Osvaldo
Euclides de Sousa Aranha nasceu em Alegrete (RS) no dia 15 de fevereiro de
1894, filho do coronel Euclides Egídio de Sousa Aranha e de Luísa Jacques de
Freitas Vale Aranha, proprietários da estância Alto Uruguai no município gaúcho
de Itaqui. Segundo entre os 12 filhos do casal, descendia diretamente, pelo
lado paterno, de Maria Luzia de Sousa Aranha, baronesa de Campinas (da região
paulista que hoje corresponde à cidade do mesmo nome), cujo marido foi um dos
responsáveis pelo início do plantio de café na província de São Paulo. Seu pai,
paulista de nascimento, exercia a chefia do Partido Republicano Rio-Grandense
(PRR) em Itaqui. Na família de sua mãe, dedicada tradicionalmente à política em
Alegrete, destacou-se Luís de Freitas Vale, barão de lbirocaí. Seu bisavô Luís
Inácio Jacques presidiu a Câmara Municipal em 1860. E o tio materno, Manuel de
Freitas Vale foi eleito intendente de Alegrete em 1900, 1910 e 1913. Dentre
seus irmãos destacaram-se Ciro Aranha e Luís Aranha como revolucionários em
1930, tendo este último presidido o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Marítimos (IAPM) em 1938. Seu primo Ciro de Freitas Vale exerceu interinamente
o cargo de ministro das Relações Exteriores em 1939 e em 1949, tendo sido ainda
embaixador do Brasil na Alemanha (1939-1942), na Argentina (1947-1948), no Chile
(1952-1955) e na Organização das Nações Unidas (ONU, 1955-1960).
Em 1903, contando nove anos, ingressou como interno no
Colégio dos Jesuítas de São Leopoldo (RS), na época denominado Ginásio Nossa
Senhora da Conceição, e aí permaneceu até 1906, quando, na iminência de ficar
cego, foi obrigado a interromper os estudos. Após breve período sob cuidados
médicos em Buenos Aires, viajou no ano seguinte para o Rio de Janeiro, então
capital federal, para dar continuidade ao tratamento, preparando-se ao mesmo
tempo para a admissão no Colégio Militar, onde ingressou ainda em 1908.
Concluindo o curso secundário em 1911, prestou exame para a Faculdade de
Direito do Rio de Janeiro, onde se matriculou em 1912. Data dessa época sua
amizade com Virgílio de Melo Franco, que alcançaria projeção política com a
Revolução de 1930, e com Rubens Antunes Maciel. Estreitou também amizade nesse
período com José Antônio Flores da Cunha, que viria a exercer o governo do Rio
Grande do Sul. Em janeiro de 1914 partiu para a Europa em companhia de Rubens
Antunes Maciel. Em Paris, matriculou-se em curso de aperfeiçoamento oferecidos
pela École des Hautes Études Sociales (Sorbonne). Viajou ao sul da França para
tratamento de saúde e para a Itália onde tomou aulas de italiano e participou
de conferências de juristas. Esteve também na Suiça e, em agosto, com o início
da Primeira Guerra Mundial, reencontrou-se com Maciel e sua irmã Eloá em Paris,
regressando ao Brasil. Retomou, então, o curso universitário.
Durante
o período em que freqüentou a Faculdade de Direito, aproximou-se de colegas que
na política gaúcha se ligavam às oposições, embora seu pai fosse um
republicano. Manteve também intensa atividade política contra o candidato ao
Senado, marechal Hermes da Fonseca, apoiado pelo chefe do PRR e presidente do
Rio Grande do Sul, Antônio Augusto Borges de Medeiros, e contra o líder
situacionista José Gomes Pinheiro Machado, senador pelo Rio Grande do Sul.
Aranha chegou mesmo a liderar uma campanha estudantil contra ambos,
participando de comícios e manifestações no largo de São Francisco, no Rio.
Embora não fosse gasparista — designação dada aos seguidores de Gaspar da
Silveira Martins, líder do Partido Liberal gaúcho, de oposição ao PRR — passou
a freqüentar, provavelmente influenciado por Rubens Antunes Maciel e outros
gaúchos que estudavam no Rio, o Grupo Gaspar Martins, formado por
universitários.
