LOPES,
Lucas
*min.
Viação 1954-1955 e 1955-1956; pres. BNDE 1956-1958; min. Faz. 1958-1959.
Lucas
Lopes nasceu em Ouro Preto (MG) no dia 25 de junho de 1911,
filho de Francisco Antônio Lopes e de Maria da Conceição Mosqueira Lopes. Seu
pai, engenheiro e professor, era primo de Ildefonso Simões Lopes, ministro da
Agricultura de 1919 a 1922, deputado federal pelo Rio Grande do Sul em várias
legislaturas durante a República Velha e participante da Revolução de 1930.
Luís Simões Lopes, filho de Ildefonso, foi chefe do Departamento Administrativo
do Serviço Público (DASP) de 1938 a 1945, fundador e presidente da Fundação Getúlio
Vargas de 1944 a 1992.
Fez os estudos primários em sua cidade natal e concluiu o
secundário no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte . Ingressou em 1927 na Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais e
ainda estudante começou a trabalhar, primeiro como repórter no jornal O Estado
de Minas e depois como desenhista na seção técnica da Estrada de Ferro
Oeste de Minas, que logo após a Revolução de 1930 foi transferida do governo
federal para o governo de Minas, juntamente com a Estrada de Ferro Sul Mineira
e a Estrada de Ferro Paracatu, formando a Rede Mineira de Viação. Formado em
engenharia civil em 1932, ocupou os cargos de engenheiro-chefe de oficina,
chefe de tração e chefe da divisão de transportes da Rede Mineira de Viação. Sem
perder o vínculo com a Rede, licenciou-se em 1940, trabalhou na Companhia
Auxiliar das Empresas Elétricas Brasileiras (CAEEB), no Rio de Janeiro, e em seguida na Sociedade Técnica de Materiais (Sotema), para a qual montou em Ladário, junto a
Corumbá (MT), uma oficina para vagões destinados à Estrada de Ferro
Brasil-Bolívia. De Corumbá transferiu-se para Vitória, a convite de Israel
Pinheiro, então presidente da Companhia Vale do Rio Doce, para preparar a
Estrada de Ferro Vitória-Minas para receber e montar vagões a serem utilizados
no transporte de minério.
Em
1943, por indicação de Israel Pinheiro, foi convidado Benedito Valadares,
interventor federal em Minas, para ocupar a Secretaria da Agricultura,
Indústria e Comércio do estado. Passou então a exercer importante papel no
planejamento dos investimentos governamentais, dando continuidade, entre
outros, aos projetos da Cidade Industrial e da usina de Gafanhoto, destinada a
fornecer energia elétrica para o pólo industrial de Belo Horizonte. Além disso,
assumiu o cargo de diretor da seção mineira da Coordenação da Mobilização
Econômica, órgão criado em 1942 sob a chefia de João Alberto Lins de Barros
para ajustar o funcionamento da economia brasileira à situação mundial, marcada
pelo prolongamento da Segunda Guerra Mundial. A principal atividade da Coordenação
em Minas foi a distribuição de cotas de consumo, segundo o planejamento
estabelecido para atender às necessidades da economia de guerra.
Com a deposição de Getúlio Vargas em outubro de 1945,
Benedito Valadares e sua equipe foram afastados do governo mineiro. Mesmo
assim, Lucas Lopes voltou a chefiar uma secretaria — desta vez a de Viação e
Obras Públicas — entre fevereiro e agosto de 1946, durante o governo do
interventor João Tavares Correia Beraldo. Tornou-se ainda nesse ano, até 1948,
professor catedrático de geografia econômica da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade de Minas Gerais, passando a integrar em seguida a
recém-criada Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), órgão diretamente
subordinado à Presidência da República encarregado de formular e executar um
projeto de desenvolvimento para essa região. Inicialmente, a CVSF teve uma
direção colegiada que definiu seu regimento interno e fixou o programa básico
de trabalho, voltado principalmente para a distribuição das águas, a utilização
do potencial hidrelétrico e a modernização dos transportes. Foram criadas em
seguida, no âmbito da própria comissão, as secretarias de Produção e
Assistência e de Plano de Obras. Lucas Lopes assumiu a chefia desta última, que
contou com a participação dos engenheiros Oscar Espínola Guedes, Galdino Mendes
Filho, Salomão Serebrenick, John Cotrin, Mauro Thibau, Domício de Figueiredo e
outros, além de sanitaristas e agrônomos. Parelelamente a essas atividades,
coordenou uma equipe de técnicos da Companhia Brasileira de Engenharia (CBE)
que elaborou uma revisão no Plano de Eletrificação de Minas para o governo
Mílton Campos.
