PEIXOTO,
Ernani do Amaral
*militar; interv. RJ
1937-1945; const. 1946; dep. fed. RJ 1946-1951; gov. RJ
1951-1955; emb. Bras. EUA 1956-1959; min. Viação 1959-1961; min. TCU 1961-1962;
min. Extraord. Ref. Admin. 1963; dep. fed. RJ 1963-1971; sen. RJ 1971-1987.
Ernâni Amaral Peixoto nasceu
no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 14 de julho de 1905, filho de
Augusto Amaral Peixoto e de Alice Monteiro Amaral Peixoto. Seu pai combateu a
Revolta da Armada — levante de oposição ao presidente Floriano Peixoto que
envolveu a esquadra fundeada na baía de Guanabara de setembro de 1893 a março de 1894 sob a chefia do almirante Custódio de Melo e mais tarde do almirante Luís Filipe
Saldanha da Gama —, atuando no serviço médico da Brigada Policial do Rio de
Janeiro. Dedicando-se depois à clínica médica, empregou em seu consultório o
então acadêmico Pedro Ernesto Batista, vindo mais tarde a trabalhar na casa de
saúde construída por este. Quando Pedro Ernesto se tornou prefeito do Distrito
Federal, foi seu chefe de gabinete, chegando a substituí-lo interinamente entre
1934 e 1935. Seu avô paterno, comerciante de café, foi presidente da Câmara
Municipal de Parati (RJ). Seu avô do lado materno, comerciante e empreiteiro de
obras públicas arruinado com a reforma econômica de Rui Barbosa — que desencadeou
o chamado “encilhamento”, política caracterizada por grande especulação
financeira e criação de inúmeras empresas fictícias —, alcançou o cargo de
diretor de câmbio do Banco do Brasil na gestão de João Alfredo Correia de
Oliveira (1911-1914). Seu irmão, Augusto Amaral Peixoto Júnior, foi
revolucionário em 1924 e 1930, constituinte em 1934 e deputado federal pelo
Distrito Federal de 1935 a 1937 e de 1953 a 1955.
Ernâni
Amaral Peixoto completou os estudos primários no Grupo Escolar Tiradentes, no
Rio de Janeiro. Em seguida fez o curso secundário nos colégios jesuítas
Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), e Santo Inácio, no Rio. Após concluir os
estudos preparatórios, ingressou em 1923 na Escola Naval do Rio de Janeiro, num
período tumultuado pelas revoltas tenentistas. Sua primeira aproximação com os
movimentos revolucionários ocorreu em novembro de 1924, quando um grupo de
jovens oficiais da Marinha liderado pelos tenentes Herculino Cascardo, Valdemar
de Araújo Mota e seu irmão Augusto Amaral Peixoto deflagrou um levante de apoio
aos revoltosos dos dois 5 de julho, de 1922 e 1924, contra o presidente Artur
Bernardes. Após controlarem o encouraçado São Paulo, os rebeldes
deslocaram-se para Montevidéu, de onde foram se juntar aos oficiais que haviam
sublevado guarnições militares no Rio Grande do Sul em outubro anterior. A
ligação com o irmão e a simpatia por suas opiniões políticas levaram Ernâni a
visitar os oficiais que se encontravam presos na fortaleza de Santa Cruz, no
Rio, ocasião em que travou conhecimento com o capitão-de-mar-e-guerra
Protógenes Guimarães, o principal responsável pela conspiração abortada. Por
outro lado, o exílio do irmão e as acusações de que foi vítima seu pai de que
uma quantidade de clorofórmio subtraída do serviço médico por ele dirigido fora
usada para narcotizar um oficial legalista na revolta de 1924 em São Paulo reforçaram suas convicções em favor de uma mudança da situação
política brasileira.
Segundo
depoimento que concedeu ao Cpdoc, somente a intervenção do diretor da Escola
Naval, almirante Isaías de Noronha, assumindo a responsabilidade por tudo que
lá se passara e evitando a instauração de inquéritos impediu que ocorressem
prisões ou expulsões de alunos após o movimento de 1924. Isto lhe permitiu
completar o curso e deixar a escola como guarda-marinha em 1927, tendo como
padrinho de espada o comandante Protógenes, ainda encarcerado. Nesse mesmo ano
fez sua primeira viagem de instrução a bordo do cruzador Bahia, e
representou o Brasil nos festejos comemorativos da independência da República
do Uruguai. Logo depois, em outubro, foi promovido a segundo-tenente e
designado para servir no encouraçado Minas Gerais, onde fez
estágio de convés e de máquinas. No período seguinte, formou-se engenheiro
geógrafo pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Em 1929 foi promovido a primeiro-tenente e no início do ano
seguinte tornou-se ajudante do encarregado-geral dos aspirantes embarcados no Minas
Gerais. Destacado como imediato do navio mineiro Maria do Couto, participou
durante uma semana de operações de adestramento combinadas com o Exército.
Retornando ao Minas Gerais, ficou ligado à direção de tiro, sob o
comando do capitão-de-corveta Sílvio Noronha, função que compartilhou com os
primeiros-tenentes Lúcio Meira e Henrique Fleiuss, e que acumulou com a de
secretário do encouraçado. Participou nesse período das articulações
revolucionárias que culminaram na Revolução de 1930, que depôs o presidente
Washington Luís e colocou Getúlio Vargas no poder.
No Governo Provisório
Após a vitória das forças revolucionárias, ainda em outubro
de 1930, Amaral Peixoto foi designado ajudante-de-ordens do comandante da
Flotilha de Contratorpedeiros, almirante Otávio Perry, servindo no cruzador Barroso.
Desempenhou idêntica função junto ao comandante-em-chefe da Esquadra,
almirante Augusto Burlamaqui, a quem mais tarde acompanhou quando de sua
nomeação para a direção geral do Arsenal de Marinha. Nesse setor da
administração naval, integrou a comissão encarregada de verificar a situação em
que se encontravam os operários e o pessoal de escritório, cujos trabalhos
resultaram na criação do serviço de alimentação do Arsenal. Com a criação de
diversas agremiações revolucionárias nos primeiros meses de 1931, vinculou-se
ao Clube 3 de Outubro, que congregava as correntes tenentistas partidárias da
manutenção e do aprofundamento das reformas instituídas pela Revolução de 1930.
Em 1932 foi nomeado assistente naval de José Carlos de Macedo
Soares, presidente da representação brasileira à Conferência do Departamento,
promovida pela Liga das Nações em Genebra, na Suíça. Durante a primeira fase do
encontro, participou dos trabalhos da comissão naval, ao lado dos almirantes
Américo Ferraz e Castro e Álvaro Vasconcelos. Recebendo uma ordem telegráfica
do então ministro da Marinha, almirante Protógenes Guimarães, integrou-se à
delegação especial do Brasil — também chefiada por Macedo Soares — às
comemorações do cinqüentenário da morte de Giuseppe Garibaldi, em Roma. Nessa ocasião, compareceu também à inauguração do monumento a Anita Garibaldi.
Foi enviado em seguida para a base naval de Spezia, próxima a Gênova, na
Itália, aí embarcando no contratorpedeiro italiano Leone. A bordo desse
navio fez observações de ordem técnica, estudando os sistemas de direção de
fogo. Sendo informado pelo comandante italiano que em 9 de julho eclodira em São Paulo o movimento constitucionalista, decidiu retornar de imediato ao Brasil.
Chegando ao Rio de Janeiro, Amaral Peixoto seguiu como
voluntário para a frente de combate, no setor Parati (RJ)-Cunha (SP),
onde lutou como artilheiro sob as ordens de seu irmão Augusto, então no comando
do batalhão da Marinha encarregado do setor, dos capitães Nélson de Melo e João
Alberto Lins de Barros. Após a capitulação das forças paulistas em outubro de
1932, foi promovido a capitão-tenente e designado para servir como
ajudante-de-ordens do almirante Ferraz e Castro, comandante da 1ª Divisão
Naval. Seguiu então para o norte do país a bordo do Rio Grande do Sul, navio
capitânia da divisão, que, junto com outros navios de guerra, bloqueou o
tráfego do rio Amazonas e de seus afluentes, assegurando a neutralidade
brasileira no Conflito de Letícia. Esse litígio entre o Peru e a Colômbia teve
início em agosto de 1932, quando cerca de 250 peruanos invadiram e ocuparam o
porto fluvial de Letícia, que havia sido incorporado à Colômbia pelo tratado de
1922, após ter sido habitado por peruanos por quase um século.
Em fins de abril de 1933, um acidente com o carro em que Getúlio Vargas viajava de Petrópolis (RJ) para o Distrito Federal provocou a morte do
ajudante-de-ordens da Presidência, o capitão-tenente Celso Pestana. Por
sugestão do ministro Protógenes Guimarães, Amaral Peixoto foi nomeado para o
cargo, tomando posse em 11 de maio de 1933. Já como ajudante-de-ordens de
Getúlio, fez o curso de aperfeiçoamento de armamento na Escola de
Especialização da Marinha.
Influenciado por seu irmão Augusto, que, nas eleições para a
Assembléia Nacional Constituinte realizadas em maio de 1933, fora eleito
deputado na legenda do Partido Autonomista do Distrito Federal, ainda nesse ano
Ernâni ingressou na política. Filiando-se também ao Partido Autonomista,
dirigido por Pedro Ernesto, então interventor no Distrito Federal, passou a
chefiar os núcleos distritais de Irajá e da Penha e montou escritórios
eleitorais nas localidades cariocas de São José, São Cristóvão, Rocha Miranda e
Candelária, visando formar uma base eleitoral que possibilitasse o futuro
lançamento de sua candidatura à Câmara dos Deputados.
Em
maio de 1935 integrou a comitiva que acompanhou Vargas em sua visita ao Uruguai
e à Argentina. Também nesse ano, em outubro, ocorreu a eleição de Protógenes
Guimarães para o governo do estado do Rio de Janeiro, num pleito marcado por
atos de violência que chegaram a provocar ferimentos a bala em um deputado do
Partido Socialista Fluminense (PSF) e no general Cristóvão Barcelos, candidato
da oposição. Amaral Peixoto acompanhou de perto todo o episódio, que culminou
com o recurso impetrado pela União Progressista Fluminense (UPF) junto à
Justiça Eleitoral, contestando a eleição de Protógenes.
Amaral
Peixoto exercia suas funções no palácio do Catete quando, em 27 de novembro de
1935, foi deflagrada no Rio a Revolta Comunista. Como ajudante-de-ordens de
Getúlio Vargas, atendeu aos primeiros telefonemas que comunicaram a
insurreição: o primeiro, do tenente-coronel Eduardo Gomes, comandante do
1º Regimento de Aviação, informando que sua unidade estava sendo atacada, e o
outro, de um médico residente no bairro da Urca, próximo ao quartel do 3º
Regimento de Infantaria, relatando o tiroteio que irrompera em seu interior.
Com o controle do movimento pelas forças legalistas no mesmo dia 21, Amaral
Peixoto acompanhou Vargas na visita que este fez aos dois regimentos rebelados.
Interventor no estado do Rio de Janeiro
Em
1937, a campanha pela sucessão presidencial intensificou a luta entre os
políticos fluminenses. O governador Protógenes Guimarães assumiu uma posição
neutra diante da questão sucessória, mas os membros da Coligação Radical
Socialista que o apoiavam ligaram-se à candidatura oposicionista de Armando de
Sales Oliveira. Os conflitos se agravaram a partir de março devido aos
sucessivos pedidos de licença do governador por motivo de doença, e mais
especificamente porque o governo acabou sendo exercido em caráter interino pelo
presidente da Assembléia, Heitor Collet, que não contava com a simpatia de
Vargas por sua vinculação com o então senador José Eduardo de
Macedo Soares. Por outro lado, de acordo com Alzira Vargas do Amaral Peixoto em Getúlio Vargas, meu pai, a grande maioria dos políticos fluminenses não
desejava assumir o cargo, porque isso implicaria impedimento legal para a
disputa eleitoral.
Assim,
ao longo de 1937, Amaral Peixoto — que vinha articulando sua candidatura à
Câmara Federal — teve seu nome cogitado por duas vezes para substituir
interinamente Protógenes Guimarães. Na última oportunidade, recebeu o convite
do próprio ministro da Justiça, José Carlos de Macedo Soares, que invocou o
apoio dos diversos grupos políticos fluminenses a seu nome para ocupar a
interventoria até a realização das eleições estaduais.
Na
véspera da implantação do Estado Novo, ou seja, em 9 de novembro de 1937,
quando o governo do estado do Rio encontrava-se ainda mergulhado em séria
crise, com as divergências políticas agravadas pela continuidade da doença de
Protógenes, Amaral Peixoto foi nomeado interventor, indicado pelo grupo
político liderado por José Eduardo de Macedo Soares. Em depoimento posterior à
revista Veja, ele afirmaria que durante todo o processo de sua
nomeação, jamais percebera quaisquer indícios de que se preparava um
golpe visando a implantação de um regime ditatorial. O golpe foi contudo desfechado
no dia 10 e, obedecendo aos preceitos da nova Constituição estadonovista, no
mesmo dia Vargas foi obrigado a nomeá-lo mais uma vez interventor.
Na verdade, a pretensão de Macedo Soares ao indicá-lo era de
que exercesse apenas um mandato tampão, para que ele próprio pudesse então
assumir o governo do estado. No entanto, objetivando barrar sua ascensão,
Vargas orientou Amaral Peixoto para que assumisse efetivamente a interventoria.
Mesmo assim, os principais postos no governo foram entregues a elementos
favoráveis a Macedo Soares, restando para o interventor apenas algumas
nomeações. Inevitavelmente, as boas relações entre o macedismo e Amaral
Peixoto duraram menos de um ano. O primeiro sinal público de rompimento surgiu
com a demissão do secretário do Interior e Justiça, Horácio de Carvalho
Júnior. Assim, definida a cisão, apenas um político ligado a Macedo Soares, o
prefeito de Niterói, João Francisco Brandão Júnior, permaneceu em seu cargo.
Ao assumir a interventoria, Amaral Peixoto encontrou o estado
numa situação financeira deficitária, impossibilitando o desenvolvimento de uma
administração mais dinâmica. Tornava-se urgente uma remodelação fazendária que
corrigisse as falhas do aparelho arrecadador e evitasse a evasão de rendas.
Nesse sentido, o Rio de Janeiro foi o primeiro estado da Federação a ter seu
orçamento enquadrado nas prescrições da Constituição de 1937 que determinava,
entre outros itens, a transferência do imposto de vendas e consignações para a
esfera estadual, a fim de aumentar a arrecadação, adotando os processos
vigentes nos Estados Unidos. Com a implantação dessa reforma, que levou o nome
do secretário de Finanças da época, Resende Silva, o orçamento passou a ser
elaborado pessoalmente pelo interventor, com o auxílio da Secretaria de
Finanças, o que lhe permitiu adotar uma política de maior rigidez financeira.
Refundindo o sistema tributário e aprimorando a arrecadação,
foi possível não apenas conceder incentivos e isenções aos empreendimentos
agrícolas, comerciais e industriais considerados básicos, mas principalmente
obter empréstimos em diferentes instituições financeiras para a execução de
obras prioritárias para o desenvolvimento do estado. Essa política determinaria
entretanto o aumento da dívida interna do equivalente a 41 milhões de
cruzeiros, em 1937, para 185 milhões, em 1945. Por outro lado, para aumentar a
arrecadação, Amaral Peixoto conseguiu que o governo federal criasse a Caixa
Econômica do Estado do Rio de Janeiro, instalada em Niterói em abril de 1939, e
o próprio governo estadual instituiu a Loteria do Estado, primeira em todo o
país, cujos lucros foram alocados na assistência social e na distribuição da
alimentação escolar. Ainda por insistência do interventor, o governo federal
determinaria em 1941 a reabertura da Alfândega de Niterói.