Preocupado com a intensa participação de Osvaldo na politica
estudantil, Pinheiro Machado escreveu a Euclides Aranha pedindo-lhe que
interviesse junto ao filho de modo a “acalmar o ânimo dos estudantes”. Assim,
em agosto de 1915, Euclides enviou uma carta ao filho aconselhando-o a moderar
sua oposição a Hermes da Fonseca. A recusa em acatar as sugestões do pai
resultou num estremecimento da relação que acabou sendo resolvido com a
intermediação de sua noiva Delminda Benvinda Gudolle
(Vindinha) e de sua mãe. No início de
setembro, Pinheiro Machado foi assassinado, exacerbando os ânimos estudantis.
Osvaldo continuava atuando nos meios estudantis e, logo a seguir, foi convidado a representar o Brasil no
Congresso Pan-americano de estudantes em Montevidéu. Foi incumbido de saudar
publicamente Rui Barbosa quando este regressou de Buenos Aires após criticar a
neutralidade argentina na conflito mundial. Em 1916, quando colou grau em
ciências jurídicas e sociais. Após a formatura, retornou ao Rio Grande do Sul,
permanecendo por alguns meses na estância Alto Uruguai.
Em
princípios de 1917 instalou sua banca de advogado em Uruguaiana, município
vizinho de Itaqui e Alegrete e próximo a Santana do Livramento, São Borja e
Quaraí, locais em que freqüentemente exerceu sua atividade profissional.
Segundo seu biógrafo Francisco Talaia O’Donnell, o fato de Aranha não se ter
estabelecido em Alegrete deveu-se talvez a um convite de Flores da Cunha, que
então ocupava a intendência (atual prefeitura) de Uruguaiana. Pouco depois de
haver fixado residência nessa cidade, casou-se, em meados de junho, com Vindinha.
Entre 1917 e 1923 dedicou-se quase exclusivamente à advocacia, obtendo em pouco
tempo alto conceito profissional. Já em meados de 1917 o também advogado
Getúlio Vargas, que se formara em 1907, fazia-lhe consultas sobre assuntos
jurídicos, prática que se tornaria cada vez mais freqüente entre ambos, que
chegariam inclusive a ter clientes em comum.
Bem sucedido profisionalmente, atuava em questões relacionadas com
transações de terras e gado, inclusivecom argentinos e uruguaios. Além disso,
atuava com causas familiares e de sucessão, aplicando os conceitos do novo
Código Civil. Ainda nesse período, envolveu-se em política apoiando o PRR e
Flores da Cunha na eleição local de 1920. Em 1921, discursou em Bagé a favor da
candidatura de Nilo Peçanha para a presidência da República. No início da
década de 1920 a
estância do coronel Euclides Aranha foi atingida pela crise econômica que então
se expandia por toda a campanha gaúcha, e seus pais enfrentaram problemas
financeiros por alguns anos.
Os
conflitos durante o quinto governo Borges
Ativaram-se em 1922 as articulações visando as eleições para
a presidência do estado, que se realizariam em novembro. Borges de Medeiros,
que presidira o Rio Grande de 1898
a 1908 e que desde 1913 voltara a chefiar o governo
gaúcho, decidiu, em setembro, relançar sua candidatura, aspirando assim ao
quinto mandato. Como Borges até então não tivesse concorrente, Osvaldo Aranha
resolveu manifestar-se publicamente a seu favor, pressionado pelo pai e pelos
amigos mais chegados, a maioria dos quais, como Getúlio Vargas, Flores da
Cunha, João Neves da Fontoura e Firmino Paim Filho, já vinha
participando ativamente do PRR.
No mês seguinte, contudo, a oposição — que então incluía os
federalistas, os republicanos dissidentes e os remanescentes do Partido
Republicano Democrático (PRD) — lançou a candidatura de Joaquim Francisco de
Assis Brasil, íntimo da família Aranha apesar de seu passado como adversário de
Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros, republicanos históricos. Em vista
dessa nova indicação, Osvaldo Aranha escreveu a seu pai e a Assis Brasil. A
este, Aranha pediu desculpas por não poder apoiá-lo, já que se havia
comprometido com Borges. Segundo Talaia O’Donnell, essa atitude explica por que
Osvaldo Aranha seria sempre muito prestigiado pelos libertadores.
