HARGREAVES, Henrique
*min.
Gab. Civ. Pres. Rep. 1992-1993 e 1994-1995.
Henrique Eduardo Ferreira Hargreaves
nasceu no dia 15 de janeiro de 1933 em Juiz de Fora (MG), filho de Raimundo Paulo Hargreaves e de Maria Ferreira Hargreaves. Seu pai, ligado ao Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar instaurado
no país em abril de 1964, foi vereador em Juiz de Fora.
Graduado em direito, economia e
administração, em 1964 mudou-se para Brasília após ter sido aprovado em
concurso público para a Câmara dos Deputados. Na Câmara, tornou-se assessor
técnico da liderança da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio
ao governo, e do Partido Democrático Social (PDS), que após a reformulação
partidária de novembro de 1979 reuniu os ex-arenistas. Em algumas ocasiões,
colaborou com líderes oposicionistas, entre os quais Tancredo Neves, que foi
eleito presidente da República pelo Colégio Eleitoral reunido em janeiro de
1985, mas não chegou a assumir o cargo, vindo a falecer em 21 de abril.
Com a posse do vice-presidente José Sarney em lugar de Tancredo, Hargreaves transferiu-se para o palácio do Planalto, ocupando o cargo de
subchefe para assuntos parlamentares do Gabinete Civil da Presidência da
República. Especialista em questões regimentais, interpretação da Constituição
e negociação com parlamentares, tornou-se um dos principais articuladores
políticos do presidente José Sarney na Assembleia Nacional Constituinte,
ajudando-o decisivamente na aprovação do presidencialismo e do mandato de cinco
anos. O jornal Folha de S. Paulo lhe atribuiu a criação do dispositivo
que permitiu ao Centrão — grupo conservador que atuou na Constituinte — aprovar
questões polêmicas. Na ocasião, Hargreaves conhecia pessoalmente 550 dos 559
parlamentares, conforme declararia mais tarde ao jornal O Globo. Com o
fim do governo Sarney, em março de 1990, voltou à Câmara para assessorar a
liderança do Partido da Frente Liberal (PFL).
Ministro-chefe do Gabinete Civil
Em outubro de 1992 foi convidado por Itamar
Franco, que assumira a presidência da República após o início do processo de impeachment
do presidente Fernando Collor de Melo, para exercer o cargo de ministro-chefe
do Gabinete Civil da Presidência da República, em substituição a Marcos Coimbra. Amigo de Itamar desde os tempos da escola primária, tornou-se
membro do chamado “grupo de Juiz de Fora”, juntamente com Murílio Hingel, ministro
da Educação; Mauro Durante, secretário-geral da Presidência; sua irmã Ruth
Hargreaves, secretária especial da Presidência; Maurício Correia, ministro da
Justiça; José de Castro Ferreira, advogado-geral da União e consultor-geral da
República; José Aparecido de Oliveira, embaixador do Brasil em Lisboa; e
Alexandre Dupeyrat, que substituiria Maurício Correia no Ministério da Justiça.
Durante todo o governo Itamar, a oposição e a imprensa não deixaram de apontar
a influência desse grupo, considerado “palaciano”, sobre as decisões do
presidente.
Desde o início, conforme noticiou O
Estado de S. Paulo, Hargreaves assumiu “o comando da complicada disputa por
cargos no segundo e terceiro escalões do governo”, o que muitas vezes quase lhe
custou o próprio cargo. Acusado pelos partidos de centro-esquerda que apoiavam
o governo de beneficiar o PFL na partilha do poder, não negou sua aproximação e
até relações de amizade com lideranças desse partido, como o então governador
da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que havia apoiado o governo Collor. Apesar
dessa amizade, enfrentaria denúncias de corrupção no governo federal feitas
pelo governador baiano, que fazia oposição a Itamar Franco.
Ao centralizar o processo de distribuição
de cargos, Hargreaves também entrou em conflito com as lideranças governistas.