Em fins de 1938, Amaral Peixoto criou a Secretaria de
Educação e Saúde Pública, desmembrada da Secretaria do Interior, nomeando para
dirigi-la Rui Buarque Nazaré, político ligado ao grupo do ex-interventor Ari
Parreiras. Entre 1938 e 1942 este órgão foi o responsável pela construção de 42
escolas típicas rurais, cujos currículos, além do ensino elementar, incluíam
noções de agricultura. Obteve o aumento do número de prédios escolares de 86
para 152, construiu 14 grupos escolares e sete escolas e iniciou a construção
de outros 11 grupos. Dezenove escolas públicas foram também construídas pelos
municípios e, no conjunto, entre 1937 e 1945, o número de unidades escolares
estaduais cresceu de 828 para 875, e o de municipais, de 509 para 566,
correspondendo a um aumento de matrículas efetivas de 132 mil para 149 mil.
Foram também da Secretaria de Educação e Saúde Pública os projetos que
resultaram na construção do estádio Caio Martins, em Niterói, na criação do
Museu Antônio Parreiras, em 1941, e do Clube dos Menores Operários do Barreto,
em 1942. Foi iniciativa do estado a compra, em Petrópolis, do palácio que seria
transformado pelo governo federal em Museu Imperial.
O Departamento de Saúde Pública do estado conseguiu inaugurar
mensalmente uma unidade sanitária durante 13 meses consecutivos. Em 1938 foram
criados o Laboratório Regional de Campos, o Hospital Psiquiátrico de Niterói, o
Dispensário de Tuberculose de Nova Friburgo, oito centros de saúde e 12 postos
de higiene. Entre 1941 e 1945, foram instaladas 30 novas unidades sanitárias,
cobrindo todo o território fluminense, e foi iniciada a construção do Hospital
Antônio Pedro, em Niterói. Foram obtidos ainda junto ao governo federal
recursos para a construção de sanatórios e do Centro Experimental de Saúde de
Petrópolis. No início de 1945 foi constituído o Conselho Estadual de Serviço
Social.
Entre as secretarias criadas em fins de 1938, encontrava-se a
Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, desmembrada das secretarias do
Interior e Justiça e de Viação e Obras Públicas. Naquela ocasião, uma comissão
especial formada pelo interventor dava continuidade aos estudos do anteprojeto de
criação de uma usina hidrelétrica no município de Macaé. A concorrência pública
foi vencida por um consórcio de firmas japonesas, que deu início aos trabalhos
em fevereiro de 1940. No princípio de 1942, logo após a entrada do Japão na
Segunda Guerra Mundial, o contrato foi rescindido e o estado passou a se
encarregar diretamente da obra, que teve seu ritmo retardado pelas dificuldades
de importação e os atrasos na entrega de certas encomendas feitas aos Estados
Unidos. Até o final da interventoria de Amaral Peixoto, cerca de 50% do volume
físico da primeira etapa da obra haviam sido executados.
No setor da agricultura, foram formadas 14 residências — ou
centros — agrícolas, dotadas de agrônomos e técnicos rurais, e implementadas
medidas de incentivo ao reflorestamento, inclusive à beira das estradas. Ainda
por iniciativa do governo estadual, foi fundada a Comissão Executiva do Leite,
embrião da Cooperativa Central dos Produtores de Leite (CCPL), que eliminou os
intermediários, beneficiando produtores e consumidores.
A política industrial adotada pelo governo Amaral Peixoto
procurou incentivar a instalação de novas indústrias no estado através da
concessão de isenções de impostos e taxas. Diante dessa orientação, a Companhia
Vidreira do Brasil (Covibra), de capital português, prevista inicialmente para
se estabelecer em São Paulo, foi instalada em 1942 no município de São Gonçalo.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM)
foram também beneficiadas, inclusive com a construção de suas fábricas em
terrenos adquiridos pelo estado e doados à União. De um modo geral, foram
concedidos incentivos às indústrias metalúrgicas, químicas, de instrumentação,
têxteis, frigoríficas e de alimentos. Visando à construção de uma refinaria em
Niterói, o governo chegou a contratar a firma Foster Wheeler Corporation, mas
as divergências que surgiram com o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) acabaram
por inviabilizar o empreendimento.
Com o objetivo de incrementar o turismo nas cidades serranas,
Amaral Peixoto concedeu benefícios fiscais para a construção de hotéis como o
Higino, em Teresópolis, e o Quitandinha, em Petrópolis, que receberam ainda o
monopólio da exploração do jogo em cada uma das cidades. O contrato com o
Quitandinha foi assinado em setembro de 1940 e estabelecia em uma de suas
cláusulas o pagamento de indenização da obra pelo estado, caso o jogo fosse
proibido. Em abril de 1946 o presidente Eurico Gaspar Dutra decretaria o
fechamento dos cassinos, levando o proprietário do Quitandinha a requerer do
governo a compra do imóvel pelo valor efetivamente despendido, e não pelo
montante fixado no contrato, que era inferior.
A partir do desmembramento a que fora submetida em fins de 1938, a Secretaria de Viação e Obras Públicas, tendo à frente o capitão Hélio de Macedo Soares e
Silva, passou a se dedicar mais objetivamente à implantação de um programa
rodoviário. Com esse objetivo foi criada a Comissão de Estradas de Rodagem,
dirigida pelo engenheiro Francisco Saturnino Braga. Como resultado dos
trabalhos desse grupo, foram construídas diversas rodovias — num total de 694km
— visando facilitar a ligação da capital fluminense com as diferentes regiões
do estado: assim, foram concluídos vários trechos da atual rodovia Amaral
Peixoto, responsável pela ligação litorânea com o norte do estado, e
inaugurados outros que possibilitaram a ligação de diversas cidades do litoral
sul, como Angra dos Reis e Mangaratiba, à rodovia Rio-São Paulo.
Em 1942 Amaral Peixoto decidiu desmembrar a Secretaria do
Interior e Justiça, criando a Secretaria de Justiça e Segurança e extinguindo
ao mesmo tempo a Chefatura de Polícia. Essa nova organização não apresentou,
entretanto, os resultados desejados, levando o interventor a determinar, em
1944, o retorno à estrutura anterior. Durante a interventoria de Amaral Peixoto
foi implantada a reforma do Judiciário estadual, que determinou a criação dos
cargos de pretor e de adjunto de promotor para servirem nos municípios que não
eram sede de comarcas e que anteriormente contavam apenas com juízes de paz. A
reforma transferiu ainda — a exemplo do procedimento federal — para o
interventor a responsabilidade da escolha do presidente do Tribunal de
Apelação, feita até então por seus pares. Foram criadas ainda as funções de
corregedor e vice-corregedor e, na área de segurança, instituídas a Escola de
Polícia e a Polícia Especial. Esta última, por sua atuação semelhante à de sua
congênere carioca, acabou por se tornar malvista pela população.
A política no Estado Novo
Após a instauração do Estado Novo e a promulgação do decreto
de 2 de dezembro de 1937 que extinguiu todos os partidos políticos então
existentes, Francisco Campos — ministro da Justiça — e Luís Vergara —
secretário particular de Vargas — insistiram junto ao presidente quanto à
necessidade de se criar uma base política de apoio ao novo regime, colocando a
seu serviço uma organização que poderia ter apenas um caráter cívico e
cultural, ou então um cunho declaradamente partidário. Embora de início
resistente à idéia, logo após o putsch integralista de 11 de maio de
1938, Vargas pronunciou um discurso propondo a criação de uma organização de
âmbito nacional com o objetivo de arregimentar forças políticas de sustentação
ao Estado Novo. A tentativa integralista alertava os elementos do governo para
os riscos de governar sem uma organização política de apoio.
A tarefa coube a Amaral Peixoto que, em 27 de maio,
encaminhou concretamente a sugestão de Vargas, lançando o projeto da Legião
Cívica Nacional. Em seu pronunciamento, transmitido na ocasião pelo rádio,
ressaltou o caráter covarde do integralismo e as qualidades do Estado Novo,
deixando definidos os objetivos básicos da nova organização tendo em vista a
necessidade de mobilizar o povo: “Não se trata... de uma milícia à feição de
organizações importadas, com aspectos e tonalidades militares. Será uma
agremiação correspondendo à índole do nosso povo e elevando o corporativismo do
Estado ao mais alto sentido de harmonia espiritual. Será uma legião, escola e
templo, onde possamos compreender melhor o Brasil e sentir mais profundamente
os seus apelos.”
Com
o objetivo de obter a adesão à idéia da Legião, Amaral Peixoto promoveu nos
primeiros dias de junho uma reunião no Rio de Janeiro, para a qual convocou
diversos interventores, entre eles, Benedito Valadares, de Minas Gerais, Ademar
de Barros, de São Paulo, e Osvaldo Cordeiro de Farias, do Rio Grande do Sul.
Segundo Afonso Arinos, no entanto, “a situação era delicada. Esta organização
não podia ser copiada claramente dos partidos fascistas, porque era exatamente
um partido fascista que ela pretendia combater. Por outro lado, urgia não
despertar as suscetibilidades das classes armadas, conferindo-lhe um caráter
paramilitar”. A proposta de Amaral Peixoto era, portanto, uma solução
intermediária, visando a organização futura de um partido único.
O projeto, contudo, não teve boa receptividade entre a grande
maioria dos interventores e oligarquias locais, especialmente no Rio Grande do
Sul. Aí, diante da resistência encontrada, o interventor Cordeiro de Farias não
se empenhou em viabilizá-lo. Em carta a Amaral Peixoto, Luís Aranha (irmão do
chanceler Osvaldo Aranha) — que havia sido indicado para secretário-geral da
organização, mas recusara o convite — acentuou a resistência dos políticos
ligados à extinta Frente Única Gaúcha ao tipo de organização proposta. Advertiu
ainda que a colaboração que os gaúchos vinham dando ao governo e ao Estado Novo
ficaria sensivelmente reduzida. Assim, não contando com o irrestrito apoio
oficial, a proposta acabou esquecida.
Em julho de 1939, Amaral Peixoto casou-se com Alzira Sarmanho
Vargas, filha de Getúlio Vargas, e em seguida licenciou-se da interventoria
para fazer uma viagem aos Estados Unidos, onde permaneceu até o início de
novembro. A partir de então, atuou por diversas vezes como mensageiro especial
entre Vargas e o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt em
sucessivas viagens que fez àquele país durante o período ditatorial. Ainda
nessa mesma ocasião, Alzira Amaral Peixoto criou no estado do Rio a Escola de
Enfermagem e a Escola de Serviço Social — posteriormente agregada à
Universidade Federal Fluminense (UFF) —, e a Fundação Anchieta, todas em
Niterói, além da Maternidade Divina Providência, em Petrópolis.
Em fins de 1941, o casal Amaral Peixoto integrou a comitiva
que acompanhou o ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha em sua viagem
à Argentina e ao Chile. Esta missão enquadrava-se no esforço do governo
brasileiro para influenciar a política externa da América Latina, em especial
quanto ao posicionamento de neutralidade, aprovado pela I Reunião da Consulta
dos Ministros das Relações Exteriores do continente americano, realizada em
setembro de 1939. Não obtendo a assinatura de qualquer acordo, esta missão foi
responsável apenas pelo incremento das relações comerciais.
O Brasil na Segunda Guerra Mundial
O ataque japonês à base norte-americana de Pearl Harbor, em 7
de dezembro de 1941, levou o governo brasileiro a emitir uma nota de
solidariedade aos Estados Unidos. Quatro dias depois a Alemanha declarou guerra
a esse país, que por sua vez teve idêntica atitude em relação aos países do
Eixo. Colocando-se desde o início do conflito contra as forças nazi-fascistas,
uma semana após o ataque a Pearl Harbor Amaral Peixoto pronunciou um discurso em Três Rios (RJ), fazendo uma advertência contra as nações que “atravessavam fronteiras com
suas hordas invasoras”, numa clara referência à atividade bélica do Eixo.
O
agravamento repentino da situação levou o governo norte-americano a antecipar
para janeiro de 1942 a convocação da III Reunião de Consulta, que acabou
produzindo a “recomendação” aos países participantes de que rompessem relações
com a Alemanha, a Itália e o Japão. Quase que imediatamente após o anúncio do
rompimento de relações do Brasil com aqueles países, navios brasileiros
começaram a ser torpedeados. A intensificação desses ataques levou a União
Nacional dos Estudantes (UNE) a organizar um comício de protesto, cuja
realização, contudo, foi proibida pela polícia do Distrito Federal. Seu chefe,
Filinto Müller, chegou a indeferir ao longo do semestre 21 petições de estudantes
solicitando autorização para manifestações.
Procurado
pelas lideranças estudantis, Amaral Peixoto — alinhado desde o início do ano à
corrente chefiada pelo chanceler Osvaldo Aranha, de apoio aos Estados Unidos —
concordou em transferir a manifestação para Niterói. Comparecendo ao comício da
UNE, realizado em 21 de junho na Faculdade de Direito de Niterói, pronunciou um
discurso em apoio à atuação estudantil, favorável à entrada do Brasil na
guerra, e conclamou a população brasileira a combater a Quinta Coluna,
designativo dado à época aos agentes do inimigo em solo brasileiro. Em
contrapartida, os estudantes elogiaram não apenas a autorização para o comício
e o seu comparecimento, como também a liberdade de manifestação no estado do
Rio, cuja polícia, ao contrário da carioca, vinha perseguindo espiões e
sabotadores pró-Eixo.
Dentro do governo federal, no entanto, permanecia o choque
entre a corrente chefiada por Osvaldo Aranha — que, além de Amaral Peixoto,
contava ainda com o apoio de Vasco Leitão da Cunha, substituto interino de
Francisco Campos no Ministério da Justiça — e Artur de Sousa Costa — ministro
da Fazenda —, e a facção neutralista, acusada de simpatia ao Eixo, que
incorporava os generais Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro,
além do chefe de polícia do Distrito Federal. As divergências se acirraram no
início de julho, quando a UNE, em comemoração à data da independência dos
Estados Unidos (4 de julho), convocou os estudantes para uma marcha pública —
fato até então inédito no Estado Novo. Embora contasse com o apoio de Amaral
Peixoto e a autorização do ministro Leitão da Cunha, a iniciativa foi proibida
por Filinto Müller. Este veto, entretanto, não impediu a realização da
passeata, que foi garantida inclusive pela presença de Amaral Peixoto. Já no
dia 17, entretanto, começaram a ocorrer demissões de ambos os lados,
destacando-se as de Filinto Müller, Francisco Campos, Lourival Fontes e Vasco
Leitão da Cunha.
Em fins de agosto, após reunião ministerial, Getúlio Vargas
reconheceu a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras,
Alemanha e Itália. A partir de então, Amaral Peixoto promoveria uma campanha de
subscrição popular em todo o estado do Rio, visando angariar fundos para a
doação de um navio à Marinha de Guerra. Encerrada em 1944, essa campanha
propiciaria a construção de um caça-submarino.
