LAFER,
Horácio
*const. 1934; dep. fed. SP 1935-1937;
const. 1946; dep. fed. SP 1946-1951; min. Faz. 1951-1953; dep. fed. SP
1954-1959; min. Rel. Ext. 1959-1961; dep. fed. SP 1961-1963.
Horácio Lafer nasceu
na cidade de São Paulo em 3 de maio de 1900, filho de Miguel Lafer e de Nessel
Lafer. Seu pai, imigrante judeu de origem lituana, reuniu-se no Brasil a três
primos, os irmãos Maurício, Salomão e Hessel Klabin, para fundar a Klabin
Irmãos e Cia., inicialmente uma oficina tipográfica e, a partir de 1906,
fábrica de papel.
Estudou
no Ginásio Anglo-Brasileiro e no Ginásio São Bento, na capital paulista, antes
de ingressar na Faculdade de Filosofia São Bento e na Faculdade de Direito de
São Paulo, pela qual se bacharelou em 1920. Ainda acadêmico, entre 1918 e 1920,
foi um dos dirigentes da Liga Nacionalista, organização de grande influência no
meio universitário que difundia os ideais cívicos pregados por Rui Barbosa e
Olavo Bilac, especialmente o voto secreto e o serviço militar obrigatório. Após
formar-se, realizou estudos de aperfeiçoamento na Alemanha, onde freqüentou
cursos de especialização em economia e finanças e se diplomou pela Faculdade de
Filosofia de Berlim.
De
volta ao Brasil, passou a dedicar-se aos negócios da família, adquirindo em
pouco tempo considerável prestígio nos meios empresariais de São Paulo. Em
1928, quando os industriais que até então eram filiados à Associação Comercial
de São Paulo decidiram fundar uma entidade própria — o Centro das Indústrias do
Estado de São Paulo (CIESP) —, integrou a primeira diretoria da nova entidade,
presidida por Francisco Matarazzo e empossada em 1º de julho de 1928. Figuravam
também na diretoria do CIESP industriais como José Ermírio de Morais, Roberto
Simonsen, Jorge Street e Carlos von Bulow. Ainda em 1928, Horácio Lafer foi
designado assessor do ministro das Relações Exteriores, Otávio Mangabeira, e
integrou a delegação do Brasil à Liga das Nações, participando de diversas
reuniões da organização entre 1928 e 1929.
Por ocasião da campanha para a sucessão de Washington Luís na
presidência da República, o CIESP apoiou a candidatura situacionista de Júlio
Prestes, que venceu as eleições de março de 1930 mas foi impedido de tomar
posse devido à vitória do movimento revolucionário irrompido em outubro do
mesmo ano. Em seguida, com a introdução de uma nova legislação sobre a
organização sindical no país em março de 1931, o CIESP, integrado por empresas,
converteu-se na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
congregando os sindicatos patronais paulistas. A diretoria do CIESP, presidida
na ocasião por Luís Tavares Alves Pereira, manteve-se na nova entidade. Horácio
Lafer ocupava o cargo de segundo-secretário.
Em
1933, algumas federações estaduais tomaram a iniciativa de fundar a
Confederação Industrial do Brasil (CIB), que daria origem à Confederação
Nacional da Indústria (CNI) em 1938. Lafer foi escolhido primeiro-secretário
dessa associação patronal, que entre suas primeiras medidas coordenou e
garantiu a eleição de representantes classistas dos empregadores à Assembléia
Nacional Constituinte reunida a partir de novembro de 1933. Lafer ocupou uma
dessas vagas de deputado classista.
Da Constituinte ao fim do Estado Novo
Na
Constituinte, a atuação de Horácio Lafer pautou-se pela defesa da
industrialização, apoiando a adoção de medidas protecionistas contra as
investidas liberalizantes baseadas na noção de que a indústria brasileira era
“artificial”. Defendeu ainda o papel social do Estado, que em seu entender
devia responsabilizar-se por medidas de assistência aos trabalhadores.
Integrava a Chapa Única por São Paulo Unido, que elegera a maior parte dos
deputados por São Paulo à Constituinte, mas nem sempre concordava com as
posições da Chapa Única, opondo-se por exemplo à instituição de eleições
diretas para a presidência da República.