O
Plano Geral para o Aproveitamento Econômico do Vale do São Francisco foi
apresentado à consideração do Congresso Nacional em dezembro de 1950,
recomendando, entre outras obras, a construção de uma barragem em Três Marias
(MG) e reservatórios de grande e médio porte em diversos pontos da bacia
superior e do trecho submédio do rio São Francisco, entre as cidades baianas de
Sobradinho e Paulo Afonso. O plano só seria aprovado em 1955, depois de longa
tramitação legislativa.
O início da colaboração com Kubitschek
A política de desenvolvimento adotada por Juscelino
Kubitschek no início de seu mandato à frente do governo mineiro, em janeiro de
1951, teve como eixo o binômio “energia e transportes”, considerado básico para
viabilizar o processo de industrialização de Minas. Lucas Lopes foi escolhido
para formular um plano de eletrificação no estado, enquanto o engenheiro Celso
Murta planejava a ação governamental no setor de transportes. Em virtude da
relativa carência de recursos e do grande déficit existente na geração e
distribuição de energia em Minas, a iniciativa privada foi chamada a participar
de companhias mistas e sociedades anônimas organizadas para realizar as
principais obras então iniciadas: a construção das usinas de Itutinga
(destinada a alimentar as regiões oeste e sul do estado) e do Paredão (no Alto
Parnaíba), a ampliação da capacidade da usina Pai Joaquim (na região de
Uberaba), a conclusão da usina de Governador Valadares e o planejamento da
usina de Salto Grande (no rio Santo Antônio). Esses trabalhos levaram à criação
da Companhia do Médio Rio Doce, da Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande
e da Central Elétrica do Piau, unificadas em setembro de 1951 em torno de uma
empresa holding, a Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig),
presidida até o fim do governo Kubitschek por Lucas Lopes. No período seguinte,
o sistema de distribuição de energia elétrica foi orientado prioritariamente
para apoiar a industrialização, estendendo depois seus serviços às pequenas e
médias cidades do interior.
Devido
à sua importante participação no programa energético de Minas Gerais, Lucas
Lopes foi também convidado, em 1951, a integrar a Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos, cuja seção brasileira era dirigida por Ari Frederico Torres e contava
com Roberto Campos, Glycon de Paiva, José Soares Maciel Filho e Valentim
Bouças. A comissão mantinha contato permanente com Horácio Lafer, ministro da
Fazenda do segundo governo Vargas, e era encarregada de verificar a
disponibilidade de financiamento externo para superar os pontos de
estrangulamento da expansão industrial no Brasil, sobretudo nas áreas de
energia elétrica e de transportes, além de estudar projetos vinculados a
máquinas agrícolas e armazenamento de cereais.
O trabalho da comissão e as gestões de Horácio Lafer no
exterior resultaram na elaboração do Plano Nacional de Reaparelhamento
Econômico, a ser financiado em partes iguais por instituições estrangeiras e
pelo governo brasileiro, num total de um bilhão de dólares. Vargas enviou em
seguida uma mensagem ao Congresso, aprovada em junho de 1952, propondo a
criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), encarregado de
gerir a aplicação desses recursos de acordo com o plano traçado. A primeira
equipe de direção do novo órgão aproveitou os integrantes da seção brasileira
da Comissão Mista, cabendo a Lucas Lopes um lugar no conselho de administração.
Para a superintendência geral foi nomeado Maciel Filho, industrial do ramo
têxtil que fazia restrições à participação do capital estrangeiro na economia
nacional. A Comissão Mista completou seus estudos técnicos em julho de 1953 e
encerrou oficialmente suas atividades em dezembro seguinte, deixando trabalhos
que seriam incorporados mais tarde à preparação do Plano de Metas de Juscelino
Kubitschek. Entre 1953 e 1955, a equipe do BNDE realizou também um importante
estudo, coordenado pelo economista Celso Furtado juntamente com a Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão da Organização das Nações Unidas
(ONU), cujos resultados seriam igualmente aproveitados no Plano de Metas.