Encerrou-se
no Rio Grande do Sul em janeiro de 1923 a apuração das eleições de novembro do ano
anterior, com Borges de Medeiros derrotando Assis Brasil e mantendo a
presidência do estado. Os perdedores rebelaram-se, convencidos de que houvera
fraude nas eleições, e no dia 25, quando Borges tomava posse, uma série de
levantes em diversos pontos do território gaúcho deu início a um movimento que
duraria cerca de dez meses. Ao se iniciar o conflito, Osvaldo Aranha,
paralelamente ao exercício da advocacia, vinha desempenhando as funções de
instrutor do Tiro de Guerra, o que lhe proporcionou uma certa facilidade no
recrutamento de efetivos para a formação de corpos provisórios legalistas,
tropas irregulares compostas por civis. Assim, organizou seu próprio grupo de
provisórios, o 5º Corpo da Brigada Oeste, composto em sua maioria por pessoas
de Itaqui, de Alegrete e municípios vizinhos. Para comandá-lo, recebeu a
patente de tenente-coronel outorgada pelo governo do estado. O 5º Corpo serviu
junto às tropas do coronel Flores da Cunha, comandante da Brigada Oeste, que
por sua vez se encontrava subordinada ao comando geral do coronel Claudino
Nunes Pereira.
Osvaldo
Aranha combateu em Santa Maria Chico, Santa Rosa e Picada do Aipo (Campo
Osório). O mais violento dos combates travou-se, contudo, em junho, quando da
travessia da ponte sobre o rio Ibirapuitã, nos arredores de Alegrete, então
ocupada pelas tropas do caudilho Honório Lemes, o mais popular entre os chefes
rebeldes de 1923. Lutando na vanguarda da Brigada Oeste ao lado de Flores e do
irmão deste, major Guilherme Flores da Cunha, que morreria em combate, Aranha
foi atingido no ombro. As tropas governistas só conseguiram atravessar a ponte
numa segunda carga. Recuperando-se do ferimento, Aranha participou ainda dos
combates de Vista Alegre e de Quaraí-Mirim. Em fins de setembro, no entanto,
adoeceu e transferiu o comando do 5º Corpo ao major Laurindo Ramos. Recolheu-se
em seguida a Uruguaiana, para tratamento. Reincorporou-se à coluna de Flores em
fins de outubro mas não voltou ao combate em virtude do armistício negociado
por autoridade federais.
O
fim do conflito foi selado no início de dezembro de 1923 com a assinatura do
Pacto de Pedras Altas, que garantia a permanência de Borges de Medeiros no
governo até o final do mandato, mas impedia nova reeleição. Em janeiro de 1924
Aranha foi chamado pelo presidente do estado para assumir a subchefia de
polícia da região de fronteira, que tinha por sede Alegrete. Naquele momento, o
cargo era dos mais delicados, exigindo de seu ocupante grande sensibilidade
para o apaziguamento dos revolucionários que regressavam do exílio, de modo a
evitar novos choques entre estes e os republicanos. Também em 1924 começou a
lecionar direito internacional na Faculdade de Direito de Porto Alegre, muito
embora só tenha sido nomeado em 1927. Por outro lado, seu pai foi eleito
vice-intendente de Itaqui.
O acordo de Pedras Altas não chegou a promover a total
pacificação do estado, pois os maragatos — designação inicialmente pejorativa
dada às oposições pelos republicanos, que por sua vez levavam o apelido de
chimangos — continuaram a reclamar de perseguições movidas pelo governo de
Borges de Medeiros. Essas insatisfações confluíram com as rebeliões tenentistas
que grassavam no país desde 1922. Assim, em outubro de 1924, as guarnições
federais de Santo Ângelo, São Luís Gonzaga, São Borja, Uruguaiana e Alegrete,
comandadas pelo capitão Luís Carlos Prestes, rebelaram-se, solidárias com a
revolta tenentista chefiada a partir de julho pelo general lsidoro Dias Lopes em
São Paulo. O movimento militar contou ainda com o auxílio de elementos da
Aliança Libertadora, que desde janeiro de 1924 passara a congregar as oposições
no estado. Osvaldo Cordeiro de Farias afirma em suas memórias que Borges de
Medeiros manteve entendimentos com os conspiradores militares de 1924 e o fez
através de, entre outros, Osvaldo Aranha, que teria desisitdo de apoiar a
revolta ao comprovar que não tinha condições para levantar parte do PRR sem o
apoio de Borges. Este, por sua vez, logo determinou a mobilização da Brigada
Militar e de todos os corpos provisórios contra os revoltosos.
Achando-se a cidade de Itaqui ameaçada em duas direções pelos
rebeldes — cujas forças vindas de Uruguaiana buscavam a junção com as de São
Borja e São Luís, onde Prestes estabelecera seu quartel-general —, Osvaldo
Aranha, não obstante o que reportou Cordeiro de Farias, reuniu novo corpo
provisório, composto basicamente pelos remanescentes do conflito anterior. Já
em janeiro de 1925 Borges anunciava o sufocamento do movimento revolucionário,
cujas forças haviam conseguido manter ao longo de dois meses uma base de apoio
na região noroeste do estado. A partir de então, Prestes comandou a marcha para
o norte, tentando uma junção com as forças rebeldes paulistas. Desse encontro
surgiria a Coluna Prestes, que percorreu o país até 1927, quando se internou em
território boliviano.