Em
1934, quando se formou em São Paulo o Partido Constitucionalista, liderado por
Armando de Sales Oliveira e constituído pela fusão do Partido Democrático de
São Paulo, da Ação Nacional Republicana — dissidência do tradicional Partido
Republicano Paulista (PRP) — e da Federação dos Voluntários, ingressou na nova
agremiação e em sua legenda foi eleito em outubro de 1934 deputado federal por
São Paulo para a legislatura iniciada em maio de 1935, durante a qual integrou
as comissões de Diplomacia e de Finanças.
Embora se inspirasse nos ideais liberais da Revolução de
1932, o Partido Constitucionalista teve uma atuação ambígua no período de
1935-1937, contemporizando com a legislação repressiva adotada pelas
autoridades a pretexto de combater o movimento comunista. Quando em março de
1937 o governo federal propôs ao Congresso a prorrogação do estado de guerra,
Lafer chegou a firmar, juntamente com outros deputados paulistas um documento
contrário à medida. Entretanto, alguns membros da bancada, inclusive Gastão
Vidigal, chegaram de São Paulo com a notícia de que o governador paulista José
Joaquim Cardoso de Melo Neto pedira encarecidamente que desistissem de votar
contra o projeto. Seu pedido foi atendido e, no dia 10 de março, foi aprovada a
prorrogação do estado de guerra, a qual se constituiu em importante instrumento
para a adoção de medidas repressivas que culminaram com o golpe que instaurou o
Estado Novo em 10 de novembro de 1937, interrompendo inclusive todos os
mandatos parlamentares no país.
No início da vigência do Estado Novo, Lafer retornou a seus
negócios, dedicando-se exclusivamente aos interesses do grupo Klabin-Lafer.
Desde 1936, vinha mantendo entendimentos com outros empresários, como José
Ermírio de Morais, Paulo Pereira Inácio, Numa de Oliveira e Wolff Kadischewitz,
para a implantação de uma indústria de raiom, fibra têxtil à base de celulose.
Os incorporadores obtiveram do presidente Vargas a isenção de direitos
alfandegários para a introdução de toda a maquinaria necessária e em 1937 foi
instalada a Companhia Nitroquímica Brasileira. Inaugurada em 1940, passou a
produzir nitrocelulose, seda artificial, ácido sulfúrico e outros subprodutos.
Mais tarde, contudo, o grupo Klabin-Lafer perderia a participação na fábrica
para o grupo Votorantim, de José Ermírio de Morais.
Disposto a estancar a sangria de divisas provocada pela
importação de papel, Getúlio Vargas dispôs-se a procurar pessoalmente um
empresário que se prontificasse a erguer uma nova fábrica do produto. O
primeiro cogitado foi Assis Chateaubriand, na época dono da maior cadeia de
jornais do país, que entretanto declinou da oportunidade, recomendando a
família Klabin. Vargas encarregou então Chateaubriand de comunicar-lhe o
oferecimento de um empréstimo, cobertura cambial e o virtual monopólio da
atividade. A geração mais velha da família recusou, mas o próprio Vargas
convenceu os mais jovens a aceitar, oferecendo ainda a construção de um ramal ferroviário
necessário ao funcionamento da fábrica.
Ainda durante o Estado Novo, Horácio Lafer integrou a
delegação brasileira presente à III Reunião de Consulta dos Ministros das
Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizada no Rio de 15 a 28 de janeiro
de 1942. Desse encontro resultou o rompimento de relações diplomáticas entre o
Brasil e os países do Eixo. A partir de 1943, Lafer integrou o Conselho Técnico
de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda, cargo em que se manteria até
1950.
De volta à política partidária
Com a desagregação do Estado Novo e a organização de novos
partidos políticos em 1945, Horácio Lafer passou a integrar o Partido Social
Democrático (PSD), ao qual permaneceria filiado durante toda a sua carreira
política. Em dezembro desse ano elegeu-se deputado à Assembléia Nacional
Constituinte, participando da elaboração da Carta Constitucional promulgada em
setembro de 1946. Em seguida, permaneceu na Câmara ao longo da legislatura
ordinária que se estendeu até janeiro de 1951.
Líder da maioria durante o governo do general Eurico Dutra
(1946-1951), em 29 de outubro de 1946, primeiro aniversário da queda de Getúlio
Vargas, votou a favor da moção proposta por Otávio Mangabeira, elogiando as
forças armadas pela deposição do ex-presidente. Presidente da Comissão de
Finanças da Câmara, foi relator do orçamento da União, tendo defendido ainda a
proposta vitoriosa do deputado comunista Alcedo Coutinho, a qual estabeleceu
que ficariam reservados aos municípios 10% da arrecadação tributária da União.