Nesse período — primeira metade da década de 1950 —,
acentuou-se a polarização entre correntes nacionalistas e aquelas que defendiam
maior abertura à participação do capital estrangeiro na economia nacional. Como
decorrência do peso da primeira posição durante o governo de Vargas, o Banco
Mundial e outras instituições estrangeiras reduziram ou suprimiram o
financiamento ao Brasil. Ao mesmo tempo, a luta política interna se acirrou com
o fortalecimento da alternativa golpista contra o presidente, que se suicidou
em agosto de 1954. Seu sucessor foi o vice-presidente João Café Filho, que
organizou um ministério onde predominavam elementos mais favoráveis ao capital
estrangeiro, vinculados à União Democrática Nacional (UDN). Entretanto,
preocupado em manter vínculos com o Partido Social Democrático (PSD), o novo
presidente pediu que Juscelino Kubitschek indicasse um nome para ocupar o
Ministério da Viação e Obras Públicas. A escolha recaiu sobre Lucas Lopes,
nomeado em 27 de agosto de 1954.
Sua
participação no governo de Café Filho foi curta. Em janeiro de 1955, o
presidente endossou um documento assinado por vários chefes militares que
defendiam a necessidade de equacionar o problema sucessório em um quadro de
colaboração interpartidário, criticando assim, implicitamente, a candidatura de
Juscelino Kubitschek, articulada pelo PSD. Discordando dos termos do documento,
Lucas Lopes pediu demissão em 29 de janeiro, sendo substituído pelo coronel
Rodrigo Otávio de Jordão Ramos.
A convenção nacional do PSD lançou oficialmente o nome de
Juscelino em 10 de fevereiro de 1955, apesar da resistência das seções
estaduais de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que formaram uma
dissidência e apresentaram, sem êxito, quatro alternativas a essa escolha:
Lucas Lopes, Etelvino Lins, Nereu Ramos e Carlos Luz. Juscelino recebeu ainda o
apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que lançou João Goulart para
disputar a vice-presidência, recompondo assim a aliança das forças alijadas do
poder depois do suicídio de Vargas.
A
vitória da coligação PSD-PTB no pleito presidencial de 3 de outubro de 1955
acirrou a crise política, pois a UDN e setores militares se posicionaram contra
a posse dos eleitos. A tensão chegou ao clímax com a deflagração, em 11 de
novembro, de um movimento militar liderado pelo general Henrique Lott, ministro
da Guerra demissionário, visando, segundo seus promotores, a barrar uma
conspiração em preparo no governo e assegurar a posse de Kubitschek. O
movimento provocou o impedimento dos presidentes da República Carlos Luz, em
exercício, e Café Filho, licenciado, empossando na chefia do governo o
vice-presidente do Senado, Nereu Ramos. No dia 14 de novembro, Lucas Lopes
retornou ao Ministério da Viação e Obras Públicas, onde permaneceu até a posse
de Kubitschek em 31 de janeiro de 1956.
No governo de Kubitschek
Juscelino assumiu a presidência disposto a aplicar o Plano de
Metas elaborado por uma equipe de técnicos sob a direção de Lucas Lopes e
Roberto Campos, integrantes de um grupo de economistas que defendia a
necessidade do planejamento econômico governamental para acelerar o processo de
industrialização, diferenciando-se assim dos adeptos da escola liberal, como
Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões. Todos esses economistas estavam de
acordo, entretanto, em relação à importância da estabilidade monetária e ao
papel positivo do capital estrangeiro, combatendo juntos, entre outros, o
projeto de criação da Eletrobrás, que desde 1954 tramitava no Congresso
Nacional. Em seu lugar, propunham a formação de um fundo nacional de
eletrificação e de uma comissão nacional de energia elétrica que, atuando junto
com o BNDE, prestasse assistência às empresas concessionárias do setor
energético, em sua maioria estrangeiras.
Coerente
com as posições de seus coordenadores, o Plano de Metas pretendia mobilizar
grande soma de recursos públicos e de capital estrangeiro para atingir, em
cinco anos, 36 objetivos setoriais ligados à constituição de uma
infra-estrutura básica e à diversificação do parque industrial brasileiro. Além
disso, contrariando a opinião de Lucas Lopes e Roberto Campos, o presidente
acrescentou ao plano a chamada “meta-síntese”: a construção de Brasília.