Da Revolução de 1924 Osvaldo Aranha saiu prestigiado e
politicamente fortalecido, principalmente por sua atuação decisiva na defesa de ltaqui. Assim, logo no início do ano
seguinte, Borges de Medeiros indicou-o, candidato à intendência de Alegrete,
então um dos maiores redutos da oposição libertadora. Apesar de sua indicação
ter sido mal recebida num primeiro momento, Aranha rapidamente conseguiu
controlar a situação política local. Durante sua gestão à frente da
intendência, entre 1925 e 1927, foi sensível à modernização operada na cidade,
que passou a ser a única do estado, além de Porto Alegre, a possuir luz
elétrica nas ruas, calçamento e rede de esgotos. Para tanto, Osvaldo Aranha
contou com a ajuda do governo estadual, interessado no sucesso da administração
republicana naquele que até então era um dos principais municípios
oposicionistas.
Em
setembro de 1925 eclodiu no Rio Grande do Sul uma terceira revolta, liderada
pelo “general” Honório Lemes, até então foragido, que comandou a invasão do
estado por uma tropa de rebeldes, visando a derrubada de Borges de Medeiros. O
movimento era hostil também ao presidente da República Artur Bernardes, a quem
o caudilho considerava traidor porque este, depois de sofrer a oposição de
Borges na campanha eleitoral, havia conservado o líder republicano gaúcho no
poder em 1923. Imediatamente o comandante da 3ª Região Militar (3ª RM) mandou
organizar um destacamento misto, com um corpo de tropas auxiliares, um
contingente do Exército e outro da Brigada Militar, entregando o comando a
Flores da Cunha. A esta formação se juntou Osvaldo Aranha, à frente de um
grupamento integrado por moradores de Alegrete e Itaqui, entre os quais se
incluía seu irmão Luís. Após alguns dias de perseguição aos rebeldes, que
haviam adotado a tática do movimento, as tropas legalistas comandadas por
Flores e Aranha conseguiram acuar os libertadores, acabando por aprisionar Honório
Lemes junto com cinco companheiros integrantes do seu estado-maior próximo à
localidade de Passo da Conceição.
Novo movimento armado, conhecido como Coluna Relâmpago,
irrompeu no território gaúcho em fins de 1926, visando impedir a posse de
Washington Luís na presidência da República. Concentrada basicamente numa
unidade do Exército em Santa Maria, essa revolta era liderada pelos irmãos
Nélson e Alcides Etchegoyen, os quais, sem conseguir controlar a cidade,
acabaram por abandoná-la. Mais uma vez Aranha formou um corpo provisório com
conterrâneos do Alegrete e se apresentou ao comando da 3ª RM, que o designou
para chefiar a vanguarda legalista e fazer o reconhecimento da região onde
provavelmente estariam as forças rebeldes. O encontro entre os dois grupos se
deu nos campos do Seival, no município de Caçapava do Sul, a 25 de novembro.
Nesse combate Osvaldo Aranha foi atingido no pé direito por uma bala que
esfacelou os ossos do calcanhar. Levado imediatamente para Lavras, onde sua
mulher Vindinha foi encontrá-lo, recebeu o primeiro atendimento sendo então
transferido para Bajé, onde foi controlada forte infecção, evitando-se a
amputação do pé. Durante anos, contudo, sofreu as seqüelas deste ferimento, o
que o obrigou, inicialmente a usar bengalas e depois sapatos especiais.
Aproveitando
o crescente prestígio de Aranha pela sua bravura no Seival, Borges de Medeiros
inclui-o na chapa de candidatos do PRR a deputado estadual nas eleições de 15
de novembro de 1926. Aranha, ainda acamado, foi folgadamente eleito para a
Assembléia de Representantes do estado, mas não assumiria o novo cargo pois
logo seria eleito também para a Câmara Federal.