Apresentou também o relatório intitulado O crédito e o sistema bancário no
Brasil (publicado em 1948), no qual propunha uma completa reorganização do
sistema bancário, com a criação de um banco central e a regulamentação de
vários tipos de bancos especializados (comerciais, industriais, hipotecários,
de investimento, de exportação e importação), além da criação de caixas
econômicas.
Parlamentar
ativo, especialmente interessado em questões ligadas à economia, sugeriu a
constituição pela Câmara de uma comissão para estudar o problema da imigração
no Brasil e apresentou um projeto propondo o reaparelhamento geral das estradas
de ferro no país, lido na Câmara pelo deputado Israel Pinheiro.
Em 1948, defendeu a conveniência de se recorrer ao Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como
Banco Mundial, a fim de obter um empréstimo para a Light. A matéria suscitou
intensa polêmica nos meios econômicos e políticos, mas Lafer sustentou sua
posição argumentando que a expansão econômica do país estava ameaçada pelo
abastecimento deficiente de energia elétrica, e que não havia recursos internos
para as obras de ampliação necessária. Assim, propôs que o governo desse as
garantias para a concessão de um empréstimo à Light pelo BIRD, proposta que
acabou sendo aprovada.
A
partir da apresentação à Câmara do Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte
e Energia) pelo governo Dutra em maio de 1948, foi um dos grandes defensores de
sua implantação. Entretanto, a tramitação do plano no Congresso se estendeu até
maio de 1950, quando foi finalmente aprovado, embora não tenha chegado a ser
efetivamente aplicado. Nesse ínterim, o governo, sobretudo a partir de 1949,
viu-se às voltas com o crescimento da inflação. Para combatê-la, os assessores
econômicos de Dutra consideravam urgente a redução dos gastos públicos e
Horácio Lafer, presidente da comissão mista para o estudo da reforma
administrativa, apoiou a proposta de redução das despesas com o funcionalismo
federal. A propósito, escreveu um artigo, publicado no Digesto Econômico de
junho de 1950, no qual afirmava que a despesa com o pessoal ativo totalizava
40% da despesa geral da União.
Ainda
em 1950, ao tomar corpo no país o debate sobre a exploração das areias
monazíticas, propôs na Câmara que se procurasse limitar ao máximo a exportação
desse mineral e que o governo tentasse preferencialmente atrair empresas
capazes de industrializá-los no país. No pleito de outubro do mesmo ano,
candidatou-se à reeleição, mas obteve apenas uma suplência. Entretanto, ao
encerrar seu mandato em 31 de janeiro de 1951, mesmo dia da posse de Getúlio
Vargas na presidência da República, foi nomeado ministro da Fazenda.
No Ministério da Fazenda
O ministério formado por Vargas ao assumir o governo em 1951
refletia as diversas alianças políticas que havia feito durante a campanha
eleitoral e a correlação de forças no Congresso, onde o PSD era majoritário.
Assim, coube a esse partido, além da pasta da Fazenda entregue a Lafer, as de
Relações Exteriores, Justiça e Educação e Saúde.
A
política econômica do governo anterior caracterizava-se pela defesa do
liberalismo no campo cambial e alfandegário, ao mesmo tempo em que procurava
limitar ao máximo a intervenção do Estado na economia, considerando os gastos
públicos como o principal fator responsável pela inflação. Entretanto, em
conseqüência da própria liberdade cambial e alfandegária, as divisas acumuladas
pelo Brasil durante a Segunda Guerra Mundial se esgotaram rapidamente, e o
governo foi obrigado a adotar um controle seletivo das importações a partir de
1947. Por outro lado, a inflação não só não foi debelada como ainda cresceu
rapidamente nos últimos anos do governo Dutra.
Assim que assumiu a pasta da Fazenda, Lafer empenhou-se no
combate à inflação. O governo obteve do Congresso autorização para congelar os
preços e punir os especuladores de gêneros alimentícios, e Lafer chegou
inclusive a instruir os bancos para que recusassem financiamento aos
comerciantes que especulassem com a inflação.