Logo
no início do governo, em fevereiro de 1956, Lucas Lopes foi nomeado presidente
do BNDE, acumulando esse cargo com o de secretário-executivo do então criado
Conselho do Desenvolvimento, órgão que passou a centralizar a aplicação do
Plano de Metas. Contando com a participação de todos os ministros de Estado,
representantes do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e consultores
especiais, o Conselho formou grupos de trabalho que elaboravam projetos ligados
a metas específicas do plano e os submetiam aos grupos executivos, formados por
administradores e técnicos ligados ao Estado e à iniciativa privada. Esses
organismos, criados por decreto, atuavam com grande autonomia financeira e
estavam fora da alçada do Poder Legislativo. Os mais importantes foram o Grupo
Executivo para a Indústria Automobilística (GEIA), o Grupo Executivo para a
Indústria da Construção Naval (Geicon) e o Grupo Executivo para a Indústria de
Bens de Capital e Maquinaria Pesada (Geimape).
Como
secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento, Lucas Lopes coordenou a
elaboração de um programa de exportação de minério de ferro — aprovado em
agosto de 1957 — que, segundo René Armand Dreyfuss, concedeu diversas vantagens
à empresa norte-americana Hanna Mining Corporation. Anos mais tarde, em
depoimento para o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil (Cpdoc) e para o Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, Lucas
Lopes refutaria essas informações, sustentando que a Hanna, naquela época, não
havia formulado nenhum projeto de exportação de minério.
Entre 1957 e 1961, o BNDE chegou a dispor anualmente de um
montante de recursos superior a 5% de toda a poupança nacional,
concentrando-se, pela ordem, em investimentos no setor de transportes, nas
indústrias de base e na produção de energia elétrica. Praticamente todas as demandas
de financiamento para investimentos industriais públicos ou privados ligados ao
Plano de Metas passavam pelo banco, que, depois de analisar sua viabilidade
técnico-financeira e sua conveniência macroeconômica, acompanhava de perto a
aplicação dos projetos, chegando muitas vezes a controlar o funcionamento das
novas unidades de produção. Sua atuação, portanto, foi muito importante na
criação de condições favoráveis à intensa penetração do capital estrangeiro no
parque industrial brasileiro, fator decisivo para a obtenção de altas taxas de
crescimento econômico e a concretização de cerca de 80% das metas planejadas
pelo governo Kubitschek.
Os dois aspectos mais delicados na aplicação do plano foram a
deterioração do balanço de pagamentos, agravada a partir de 1955, e o
crescimento do déficit orçamentário. O primeiro resultava do crescimento das
importações e da queda dos preços dos produtos exportados, em particular o
café, enquanto o segundo decorria do aumento dos gastos públicos, financiados
com emissão de moeda e, portanto, causadores de taxas crescentes de inflação.
Essas dificuldades reforçavam a oposição da UDN à política econômica, a
inquietação de setores da classe média e o descontentamento dos cafeicultores,
atingidos por um confisco cambial que os tornava financiadores indiretos do
processo de industrialização.
No
início de 1958, o Export Import Bank (Eximbank) condicionou a liberação de um
empréstimo solicitado pelo governo brasileiro à obtenção de um aval do Fundo
Monetário Internacional (FMI) para a operação. Esta última instituição exigiu
então uma rigorosa política de contenção dos gastos públicos e do crédito,
maior rigidez nos reajustes salariais, a adoção de uma reforma cambial e o fim
do programa de compra de excedentes de café pelo governo, medidas consideradas
necessárias para o combate à inflação e a restauração do balanço de pagamentos.
Nas discussões subsequentes no Congresso e no interior do governo, a UDN
criticou duramente o ministro da Fazenda José Maria Alkmin, e o general Lott,
ministro da Guerra, o responsabilizou pela crise financeira. Pouco depois,
Alkmin pediu demissão, alegando que precisava desincompatibilizar-se para
concorrer a uma cadeira de deputado federal em outubro seguinte. Lucas Lopes assumiu então a chefia do Ministério da Fazenda, em 25 de junho
de 1958, sendo substituído por Roberto Campos na presidência do BNDE.