Visando assegurar um maior controle sobre a economia, que
então atravessava um período de grandes dificuldades diante da situação de
emergência provocada pela guerra, logo após a entrada formal do Brasil no
conflito mundial o governo criou a Coordenação da Mobilização Econômica. Na
medida em que esse órgão ampliava seu raio de ação sobre o conjunto da economia
do país, iam sendo estruturados setores com atribuições específicas e
representação nos estados de maior significação econômica. Assim, em 1943, foi
criado o Serviço de Abastecimento, que ficou sob a direção de Amaral Peixoto.
Durante todo o período de guerra esse organismo faria estatísticas do consumo,
previsões de necessidades, estimativas de safras e de seu escoamento.
Encontrando grande dificuldade com os produtores, que não aceitavam os preços
oficiais dos produtos, Amaral Peixoto acabou punindo os infratores, proibindo a
exportação de carne e requisitando o gado na invernada, muito embora não
conseguisse impedir o câmbio negro e a alta dos preços. Para se dedicar com
exclusividade ao governo do estado do Rio, em julho de 1944 deixaria a direção
do Serviço de Abastecimento, sendo substituído por Jesuíno de Albuquerque.
Em junho de 1943, Amaral Peixoto compareceu à sede da UNE, no
Rio, onde fez um discurso aludindo ao papel desempenhado pelos estudantes na
definição da posição brasileira em relação ao conflito mundial, considerando-o
exemplo para toda a população. Dois meses mais tarde, foi empossado como
presidente de honra do Comitê Interaliado — função que exerceria até 1945 —,
ocasião em que reafirmou suas posições contrárias ao Eixo e defendeu a criação
de um organismo internacional que fizesse cumprir as decisões da Conferência da
Paz, nos moldes do que viria a ser a Organização das Nações Unidas (ONU).
Pouco depois foi aceito como membro da Liga de Defesa
Nacional (LDN), ingressando juntamente com Juarez Távora na direção central da
entidade, reativada para apoiar a campanha em favor dos expedicionários
brasileiros. No final de 1943, ao ser criada a seção fluminense da LDN, assumiu
sua direção, o que veio a corroborar a força da propaganda democrática e
antifascista em círculos do próprio governo. Durante a solenidade de instalação
o interventor fluminense pronunciou um discurso reafirmando suas posições a
favor da união nacional diante da guerra contra o Eixo. Enfatizou ainda sua
compreensão do movimento como a contínua mobilização popular para a solução dos
problemas do país relativos à guerra, dele excluindo apenas os nazi-fascistas e
seus simpatizantes. Ressaltou a necessidade de união em torno de Vargas, sem
abdicação às críticas construtivas, que se traduziria numa organização que congregasse
todo o povo. Seu pronunciamento foi elogiado no número de novembro de 1943 de O
Continental, revista que expressava na época a opinião dos comunistas.
A criação do Partido Social Democrático e a queda do
Estado Novo
A
partir de 1944, o quadro político nacional se alterou rapidamente com o
crescimento da oposição nos meios civis e militares. Em agosto, Osvaldo Aranha
e João Alberto Lins de Barros — revolucionário de 1930 e presidente da Fundação
Brasil Central — pediram demissão de seus cargos, enquanto Góis Monteiro,
Juraci Magalhães, Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias e outros influentes
militares passaram a criticar abertamente o regime. Em janeiro de 1945, o I
Congresso Brasileiro de Escritores definiu posição em defesa da
redemocratização do país e, no mês seguinte, a publicação de uma entrevista de
José Américo de Almeida no Correio da Manhã marcou o fim da censura à
imprensa. No plano internacional, a iminente derrota do Eixo vinha contribuindo
para o fortalecimento das correntes democráticas.
Nesse contexto, avaliando que o término da guerra exigiria
uma transformação política no Brasil, Vargas encarregou o ministro da Justiça,
Alexandre Marcondes Filho, de elaborar uma proposta nesse sentido. Segundo
depoimento prestado por Amaral Peixoto ao Cpdoc, o primeiro esquema apresentado
por Marcondes Filho encontrava-se ainda muito ligado às idéias da Constituição
de 1937, o que desagradou aos interventores, em especial ao pernambucano
Agamenon Magalhães, ao mineiro Benedito Valadares e ao paulista Fernando Costa,
além do próprio Amaral Peixoto. Getúlio Vargas determinou então que esse grupo,
acrescido de Henrique Dodsworth, prefeito do Distrito Federal, se reunisse para
definir uma proposta de organização política do país.
No início de março de 1945, Amaral Peixoto, ao lado de
Agamenon Magalhães — já então ministro da Justiça —, promoveu as primeiras
reuniões que conduziram à estruturação e criação do Partido Social Democrático
(PSD), das quais participaram ainda outros interventores como Valadares, Fernando
Costa, Renato Pinto Aleixo, da Bahia, e Nereu Ramos, de Santa Catarina.
A
criação do PSD foi precedida de grandes divergências em torno de sua
organização. Enquanto Amaral e Agamenon defendiam a criação de partidos
nacionais, por considerarem que um dos maiores males da República Velha fora
não possuir agremiações que ultrapassassem a esfera estadual, Valadares e
Fernando Costa eram partidários de organizações estaduais. Em função do apoio
recebido do presidente Vargas, a posição defendida pelo ministro da Justiça e
pelo interventor fluminense prevaleceu. O fato, no entanto, em nada diminuiu a
influência estadual no partido, já que esses políticos tiveram que ceder em
alguns pontos, como a determinação de que cada presidente de diretório regional
seria automaticamente seu representante no diretório nacional, o que viria a
dar ao PSD um certo caráter federativo. Por outro lado, sua própria organização
federal teve por base o poder político de cada um dos interventores em seus
estados.
Em
abril, as candidaturas do brigadeiro Eduardo Gomes — homologada no dia 7 pela
convenção nacional da União Democrática Nacional (UDN) — e do general Eurico
Dutra — lançada oficialmente por Benedito Valadares em nome do PSD mineiro — já
estavam definidas. Nesse mesmo mês, Amaral Peixoto recebeu poderes para
organizar o PSD do estado do Rio. Para tanto, criou em cada município um grupo
encarregado de organizar os diretórios locais. Durante essa fase, no entanto,
foi necessário superar algumas dificuldades, já que em certos municípios, como
o de Bom Jardim, o controle político era disputado por duas famílias que
apoiavam o interventor, mas que só admitiam ingressar no novo partido caso a
outra fosse excluída. Nesses casos, a escolha obedeceu, via de regra, ao grupo
político que detinha na ocasião o controle da prefeitura.
A primeira convenção nacional do PSD foi realizada no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro em 17 de julho de 1945, ocasião em que foi
apresentado o programa do partido e lançada oficialmente a candidatura de Dutra
à presidência da República. Em outra reunião Amaral Peixoto foi escolhido para
compor o diretório nacional, integrado ainda por outros interventores, entre
eles Benedito Valadares, Ismar de Góis Monteiro, de Alagoas, e Agamenon
Magalhães.
Em
agosto, desincompatibilizando-se para as eleições de dezembro, o general Dutra
deixou o Ministério da Guerra e foi substituído pelo general Góis Monteiro. Sua
candidatura, no entanto, não chegou a unir o PSD de acordo com as expectativas,
principalmente porque Vargas evitou manifestar seu apoio de forma clara. Por
outro lado, ainda em agosto, foi criado o Comitê Pró-Candidatura de Getúlio
Vargas, dando início ao movimento conhecido por “queremismo”, que se
intensificaria a partir de setembro com a adesão do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB). A proposta “Constituinte com Getúlio”, defendida pelos
“queremistas”, suscitou violentas críticas da oposição, temerosa de que o
movimento pudesse provocar a deflagração de um golpe semelhante ao que
implantara o Estado Novo. Já no início de setembro, questionado por
representantes oposicionistas sobre o papel das forças armadas, o novo ministro
da Guerra reafirmou a determinação dos militares de garantir o pleito.
Nesse
contexto, enquanto a propaganda da UDN e a aceitação de Eduardo Gomes cresciam,
a candidatura de Dutra se esvaziava. A fragilidade da situação política e a
precariedade do apoio de Vargas à indicação de Dutra levaram o diretório
nacional do PSD, ainda em setembro, a promover reuniões semanais, às quais o
ministro da Guerra, como suplente, era convidado a comparecer. Numa dessas
reuniões, realizada no Ministério da Justiça, a liderança pessedista chegou à
conclusão de que a candidatura de Dutra não era mais viável. No entanto, a
tentativa de forçá-lo a desistir falhou, diante da ameaça de renúncia feita por
Góis Monteiro, caso a medida se concretizasse.
No
dia 10 de outubro, Vargas assinou o Decreto-Lei nº 8.063, antecipando as
eleições estaduais para 2 de dezembro, quando se realizariam as federais.
Proporcionando aos candidatos um prazo de 30 dias para a desincompatibilização,
esse decreto viabilizou a candidatura dos interventores. Assim, decidido a
concorrer ao governo do estado, em 27 de outubro Amaral Peixoto apresentou sua
exoneração, numa atitude idêntica à dos interventores de São Paulo, Ceará,
Espírito Santo, Pará, Sergipe e Paraíba. Contudo, a antecipação das eleições
foi interpretada pela oposição como o início de uma manobra para o cancelamento
do pleito, o que os levou a apelar para a intervenção das forças armadas de
modo a forçar a renúncia de Vargas.
A substituição do então chefe de polícia do Distrito Federal,
João Alberto, por Benjamim Vargas, acabou por detonar a crise. Essa medida
encontrou forte resistência entre civis e militares e conduziu à deflagração,
no dia 29 seguinte, de um golpe militar articulado pelo general Góis Monteiro.
Nos primeiros minutos do dia 30, logo após tomar conhecimento de sua deposição,
Getúlio chamou Ernâni e Alzira Amaral Peixoto a seu gabinete, dando-lhes então
ciência dos acontecimentos. Num primeiro momento Amaral Peixoto manifestou sua
decisão de abandonar a política junto com o sogro, mas este o dissuadiu sob a
alegação de que “você será minha aguilhada na ilharga do Zé Eduardo”,
referindo-se a José Eduardo de Macedo Soares. Vargas insistiu ainda em que o
PSD continuasse a apoiar a candidatura de Dutra.
No mesmo dia 30 de outubro, na ausência de um Poder
Legislativo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares,
assumiu a presidência da República, e sua primeira medida no governo foi a
revogação do decreto que antecipava as eleições estaduais e todos os atos dele
decorrentes. Diante disso, Amaral Peixoto decidiu candidatar-se à Assembléia
Nacional Constituinte.
No início de novembro, viajou com Alzira para São Borja (RS)
em visita a Vargas. Quando se encontrava em companhia do ex-presidente, recebeu
uma carta de seu irmão Augusto, alertando-o para a possibilidade de a inclusão
do nome de Vargas em todas as chapas de deputado, conforme proposta do PTB,
acabar se tornando o pretexto aguardado por seus adversários para lhe cassar os
direitos políticos. Regressando ao Rio em 15 de novembro, Amaral Peixoto
afirmou à imprensa que sua viagem tivera caráter particular e que Getúlio não
concedera qualquer entrevista, sendo portanto falsas quaisquer declarações a
ele atribuídas. Trouxe ainda uma mensagem do ex-presidente ao povo brasileiro
conclamando os trabalhadores a votarem nos candidatos do PTB, o continuador da
Revolução de 1930, e a se organizarem em torno deste partido.
A eleição de Dutra e a Constituição de 1946
As
eleições de 2 de dezembro de 1945 resultaram na vitória de Dutra sobre Eduardo
Gomes com larga margem de votos. O PSD elegeu 26 senadores e 151 deputados para
a Assembléia Nacional Constituinte (obtendo assim 2/3 das cadeiras), contra dez
senadores e 80 deputados da UDN, o maior partido de oposição. Amaral Peixoto
foi eleito deputado pelo estado do Rio na legenda do PSD com 29.088 votos.
O
PSD foi o grande vitorioso no estado do Rio, com a eleição de dois senadores e
dez deputados federais contra os quatro deputados da UDN, o segundo partido
mais votado. De acordo com Badger da Silveira, a destacada força do PSD no
território fluminense fundava-se basicamente no prestígio alcançado por Amaral
Peixoto durante sua interventoria, quando fez profundas amizades nos diversos
municípios. Segundo a revista Veja (5/6/1974), muitas décadas depois ele
era ainda capaz de citar de memória os nomes de todos os “coronéis” e famílias
importantes do estado, o que explicaria, de certo modo, o fato de Marcelino
Paiva, decano de seus cabos eleitorais, ter deixado “duas recomendações à
família” ao morrer: que não brigassem por herança e seguissem sempre o
“comandante Amaral Peixoto para qualquer lado” que ele fosse. Por outro lado, a
máquina administrativa estadual que viria a se tornar a base da estrutura
partidária fora formada pelo próprio Amaral Peixoto quando interventor, através
da criação de novos cargos e nomeações. Assim, entre 1946 e 1962, os candidatos
do PSD ao governo do Rio de Janeiro seriam sempre escolhidos diretamente por
ele, cuja força eleitoral no estado se expressaria na capacidade de dirigir
votos para candidatos pouco conhecidos, caso interessasse ao partido. Desses
candidatos se dizia que haviam sido eleitos pelo município de “Amaralina”.
Os trabalhos da Constituinte tiveram início no dia 5 de
fevereiro de 1946 e se prolongaram até 18 de setembro. Sem sair de seu
“exílio”, Vargas foi eleito senador por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul,
além de deputado por nove estados. No entanto, apenas em julho ocuparia pela
primeira vez sua cadeira na Assembléia, onde, até então, segundo Aureliano
Leite, seus parentes e amigos “ocultaram-se”, abstendo-se de defendê-lo dos
ataques que lhe eram dirigidos da tribuna. Hugo Borghi foi uma das exceções,
mantendo-se ativo em sua defesa e acusando inclusive Amaral Peixoto de haver
abandonado o sogro: “Quando no governo, Getúlio teve no genro o seu melhor
colaborador. Agora, na desgraça, o genro mais pareço eu.” Respondendo a essas
afirmações, Amaral Peixoto acusou Borghi de apoiar Getúlio em causa própria e
propôs ainda a constituição de uma comissão para apurar a vida privada de
ambos.
Em agosto, foi travado acirrado debate na Constituinte sobre
as depredações populares (saques a padarias) ocorridas recentemente no Rio e a
repressão policial que se seguira. Na ocasião o deputado udenista Aliomar
Baleeiro acusou Vargas de patrocinar a agitação e de ser o responsável pela
miséria do povo, desencadeando protestos dos getulistas do PSD e do PTB. Amaral
Peixoto estabeleceu um áspero diálogo com o representante baiano, imputando a
Dutra a total responsabilidade pelos acontecimentos.
Promulgada
a Constituição, Amaral Peixoto — que no início do governo Dutra se transferira
para a reserva como capitão-de-fragata — passou então a exercer mandato
legislativo ordinário. Nesse período, integrou as comissões de Orçamento e de
Finanças, além da Comissão Mista de investigação da produção agrícola e
respectivo financiamento. Em 1948, quando os getulistas mais aguerridos
aumentavam suas críticas à presidência de Dutra, a quem acusavam de traição,
Amaral Peixoto e o deputado Danton Coelho propuseram que fosse realizada uma
reforma constitucional, iniciativa que, no entanto, foi barrada pela oposição
da UDN.