Por outro lado, era um ministro adequado para levar avante o
compromisso que Vargas assumira com a industrialização e a diversificação
econômica do país. Extremamente sensível aos interesses dos industriais e
conhecedor de seus problemas, Lafer arquitetou uma política econômica que
justificava a intervenção do Estado nos setores em que a iniciativa privada se
mostrasse desinteressada, ao mesmo tempo em que procurava atrair investimentos
estrangeiros para os projetos básicos de desenvolvimento.
A fim de obter o máximo de recursos para iniciativas que
pudessem desobstruir os pontos de estrangulamento do desenvolvimento
industrial, principalmente deficiências de infra-estrutura, a política de
Vargas procurou tirar proveito da nova conjuntura internacional, marcada pelo
envolvimento norte-americano na Guerra da Coréia (1950-1953). Em troca do apoio
político e eventualmente militar do Brasil aos EUA, o ministro das Relações
Exteriores João Neves da Fontoura pleiteou junto ao governo norte-americano,
além da construção de fábricas de material bélico no Brasil, a obtenção de
créditos bancários a médio e longo prazo para um programa de industrialização e
obras públicas.
Nas
negociações que se seguiram, os EUA se comprometeram a liberar financiamentos
no total de quinhentos milhões de dólares para projetos que seriam julgados por
uma comissão mista Brasil-Estados Unidos, criada em 1951 e chefiada do lado
norte-americano por Merwin Bohan e do lado brasileiro por Ari Torres. A
comissão era integrada ainda por economistas como Roberto Campos, Glycon de
Paiva e Lucas Lopes, que elaboraram, entre outros, projetos de introdução de
novas técnicas agrícolas, modernização da rede de transportes e criação de
armazéns e frigoríficos. Nos termos do programa, o Banco Mundial (BIRD) e o
Export-Import Bank (Eximbank) emprestariam ao Brasil um total de quinhentos
milhões de dólares para a importação de máquinas e equipamentos, enquanto o
Brasil deveria subscrever quantia equivalente.
Essas negociações deram origem ao Plano Nacional de
Reaparelhamento Econômico, que ficou conhecido como Plano Lafer, primeira
tentativa de planificação econômica para orientar racionalmente investimentos
nos setores considerados prioritários depois do frustrado Plano Salte. Para
financiá-lo em moeda nacional, o governo submeteu à votação no Congresso em 20
de novembro de 1951 o Fundo de Reaparelhamento Econômico, constituído por um
adicional de 15% ao imposto de renda devido pelos contribuintes situados numa
faixa de rendimentos superior a cem mil cruzeiros antigos. Aprovado pelo
Congresso em 5 de dezembro de 1951 com uma emenda que lhe acrescentava 3% sobre
as reservas de lucros retidos em poder das pessoas jurídicas, o projeto previa
que esse empréstimo compulsório seria restituído em cinco anos, acrescido de
25% em títulos da dívida pública.
Em
contrapartida, em 1952 foi negociado o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos,
pelo qual os dois países se comprometiam a participar em conjunto de missões de
defesa do hemisfério. Nos termos do acordo, o Brasil receberia assistência militar
norte-americana, obrigando-se em troca a conceder imunidades diplomáticas a
oficiais e funcionários norte-americanos incumbidos de administrar e fiscalizar
a assistência militar. O Brasil se comprometia ainda a fornecer aos EUA
material básico e estratégico, aceitando restrições ao comércio com os países
da área socialista.
Embora
o projeto de criação do Fundo de Reaparelhamento Econômico tenha sido aprovado
pelo Congresso em fins de 1951 — ainda que com a oposição da União Democrática
Nacional (UDN) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) —, o Plano Lafer não
chegou a ser levado à prática na íntegra. A gestão de Lafer transcorria num
quadro de grande efervescência política, em que emergiram fortes sentimentos e
interesses nacionalistas avivados pela campanha em prol do monopólio estatal do
petróleo e da criação da Petrobras. Desde 1951, a questão era debatida no
Congresso, e, entre janeiro de 1952 e fevereiro de 1954, o Banco Mundial só
autorizou a liberação de 63 milhões de dólares em financiamentos, dos
quinhentos milhões prometidos. Lafer, assim como o chanceler João Neves da
Fontoura, era favorável à participação internacional na exploração do petróleo,
mas o monopólio estatal foi aprovado pelo Congresso em 1953.