O deputado pernambucano Roberto Freire, do Partido Popular Socialista (PPS), foi
convidado para exercer a liderança do governo na Câmara à sua revelia. O
senador gaúcho Pedro Simon, filiado ao Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), indicado para liderar o governo no Senado, condicionou a
aceitação do convite à independência de sua atuação em relação a Hargreaves. Uma das primeiras missões do líder do governo no Senado foi tentar um
acordo com o presidente Itamar Franco em torno dos principais cargos no
Nordeste, que haviam sido distribuídos ao PFL por Hargreaves, o qual, segundo lideranças
peemedebistas na região, em muitos casos até mantivera nomeações de integrantes
do governo Collor.
Outro episódio que quase provocou sua
demissão foi a indicação do mineiro Eliseu Resende para o Ministério da
Fazenda, em março de 1993, em substituição a outro mineiro, Paulo Haddad, que
deixou o cargo, segundo o Jornal do Brasil, por não ter conseguido
produzir para Itamar Franco um plano econômico de impacto contra a inflação,
como o Cruzado, que garantisse altos índices de popularidade ao governo. A
indicação de Eliseu Resende, atribuída às articulações de Hargreaves, Mauro
Durante, Maurício Correia e José de Castro, deixou perplexo, segundo o Jornal
do Brasil, o grupo de ministros e de lideranças que se reunia
informalmente para formular políticas para o governo e articular sua base de
apoio no Congresso. O grupo incluía os ministros da Previdência, Antônio Brito
(PMDB-RS), das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), além
dos líderes do governo na Câmara e no Senado.
A oposição ao nome de Eliseu Resende
resultava de sua atuação durante o período militar. O próprio Itamar Franco o
acusara, quando era senador em 1982, de usar recursos públicos em sua campanha
eleitoral para o governo de Minas Gerais naquele ano, concorrendo pelo PDS.
Logo após assumir a pasta da Fazenda, Eliseu Resende foi acusado de favorecer
grandes construtoras em obras do governo. Em maio, foi substituído por Fernando
Henrique Cardoso.
Na tentativa de superar a crise sem a
demissão de Hargreaves, Itamar Franco tentou neutralizar sua atuação na
distribuição de cargos, determinando tal responsabilidade fosse dividida entre o
Gabinete Civil e as lideranças do governo na Câmara e no Senado. Pouco depois,
nomeou José de Castro para a presidência das Telecomunicações do Estado do Rio
de Janeiro (Telerj), retirando-o da esfera de influência direta no governo e
reduzindo o peso do grupo palaciano.
Mantido pelo presidente na chefia da Casa
Civil, Hargreaves novamente mediu suas forças ao defender a demissão da
ministra Luísa Erundina da Secretaria da Administração Federal (SAF). Erundina
se havia indisposto com o governo por defender um reajuste salarial para os
militares e condicionar sua permanência no cargo à saída de Eliseu Resende; além
disso, era acusada de conivência com a greve dos funcionários públicos
deflagrada em maio de 1993. Seu desgaste acabou por levá-la efetivamente a se
demitir da SAF ainda em maio, abrindo terreno para uma das primeiras reformas
ministeriais do governo. Erundina retirou-se do governo acusando Hargreaves, de
acordo com a carta-resposta entregue por ele próprio ao presidente Itamar
Franco e publicada pela imprensa, de “patrocinar a corrupção no governo Itamar,
retendo expedientes moralizadores por ela encaminhados ao senhor presidente da
República”.
A reforma ministerial de maio de 1993 e,
principalmente, a nomeação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da
Fazenda, colocaram a posição de Hargreaves novamente em xeque. Tanto os partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido
Democrático Trabalhista (PDT), este através do ministro Maurício Correia,
quanto o PSDB e o PMDB passaram a articular sua saída da Casa Civil. Apesar das
pressões, Hargreaves resistiu até outubro, quando o ex-assessor do Congresso
José Carlos Alves dos Santos o acusou, e ao ministro da Integração Regional,
Alexandre Costa, de cometer irregularidades na elaboração de emendas ao Orçamento
da União à época em que assessorava o PFL. A gravidade das denúncias levou
Hargreaves e Costa a colocar seus cargos à disposição do presidente e a
manifestar a intenção de processar judicialmente o deputado João Alves
(PFL-BA), que os envolvera no escândalo do Orçamento. Pouco depois, Hargreaves
entregou a Itamar Franco sua carta de demissão e foi substituído no cargo por
Mauro Durante.