A sucessão de Dutra
A partir de janeiro de 1948, o governo de Dutra contou com um
bloco de sustentação política no Congresso, garantido pelo Acordo
Interpartidário assinado pelos presidentes do PSD, da UDN e do Partido
Republicano (PR), respectivamente Nereu Ramos, José Américo de Almeida e Artur
Bernardes. Ainda nesse ano, foram iniciadas as articulações partidárias com
vistas às eleições presidenciais, das quais Amaral Peixoto, como membro do diretório
nacional do PSD, participou ativamente.
Além
de buscar o consenso dos grupos políticos conservadores em torno da política do
governo, o Acordo Interpartidário oferecia ainda a cada um dos partidos a
esperança de ver solucionada em seu favor — sob a égide de Dutra e das
autoridades militares — a questão da sucessão presidencial, com a indicação de
um candidato comum, e, assim, virtualmente imbatível. O candidato natural do
PSD era Nereu Ramos, presidente do partido, senador por Santa Catarina, vice-presidente
da República e ex-presidente da Comissão Constitucional de 1946. Seu nome,
porém, não contava com o apoio de Dutra e das seções mineiras dos três
partidos, interessados em encontrar um candidato de Minas Gerais para a chefia
do governo federal.
Discordando dessa orientação, o PSD gaúcho elaborou uma
proposta conciliatória, segundo a qual todos os partidos registrados, e não
apenas as três grandes agremiações integrantes do acordo, deveriam ser
consultados a respeito da sucessão presidencial. A “fórmula Jobim” (do
interventor Válter Jobim, nome pelo qual ficaria conhecida a proposta gaúcha)
incluía nessa consulta Getúlio Vargas, líder supremo do PTB, e Ademar de
Barros, líder do Partido Social Progressista (PSP).
Em 20 de junho de 1949, Dutra foi informado da proposta
gaúcha, à qual mostrou-se aparentemente favorável. Declarou, no entanto, que
preferia se afastar das negociações, que seriam realizadas pelos presidentes
dos partidos do acordo, Nereu, Bernardes e José Eduardo do Prado Kelly, então
presidente da UDN. Quatro dias depois, o diretório nacional do PSD — do qual
Ernâni Amaral Peixoto ainda participava como presidente da seção fluminense —
se reuniu, decidindo, o apoio à “fórmula Jobim” e encarregando Nereu Ramos de
promover os entendimentos necessários com os presidentes da UDN e do PR.
Paralelamente a esses fatos, Benedito Valadares, com o aval de Dutra, vinha
articulando junto à UDN de Minas a candidatura do pessedista mineiro José
Francisco Bias Fortes.
Em julho iniciaram-se os primeiros entendimentos entre Nereu,
Prado Kelly e Bernardes. Os debates chegaram porém a um impasse, pois, enquanto
o presidente do PSD pleiteava sua própria candidatura, a possibilidade de
acordo se limitava ao nome de Bias Fortes, apoiado por Dutra. As seções mineiras
do PSD, da UDN e do PR apresentaram então a “fórmula mineira”, que consistia em
deixar a escolha final a cargo do presidente da República, desde que o
candidato fosse de Minas. Nessa ocasião, elaboraram uma lista contendo os nomes
de Bias Fortes, Israel Pinheiro, Ovídio de Abreu e Carlos Luz. Em agosto, o
PSD, a UDN e o PR mineiros concordaram em adotar uma candidatura comum.
No final de setembro, Nereu, Prado Kelly e Bernardes voltaram
a se reunir infrutiferamente e, nas semanas seguintes, o presidente do PSD
procurou articular sua própria candidatura. Dutra, no entanto, agiu em sentido
contrário. Segundo depoimento de Amaral Peixoto, o presidente instruiu Benedito
Valadares para que afirmasse que o PSD mineiro não aceitava Nereu, tornando,
portanto, sua candidatura inviável.
Em 21 de novembro, em reunião da comissão diretora do
partido, Valadares apresentou novamente a “fórmula mineira” e sugeriu que a
escolha fosse realizada entre os nomes de Bias Fortes, Israel Pinheiro, Carlos
Luz e Ovídio de Abreu, excluindo assim Cristiano Machado, simpático à UDN.
Cinco dias depois o diretório nacional do PSD voltou a se reunir e aprovou essa
proposta, levando Nereu a renunciar à presidência do partido em protesto contra
a interferência do governo na questão sucessória.
O
início de dezembro caracterizou-se pelo agravamento da crise entre os
pessedistas. Ao mesmo tempo, enquanto a UDN e o PR não se pronunciavam sobre a
“fórmula mineira”, alguns líderes influentes do PSD começaram a se movimentar
com o objetivo de estabelecer alianças. No dia 10 Amaral Peixoto viajou ao Rio
Grande do Sul para discutir com Vargas a possibilidade de uma coligação
“democrático-popular” entre o PSD e o PTB, visando levar à presidência “um
grande nome nacional”. Enquanto isso, Ademar de Barros, governador de São
Paulo, insistia junto a Vargas para que se candidatasse.
Já mais para o final do mês, Amaral tornou a procurar Vargas,
agora como intermediário do general Góis Monteiro. No dia 24, após o encontro e
ainda em Porto Alegre, declarou que acreditava na possibilidade de o acordo vir
a se concretizar. Quatro dias depois, debatendo a questão com o vice-presidente
do PTB, Joaquim Pedro Salgado Filho, obteve a sugestão de que o acordo deveria
ter por base um programa de governo. Nesse sentido e por sugestão do próprio
Vargas, ficou decidido um encontro entre os representantes dos dois partidos,
PSD e PTB, visando à elaboração de um programa comum.
No início de 1950, a crise instalada na direção do PSD que se
evidenciou na incapacidade de ser estabelecido o consenso em torno de um nome,
se estendeu aos diretórios estaduais. Ainda em janeiro, o governador do estado
do Rio, Edmundo Macedo Soares, rompeu com Amaral Peixoto, exatamente no momento
em que o PSD fazia do ex-interventor seu representante nas conversações junto a
Vargas. Declarando-se solidário a Dutra, que era contrário a qualquer tipo de
acordo com Getúlio, Macedo Soares acabou por fortalecer a UDN fluminense, já
que havia sido eleito por uma coligação cujos partidos mais importantes eram a
UDN e o PSD. No dia 16 de janeiro a comissão executiva do PSD fluminense
manifestou seu apoio a Amaral. Em fevereiro, após nova reunião do diretório
regional, sua candidatura ao governo do estado foi aprovada por unanimidade.
Em nível nacional, entretanto, o PSD continuou encontrando
dificuldades para a definição de seu candidato, já que a facção ligada a Dutra
se recusava a aceitar o apoio direto de Vargas e do PTB. Ainda no início de
fevereiro, Benedito Valadares se encontrou com Artur Bernardes para elaborar
uma nova “fórmula mineira”. No mês seguinte, o PSD de Minas decidiu aceitar a
candidatura extrapartidária de Afonso Pena Júnior, apoiada por Valadares, o que
provocou intensa crise na direção do partido. Por intermédio de Amaral Peixoto
e sem o conhecimento do diretório, Carlos Cirilo Júnior, então presidente do
PSD, encontrou-se no dia 23 com o general Dutra para conversar sobre a situação
de Valadares dentro do partido. Na ocasião, após reafirmar que o problema
sucessório estava entregue aos partidos, o presidente confirmou o nome de
Cirilo como coordenador interno da questão.
Cinco dias depois o PSD realizou uma reunião preparatória
para tratar da sucessão presidencial com a participação, entre outros, de
Cirilo Júnior, Amaral Peixoto, Nereu Ramos, Benedito Valadares, Agamenon
Magalhães, Góis Monteiro e Fausto de Freitas e Castro. Na ocasião ficou
decidido que, apesar do partido possuir candidatura própria, a de Afonso Pena
Júnior seria examinada. Enquanto isso, o diretório gaúcho anunciava sua decisão
de lançar o nome de Nereu Ramos, caso o candidato tivesse que ser pessedista, e
de apoiar a candidatura de Afonso Pena, caso ficasse estabelecida uma opção
extrapartidária.
A
hipótese de coalizão entre as principais agremiações do país foi
definitivamente afastada em abril de 1950, quando a UDN oficializou a
candidatura de Eduardo Gomes e Getúlio Vargas aceitou disputar a presidência na
legenda do PTB. Diante da impossibilidade de contar com o apoio udenista para
seu candidato e da resistência da facção ligada a Dutra em apoiar Vargas, a direção nacional do PSD optou pelo nome de Cristiano Machado, um político
mineiro sem maior expressão fora do estado. Em 17 de maio o conselho nacional
pessedista lançou oficialmente sua candidatura, não conseguindo, contudo,
unificar as diversas tendências intrapartidárias, principalmente nos estados do
Sul, cujos diretórios criticavam a intervenção do presidente no processo de
escolha. Juntamente com João Neves da Fontoura, líder de uma das alas do PSD
gaúcho, Amaral Peixoto defendeu a posição de que as seções do PSD comprometidas
com Nereu deveriam apoiar apenas o candidato pessedista que contasse com o
apoio de Getúlio Vargas.
Ao longo do ano de 1950, Amaral Peixoto dedicou-se à sua
própria campanha eleitoral e continuou integrando a Comissão de Finanças da
Câmara dos Deputados, que se reunia diariamente e contava entre seus membros
com Israel Pinheiro e Aliomar Baleeiro.
O retorno ao governo do estado do Rio
Nas eleições de outubro de 1950, Vargas foi eleito presidente
da República, obtendo mais de um milhão e quinhentos mil votos de vantagem
sobre Eduardo Gomes. Cristiano Machado ficou em terceiro lugar, com uma
diferença de cerca de dois milhões e cem mil votos em relação ao candidato
vitorioso. O refluxo do setor getulista do PSD em relação à candidatura de
Cristiano Machado e a transferência de seus votos para Vargas configuraram um
processo de esvaziamento eleitoral que se tornou conhecido no meio político
como “cristianização”. Segundo Thomas Skidmore, “essa estratégia foi facilitada
pelos contatos íntimos de Vargas com os ex-interventores, que eram agora
próceres do PSD. Ernâni Amaral Peixoto, concorrendo a governador do estado do
Rio de Janeiro, era um dos mais proeminentes. Era também genro de Getúlio. O
apoio do PSD a Cristiano Machado naquele estado foi mínimo”.
Na mesma data, Amaral Peixoto — cuja candidatura, lançada
pelo PSD e PTB, fora apoiada também pelo PR, o Partido Republicano Trabalhista
(PRT), o Partido Social Trabalhista (PST) e o Partido Trabalhista Nacional
(PTN) — foi eleito governador com 286.292 votos, o que representava mais de 63%
do total.
A
eleição de Vargas foi contestada pela oposição que, com o apoio da imprensa,
desencadeou uma campanha contra o novo governo até o pronunciamento do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). No estado do Rio, a tradicional luta política entre
Amaral Peixoto e José Eduardo de Macedo Soares levou o jornal Diário
Carioca, de orientação macedista, a liderar a campanha contra Vargas. Esses
“interesses em conflito no estado do Rio”, segundo Hélio Silva, “fizeram com
que o Diário Carioca alimentasse violenta campanha contra o genro de
Getúlio, que atingia muitas vezes a própria figura de Alzira, mulher de
Ernâni”.
Assim, quando o jornalista Samuel Wainer, na tentativa de
criar um jornal de apoio a Vargas, entrou em contato com Horácio de Carvalho
Júnior, proprietário do Diário Carioca e da empresa gráfica Érica,
encontrou forte oposição por parte dos setores ligados ao governador
fluminense. Informado de que o Diário Carioca se encontrava à beira da
falência, Amaral Peixoto percebeu que a transação com a Érica acabaria por
recuperar o jornal, o que não interessava aos elementos ligados a Vargas. Em
contrapartida, na medida em que aquela oficina gráfica era a única disponível
no Distrito Federal, o negócio possibilitaria a Wainer lançar em meados do ano
o novo jornal, Última Hora. Vargas preferiu não intervir na questão e,
em junho de 1951, a transação foi concretizada. Segundo Hugo Baldessarini,
Amaral Peixoto integrou o conselho fiscal da Érica, juntamente com Carlos
Martins Pereira de Sousa, ex-embaixador brasileiro em Washington, e o
governador gaúcho Ernesto Dornelles, entre outros. Ainda em 1951, foi eleito
presidente do diretório nacional do PSD, cargo para o qual se reelegeria
sucessivamente até 1965, quando os partidos políticos existentes foram extintos
por força do Ato Institucional nº 2 (AI-2). Em 1952, já na reserva, Amaral
Peixoto foi promovido a contra-almirante pelos serviços de guerra prestados
junto ao Serviço de Abastecimento.
Na
chefia do governo fluminense, Amaral Peixoto procurou centralizar os recursos
na execução de vasto plano rodoviário e de desenvolvimento da produção
industrial, contando para isso com verbas federais. Grande expressão desses
esforços foi a criação, em 1952, da Companhia Nacional de Álcalis, em Cabo Frio — cuja implantação já fora objeto de iniciativa durante sua interventoria no Estado
Novo —, e a conclusão da usina hidrelétrica de Macabu. Em Niterói, inaugurou o
serviço de trolleybus, concluiu a construção do Ginásio Caio Martins, do
prédio das secretarias de estado e do edifício da Imprensa Oficial. Realizou
ainda importantes obras de saneamento em diversos municípios e instalou a
adutora de Laranjal (Niterói-São Gonçalo). No setor educacional, implementou a
construção de novecentas salas de aula, criou a Escola de Engenharia e oficializou
a Escola de Veterinária, ambas da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A crise de agosto de 1954
A ofensiva oposicionista contra o presidente da República
ganhou novo impulso a partir do assassinato do major-aviador Rubens Vaz, no dia
5 de agosto de 1954, em atentado cujo alvo era o jornalista Carlos Lacerda,
diretor do jornal Tribuna da Imprensa, através do qual dirigia violenta
campanha contra Vargas. O fato alcançou ruidosa repercussão, já que a vítima
era um oficial superior das forças armadas. Os resultados iniciais do inquérito
policial deixaram claro o envolvimento de membros da guarda pessoal de Vargas,
desgastando ainda mais a imagem do presidente no meio militar. Na noite do dia
8 foi realizada uma reunião na casa de Alzira e Ernâni Amaral Peixoto, à qual
estiveram presentes Osvaldo Aranha e José Antônio Flores da Cunha, além de
Getúlio e alguns familiares. O presidente consultou os presentes sobre a
conveniência de atender às pressões e renunciar, mas essa possibilidade foi
rejeitada por todos. Na mesma noite, após reunião com todo o ministério, a
hipótese de renúncia do presidente foi definitivamente afastada.
No dia 12 de agosto, Vargas embarcou para Belo Horizonte para
inaugurar a usina de aço da Mannesmann. De acordo com o relato de Juscelino
Kubitschek em seu livro de memórias, no dia anterior Amaral Peixoto teria
telefonado ao político mineiro — então governador do estado — expressando seu
temor acerca da ausência de Vargas do Rio, que poderia ser aproveitada para um
levante militar, já que os ânimos nas forças armadas e em especial na
Aeronáutica se mostravam exaltados. Juscelino, no entanto, recusou-se a
cancelar a visita, temeroso de que uma atitude desse teor fosse mal compreendida
e explorada pela oposição. Mais tarde, Alzira Amaral Peixoto negaria
terminantemente a versão de Juscelino.
