. BIOG.; ENTREV. MAGALHÃES, J.; Estado
de S. Paulo (11/11/82); FED. ESC. ISOLADAS DO EST. RJ. Ministros;
FRANCO, A. Escalada; Globo (17/11/79 e 20/5/84); Grande encic.
Delta; INST. NAC. LIVRO. Índice; Jornal do Brasil (14/4/59 e
12/6/60); KUBITSCHEK, J. Meu (3); MACHADO, F. Últimos; MASCARENHAS,
A. Roboré; MIN. GUERRA. Almanaque; MIN. GUERRA.. Subsídios;
Novo dic. de história; Panfleto (9/54-35); QUADROS, J. História; REIS
JÚNIOR, P. Presidentes; SILVA, H. 1954; SILVA, H. 1964; SKIDMORE,
T. Brasil; SOC. BRAS. EXPANSÃO COMERCIAL. Quem; VALE, O.
Supremo; VÍTOR, M. Cinco.