De
fato, no início de janeiro de 1927, Borges de Medeiros colocou um trem à
disposição de Aranha para trazê-lo a Porto Alegre onde foi triunfalmente
recebido e recepcionado pelo próprio presidente do estado. No mesmo dia,
discursou da sacada do Grande Hotel para um grande público reafirmando seus
compromissos com o PRR. Após certa hesitação em razão de seu estado de saúde e
de preocupações com a política de sua cidade natal da qual ainda era
intendente, Aranha aceitou concorrer a uma vaga para deputado federal , aberta
pela ida de Getúlio Vargas para o ministério da Fazenda. Foi eleito em 24 de
fevereiro, pelo segundo distrito, juntamente com Flores da Cunha, Firmino Paim
Filho, Sérgio de Oliveira e, pela oposição, Batista Lusardo. Osvaldo Aranha
tomou posse do seu mandato na Câmara Federal no Rio em 26 de maio de 1927,
vindo a integrar os trabalhos parlamentares.
Sua
permanência na capital da República, todavia, foi breve e interrompida por duas
viagens ao Rio Grande do Sul em junho-julho e em novembro para tratar de
problemas políticos no Alegrete relacionados com o seu antigo vice-intendente e
para providenciar nova eleição para a intendência, ocupada finalmente pelo
candidato proposto por Aranha. Até 1930, continuaria a ter grande influência
sobre a política de seu município natal. Com a eleição de Vargas, em novembro
de 1927, para a presidência do Rio Grande do Sul, Aranha foi convidado para
ocupar a Secretaria do Interior e Justiça do estado. Assumiu o cargo em janeiro
de 1928. Eram da responsabilidade daquele órgão de governo as diretorias de
Higiene e de Instrução Pública, a Brigada Militar e a polícia do estado, entre
outros departamentos. Naquelas duas diretorias a gestão de Aranha foi
caracterizada por medidas de certo modo inovadoras, tais como a criação dos
primeiros postos de higiene e elaboração do Regulamento das Escolas Complementares,
então uma das bases do ensino primário. Um dos estabelecimentos de ensino
criados nesse período foi a Escola Complementar de Alegrete, hoje Instituto
Osvaldo Aranha. O ponto básico de sua administração, no entanto, foi a
preocupação em assegurar maior autonomia econômica ao estado. Vargas procurou,
logo nos primeiros dias de seu governo, avaliar a situação deficitária vivida
pelas indústrias gaúchas, especialmente as do vinho, da banha e do charque,
principais produtos do Rio Grande. Após alguns meses de estudos, realizados por
uma pequena equipe da Secretaria do Interior, Aranha apresentou um programa de
ação que seria publicado em 1929 com o título O sindicalismo no Rio Grande
do Sul. Esse documento, um balanço dos empreendimentos agrícolas e industriais
do estado, apontava deficiências básicas da economia gaúcha, responsáveis por
um processo de superprodução, dispersão do crédito e concorrência sem lucro que
levou a uma crise industrial. Para eliminar tais deficiências, Aranha propunha
a formação de associações ou sindicatos de produtores agrícolas industriais,
primeiro passo para a eliminação do excesso de produtos e marcas. Da adoção
desse programa resultou no final da década de 1920 um aumento do impulso
associativo. Pelo menos três grandes sindicatos de produtores foram criados: o
do charque, o da banha e o do vinho. Por seu lado, os comerciantes organizaram
a Federação das Associações Comerciais do estado. A atuação de Osvaldo Aranha
foi contudo desviada dos problemas gaúchos ao se iniciar no Distrito Federal o
debate sobre a sucessão do presidente Washington Luís.
A
Aliança Liberal e a Frente Única Gaúcha
Ao iniciar-se o ano de 1929 já havia fortes indícios de que o
presidente Washington Luís não respeitaria na campanha presidencial a rotina
dos acordos “café-com-leite”, ou seja, a aliança entre São Paulo e Minas Gerais
na condução da política nacional, e se fixaria na candidatura de seu protegido
Júlio Prestes, presidente de São Paulo, em detrimento de Minas. Com essa
escolha, Washington Luís pretendia garantir a continuidade, no quadriênio
seguinte, da linha mestra de seu governo: a política monetária de retorno ao
padrão-ouro e de fixação da taxa de câmbio acima dos índices do mercado,
prejudicando as exportações. Discordando da candidatura de Prestes, porém,
Minas Gerais se aproximou do Rio Grande do Sul, visando com isso lançar um
candidato de oposição. As negociações desenvolvidas pelos dois estados foram
traduzidas num acordo secreto, assinado em 17 de junho de 1929 por Francisco
Campos e José Bonifácio de Andrada e Silva, representantes do presidente
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e do Partido Republicano Mineiro (PRM), e
Neves da Fontoura, líder da bancada republicana gaúcha na Câmara dos Deputados
e representante de Vargas e Borges de Medeiros. Por esse acordo, conhecido como
Pacto do Hotel Glória, ficavam acertados, entre outros pontos, o veto de Minas
ao nome de Júlio Prestes, a retirada da candidatura mineira de Antônio Carlos e
o lançamento de um gaúcho, Borges de Medeiros ou Getúlio Vargas, para encabeçar
a chapa oposicionista. No dia seguinte, João Daudt de Oliveira partia para
Porto Alegre, levando, a pedido de João Neves, uma cópia do documento para ser
entregue a Borges.