Diante desse fato, tornaram-se tensas as relações entre o
Brasil e os EUA, onde o presidente Harry Truman havia sido sucedido por Dwight
Eisenhower, cuja política para a América Latina, conduzida por John Foster
Dulles, caracterizava-se pelo reforço ao anticomunismo e pelo combate aos movimentos
nacionalistas, quase sempre encarados como acobertamento de iniciativas
comunistas. Desse modo, em julho de 1953 o governo norte-americano tornou claro
seu desejo de acabar com a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, e, em 1954, o
BIRD e o Eximbank suspenderam os financiamentos programados, que só seriam
retomados em 1958. Além da política petrolífera adotada, também a sustentação
do preço do café pelo Brasil foi considerada determinante da decisão
norte-americana.
Ainda assim, a obtenção de empréstimos externos a partir do
início de 1952 foi acompanhada de uma série de medidas de cunho
desenvolvimentista, destinadas a racionalizar e planificar o setor público. O
Plano Lafer, que nesse sentido foi em certa medida precursor do Plano de Metas
do período juscelinista, foi acompanhado pela criação em 1952 do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), constituído pelos recursos em moeda
nacional obtidos pelo Fundo de Reaparelhamento Econômico. Ainda com a
finalidade de ampliar os estímulos ao desenvolvimento, foram criados o Banco do
Nordeste (1952) e a Superintendência de Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), em 1953.
As metas do Plano Lafer defrontaram-se entretanto com
problemas de crescente gravidade, além da crise nas relações com os EUA. Em
primeiro lugar, verificou-se um déficit considerável no balanço de pagamentos
no final de 1952, em conseqüência do vulto das importações feitas no período, e
as amplas reservas cambiais acumuladas em função do bom comportamento das
exportações no biênio 1949-1951 se esgotaram. Por outro lado, a inflação, que
fora de 11% em 1951, saltou para 21% em 1952.
O resultado do crescimento da inflação foi que, mantido o
câmbio artificialmente a um nível baixo, os exportadores consideravam-se
desestimulados, enquanto eram facilitadas as importações e incentivada a
remessa de lucros. Já em meados de 1951, Vargas se alarmara com a elevada taxa
de lucros remetidos para o exterior, que passaram de 83 milhões de dólares em
1950 para 137 milhões em 1952. Em resposta, no mês de janeiro de 1952 Vargas
emitiu um decreto que impunha um limite de 10% para as remessas de lucros,
delegando poderes à Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) para aplicar
esse limite sempre que o julgasse necessário ante a pressão do balanço de
pagamentos. Entretanto, os preços das exportações se mantiveram animadores em
1952, e as autoridades da Sumoc preferiram não exercer o poder que lhes fora
delegado pelo presidente da República.
Logo, porém, a nova situação do balanço de pagamentos e o
ritmo inflacionário ascendente levaram o governo a alterar o regime cambial. Em
janeiro de 1953, estabeleceu-se o mercado livre para o câmbio o criaram-se
taxas distintas para certas exportações. A conseqüência imediata foi a
desvalorização do cruzeiro, cujo valor em relação ao dólar vinha sendo
sustentado artificialmente, além do encarecimento das importações e da melhoria
dos ganhos dos exportadores.
Após 1953, Lafer tentou aplicar um programa de estabilização
antiinflacionária, mas em relação às medidas que desejava aplicar enfrentou o
cerrado antagonismo do presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet, que
insistia em manter um programa de crédito fácil. Diante da crise instalada na
área econômica, Vargas reformulou seu ministério, substituindo no dia 24 de
agosto de 1953 o ministro da Fazenda por Osvaldo Aranha e o presidente do Banco
do Brasil por Marcos de Sousa Dantas. O novo ministro e o novo presidente do
banco comprometeram-se a aplicar rígidas medidas antiinflacionárias, procurando
controlar o déficit público através de uma política de estrita economia de
gastos do governo. Durante a gestão de Lafer e por todo segundo governo Vargas,
a ação do ministro da Fazenda era concomitante à da Assessoria Econômica da
Presidência da República, a qual exercia considerável influência na condução da
política econômica do governo.
De volta ao Congresso
Menos
de um ano depois de deixar o ministério, Lafer, que fora eleito suplente de
deputado federal por São Paulo em 1950, assumiu uma cadeira na Câmara (6/7/1954).