O andamento do inquérito instaurado pela Aeronáutica, bem
como a prisão de Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de
Vargas, favoreceram o agravamento da crise. A divulgação dos depoimentos dos
implicados e do conteúdo dos documentos encontrados no arquivo particular de
Gregório Fortunato, chefe da guarda, acentuando a ligação de outros elementos
vinculados a Getúlio com a tentativa de assassinato, surtiu igual efeito. Em 21
de agosto, o vice-presidente João Café Filho discursou no Senado, propondo a
Vargas a renúncia de ambos e a posse na chefia do governo do presidente da
Câmara dos Deputados, Nereu Ramos. No dia seguinte os generais do Exército
fizeram circular um manifesto de apoio aos brigadeiros, datado da véspera, no
qual propunham a renúncia de Vargas como única saída para a crise.
Vinte
anos depois, em depoimento prestado ao Jornal do Brasil sobre a crise
que culminou com a morte de Vargas, Amaral Peixoto afirmaria que durante os
dois dias que antecederam o 24 de agosto permanecera no palácio do Catete
estabelecendo contatos e buscando maiores informações. Na manhã do dia 23 foi
até o gabinete de Vargas e encontrou-o tenso, embora despachando normalmente o
expediente. Em conversa com o presidente, informou-o de que se articulava um
amplo movimento de apoio ao seu governo, com mensagens maciças de solidariedade
das câmaras municipais, ao que Vargas contra-argumentou afirmando que a seu
governo não faltava apoio popular, mas sim militar. À noite, ao ser informado
pelo ministro da Guerra, general Euclides Zenóbio da Costa, do agravamento da
situação no Exército — 37 dos 80 generais lotados no Rio de Janeiro haviam
apoiado o manifesto de solidariedade aos brigadeiros —, Getúlio convocou uma
reunião ministerial de emergência para discutir a adoção de medidas que
pudessem, senão solucionar, pelo menos atenuar a crise, embora manifestando
posição contrária tanto à renúncia quanto ao pedido de licença.
Alzira e Ernâni Amaral Peixoto encontravam-se àquela altura
no palácio do Ingá, em Niterói, quando receberam um comunicado de Benjamim
Vargas, irmão de Getúlio, convocando-os a participar da reunião. Chegando ao
Catete, o governador fluminense dirigiu-se diretamente ao gabinete particular
de Vargas, o qual, em poucas palavras, colocou-o a par da gravidade do momento.
Segundo narrativa de Hélio Silva e Francisco Zenha Machado, entre outros, a
reunião foi iniciada pelo general Zenóbio da Costa com a descrição da nova
situação militar e sua avaliação de que a maioria dos comandantes de tropas do
Exército não acataria qualquer ordem de ação contra a Força Aérea e a Marinha.
Esse informe, todavia, foi contestado por Alzira Amaral Peixoto, que afirmou
não passar a crise de uma conspiração de gabinete e que, segundo as informações
que obtivera, somente 13 generais, e não 37, haviam assinado o manifesto e,
entre eles, apenas o general Henrique Teixeira Lott possuía comando. Além
disso, a Vila Militar não aderira até então ao movimento, os fuzileiros navais
só interviriam se atacados e a única unidade da Aeronáutica com autonomia de
vôo, sediada em Santa Cruz sob o comando do coronel Osvaldo Pamplona,
manifestara-se a favor do governo. Logo em seguida, Vargas consultou os
ministros, que passaram a expor seus pontos de vista. Enquanto isso, Amaral
Peixoto comunicou-se por telefone com o general Ângelo Mendes de Morais — que
desde as duas da madrugada encontrava-se reunido no Ministério da Guerra com o
brigadeiro Eduardo Gomes e o general Olímpio Falconière — e informou-o de que
Getúlio ainda relutava em renunciar. O militar sugeriu então que fosse
examinada a hipótese de uma licença do cargo.
Retornando à reunião, Amaral Peixoto sugeriu a licença como
uma medida conciliatória, sendo apoiado por José Américo de Almeida, mas essa
solução foi também rejeitada por Vargas. O governador fluminense voltou a se
comunicar com Mendes de Morais e, insistindo em saber se todos os generais
estariam de acordo com o pedido de licença, foi informado de que aqueles que se
encontravam no gabinete do ministro da Guerra concordavam. Foi alertado ainda
de que Vargas necessitaria da autorização do Congresso para viajar ao exterior,
sendo preferível, portanto, que transmitisse o cargo ao vice-presidente sob
qualquer justificativa e, em seguida, solicitasse a licença. Vargas decidiu
então condicionar seu pedido de licença ao compromisso de manutenção da ordem
pelos militares. A nota oficial comunicando a nação a decisão presidencial foi
redigida pelo ministro Tancredo Neves e, por volta das cinco horas do dia 24, a notícia da licença, encarada por muitos como um afastamento definitivo, foi divulgada. Ao mesmo
tempo, Café Filho, reunido com líderes oposicionistas civis e militares, dava
início à formação de seu ministério. Poucas horas mais tarde, Vargas foi
encontrado morto em seu quarto. Sobre a mesa de cabeceira. Amaral Peixoto
encontrou um envelope com uma carta assinada pelo presidente. Entregue em
seguida ao diretor da Rádio Nacional para que fosse divulgado, o documento
tornou-se conhecido como carta-testamento.
As eleições de 1954 e 1955
Segundo afirma Café Filho em seu livro de memórias, no mesmo
dia da morte de Vargas ele próprio telefonou a Amaral Peixoto para tratar dos
funerais do ex-presidente e convidá-lo para uma entrevista pessoal, quando
discutiriam o preenchimento da pasta da Justiça. Entretanto, o governador
fluminense enviou em seu lugar o comandante Lúcio Meira, que transmitiu ao novo
chefe do governo a recusa da família Vargas em aceitar quaisquer homenagens
póstumas de caráter oficial. Ainda segundo Café Filho, essa atitude de Amaral
Peixoto significou a rejeição de sua proposta de pacificação. Mais tarde Amaral
Peixoto negaria que esse oferecimento houvesse sido feito. Na realidade, a
pasta da Justiça fora oferecida por Café Filho a Nereu Ramos, político
pessedista que contava com a simpatia da UDN, numa tentativa de unificar o PSD
sob o comando de João Neves da Fontoura. Visava também impedir a candidatura do
governador mineiro Juscelino Kubitschek à presidência da República, que há
algum tempo vinha sendo articulada por Amaral Peixoto, e cuja possibilidade de
êxito dependia de uma aliança com o PTB. Convicto de que não contaria com o
apoio do presidente de seu partido e tampouco com o da bancada mineira, Nereu
Ramos recusou o convite.
Ainda
sob a alegação da necessidade de congraçamento partidário, Café Filho solicitou
de Juscelino Kubitschek algumas indicações para o ministério, obtendo o nome de
Lucas Lopes para a pasta da Viação e Obras Públicas. Ao lado de Gustavo
Capanema e de José Maria Alkmin, Amaral Peixoto desaprovou tal indicação,
considerando que o PSD deveria se negar a colaborar com o novo governo. A
insistência de Juscelino, no entanto, levou-os a aceitar a nomeação de Lucas
Lopes, embora sem o ônus de qualquer compromisso político.
As
eleições parlamentares foram realizadas na data prevista, 3 de outubro de 1954,
apresentando um resultado que não alterou de forma significativa a composição
do Congresso. O PSD e o PTB registraram pequenos avanços, passando
respectivamente de 112 para 114 e de 51 para 56 cadeiras, enquanto a UDN perdeu
dez cadeiras, tendo, assim, sua representação reduzida para 74 congressistas.
Na realidade, esses resultados refletiram muito mais as tendências profundas do
eleitorado e os acordos locais do que o clima gerado pelo desenlace da crise de
agosto. Na escolha do governador do estado do Rio, foi eleita a chapa PSD e
PTB, formada por Miguel Couto Filho e Roberto da Silveira, que no governo de
Amaral Peixoto ocupara a Secretaria do Interior e Justiça.
Por essa ocasião, a candidatura de Kubitschek já se tornara
pública e, em meados de outubro, em entrevista à imprensa, ele afirmaria que,
diante da vitória do PSD nas eleições, o debate sucessório deveria ser
encaminhado por esse partido. Poucos dias depois, Café Filho se mostrava
favorável ao estabelecimento de uma união interpartidária que fixasse um
candidato único à presidência, o que foi considerado por Juscelino como um
reflexo da posição defendida pelos militares que gravitavam em torno do Catete.
Pressionado por Osvaldo Aranha a se candidatar na legenda da coligação entre o
PSD e o PTB para bloquear as articulações de udenistas e militares, Kubitschek
procurou Amaral Peixoto para saber a posição do PSD. Após reunir-se com a
liderança pessedista, Ernâni comunicou ao governador mineiro que a proposta de
Aranha havia sido aceita, embora com a oposição dos diretórios de Santa
Catarina, Pernambuco e Rio Grande do Sul em apoiar um candidato coligado ao
PTB.
No
início de novembro, Amaral Peixoto reuniu-se em Belo Horizonte com Juscelino, Clóvis Salgado — membro do PR e vice-governador do estado — e
Bolívar de Freitas, para analisar a candidatura de Kubitschek frente à oposição
de Benedito Valadares — que aderira à tese do candidato único — e à indefinição
do PR, cuja liderança condicionara seu apoio à adesão do PSD ao candidato do
partido ao governo do estado. No dia seguinte a esse encontro, Clóvis Salgado
declarou-se disposto a renunciar à vice-governança do estado caso seu partido
não apoiasse Juscelino — o que manteria o governo estadual nas mãos do PSD, na
pessoa do presidente da Assembléia Legislativa —, forçando a seção mineira do
PR a se comprometer com a candidatura pessedista.
Apesar
da oposição dos representantes de Pernambuco, liderados pelo governador
Etelvino Lins, que fora eleito com o apoio da UDN de Santa Catarina e do Rio
Grande do Sul, que se abstiveram de votar, o diretório nacional do PSD indicou
em novembro o nome de Kubitschek para concorrer à presidência da República nas
eleições marcadas para 3 de outubro do ano seguinte. Além das resistências de
setores pessedistas que preferiam as candidaturas regionais de Etelvino e
Nereu, o nome de Kubitschek encontrou forte oposição por parte das principais
autoridades militares e da UDN que, com o apoio de Café Filho, voltaram ao tema
do candidato de “união nacional”.
Em
31 de dezembro, o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República,
general Juarez Távora, entregou a Café Filho um documento contendo as
preocupações das autoridades militares diante do quadro político nacional e o
apelo para que os políticos adotassem uma candidatura interpartidária como
solução para o problema sucessório. Por outro lado, visando tranqüilizar o meio
civil, afirmavam que uma candidatura militar não encontraria respaldo nas
forças armadas. Este manifesto foi considerado pelos setores pessedistas como
uma clara demonstração da oposição dos militares à candidatura de Juscelino
Kubitschek. Às vésperas da convenção nacional do PSD, que se realizaria em 10
de fevereiro de 1955, o coronel Jurandir de Bizarria Mamede declarou ao
jornalista Álvaro Lins que a homologação da candidatura de Kubitschek
implicaria a saída às ruas dos tanques do Exército. Apreensivo com o movimento
que se articulava para impedir a aprovação do nome de Juscelino, Amaral Peixoto
telefonou-lhe no dia seguinte pedindo que viajasse de imediato para o Rio e
participasse da convenção, que homologaria afinal sua candidatura por 1.646
votos contra 276 abstenções, provenientes dos diretórios dos três estados
dissidentes e de convencionais da Bahia e do Distrito Federal.
Após o lançamento oficial da candidatura de Kubitschek, a
movimentação contra as eleições e a favor da intervenção dos militares
tornou-se mais evidente, fundamentando-se inclusive no comprometimento do
candidato com as forças getulistas derrotadas em agosto do ano anterior. A
grande imprensa do Rio e de São Paulo, em sua grande maioria antigetulista,
tentava convencer a opinião pública de que o país atravessava uma situação de
extrema gravidade, que só tenderia a aumentar com a luta eleitoral. Por outro
lado, no início de abril, os diretórios dissidentes do PSD procuraram os
líderes da UDN, do Partido Democrata Cristão (PDC) e do Partido Libertador
(PL), visando o lançamento de um candidato único, e os entendimentos resultaram
na candidatura de Etelvino Lins.
Na noite de 11 de abril realizou-se na casa de Osvaldo Aranha
uma reunião com a participação de Amaral Peixoto, Juscelino e os petebistas
João Goulart e Abilon de Sousa Naves, na qual foram acertadas as bases para a
aliança entre os dois partidos, oficializada cinco dias depois em nova reunião
no mesmo local. Este acordo só se tornou possível com o rompimento de uma
provável negociação entre os trabalhistas e o Partido Social Progressista
(PSP), que pretendia a instauração de uma “frente populista”. No dia 18, a convenção nacional do PTB aprovou a candidatura de João Goulart para a vice-presidência da
chapa encabeçada por Kubitschek e, nesse mesmo dia, sob a direção de Amaral
Peixoto, o diretório nacional do PSD se reuniu para deliberar sobre a convenção
do partido que definiria um nome para a vice-presidência.
Em
10 de junho, a convenção aprovou afinal o nome de João Goulart e, tendo em
vista a insistência dos diretórios dissidentes em recusar a indicação do partido
e apoiar a candidatura de Etelvino Lins, o diretório nacional lhes deu um prazo
até o dia 24 para uma definição final. Diante das objeções à sua indicação, em
22 de junho Etelvino Lins retirou sua candidatura. Ainda em junho, a seção
catarinense cedeu à pressão da direção pessedista e estabeleceu a aliança
PSD-PTB para a sucessão estadual. No início do mês seguinte, os dissidentes
pessedistas gaúchos e pernambucanos voltaram a se reunir com os líderes
udenistas, decidindo o apoio a Juarez Távora, indicado pelo PDC. Cinco dias
depois, a comissão executiva decretava a intervenção nos dois diretórios.
Assim, encerrado o primeiro semestre de 1955, três chapas,
além da de Juscelino e Goulart, estavam oficialmente lançadas: Juarez
Távora-Mílton Campos (UDN, PDC, Partido Socialista Brasileiro — PSB, PL e
dissidentes do PSD); Ademar de Barros-Danton Coelho (PSP e dissidentes do PTB),
e Plínio Salgado (Partido de Representação Popular — PRP). Com o fracasso da
tentativa de imposição de um candidato militar único como solução política para
o problema sucessório — principalmente pela insistência do PSD em manter seu
candidato —, a partir de agosto foi deflagrada uma campanha visando o adiamento
das eleições, cuja propaganda chegou a atingir o interior dos quartéis. Por
outro lado, temerosos de que a ocorrência de fraudes no pleito presidencial
viesse a beneficiar os candidatos da aliança PSD-PTB — que no dia 11 haviam
recebido o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), então Partido Comunista
do Brasil —, os parlamentares udenistas propuseram a instituição de uma cédula
oficial de votação, impressa pelo estado e portadora dos nomes dos candidatos.
Até então, as cédulas eram impressas e distribuídas pelos partidos. Embora o
Senado tenha-se manifestado a favor da medida, os líderes do PSD na Câmara se
opuseram firmemente à sua adoção e, finalmente, em 16 de agosto, a maioria dos
deputados rejeitou o projeto.