Todavia, chegando à capital gaúcha, Daudt foi retido por
Vargas, que preferiu confiar a Osvaldo Aranha a missão de ir a Irapuazinho,
fazenda de Borges em Cachoeira do Sul, para lhe entregar o texto do documento,
acompanhado da carta de Neves e de uma outra, dele próprio, Vargas. Como o
secretário do Interior ainda era considerado um dos políticos gaúchos
favoráveis à indicação de Júlio Prestes, chegou-se a especular que ele teria
ido ao encontro de Borges para comunicar-lhe que a candidatura do presidente
paulista havia sido definida. Essa versão foi divulgada pelo jornal O Estado
de S. Paulo. De volta de Irapuazinho, Osvaldo Aranha comunicou a Vargas que
o líder republicano aprovara, em princípio, o acordo entre os dois estados,
estabelecendo apenas algumas condições para referendá-lo, as quais foram logo
negociadas por João Neves junto aos representantes mineiros.
Para Getúlio Vargas, no entanto, o pacto representava um
acordo precipitado, que poderia comprometer a posição do Rio Grande do Sul
frente a Washington Luís, com quem procurava manter uma relação não conflitante:
o presidente gaúcho temia as represálias econômicas que poderiam advir de uma
ruptura com o governo central. Durante o mês de julho, Vargas, assim como
Antônio Carlos, trocou cartas com Washington Luís a propósito do problema
sucessório, tendo então revelado ao presidente da República que era candidato,
com o apoio de Minas. Poucos dias depois, determinou a ida de Osvaldo Aranha ao
Rio de Janeiro com a missão de discutir com o presidente e com representantes
do situacionismo federal, mineiro e paulista: o objetivo de Vargas era fazer
com que Washington Luís aceitasse sua candidatura ou, pelo menos, a de um tertius
que contasse com a aprovação de Minas. As conversações desenvolvidas no Rio
por Aranha chegaram ao fim, todavia, sem alcançar qualquer resultado positivo.
Durante sua estada na capital federal, os jornais noticiaram que o presidente
da República havia oferecido ao secretário gaúcho a vice-presidência na chapa
de Júlio Prestes. Segundo João Neves revela em suas memórias, essa notícia era
infundada, já que o convite havia sido feito anteriormente ao governador da
Bahia, Vital Soares, que aceitara participar da chapa. O principal fator do
fracasso da missão de Aranha foi a intransigência do presidente da República em
não abrir mão da candidatura de Júlio Prestes.
Enquanto o secretário gaúcho ainda se encontrava no Rio, a
comissão executiva do PRM, no dia 30 de julho, lançou a candidatura de Getúlio
Vargas e de João Pessoa, presidente da Paraíba, respectivamente à presidência e
à vice-presidência da República. Vargas, todavia, condicionou sua indicação à
obtenção do apoio do Partido Libertador (PL) gaúcho, o que foi garantido
através da formalização da Frente Única Gaúcha (FUG), integrada pelo PRR e PL,
a 1º de agosto. O rompimento oficial com o governo ocorreu durante a sessão da
Câmara no dia 5, à qual Aranha esteve presente. Nessa ocasião, os deputados
aliancistas procuraram justificar o rompimento dos mineiros com o argumento da
interferência de Washington Luís em sua própria sucessão. Assim foi deflagrada
a campanha da Aliança Liberal, cujo programa propunha a concessão de uma
anistia ampla a todos os presos políticos, processados e perseguidos desde 5 de
julho de 1922 e, ainda, capitaneando uma série de reformas políticas, o voto
secreto.