Reeleito em outubro do mesmo ano, iniciou novo mandato na legislatura aberta em
fevereiro de 1955. Na crise de novembro do mesmo ano, quando o general Henrique
Teixeira Lott comandou um movimento militar a fim de barrar uma conspiração em
curso e assegurar a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, Lafer foi
um dos deputados que votou no Congresso a favor do impedimento de Café Filho,
licenciado do exercício da presidência da República, ratificando assim a posse
do vice-presidente do Senado Nereu Ramos na chefia do governo da nação e, em
última instância, a posse de Juscelino Kubitschek em janeiro de 1956.
Novamente reeleito deputado federal por São Paulo no pleito
de outubro de 1958, dessa vez na legenda da coligação do PSD com o Partido
Social Progressista (PSP) e o Partido Social Trabalhista (PST), na legislatura
iniciada em fevereiro de 1959 Lafer foi vice-líder da maioria e lhe coube, como
homem de confiança do presidente Juscelino Kubitschek, relatar na Câmara dos
Deputados a posição assumida pelo governo, em 10 de julho de 1959, de romper
relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo seu relatório, o
FMI preconizava uma política ortodoxa de combate à inflação, incompatível com o
Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek. Propunha o fim do câmbio
especial para o trigo e a gasolina, além da fixação de preços mais baixos para
o café.
O
rompimento com o FMI teve amplas conseqüências, inclusive a substituição de
ministros e dirigentes de órgãos governamentais da área econômica. Em agosto de
1959, Lucas Lopes foi substituído por Sebastião Pais de Almeida no Ministério
da Fazenda, Roberto Campos por Lúcio Meira na presidência do BNDE e José
Garrido Torres por Marcos de Sousa Dantas na presidência da Sumoc. No mesmo processo,
no dia 13 de agosto, Horácio Lafer foi nomeado ministro das Relações
Exteriores, em substituição a Francisco Negrão de Lima.
No Itamarati
Lafer assumiu o Ministério das Relações Exteriores
credenciado por sua experiência em assuntos ligados às relações econômicas
internacionais e por sua própria orientação em matéria de política econômica,
como desenvolvimentista favorável à participação do capital estrangeiro.
As diretrizes da política externa juscelinista já estavam
traçadas em suas linhas essenciais. Subordinavam-se fundamentalmente ao Plano
de Metas do presidente, o que levara Juscelino a formular em 1958 a Operação
Pan-Americana, destinada a sensibilizar os Estados Unidos de modo a obter um
maciço apoio financeiro para a América Latina.
Ao assumir o ministério, Lafer procurou subordinar-se à linha
de atuação já definida. De modo a diversificar os mercados compradores dos
produtos brasileiros, a fim de ampliar as exportações e assegurar as condições
para a importação de equipamentos e produtos de base para a indústria, criou a
Comissão de Política Econômica Exterior do Ministério das Relações Exteriores.
Ainda no mesmo sentido, presidiu ao primeiro acordo comercial entre o Brasil e
a União Soviética, celebrado em Moscou no dia 9 de dezembro de 1959. Com uma
vigência de três anos, o acordo previa o intercâmbio de 25 milhões de dólares
em mercadorias em 1960, 37 milhões em 1961 e 45 milhões em 1962. Em junho de
1960, novos acordos foram assinados com a União Soviética, a Polônia e a
Tchecoslováquia.
Ao mesmo tempo, Lafer desenvolveu uma ativa política em
relação à América Latina. Em novembro de 1959, assinou com o chanceler
argentino Diógenes Taboada um compromisso no sentido de fomentar o comércio
bilateral entre Brasil e Argentina, e foi também em sua gestão que se
aceleraram os estudos para a criação de uma zona livre de comércio entre países
da América Latina. Em conseqüência dessa iniciativa, em 18 de fevereiro de 1960
foi assinado o Tratado de Montevidéu, que deu origem à Associação Latino-Americana
de Livre Comércio (ALALC). Nos termos desse acordo, assinado por Horácio Lafer
como representante do Brasil, a Argentina, o Brasil, o Chile, o Paraguai, o
Peru e o Uruguai se comprometiam a abolir gradualmente as taxas alfandegárias
existentes entre esses países, com vistas à criação de um verdadeiro mercado
comum latino-americano.