Considerado inocente pela Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou irregularidades no Orçamento da
União, Hargreaves foi convidado pelo presidente, em fevereiro de 1994, a reassumir a chefia do Gabinete Civil. Esse episódio tornou-se um paradigma na vida pública
brasileira, sendo relembrado nas sucessivas crises envolvendo ocupantes de
cargos dos três poderes da República que, acusados de cometer crimes ou
irregularidades, não se afastam do poder durante as investigações. Segundo O
Globo, Hargreaves teve uma “volta triunfal”: no dia em que reassumiu o
cargo garantiu a aprovação, com mais de quinhentos parlamentares em plenário,
do Fundo Social de Emergência (FSE), fundamental para o sucesso do plano de
estabilização econômica do governo. Reportagem publicada pela Folha de S.
Paulo revelou que a aprovação do FSE contara com os 30 votos da bancada
evangélica, arrebanhados por Hargreaves em troca da autorização oficial de
Itamar Franco para a transferência definitiva da Rede Record para o bispo Edir
Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Hargreaves intercedera,
prosseguiu a Folha, junto ao Ministério das Comunicações para acelerar o
processo de transferência da rede, em tramitação desde 1991.
Em julho, a imprensa acusou-o de facilitar
a liberação da bagagem da seleção brasileira de futebol, que retornava da Copa
do Mundo. A delegação chegou ao Rio de Janeiro com excesso de bagagem e artigos
que necessariamente deveriam ser taxados pela Alfândega. Hargreaves negou sua participação
no episódio, que resultou na demissão do secretário da Receita Federal, Osíris
Lopes Filho.
Em setembro, seguindo instruções do
presidente, interferiu em assuntos do Ministério da Fazenda, determinando à
Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização (PND), à Petrobras e à
Petroquisa o estabelecimento de critérios unificados de avaliação do preço
mínimo das estatais. Segundo o Jornal do Brasil, o presidente da
República já havia sustado o leilão da Salgema e adiado a venda da Companhia
Petroquímica do Nordeste (Copene), por desconfiar do preço fixado pela comissão
diretora. Ainda em setembro, sua habilidade política foi novamente utilizada
para aparar as arestas entre a área econômica e os ministros do Trabalho,
Marcelo Pimentel, e das Minas e Energia, Delcídio Gomez, que haviam assinado um
acordo salarial com a Federação Única dos Petroleiros (FUP). A revogação do
acordo pelo presidente provocou a deflagração de uma das mais longas greves da
categoria.
No primeiro turno das eleições presidenciais,
em 3 de outubro de 1994, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil
respondendo às declarações do candidato Luís Inácio Lula da Silva, que taxou de
ilegítimas as eleições, Hargreaves “desafiou qualquer pessoa a mostrar caso
concreto de uso da máquina administrativa do governo em favor de algum
candidato”, afirmando que o processo eleitoral brasileiro estava sendo um
exemplo de democracia no mundo devido à condução firme do presidente Itamar
Franco.
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso
em outubro de 1994, e sua posse na presidência em janeiro de 1995, Hargreaves deixou
o Gabinete Civil e foi nomeado presidente da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT), assumindo o cargo em fevereiro. Em setembro, foi acusado de
receber do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),
presidido por Mauro Durante, uma remuneração mensal cinco vezes maior que o
salário que a ECT lhe pagava para prestar assessoria parlamentar à entidade. Um
dia após a revelação das acusações, demitiu-se da ECT. O contrato com o Sebrae
foi rescindido por pressão dos superintendentes regionais.