Osvaldo
Aranha seguiu dois dias depois para Minas Gerais em companhia de Francisco
Campos, João Neves, José Pires Rebelo e João Simplício de Carvalho, a fim de
combinar com Antônio Carlos a organização da campanha eleitoral, examinando
suas necessidades e hipóteses. Encerrados os trabalhos, deixou o Rio de Janeiro
para Porto Alegre em 19 de agosto. A política mineira, todavia, não entrou
unida na campanha. Logo de início, Washington Luís conseguiu recrutar dois
mineiros para a campanha do candidato oficial: o ministro da Justiça, Augusto
Viana do Castelo, e o diretor da Carteira Comercial do Banco do Brasil, Manuel
de Carvalho Brito — responsável pela criação, em Minas, da Concentração
Conservadora, de apoio a Júlio Prestes —, o que representou o primeiro revés sofrido
pela Aliança Liberal. Enquanto isso, Osvaldo Aranha e João Neves, pelo Rio
Grande, e Afrânio de Melo Franco, Francisco Campos e José Bonifácio, por Minas,
procuravam consolidar o acordo entre este estado e a Paraíba, de modo a
neutralizar a campanha do governo federal, que pretendia abafar a reação contra
a imposição de uma candidatura pelo Catete. Esses políticos aliancistas
mostravam-se cada vez mais convencidos de que Washington Luís tudo faria para
garantir a eleição e posterior reconhecimento de seu candidato, o que os levou
a cogitar da possibilidade de preparar um movimento armado.
Por outro lado, após a ruptura dos estados aliancistas com o
governo federal, os políticos mais radicais da Aliança, entre os quais já se
situava Osvaldo Aranha, passaram a ser procurados por alguns dos “tenentes”
exilados em Buenos Aires, como Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, Antônio de
Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros e Djalma Dutra. Em setembro,
segundo seu próprio depoimento, Luís Carlos Prestes encontrou-se com Vargas em
Porto Alegre. Dos entendimentos orientados a partir de então, do lado dos
exilados, por Luís Carlos Prestes — que apesar de tudo ainda resistia à idéia
da participação dos “tenentes” na Aliança —, resultou a ida a Porto Alegre, na
primeira quinzena de outubro, de Siqueira Campos, João Alberto e Juarez Távora,
que participariam também dos entendimentos com os políticos de Minas e da
Paraíba. Dessa reunião entre os políticos gaúchos e os três exilados (Aranha
forneceu a Juarez um passaporte falso) ficou decidida a ida de Távora para o
Nordeste do país, onde procuraria articular um movimento. Antes, porém,
deveria, em companhia de Siqueira, entrar em entendimento, em nome do governo
gaúcho, com o presidente Antônio Carlos a respeito da possível contribuição de
Minas para a compra de armas no exterior.
Poucos dias depois, a 17 de outubro, Fernando de Melo Viana,
vice-presidente da República, rompeu com o PRM por discordar da indicação de
Olegário Maciel para o governo de Minas, em substituição a Antônio Carlos.
Indispôs-se portanto com a Aliança Liberal, após o que aderiu oficialmente à
Concentração Conservadora. Apesar de a política mineira se esforçar em manter
os compromissos assumidos com a Aliança Liberal, a dissidência de Melo Viana
fez aflorar no PRM sinais de cisão interna. Vargas, procurando aproveitar a
situação de modo a estabelecer a reconciliação com Washington Luís, fez forte
pronunciamento contra o situacionismo mineiro, censurando sua liderança por não
ter sabido evitar o rompimento de Melo Viana.
O presidente gaúcho deu continuidade a seus esforços de
reconciliação durante todo o mês de novembro. No dia 29 reuniu-se com Borges de
Medeiros, Osvaldo Aranha, João Neves e Flores da Cunha, prevalecendo então a
proposta de se fazer uma sondagem junto aos “aliados” (Minas e Paraíba) sobre
os termos em que a paz poderia ser negociada. Para Vargas, a manutenção da
candidatura liberal não se justificaria caso Júlio Prestes aceitasse o programa
da Aliança no seu todo ou mesmo em parte, mas essa opinião foi recusada por
Minas, que pressionou os gaúchos a uma decisão. Vargas manteve, no entanto, a
dubiedade, ora aproximando-se dos aliancistas mais exaltados, ora de Washington
Luís, junto ao qual se fez representar por Paim Filho — responsável pela
assinatura, no mês seguinte, de um modus vivendi com o presidente da
República e com Júlio Prestes.