Ainda
durante a gestão de Horácio Lafer, emergiu mundialmente a questão suscitada
pela vitória da Revolução Cubana liderada por Fidel Castro em 1959. Por
solicitação do governo peruano à Organização dos Estados Americanos (OEA), foi
convocada com urgência uma conferência dos ministros das Relações Exteriores da
América para tratar do caso cubano. Ao mesmo tempo, chegou à OEA outra
convocação, encaminhada pelo governo da Venezuela, a fim de considerar a
participação da ditadura dominicana de Rafael Trujillo em um atentado contra a
vida do presidente venezuelano Romulo Betancourt. Ao cabo de demoradas e
penosas negociações, ficou resolvido que, na segunda quinzena de agosto de 1960,
os chanceleres americanos se encontrariam em San José, capital da Costa Rica,
para realizar duas reuniões consecutivas.
Na primeira delas, a IV Reunião dos Chanceleres Americanos,
foi tratado o caso da República Dominicana, chegando-se em pouco tempo a uma
conclusão: condenou-se a ditadura de Trujillo e propôs-se o rompimento total de
relações diplomáticas e parcial das econômicas até que o país fosse
democratizado. A VII Reunião tratou do caso cubano, e coube a Lafer a
presidência dos trabalhos. O chanceler brasileiro envidou esforços para evitar
a expulsão de Cuba da OEA, e da reunião resultou a Declaração de San José, onde
se afirmava que a interferência extracontinental punha em perigo a
solidariedade e a segurança do hemisfério. Nesses termos, o documento procurava
repelir a pretensa ameaça da intervenção da União Soviética e da China em
assuntos latino-americanos.
Após a Revolução Cubana, os EUA, temerosos de uma nova
ruptura na América Latina, mostraram-se mais sensíveis aos apelos da Operação
Pan-Americana, que já em abril de 1959 tinha sido um dos fatores da criação do
Banco Interamericano de Desenvolvimento. Em seguida, reuniu-se em Bogotá a
Comissão Especial para Estudos e Formulação de Novas Medidas de Cooperação
Econômica, mais conhecida como Comitê dos 21, integrada por representantes dos
países latino-americanos. Dessa reunião, resultou a Ata de Bogotá, a partir da
qual os EUA passaram a assumir compromissos econômicos de maior envergadura no
sentido de superar o subdesenvolvimento do continente. Os resultados dessa
reunião foram saudados como uma vitória da diplomacia brasileira, e
constituíram sem dúvida um passo importante para o lançamento em 1961 da
Aliança para o Progresso pelo presidente norte-americano John Kennedy.
Entretanto, à diferença da Operação Pan-Americana, a Aliança para o Progresso
reservava iniciativa e o controle aos EUA.
Como ministro das Relações Exteriores, Horácio Lafer presidiu
ainda em dezembro de 1959 a comissão permanente para a aplicação do Tratado de
Amizade e Consulta entre Brasil e Portugal. No período de 1959-1960, presidiu
também a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos, assunto sobre o qual
sempre se mostrara interessado. Foi ainda delegado do Brasil às comemorações do
Sesquicentenário da República Argentina, e chefiou a delegação brasileira à XV
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), reunida em Nova Iorque
entre setembro e outubro de 1960.
Com o fim do governo de Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro
de 1961, deixou o ministério e retornou à Câmara para completar o mandato de
deputado que iniciara em fevereiro de 1959. Candidato à reeleição em outubro de
1962, sempre na legenda do PSD, obteve apenas uma suplência. Na véspera de
deixar a Câmara Federal (31/1/1963), foi eleito presidente emérito da FIESP na
diretoria presidida por Rafael Noschese, em reconhecimento pelos serviços
prestados à indústria, em especial à do estado de São Paulo.
Em sua vida empresarial, integrou a direção do grupo Klabin,
composto principalmente de indústrias de papel e celulose. Membro do Instituto
dos Advogados de São Paulo, do Conselho do Instituto de Pesquisas Tecnológicas
da Universidade de São Paulo e da Academia de Estudos Econômicos de São Paulo,
foi também vice-presidente da Sociedade Brasileira de Filosofia e presidente do
Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Faleceu em Paris no dia 29 de junho de 1965.
Foi casado com Maria Luísa Lafer, com quem teve duas filhas.
Além de inúmeros artigos e projetos parlamentares, publicou:
Tendências filosóficas contemporâneas (1929), Discriminação de rendas (1946), O
crédito e o sistema bancário no Brasil (1948) e Aspectos da legislação social.
Sua passagem pelo Itamarati foi relatada em Gestão do
ministro Lafer na pasta das Relações Exteriores (1961).
Jorge Miguel Mayer
FONTES: ASSEMB.
NAC. CONST. 1934 Anais; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; Boletim Min. Trab.
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