Ao mesmo tempo, o líder da UDN, Afonso Arinos, propunha sem
êxito a Amaral Peixoto a adoção de outras medidas que, de acordo com seu
partido, possibilitariam a aceitação da chapa Juscelino-João Goulart: da tese
da maioria absoluta e da implantação do parlamentarismo. Apesar da oposição da
UDN, a questão da cédula eleitoral foi solucionada com a aprovação, no final do
mês, da proposta apresentada pelo TSE: todos os candidatos seriam relacionados
numa única cédula, que poderia ser impressa e distribuída tanto pelo governo
quanto pelos partidos.
Realizado
o pleito em 3 de outubro, o candidato do PSD saiu vitorioso com 36% dos votos,
enquanto Juarez Távora recebeu 30%, Ademar de Barros, 26% e Plínio Salgado, 8%.
João Goulart foi eleito vice-presidente, com uma votação superior à de
Kubitschek (3.591.409 votos contra 3.077.411). Durante e após as apurações,
correram intensos boatos de que seria deflagrado um golpe de Estado. Com a
divulgação dos resultados, a UDN deu início a uma batalha judiciária para
anular as eleições e impedir a proclamação dos candidatos eleitos, contestando
a legitimidade dos votos dados a eles pelo PCB, alegando corrupção eleitoral e,
mais uma vez, levantando a tese da maioria absoluta. Liderados pelo deputado
Carlos Lacerda, setores udenistas passaram a pugnar abertamente pela
deflagração de um golpe militar, obtendo apoio de altas patentes militares,
notadamente dos ministros Edmundo Jordão Amorim do Vale, da Marinha, e Eduardo
Gomes, da Aeronáutica.
Diante
dessas articulações golpistas, Amaral Peixoto, ao lado de José Maria Alkmin,
manteve contatos com elementos do Movimento Militar Constitucionalista (MMC)
que, articulado desde o início do ano no interior das forças armadas com o
objetivo de garantir as eleições, vinha tentando, sob a liderança do ministro
Henrique Teixeira Lott, da Guerra, neutralizar as articulações golpistas e
assegurar a posse dos candidatos eleitos. Ainda por iniciativa de Amaral
Peixoto os presidentes do PSD, PSP, PRP e PTB assinara um manifesto em defesa
da legalidade democrática que, em 21 de outubro, foi lido na Câmara pelo
deputado Arnaldo Cerdeira. Com esse mesmo objetivo, juntamente co os deputados
Augusto Amaral Peixoto e José Pedroso Júnior, Amaral Peixoto solicitou
intermediação do médico Raimundo de Brito na consulta a Café Filho sobre os
boatos do golpe e a posse dos eleitos. O presidente da República reafirmou mais
uma vez sua determinação de empossar os candidatos proclamados pela Justiça
Eleitoral, desde que ainda se encontrasse na chefia do governo.
A
tensão no meio militar aumentou no dia 1º de novembro, quando, durante o
sepultamento do general Canrobert Pereira da Costa, o coronel Jurandir Mamede
pronunciou um discurso incitando a alta hierarquia militar a impedir a posse de
Kubitschek e de Goulart. Lott passou então a reivindicar a punição de Mamede,
que servia na Escola Superior de Guerra, subordinado, portanto, à Presidência
da República. A resistência de Café Filho, e, após sua licença, a de Carlos
Luz, em punir aquele oficial, levou Lott a apresentar no dia 10 sua demissão,
sendo então substituído pelo general Álvaro Fiúza de Castro, favorável à
corrente golpista. Convencido por vários generais, especialmente por Odílio
Denis, a permanecer em suas funções, Lott liderou o Movimento do 11 de
Novembro, responsável pelo impedimento dos presidentes da República Carlos Luz
e Café Filho e pela posse do vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, na chefia
da nação.
No governo Juscelino Kubitschek
Em 31 de janeiro de 1956, Kubitschek assumiu a presidência da
República, contando com um maciço apoio parlamentar, fruto do acordo entre o
PSD e o PTB. Seis meses depois Amaral Peixoto foi nomeado embaixador em
Washington e, no exercício de suas funções, acompanhou Juscelino à reunião de
presidentes americanos, realizada ainda em julho do mesmo ano no Panamá.
Por essa época, Amaral Peixoto iniciou entendimentos com o
embaixador soviético nos EUA para o reatamento das relações comerciais entre o
Brasil e a URSS, visando escoar o excedente da produção brasileira de café,
decorrente em grande parte do decréscimo das importações norte-americanas, que
vinha rebaixando o preço desse produto no mercado internacional. Assim, em
abril de 1958, quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) estava para decidir
sobre um empréstimo pleiteado pelo governo brasileiro junto ao Banco de
Exportação e Importação (Eximbank) para manter o fluxo de suas importações,
Amaral Peixoto, que se encontrava no Rio, foi chamado a Washington para
esclarecer o governo norte-americano sobre a crescente tendência do Brasil em
reatar as relações comerciais com a União Soviética.
No
mês seguinte, o chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Vítor
Nunes Leal, entregou ao presidente norte-americano Dwight Eisenhower uma carta
de Kubitschek aconselhando-o a rever a política de seu país na América Latina e
propondo um programa de desenvolvimento multilateral a longo prazo, denominado
Operação Pan-Americana (OPA). Logo em seguida e sem consulta prévia ao
Itamarati, Amaral Peixoto foi encarregado diretamente pelo presidente de tomar
as providências necessárias, para a implementação do programa, fato que
provocou o pedido de demissão do ministro das Relações Exteriores José Carlos
Macedo Soares. Em junho, Amaral Peixoto representou o Brasil no grupo de
trabalho reunido em Washington para o estudo e resoluções concernentes à
política do café. No mês seguinte a OPA foi lançada.
No
período em que permaneceu em Washington, Amaral Peixoto foi chamado diversas
vezes ao Brasil por Kubitschek para solucionar questões relativas à aliança
entre o PSD e o PTB, já que este partido passara a exigir maior participação no
governo e a fazer reivindicações trabalhistas. Apesar de seus esforços, Getúlio
de Moura, o candidato que apoiava ao governo fluminense nas eleições de 1958,
foi derrotado pelo petebista Roberto da Silveira.
Em 1959 Amaral Peixoto foi delegado brasileiro à Conferência
Econômica Pan-Americana realizada em Buenos Aires. Ainda nesse ano, seguindo sua orientação econômica, o FMI voltou a pressionar o
governo brasileiro no sentido de reduzir os gastos públicos, o que deteria o
ritmo da industrialização e sacrificaria o Plano de Metas, orientador da
política desenvolvimentista adotada pelo governo. Assim, em junho, Juscelino
anunciou o rompimento das negociações com essa instituição financeira, em
resposta à recusa de concessão de créditos e ao boicote à OPA, levando o
ministro Lucas Lopes a se exonerar da pasta da Fazenda. Em meio à polêmica que
se estabeleceu, ainda nesse mês Amaral Peixoto foi substituído na embaixada em
Washington por Válter Moreira Sales. Refutando enfaticamente qualquer vínculo
entre sua exoneração da embaixada e a crise com o FMI, ele afirmou em
entrevista prestada à revista O Cruzeiro que abandonara o posto
diplomático para atender aos apelos de seus correligionários no sentido de que
assumisse o comando político do partido na sucessão presidencial.
No
dia 28 de julho de 1959 Amaral Peixoto foi nomeado ministro da Viação e obras
Públicas em substituição a Lúcio Meira que, com a reforma ministerial, fora
indicado para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE). Durante sua breve gestão, procurou dar continuidade à orientação
estabelecida por seu antecessor, articulada à política de incentivo à indústria
automobilística, desenvolvida pelo governo. Embora direcionada para a
construção e pavimentação de novas estradas, visando a implantação de um
sistema rodoviário que interligasse as diversas regiões do país, essa
orientação previa o reaparelhamento do sistema ferroviário e o incentivo à
indústria de construção naval. No mês seguinte à sua posse, inaugurou a rodovia
Curitiba-Lajes, parte do tronco rodoviário projetado para ligar o extremo Norte
ao extremo Sul do país.
Nos
primeiros dias de fevereiro de 1960, em reunião com os governadores dos estados
e territórios da região Norte, Juscelino anunciou o início da colonização das
margens da rodovia Belém-Brasília e propôs a construção da Brasília-Acre. Essa
rodovia representaria um prolongamento de 3.335km (1.090 dos quais em plena
selva) do braço esquerdo do cruzeiro rodoviário, reduziria o isolamento da
região Nordeste e se constituiria em uma ponta-de-lança para a integração do
sistema rodoviário brasileiro à rodovia Pan-Americana. Após os primeiros
entendimentos sobre seu traçado, o Ministério da Viação e Obras Públicas
determinou a criação de uma comissão especial, subordinada ao Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que em um mês já dava início à fase de
concorrência. Essa estrada, a BR-29, inaugurada em dezembro de 1960, seria a
última grande obra do governo Kubitschek.
Em março de 1960, quando grandes temporais provocaram
enchentes e inundações em vários estados do Nordeste, Amaral Peixoto viajou
para o Ceará, onde o açude de Orós — que vinha sendo construído pelo governo
como medida preventiva para as grandes secas — se encontrava em vias de romper.
Apesar das iniciativas tomadas, não foi possível impedir o desastre, que
ocasionou enormes danos à população local. Após uma vistoria, foi determinado o
reinício imediato das obras, que seriam concluídas no mês anterior ao término
do mandato presidencial.
Em meados do ano, o DNER iniciou em Governador Valadares (MG) a pavimentação da estrada Rio-Bahia. Em outubro, foi terminada a
construção das rodovias São Paulo-Cuiabá, ligando a capital mato-grossense com
o porto de Santos, e Fernão Dias, ligando Belo Horizonte à capital paulista.
No início de novembro foi deflagrada uma greve no Rio
de Janeiro, articulada, segundo relato de Kubitschek em seu livro de memórias,
por elementos de esquerda, com o objetivo de paralisar os transportes no país
para pressionar o Congresso a votar o chamado Plano de Paridade de Vencimentos
entre civis e militares. Decretada a ilegalidade do movimento, no dia 8 Amaral
Peixoto foi encarregado de intimar os empregados das autarquias e serviços
subordinados a retornarem ao trabalho no dia seguinte, sob pena de demissão. Ao
mesmo tempo, preocupado com o rumo dos acontecimentos, o presidente da República
enviou uma mensagem ao Congresso solicitando a instauração do estado de sítio,
caso se tornasse necessário. Após a aprovação da medida, as lideranças
trabalhistas encerraram a greve. Logo em seguida, contudo, o Congresso aprovou
o plano que era objeto das reivindicações, transformando-o em lei no dia 23 do
mesmo mês.
A sucessão de Kubitschek
A
aliança entre o PSD e o PTB, vitoriosa em 1955 com a eleição de Juscelino e
João Goulart, enfraqueceu-se gradativamente durante o período de governo.
Enquanto o PTB, liderado pelo vice-presidente, direcionava suas atividades
políticas para as bases trabalhistas do partido — aproximando-se do PCB e do
PSB —, setores mais conservadores do PSD afastavam-se do PTB e procuravam
alianças com a UDN. Segundo Maria Vitória Benevides, desde o início de 1959
Kubitschek vinha manobrando para que Juraci Magalhães, governador da Bahia e
presidente da UDN, fosse o candidato à presidência da República apoiado pelo
PSD e o PTB, numa tentativa de estabilizar a vida política brasileira,
permitindo à UDN, três vezes derrotada, chegar ao governo federal pelo caminho
das urnas. Em abril de 1959, teve início, entretanto, um processo que iria
atropelar todos os cálculos, quer dos pessedistas, quer dos udenistas: foi
lançado no Rio de Janeiro o Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), em favor da
candidatura do ex-governador paulista, então deputado federal pelo Paraná, à
presidência da República. Esta iniciativa foi apoiada por Carlos Lacerda,
tornando ostensiva a divisão da UDN, já que Juraci insistia em ser o
candidato do partido, e inviabilizando assim a coligação dos três maiores
partidos.
Percebendo
que não contava com o apoio integral do PTB e do PSD para sua própria
candidatura, em outubro de 1959 o marechal Lott, então ministro da Guerra,
indicou o nome de Juraci Magalhães à presidência para enfrentar Jânio Quadros,
o qual, por sua vez, reafirmou que iria se candidatar. Em depoimento posterior,
Amaral Peixoto negaria que Lott houvesse indicado o nome de Juraci, patrocinado
desde o início por Augusto Frederico Schmidt, sócio do governador dor baiano. A
decisão de Jânio de manter sua candidatura fez com que Juraci viajasse
apressadamente ao Rio para conferenciar com Amaral Peixoto, Juscelino e Lott:
sua candidatura, caso mantida, certamente dividiria o principal esteio de
Jânio, a UDN. No entanto, a convenção nacional do partido realizada no início
de novembro acabou aprovando o nome de Jânio, com grande maioria sobre o
governador baiano.
Em dezembro, a convenção nacional do PSD homologou a
candidatura de Lott, e Amaral Peixoto foi um dos últimos líderes pessedistas a
apoiá-la. Em depoimento a Maria Vitória Benevides, ele afirmaria mais tarde que
a campanha “Lott em 60, JK em 65” criara um clima desagradável para o
entendimento entre o PTB e o PSD. No início de 1960, a questão da vice-presidência da chapa continuava em aberto. Osvaldo Aranha foi sondado e aceitou sua indicação como possibilidade única de se
obter o apoio do PTB à candidatura de Lott. Entretanto, seu falecimento súbito,
no final de janeiro, reabriu a questão, até então mantida em sigilo. Finalmente, a chapa Lott-Goulart foi homologada pela convenção do PTB.
Em
outubro de 1960 foi realizado o pleito que deu a vitória a Jânio Quadros, com
5.636.623 votos contra os 3.846.825 dados ao candidato pessedista. Na disputa
da vice-presidência, João Goulart suplantou o udenista Mílton Campos em cerca
de trezentos mil votos. Jânio tomou posse em janeiro de 1961 e, ainda nesse
mês, Amaral Peixoto foi nomeado ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
Nessa ocasião, foi convidado a indicar um político pessedista para o novo
ministério, mas recusou-se a fazê-lo por considerar que esse procedimento não
se justificava já que seu partido havia sido derrotado nas eleições. Não se
opôs, no entanto, à escolha de um nome pessedista, desde que a iniciativa não
coubesse a seu partido. A opção recaiu afinal sobre o gaúcho Clóvis Pestana,
que foi nomeado ministro da Viação e Obras Públicas. No Congresso, durante o
governo Jânio, o PSD integrou o bloco parlamentar da maioria, de oposição,
juntamente com o PTB e o PSP, sob a liderança do deputado Paulo Pinheiro Chagas.
Na noite de 24 de agosto de 1961, em pronunciamento à
televisão carioca, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, advertiu que o
presidente da República vinha preparando um plano de reforma institucional, e
que o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, o havia convidado para
participar de um golpe. “A crise”, discursava Lacerda, “resume-se numa trama
palaciana, de homens medíocres, tentando resolver por meios ilegítimos as
dificuldades do regime brasileiro.” Tais denúncias causaram um grande impacto
e, na madrugada do dia 25, o deputado José Maria Alkmin — vice-líder do bloco
parlamentar da maioria — telefonou para Amaral Peixoto, solicitando sua
presença em Brasília. Concordando em seguir imediatamente para a capital, o
político fluminense sugeriu ainda que o ministro da Justiça fosse convocado ao
Congresso para prestar esclarecimentos.