O Plano de Estabilização
Lucas
Lopes e Roberto Campos foram os responsáveis pela elaboração do Plano de
Estabilização Monetária, que foi apresentado ao Congresso em outubro e tinha
como base quatro medidas principais: limitação da oferta de meios de pagamento,
através de restrição ao crédito; maior controle dos gastos públicos, conjugado
com o aumento nos impostos sobre a renda e o consumo; menores reajustes
salariais; e eliminação dos subsídios cambiais. O plano acirrou imediatamente a
controvérsia entre monetaristas e estruturalistas, que localizavam as principais
causas da inflação nos desequilíbrios estruturais da economia brasileira e
consideravam ineficaz qualquer programa que significasse a liquidação de um
plano estratégico de investimentos públicos nos setores fundamentais da
economia. Além disso, a política estabilizadora de Lucas Lopes ameaçava a
continuidade da aplicação do Plano de Metas, incluindo a construção de Brasília
nos prazos previstos.
As
resistências ao programa estabilizador não se restringiram apenas aos meios
políticos e acadêmicos. Os cafeicultores intensificaram suas pressões,
programando imediatamente a chamada “marcha da produção” até o palácio do
Catete, sede do governo, para exigir o aumento das compras de estoques pelo
governo. Esse projeto não chegou a ser concretizado em virtude da mobilização
preventiva de contingentes militares, ordenada pelo general Lott com o apoio de
Lucas Lopes. Por outro lado, empresários paulistas iniciaram forte oposição à
limitação do crédito, sendo apoiados pelo presidente do Banco do Brasil,
Sebastião Pais de Almeida, que se recusou a suspender operações ligadas ao
fornecimento de capital de giro para as indústrias. A perspectiva de elevação
de impostos também não foi bem recebida por setores conservadores, enquanto o
movimento sindical avançava em suas articulações horizontais não-oficiais (os
“pactos de ação conjunta”), inclusive em áreas do interior, para resistir às
anunciadas restrições salariais.
A
luta contra o Plano de Estabilização ganhou um matiz nacionalista, com o
crescimento dos ataques a Lucas Lopes e Roberto Campos, acusados de
“entreguistas”. Essa polêmica adquiriu novos contornos a partir do primeiro
semestre de 1959, quando o debate sucessório começou a delinear-se. A UDN
aumentou seus ataques contra as medidas “demagógicas e populistas” do governo,
como o aumento de 30% do salário mínimo, enquanto grupos nacionalistas e de
esquerda reforçavam sua pressão contra as vantagens concedidas ao capital
estrangeiro, sendo apoiados pelo próprio vice-presidente João Goulart. As
exigências do FMI para dar seu aval ao empréstimo solicitado pelo governo
brasileiro ao Eximbank eram consideradas inaceitáveis, inclusive por pessoas
favoráveis à abertura da economia brasileira às empresas estrangeiras, como
Augusto Frederico Schmidt. Kubitschek tentou criar uma alternativa com a proposta
de formação da Operação Pan-Americana, que consistiria num amplo programa de
colaboração financeira dos Estados Unidos para o desenvolvimento da América
Latina. Entretanto, esse projeto ficou sem resposta por parte dos Estados
Unidos, enquanto o FMI permanecia inflexível em suas exigências.
Nesse
quadro, Lucas Lopes sofreu um infarto em 30 de maio, e em 4 de junho foi
substituído interinamente no Ministério da Fazenda por Sebastião Pais de
Almeida. Nesse mesmo dia Juscelino suspendeu provisoriamente as negociações com
o FMI e em 17 de junho anunciou oficialmente o rompimento com o Fundo. A
iniciativa foi saudada por vários setores como uma reafirmação da autonomia
política e econômica do país, levando Thomas Skidmore a escrever: “O
contentamento parecia maior do que se o Brasil tivesse realmente recebido o
empréstimo de trezentos milhões, adiado havia tanto tempo.”
Como era previsto, o rompimento das negociações com o FMI foi
acompanhado pelo abandono do Plano de Estabilização e o afastamento dos seus
principais coordenadores. Em 28 de julho Sebastião Pais de Almeida foi
efetivado no Ministério da Fazenda, e no mesmo mês Roberto Campos passou a
presidência do BNDE para Lúcio Meira. Apesar disso, o Plano de Estabilização
voltaria a desempenhar importante papel na política econômica do efêmero
governo de Jânio Quadros, em 1961.