Prosseguiram
em dezembro os contatos com os revolucionários de 1922 e 1924. Para a ala mais
radical da Aliança Liberal, a adesão de Luís Carlos Prestes, que ainda se
mantinha arredio a qualquer tipo de colaboração, seria fundamental não apenas
para o caso de um possível movimento armado mas principalmente para a vitória
da chapa aliancista nas eleições de 1º de março de 1930, uma vez que a marcha
da Coluna Prestes pelo interior do país havia transformado o líder tenentista
no nome de maior prestígio popular nas regiões por onde passara, tornando-o
inclusive conhecido como o Cavaleiro da Esperança. Assim, no início do mês,
Osvaldo Aranha, atendendo à insistência de João Alberto, Siqueira Campos e
Juarez Távora, convidou Prestes para um encontro na capital gaúcha e lhe
ofereceu a chefia militar do movimento. Prestes, todavia, não desejava fazer a
revolução com os políticos e, sem se comprometer formalmente, impôs condições
para chefiar a luta: preparação militar por ele dirigida, dinheiro e um esquema
de sustentação para as manobras e viagens de seus companheiros e para ele
mesmo. Tudo isso foi-lhe garantido por Osvaldo Aranha, como representante de
Vargas. O dinheiro foi-lhe entregue mais tarde, parte por intermédio de um
banco em Montevidéu e parte pessoalmente por Rubens Antunes Maciel. Com o
rompimento de Prestes em maio do ano seguinte, no entanto, esse dinheiro não
chegaria a ser utilizado pelos revolucionários, tendo sido empregado somente em
1935, quando dos preparativos para a Revolta Comunista de novembro.
Essa
primeira fase do movimento conspirativo não implicava ainda uma preparação real
para a luta armada. Os contatos eram realizados paralelamente à propaganda da
Aliança Liberal com vistas às eleições. A idéia de uma revolução repugnava
ainda a alguns dos principais aliancistas, como Borges de Medeiros e Antônio
Carlos. O início de 1930 foi marcado pelo crescimento do apoio popular à
Aliança. No dia 2 de janeiro, Getúlio Vargas, acompanhado de João Pessoa, leu
sua plataforma de candidato numa grande manifestação realizada na esplanada do
Castelo, no Rio de Janeiro. Em seguida, a Aliança Liberal organizou caravanas
que percorreram os estados fazendo a pregação de seu programa. Já em fevereiro
Osvaldo Aranha assumiu interinamente a presidência do Rio Grande do Sul, uma
vez que Vargas não considerava lícito presidir as eleições no estado sendo ele
próprio um dos candidatos à chefia da República. A indicação de Osvaldo Aranha
provocou profundo mal-estar, pois João Neves da Fontoura, então vice-presidente
do estado, era o substituto legal de Vargas.
A
Revolução de 1930
Aplicando
os métodos típicos da época aos quais, onde pôde, também não se furtou a
oposição, não foi difícil a Washington Luís obter a 1º de março de 1930 a vitória de Júlio
Prestes e de seu companheiro de chapa, Vital Soares, com grande diferença de
votos sobre a chapa da Aliança Liberal. Ganhou força, então, a perspectiva de
um movimento armado. Ao longo do mês, Osvaldo Aranha transmitiu aos governantes
de diversos estados as denúncias que recebera sobre fraudes eleitorais,
enviando protestos ao Ministério da Justiça por esses acontecimentos, assim
como ao Ministério das Relações Exteriores pela divulgação do resultado do
pleito no exterior antes do término das apurações. Trocou ainda correspondência
com Washington Luís sobre o desenrolar das eleições no Rio Grande do Sul e no
restante do país.
Em 19 de março, todavia, Borges de Medeiros concedeu
entrevista reconhecendo a vitória de Júlio Prestes e, de modo a encerrar o
assunto, considerando positivo o fato de ele ter superado Vargas por margem
indiscutível de votos. Declarou ainda que o Rio Grande do Sul deveria, se
convidado, cooperar com o futuro governo. Evidenciava-se assim a divergência
entre os integrantes da Aliança Liberal, especialmente dentro do PRR: enquanto
o grupo liderado por Osvaldo Aranha e João Neves lutava pela organização de um
levante armado, outros, como Borges, davam por encerrada a coalizão. As
declarações do líder republicano provocaram, portanto, forte reação. Segundo
Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, a dissidência chefiada por Aranha e João Neves
correspondia à posição do PL e da população gaúcha de forma que o PRR e a FUG
seriam diretamente atingidos caso esses políticos assumissem a ruptura com o
governo federal. Uma reunião na chácara de Osvaldo Aranha entre este, João
Neves, Lindolfo Collor e Maurício Cardoso foi objeto de grande atenção, pois
ali se decidiria o rompimento com Getúlio ou a obediência ao partido. À última
hora, Vargas decidiu participar do encontro, o que amenizou as diferenças. Ao
término dos debates, ficou decidido não dividir o PRR, prestigiar a chefia de
Borges e transmitir a este a convicção