No mesmo dia 25, Alkmin aceitou a renúncia de Jânio como fato
consumado, fazendo transitar sua carta no Congresso e insistindo junto a
Ranieri Mazzilli para que assumisse, a presidência, dada a vacância do cargo a
ausência do vice-presidente Goulart, que então chefiava uma missão comercial na
República Popular da China. Dessa forma, a possibilidade de concretização do
suposto plano janista — aventado por alguns —, de que seu pedido de renúncia
encobrisse propósitos golpistas, foi definitivamente afastada. Com o
afastamento de Jânio, os ministros militares manifestaram a intenção de impedir
a investidura constitucional de João Goulart, provocando a deflagração de um
movimento de resistência generalizado no país, ao qual o comandante do III
Exército, general José Machado Lopes, aderiu, mobilizando suas tropas em defesa
da legalidade.
Diante deste quadro político-militar e na iminência de uma
guerra civil, Amaral Peixoto, juntamente com as principais lideranças
partidárias, colocou-se a favor de uma solução de compromisso capaz de
viabilizar a posse de João Goulart. Nesse sentido, participou dos primeiros
entendimentos para a implantação do regime parlamentarista, através da Emenda
Constitucional nº 4, aceita no dia 2 de setembro pelos ministros militares. A
adoção dessa medida desobstruiu o caminho para a posse de Goulart, o qual,
seguindo orientação da liderança do PTB e do PSD, adiara até então seu retorno
ao Brasil.
No governo Goulart
Em 7 de setembro de 1961 João Goulart assumiu a presidência e
logo em seguida indicou o pessedista Tancredo Neves para o cargo de
primeiro-ministro. Durante essa primeira fase do parlamentarismo, o PSD
participou ativamente do governo, enquanto Amaral Peixoto, como presidente do
partido, procurava aprofundar os entendimentos que iniciara com as lideranças
udenistas na época da posse de Goulart, visando estabelecer no Congresso uma
vigilância conservadora às propostas reformistas do Executivo. Com a
continuidade do governo as divergências começaram a surgir e o PSD acabou se
colocando inteiramente na oposição a Goulart.
Uma das primeiras manifestações dessa divergência ocorreu em
junho de 1962, quando o presidente encaminhou ao Congresso a indicação de
Francisco de San Tiago Dantas para o cargo de primeiro-ministro, em
substituição a Tancredo Neves. Apoiado pelos setores nacionalistas e de
esquerda do parlamento e pelo movimento sindical, o ex-chanceler teve seu nome
vetado pelas bancadas do PSD e da UDN, que criticavam a orientação que dera à
política externa brasileira durante sua gestão no Ministério das Relações
Exteriores (1961-1962). Segundo discurso do deputado Aurélio Viana, do PSB, o
PSD foi contra a indicação de San Tiago Dantas simplesmente porque ele não era pessedista. Amaral Peixoto, no entanto, contestou essa versão, afirmando que
seu partido votara contra Dantas porque ele, convencido de uma eleição
tranqüila, dispensara publicamente o apoio do PSD.
Com
o veto ao nome de San Tiago Dantas, Goulart conseguiu que o Congresso aprovasse
a indicação do pessedista Auro de Moura Andrade. Logo em seguida, contudo, o
novo primeiro-ministro renunciou em protesto contra a recusa do presidente da
República em homologar o gabinete ministerial que propusera. O impasse foi
solucionado afinal em 10 de julho, com a aprovação do nome de Francisco
Brochado da Rocha. Poucos meses depois, entretanto, ao ver rejeitado o projeto
de antecipação, para dezembro seguinte, do plebiscito que iria decidir sobre a
continuidade do regime parlamentarista — previsto para o início de 1965 —,
Brochado da Rocha também renunciou.
A
atuação do PSD no veto ao nome de San Tiago Dantas levou o jornalista político Carlos Castelo Branco a afirmar, em agosto, que João Goulart preferiria naquele
momento ver Amaral Peixoto substituído no comando do PSD por Benedito
Valadares. No seu entender, o político fluminense havia-se tornado um obstáculo
difícil à política presidencial — centrada na tentativa de afastar o PSD da UDN
para restabelecer a antiga aliança entre o PSD e o PTB — “estimulando a
resistência da bancada e coordenando-a no velho estilo realista do partido”.
Em
meados de setembro, o Congresso aprovou a antecipação do plebiscito para o dia
6 de janeiro de 1963. No interior do PSD, essa questão provocou sérias
divergências entre a corrente liderada por Juscelino Kubitschek, defensora do
retorno ao presidencialismo, e favorável, portanto, à antecipação do
plebiscito, e a que seguia o presidente do partido, radicalmente contrário a
esta medida. Em outubro seguinte Amaral Peixoto foi eleito deputado federal na
legenda do PSD, obtendo 45.300 votos, a maior votação do estado do Rio nas
eleições proporcionais. Logo em seguida licenciou-se do cargo de ministro do
TCU.
O plebiscito foi realizado na data prevista, decidindo o
restabelecimento do presidencialismo. Em declarações posteriores, Amaral
Peixoto afirmaria que “o plebiscito foi um erro de Jango, e um erro ainda maior
do PSD. Fui radicalmente contrário a que se fizesse o plebiscito e meu
arrependimento é só o de não ter renunciado à presidência do partido, na
ocasião. Porque foi dali que se agravaram os problemas políticos do Brasil. E
porque, se antes estava defendido pelo primeiro-ministro, depois disso Jango
ficou exposto a pressões de toda espécie”.
O
primeiro ministério presidencialista de Goulart foi empossado ainda em janeiro
e Amaral Peixoto ocupou a pasta extraordinária para Assuntos da Reforma
Administrativa, afastando-se então da Câmara dos Deputados. O início dos
trabalhos deu um novo alento ao debate sobre as reformas de base, medidas de
transformação consideradas fundamentais ao desenvolvimento autônomo do Brasil,
tanto pelo governo como pelas esquerdas. O auge dos debates ocorreu nos meses
de julho e agosto e chegou a estremecer a aliança entre o PSD e o PTB pois,
enquanto um setor pessedista se mostrava disposto a apoiar o projeto de reforma
agrária do udenista Mílton Campos, o PTB se mantinha irredutível na necessidade
da emenda constitucional que permitia o pagamento das desapropriações de terras
em títulos da dívida pública. A intransigência dos trabalhistas, que contavam
com o apoio de Goulart, apressou o deterioramento das relações do PSD com o
Executivo, levando Amaral Peixoto a ameaçar o PTB com o rompimento. Segundo seu
próprio depoimento, nessa ocasião Goulart chegou inclusive a escolher para seu
ministério alguns nomes do PSD que não correspondiam a uma indicação do
partido.
Mesmo assim, e apesar da resistência de algumas lideranças e
bancadas, o PSD acabou aceitando a reforma constitucional proposta por Goulart,
estipulando o pagamento das desapropriações destinadas à execução da reforma
agrária em títulos da dívida pública, com a garantia da correção monetária e a
especificação dos limites de alcance das propriedades atingidas pela reforma.
Durante os quase 11 meses de sua gestão ministerial, Amaral
Peixoto trabalharia com sua equipe buscando transferir para os escalões
inferiores as tarefas burocráticas. Desses trabalhos resultaram cinco projetos
que foram enviados por Goulart ao Congresso em dezembro de 1963. Ao longo do
ano seguinte um deles seria transformado em lei, embora com modificações, dois
obtiveram aprovação da Câmara, e outros dois seriam atualizados pelo Executivo.
Algumas das medidas adotadas após a vitória do movimento político-militar de
1964, como a transformação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) em fundação
e a transformação da Casa da Moeda em autarquia, constavam da reforma
administrativa coordenada por Amaral Peixoto.
Em 11 de dezembro de 1963 Amaral Peixoto afastou-se do
ministério e no dia seguinte retomou suas atividades na Câmara. Em depoimento
posterior, afirmaria não ter considerado a pasta como um ministério, mas como
uma missão específica, tanto assim que, durante esse período, comparecera a
apenas uma reunião ministerial por insistência de Goulart. Este último,
concluída a tarefa e apesar da deterioração das relações entre o PSD e o
Executivo, convidou Amaral Peixoto para nova função ministerial, que não foi
aceita.
O movimento político-militar de 1964
Em meio ao processo de radicalização política, setores civis
e militares conservadores passaram a articular um golpe contra o governo de
João Goulart. Paralelamente, os partidos políticos se definiam diante da
sucessão presidencial a ser disputada em outubro de 1965: o PSP homologou em
fevereiro de 1964 a candidatura de Ademar de Barros, o PSD, em março, a
de Juscelino Kubitschek, e a candidatura de Carlos Lacerda, governador da
Guanabara, vinha sendo articulada pela UDN.
Em 31 de março de 1964, foi desagrado o movimento
político-militar que depôs Goulart, com o deslocamento das tropas comandadas
pelo general Olímpio Mourão Filho, sediadas em Juiz de Fora (MG).
Restabelecendo-se de um infarto, nessa ocasião, Amaral Peixoto foi informado
dos acontecimentos por um amigo íntimo. No dia 2 de abril o presidente da
Câmara dos Deputados e sucessor legal de Goulart, Ranieri Mazzilli, foi
empossado na presidência da República, mas o poder de fato continuou a ser
exercido pelo autodenominado Comando Supremo da Revolução, constituído pelo
general Artur da Costa e Silva, pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de
Melo, e pelo almirante Augusto Rademaker.
Em 6 de abril, o general Humberto Castelo Branco aceitou a
indicação de seu nome para a presidência da República e, no dia seguinte, após
reunir-se com Juscelino Kubitschek para debater o problema sucessório, obteve
seu apoio e a afirmação de que “as garantias democráticas e legalistas” do
general habilitavam os líderes pessedistas a propor seu nome à deliberação do
diretório nacional do PSD. Caberia, no entanto, a Amaral Peixoto, como
presidente do partido, encaminhar o assunto à alta direção partidária.
Paralelamente, Carlos Lacerda e outros adeptos do movimento pregavam a chamada
Operação Limpeza para punir os elementos considerados nefastos à ordem e aos
interesses do país.
No
dia 9 seguinte, o Comando Supremo da Revolução editou o Ato Institucional nº 1
(AI-1), determinando para dois dias depois a eleição do presidente da República
pelo Congresso. O AI-1 outorgava ainda ao chefe do Executivo o poder de cassar
mandatos parlamentares e de suspender os direitos políticos. Nessa mesma noite
Amaral Peixoto presidiu a reunião do diretório nacional do PSD na qual se
decidiu, por 135 votos contra 26, que seria recomendado aos congressistas do
partido que votassem em Castelo Branco, que se declarava descompromissado com a
UDN e decidido a cumprir apenas o restante do mandato presidencial, ao fim do
qual daria posse a seu sucessor.
Castelo
Branco foi eleito presidente da República no dia 11 de abril e assumiu o cargo
quatro dias depois. Atendendo ao PSD mineiro — que participara do movimento
contra Goulart e fornecera o novo vice-presidente da República, José Maria Alkmin
—, Castelo solicitou a Amaral Peixoto que sugerisse alguns nomes para compor
seu ministério, obtendo a indicação de Mário Behring, John Cotrim e Mauro
Thibau. Sobre este último recaiu a escolha do presidente para a pasta das Minas
e Energia.
Já
por essa época, a cassação do mandato de senador de Juscelino Kubitschek, que
continuava como candidato do PSD às eleições presidenciais de 1965, vinha sendo
defendida em alguns jornais cariocas por elementos identificados com o regime.
Um deles, o general Costa e Silva, representante da chamada linha dura do
Exército, inconformado com a sobrevivência política do ex-presidente,
formalizou em 3 de junho o pedido de cassação, alegando os interesses da
revolução e a necessária prevenção de futuras manobras políticas que visassem a
interrupção do processo que denominava de restauração dos princípios morais e
políticos. Além disso, responsabilizava Kubitschek pela deterioração do sistema
de governo. Ao lado de José Maria Alkmin, Paulo Sarasate e Armando Falcão,
Amaral Peixoto promoveu diversas iniciativas para sustar o processo,
considerando as alternativas da retirada da candidatura de Kubitschek e do seu
compromisso de não prestar declarações políticas. Juscelino, no entanto,
procurou mobilizar a opinião pública através da tribuna no Senado e concedeu
entrevista à imprensa reafirmando suas posições políticas, o que precipitou sua
cassação, assinada pelo presidente da República no dia 8 de junho. Em
contrapartida, o PSD se retirou imediatamente do bloco parlamentar de sustentação
do governo.
Diante disso, Castelo Branco solicitou a Etelvino Lins que
transmitisse a Amaral Peixoto e a José Martins Rodrigues as razões de seu ato,
assegurando que não visara beneficiar a qualquer outro candidato, menção que se
aplicava especificamente a Carlos Lacerda. Segundo declarações de Amaral
Peixoto à revista Manchete, o PSD passou a adotar a partir de então uma
posição de total independência em relação ao governo que suspendeu os direitos
políticos de seu candidato à sucessão presidencial: “Temos examinado todas as
proposições governamentais, apoiando as que são justas e atendem ao interesse
nacional.”
Por 284 votos contra 97, em 22 de julho de 1964 o Congresso
aprovou o adiamento das eleições presidenciais para outubro de 1966 e a prorrogação
do mandato de Castelo Branco até março de 1967. Daniel Krieger, então líder do
governo no Senado, afirmaria posteriormente que, para alcançar esse resultado,
contara com a “inestimável colaboração” de Amaral Peixoto.
Já no final do ano, em novembro, Castelo Branco decretou a
intervenção federal em Goiás, em conseqüência das investigações realizadas por
uma subcomissão, para apurar denúncias contra o então governador Mauro Borges,
do PSD, que logo em seguida foi cassado e afastado do governo. Amaral Peixoto
recebeu na ocasião uma carta do presidente reconhecendo seu “alto espírito
público” ao longo da crise goiana e declarando que a intervenção não objetivara
atingir o PSD, mas sim eliminar um foco de perturbação “da integridade nacional
e das realizações pacíficas da revolução”. No Congresso, que acabou por aprovar
a medida por 192 votos contra 140, os representantes pessedistas se dividiram
acerca da questão. Por seu lado, apenas em janeiro de 1965 Amaral Peixoto
responderia ao chefe do governo: sem cortar os canais de comunicação com o
Executivo, declarou que seu partido continuaria atuando em prol dos interesses
nacionais.
Ainda em novembro, foi colocada em votação no Congresso a
emenda constitucional relativa à estrutura fundiária que previa a desapropriação
de propriedades rurais com pagamento em títulos públicos sujeitos à correção
monetária. Por ocasião dos entendimentos para a votação, Amaral Peixoto
participou de diversas reuniões para o debate do tema, apresentando, em
colaboração com Gileno de Carli e Guilhermino de Oliveira, um substitutivo ao
projeto governamental. Por fim, em 30 de novembro, o presidente Castelo Branco
sancionou a Lei nº 4.504, contendo dispositivos antes inexistentes, através dos
quais a União poderia promover a desapropriação da propriedade rural mediante
pagamento de prévia indenização em títulos especiais da dívida pública, com
cláusula de exata correção monetária. Em dezembro, em depoimento à Manchete,
Amaral Peixoto afirmou que, na realidade, a emenda constitucional da reforma
agrária só chegou a ser aprovada pela atuação direta do PSD: “O substitutivo
aprovado, subscrito por mim em primeiro lugar, representava as idéias mestras
do PSD sobre o assunto. Fiz articulações com homens do PTB e da UDN para tomar
possível a sua aprovação.”