Depois de deixar o ministério, Lucas Lopes foi nomeado
titular do 4º Ofício de Imóveis do Rio de Janeiro em substituição a Olegário Mariano. Acumulou essa função com a de diretor da fábrica Civilit de
cimento e amianto, de propriedade do empresário italiano Maurício Cattaneo
Adorno, e integrou o conselho de administração de Furnas S.A., cuja presidência
chegou a ocupar. Em setembro de 1959, juntamente com antigos colaboradores do
BNDE, ajudou a fundar a Consultec — Sociedade Civil de Planejamento e Consultas
Técnicas Ltda. Do grupo de consultores da empresa vieram a participar Roberto
Campos, Otávio Dias Carneiro, Jorge Oscar de Melo Flores, Mário da Silva Pinto,
Otávio Gouveia de Bulhões e Mário Henrique Simonsen, entre outros. Vinculada à
empresa, e sob a orientação de Lucas Lopes, foi criada posteriormente a Apec
Editora S.A., responsável durante vários anos pela publicação do periódico Análise
e perspectiva econômica.
Em
1962, Lucas Lopes passou a trabalhar para a Hanna, inicialmente como consultor
e, depois, como administrador. Três anos mais tarde, participou da assinatura
do acordo de fusão da St. John del Rey Mining Company — controlada pela Hanna —
com o grupo Caemi, de propriedade de Augusto Azevedo Antunes. A negociação deu
origem às Minerações Brasileiras Reunidas S.A. (MBR), empresa que, no início
dos anos 1970, desenvolveu o projeto Águas Claras, voltado para a exploração e
exportação de minério de ferro em larga escala, e que, entre outros
empreendimentos, levou à construção de um terminal marítimo em Sepetiba (RJ), inaugurado em novembro de 1973.
Durante sua vida profissional, integrou também os conselhos
de administração do Banco Denasa de Investimento e os conselhos consultivos do
Banco de Investimento Credisan, da Magnesita S.A. e da Companhia de Cimento
Nacional de Minas Gerais S.A. Foi ainda diretor da Sociedade Anônima Mineração
de Amianto (SAMA), da Companhia Mineira de Alumínio (Aluminas) e da Morro do
Níquel, além de gerente da Hannaco Empreendimentos e Participações.
Faleceu no Rio de Janeiro, vítima de uma parada cardíaca, no
dia 29 de janeiro de 1994.
Era casado com Ester de Pádua Lopes, com quem teve três
filhos. Um deles, Rodrigo de Paula Lopes, casado com Maria Estela Kubitschek,
filha de Juscelino Kubitschek, foi secretário de Indústria e Comércio do estado
do Rio de Janeiro entre 1988 e 1990, durante o governo Moreira Franco
(1987-1991). Outro filho, Francisco Lopes, um dos idealizadores do Plano
Cruzado (1986) e do Plano Real (1994), ocupou interinamente a presidência do Banco
Central entre janeiro e fevereiro de 1999.
Além
de inúmeros artigos publicados em revistas especializadas, Lucas Lopes foi
autor de vários trabalhos e publicações, entre eles: O vale do São Francisco
(1955), Plano de eletrificação de Minas Gerais, Memorial da
capital federal, Estudos de política do Brasil — à margem da mudança da
capital, O Programa de Metas e Programa de Estabilização
Monetária. Seu depoimento ao Cpdoc e ao Centro da Memória da Eletricidade
no Brasil foi publicado sob o título Memórias do desenvolvimento (1991).
O
arquivo de Lucas Lopes encontra-se depositado no Cpdoc da Fundação Getulio
Vargas.
Jorge
Miguel Mayer/Alzira Alves de Abreu
FONTES:
ANDRADE, F. Relação; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; CAFÉ
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LOPES, L. Memórias; MARANHÃO, R. Governo; MARTINS, L. Pouvoir;
MIN. FAZ. Ministros; MIN. GUERRA. Almanaque (1959);
MIN. VIAÇÃO. Dados; Nosso (4); QUADROS, J. História; SKIDMORE,
T. Brasil; SOARES, E. Instituições.