No final de 1996 Hargreaves já participava
das articulações para a formação de uma aliança em torno da candidatura de
Itamar Franco à presidência da República nas eleições de 1998. Em março desse
ano sofreu uma derrota política quando a convenção do PMDB derrubou a tese da
candidatura própria do partido, com Itamar Franco na cabeça-de-chapa, para
apoiar a reeleição de Fernando Henrique. Itamar acabou concorrendo ao governo
de Minas e sendo eleito no segundo turno. Em janeiro de 1999, recém-empossado
na chefia do executivo mineiro, nomeou Hargreaves chefe da Casa Civil e
Comunicação Social e presidente da Companhia Mineradora de Minas Gerais – Comig.
Desde então, Hargreaves
consolidou sua imagem de “homem forte” do ex-presidente, protagonizando o
anúncio de medidas polêmicas, ataques e contra-ataques a adversários do
governador durante os quatro anos de mandato, marcados pela guerra política e
pessoal de Itamar Franco contra seu antecessor, Eduardo Azeredo e,
principalmente, contra o presidente Fernando Henrique Cardoso, ambos do PSDB.
Assim aconteceu na crise gerada a partir da decretação, em 6 de janeiro de
1999, da moratória das dívidas de Minas Gerais com a União e com credores
estrangeiros, e com a denúncia e investigação de irregularidades que teriam
sido cometidas pelo governo Azeredo em licitações, no uso de recursos
administrados pela Comig, e nos processos em andamento de privatização de
bancos estatais, das Centrais Elétricas de Minas Gerais – Cemig –, e de outras
empresas.
Em maio de 1999, Alexandre
Dupeyrat renunciou ao cargo de secretário da Fazenda de Minas Gerais, o que
contribuiu para fortalecer a influência de Hargreaves junto ao governador. No
final desse ano, o acordo de rolagem das dívidas do estado encerrou a moratória
mineira, liberando o chefe da Casa Civil para as articulações políticas visando
a convencer o PMDB a lançar Itamar Franco candidato a presidente da República
nas eleições marcadas para 2002. A estratégia não foi bem-sucedida, o que levou
Hargreaves a apoiar publicamente o candidato Ciro Gomes, da Frente Trabalhista
– PPS, PDT e PTB –, enquanto Itamar Franco apoiou o candidato do PT, Luís
Inácio Lula da Silva.
Em janeiro de 2003, o
presidente Lula indicou Itamar Franco para embaixador em Roma, e o governador
Aécio Neves nomeou Henrique Hargreaves chefe do Escritório de Representação de
Minas Gerais em Brasília. Em 2005, o representante do governador reconciliou-se
com o PMDB, refiliando-se ao partido. No ano seguinte, assumiu a coordenação da
campanha pela reeleição de Aécio Neves, que, vitorioso, confirmou-o no cargo de
confiança que vinha exercendo desde 2003 na capital federal. Desde 2008,
Henrique Hargreaves acumula a função de representante de Minas Gerais em
Brasília com a de membro do Colegiado de Gestão de Saúde da Região Integrada de
Desenvolvimento do Distrito Federal.
Casou-se com Heloísa Helena Horta, com quem
teve dois filhos.
Sinclair
Cechine
FONTES: CURRIC. BIOG.; Estado
de S. Paulo (1, 19, 21 e 29/5/93, 16/9/95 e 15/11/96); FERREIRA, J. Itamar;
Folha de S. Paulo (1, 2 e 28/10, 2 e 16/11/92, 6, 14 e 17/3, 19 e 27/5,
30/10/93, 8/2, 7/3, 24 e 25/7/94, 15/2, 15 e 20/9 e 29/9/95); Globo (1 e
26/10, 20/12/92, 8/3 e 21/5/93, 9/2 e 18/11/94, 15 e 20/9/95); INF. BIOG.; Jornal
do Brasil (1/10/92, 2, 3 e 6/3, 16, 20 e 26/5, 19 e 30/10/93, 9/2, 2, 15 e
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Acesso em : 28 set. 2009; Portal Arquivo PREMIUM GLOBO. Disponível em:
<http://arquivoglobo.com.pesquisa_basica.asp>. Acesso em : 28 set. 2009 ;
Portal do Governo do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.mg.gov.br>. Acesso em 27 set.
2009 ; Portal do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em :
28 set. 2009.