No
início de 1965, quando a questão da presidência da Câmara dos Deputados foi
colocada, Castelo Branco mostrou-se determinado a evitar a recondução do
pessedista Ranieri Mazzilli àquele cargo, o que levou o PSD e o PTB a avaliarem
a possibilidade de união em torno de um candidato de oposição ao governo. Foram
cogitados os nomes de Mazzilli, Amaral Peixoto e Martins Rodrigues. Castelo
tentou ainda o nome de Gustavo Capanema, que no entanto se recusou a aceitar.
Válter Peracchi Barcelos, por seu lado, candidatou-se ao posto, firmando com
Mazzilli um acordo pelo qual nenhum dos dois retiraria a candidatura antes do
partido se definir, o que dificultou a tentativa conciliatória de Amaral
Peixoto no sentido de escolher um terceiro nome. Em meados de fevereiro, o
partido decidiu-se pela indicação de Mazzilli por 58 votos contra 32.
Ciente da deliberação do PSD e reafirmando categoricamente
sua decisão de não admitir o continuísmo, Castelo Branco organizou as forças
governamentais em um bloco de apoio ao governo, que lançou a candidatura do
deputado udenista Olavo Bilac Pinto à presidência da Câmara, afinal vitoriosa
com duzentos votos contra 167.
No início de outubro de 1965 foram realizadas as eleições
para o governo de 11 estados da Federação, e a vitória dos candidatos
oposicionistas — Francisco Negrão de Lima, eleito governador da Guanabara pela
coligação formada entre o PSD e o PTB, e Israel Pinheiro, eleito governador de
Minas Gerais na legenda do PSD — precipitou o “endurecimento” do regime. Assim,
em 27 de outubro foi decretado o AI-2, que reabriu o processo de punições
extralegais, extinguiu os partidos políticos e determinou eleições indiretas
para a presidência da República. Com a conseqüente implantação do
bipartidarismo, foram criados o partido governista, a Aliança Renovadora
Nacional (Arena), e o de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em
entrevista à revista Veja, Amaral Peixoto declararia em 1971 que a
divisão dos ex-pessedistas entre os dois novos partidos se deu de acordo com a
percepção de cada um acerca das soluções políticas que estavam sendo adotadas
pela revolução. Na ocasião, recusou o convite de Castelo Branco para se
inscrever na Arena e presidir o diretório fluminense do partido governista,
filiando-se ao MDB. Iniciou então mais uma vez o trabalho de organização de um
partido e, graças a seus fichários de chefe político, conseguiu formar
diretórios em quase todos os municípios fluminenses.
Após o movimento político-militar de 1964, Amaral Peixoto
exerceu na Câmara dos Deputados a presidência das comissões especiais para o
Problema da Habitação Popular e para Estudos dos Problemas da Produção
Agrícola, e da comissão encarregada da nova legislação do Banco Nacional da
Habitação. Em 1966 visitou a União Soviética a convite do governo daquele país,
e se aposentou como ministro do TCU. No pleito de novembro desse ano
reelegeu-se na legenda do MDB e durante essa legislatura participou das
comissões de Finanças, de Orçamento e de Relações Exteriores, tendo presidido
ainda a Comissão de Economia da Câmara Federal.
Em
1968, ao se encerrar o primeiro ano do governo, Costa e Silva, a crise política
que vinha sendo gerada pelo crescente descontentamento dos setores de oposição
atingiu seu ponto mais crítico. O discurso pronunciado pelo deputado emedebista
Márcio Moreira Alves em setembro, considerado por setores militares como uma
afronta às forças armadas, levou os ministros militares a solicitarem licença
ao Congresso para processá-lo. Nessa ocasião, Daniel Krieger, presidente da
Arena, acertou com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís
Gallotti e Aliomar Baleeiro, uma fórmula capaz de aplacar a revolta dos
militares e resguardar o preceito constitucional: tratava-se de suspender o
deputado por decisão interna corporis, atitude sem precedente no
Congresso que demonstraria a repulsa do Legislativo a seu procedimento. Para
essa solução, Krieger contou com o apoio de Amaral Peixoto, Martins, Rodrigues,
Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, mas o presidente Costa e Silva recusou a
proposta, sob o pretexto de que “já era tarde”. O Congresso rejeitou o pedido
de licença e no dia 13 de dezembro foi editado o AI-5, através do qual o
presidente ficava autorizado a decretar o recesso do Congresso e de outros
órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios sem as limitações
previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e suspender a garantia de
habeas-corpus. O Congresso foi mantido em recesso até outubro de 1969,
quando o novo presidente, general Emílio Garrastazu Médici, assumiu o governo.
No Senado Federal
No pleito de novembro de 1970, Amaral Peixoto foi eleito
senador pelo estado do Rio na legenda do MDB com 467 mil votos. O fato de ter
sido um dos poucos senadores eleitos pelo MDB naquele ano, e com cem mil votos
a mais do que a legenda, demonstrou que o seu prestígio era maior do que o do
partido. Em janeiro de 1971 concluiu seu mandato na Câmara e no mês seguinte
ocupou uma cadeira no Senado. Segundo a revista Veja, sua influência
política ultrapassava os quadros partidários, tanto que o próprio presidente da
Arena, Filinto Müller, chamava-o de “meu chefe”, referindo-se à época do PSD.
Em junho de 1971 foi designado para substituir o senador Nélson Carneiro na
comissão mista do Congresso encarregada de dar um parecer sobre a fundação,
organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos, e na apreciação
do Projeto de Lei nº 29, que dispunha sobre os Estatutos dos Militares.
Desde
o início de seu mandato, em período de agudo fechamento do regime, Amaral
Peixoto reivindicou do governo concessões que revitalizassem a atividade
político-parlamentar, de alcance extremamente reduzido naquela conjuntura. Em
declarações prestadas à revista Veja em 1971 a respeito do interesse de seu partido numa reabertura política, afirmou que acreditava que o
próprio governo já se convencera da necessidade de revogação do AI-5, muito
embora, em recentes pronunciamentos, o presidente Médici tivesse desautorizado
a campanha que nesse sentido se fazia em seu nome. Defendeu ainda que se
restabelecesse o funcionamento normal do Judiciário, que viria a garantir o
trabalho político no interior, onde os oposicionistas ficavam sujeitos a
perseguições: “Para que o habeas-corpus possa funcionar é preciso também
que o juiz tenha plena garantia, pois, sob ameaça de exoneração, ele não tem
independência para julgar os pedidos... muitos fariam isso arriscando a própria
carreira, outros ficam intimidados.”
Em 1973, definida a candidatura do general Ernesto Geisel à
presidência da República, o MDB decidiu lançar um candidato próprio, embora
contando com menos de 1/3 dos votos do Colégio Eleitoral. No início de
setembro, Amaral Peixoto participou de uma reunião do MDB para definir as
primeiras candidaturas emedebistas à presidência e vice-presidência da
República, sendo escolhidos respectivamente o presidente do partido, deputado
Ulisses Guimarães, e o jornalista Alexandre Barbosa Lima Sobrinho. Apesar de
inicialmente contrário ao lançamento de uma candidatura oposicionista, Amaral
Peixoto acabou por apoiá-la, considerando que “me chamaram a atenção para o
fato de que, se não o fizéssemos, os arenistas poderiam ocupar, sozinhos,
durante 60 dias, os horários de rádio e televisão... Legalizando seu candidato,
o MDB não tem como ficar prejudicado, pois quaisquer direitos que forem
reconhecidos à Arena deverão ser estendidos a ele”. Participou também da
convenção do partido, que homologou a chapa por 201 votos contra 38 em branco e
quatro nulos. Assim, sem qualquer esperança de vitória, tanto que se intitulava
o “anticandidato”, Ulisses Guimarães utilizou a oportunidade para divulgar as
idéias da oposição e defender o retorno pleno ao regime democrático. No dia 15
de janeiro de 1974, o Colégio Eleitoral se reuniu, elegendo o general Ernesto
Geisel presidente da República por quatrocentos votos, enquanto o candidato
oposicionista recebeu apenas 67.
No
início de março de 1974, Amaral Peixoto foi escolhido por unanimidade líder do
MDB no Senado, derrotando o senador Franco Montoro, que desde o ano anterior
havia-se candidatado ao cargo. Ao aceitar essa representação, para a qual já
havia sido por diversas vezes convidado, interrompeu o longo período de
discrição política em que se havia encerrado, talvez entusiasmado com o anúncio
da política de dissensão de Geisel. Afastou-se então da presidência da Comissão
de Serviço Público e convidou para a vice-liderança os senadores Nélson
Carneiro — seu antecessor na liderança do partido — e Danton Jobim.
Fusão: o novo MDB e o choque com o chaguismo
Com
a abertura dos debates em torno da fusão dos estados do Rio de Janeiro e da
Guanabara, iniciaram-se também os conflitos entre os diretórios carioca e
fluminense do MDB pelo controle político da estrutura partidária que então se
constituiria. Em março de 1974, quando a ponte Rio-Niterói foi inaugurada
ligando os dois estados, Amaral Peixoto relembrou as dificuldades inerentes ao
processo de fusão, opondo-se radicalmente à rapidez com que o governo federal se
propunha a executá-la. No mês seguinte, contudo, já admitindo a inexorabilidade
da medida, insistia apenas que ela se processasse de maneira a prejudicar o
mínimo possível o estado do Rio.
Em 3 de junho de 1974, Geisel enviou o projeto de fusão ao
Congresso, solicitando sua apreciação em regime de urgência. No entanto, embora
tenha tramitado durante 45 dias nas comissões e no plenário em meio a intensos
debates, a passagem do projeto no parlamento limitou-se a mera formalidade, já
que a proposta era uma questão fechada pelo governo federal. O projeto foi
transformado em lei, determinando em seu artigo 29 a competência das direções nacionais da Arena e do MDB para formarem seus diretórios partidários
únicos, representativos do novo estado.
Nas
eleições de novembro de 1974 o MDB obteve expressiva votação, em grande parte
concentrada nos candidatos ao Senado, surpreendendo seus próprios
correligionários. No estado do Rio essa vitória se concretizou na eleição de
Roberto Saturnino Braga para senador.
Ignorando o artigo 29 da Lei da Fusão, o MDB carioca, sob a
liderança do governador Antônio de Pádua Chagas Freitas, instituiu em dezembro
uma subcomissão encarregada de constituir o diretório oposicionista único,
presidida pelo senador Danton Jobim e formada por quatro deputados federais,
todos integrantes da corrente chaguista. Essa iniciativa provocou imediato
protesto do senador Amaral Peixoto, que denunciou à direção nacional do MDB a
tentativa de marginalizá-lo no processo de fusão dos diretórios estaduais.
O
conflito entre Amaral Peixoto e Chagas Freitas — detentor do controle total dos
25 diretórios zonais do partido oposicionista na antiga Guanabara —
formalizou-se no início de fevereiro de 1975, quando o senador fluminense
obteve o domínio da comissão executiva provisória encarregada de orientar os
trabalhos de unificação até a eleição do novo diretório único do MDB no novo
estado, prevista para agosto. Contando com o apoio da direção nacional, além de
ter sido designado presidente da comissão, Amaral Peixoto indicou seis nomes de
sua confiança, enquanto a Chagas couberam apenas duas indicações. A formação
dessa comissão provisória provocou vários atritos entre as duas correntes,
causando o pedido de demissão de três de seus oito integrantes efetivos: Flávio
Pareto — presidente do diretório carioca —, Ecil Batista — presidente do
diretório fluminense — e Danton Jobim, senador. No estado do Rio, os deputados
Ário Teodoro, federal, e Cláudio Moacir, estadual, procuraram desenvolver um
movimento de rebeldia à liderança de Amaral Peixoto.
Em 8 de maio, Chagas Freiras, que deixara o governo da
Guanabara em março, apresentou seu pedido de desligamento do MDB, alegando o
clima desfavorável que se criara no interior do partido. Em telegrama ao
deputado Tancredo Neves, vice-presidente nacional do MDB, agradeceu a tentativa
frustrada de encaminhar sua conciliação com Amaral Peixoto, o qual se
estabeleceria a partir de então como chefe partidário do novo estado. A
corrente chaguista continuou entretanto incorporada ao partido.
No final de agosto, foi realizada a primeira convenção
regional do MDB do novo estado do Rio Janeiro que decidiria afinal a luta de
cinco meses pelo controle partidário. A vitória do grupo amaralista por 121
votos contra 81 não foi acatada pelos convencionais partidários de Chagas
Freitas, que contestaram o expediente adotado por Amaral Peixoto de só permitir
a votação dos que estivessem em dia com a contribuição partidária: desse modo
Amaral conseguira anular a desvantagem que se apresentara no início do
encontro, quando sua corrente contava com apenas 250 votantes contra os 610
chaguistas.
Este
artifício levou os chaguistas a entrarem com um recurso junto ao Tribunal
Regional Eleitoral (TRE), sob a alegação de falta de quorum: apenas 181
dos 860 convencionais haviam participado da votação, que fora encerrada,
segundo eles, antes das 17 horas, contrariando o Código Eleitoral. Decidida a
anulação, os 72 delegados do Rio de Janeiro ficaram impedidos de participar da
convenção nacional do partido, realizada em setembro.
Em
18 de janeiro de 1976 foi realizada nova convenção do MDB fluminense e, mais
uma vez, nenhuma das correntes obteve a hegemonia partidária. A chapa
chaguista, encabeçada pelos deputados Ário Teodoro e Erasmo Martins Pedro,
recebeu 433 votos contra os 415 dados aos amaralistas, garantindo 23
representantes no diretório fluminense, ou seja, a metade e mais um de seus
membros. A precariedade desta vitória tornou-se evidente quatro dias mais
tarde, quando os delegados se reuniram para escolher a comissão executiva do
partido e a votação acabou empatada.
Em junho, após quase 16 meses de disputa pelo controle do MDB
fluminense, surgiram os primeiros indícios de reaproximação entre as duas
correntes. Em seguida a uma série de discretos encontros entre parlamentares
dos dois grupos, o senador Amaral Peixoto e o deputado Erasmo Martins Pedro
reuniram-se afinal, na convenção municipal do partido em Araruama, conseguindo
estabelecer um protocolo eleitoral para que o MDB do Rio disputasse unido as
eleições municipais de novembro de 1976. Esse documento oficializou ainda a
vitória, até então contestada, dos representantes chaguistas na comissão
executiva estadual do partido, os quais, em contrapartida, se comprometeram a
endossar o definitivo alijamento partidário de Chagas. O protocolo estabeleceu
também que 21 das 63 vagas de candidatos à Câmara de Vereadores do Rio de
Janeiro seriam reservadas aos amaralistas, e esses, por seu lado, franqueariam
aos novos aliados as sublegendas em vários municípios do interior do estado.
Visando atender aos interesses da Arena de enfrentar a
oposição nas eleições para a câmara Federal e para a renovação de 2/3 do
Senado, marcadas para novembro de 1978, em abril de 1977 o governo baixou um
conjunto de medidas — que se tornaram conhecidas como “pacote de abril” —
estabelecendo limites para o processo eleitoral. Consumado o ato presidencial,
Amaral Peixoto anunciou sua disposição de abandonar a vida pública em 1979,
quando terminaria seu mandato parlamentar. Sua decisão foi motivada não apenas
por uma contingência da idade, mas principalmente pelo desânimo provocado pela
situação geral do país e a apreensão gerada pelas reformas. Nessa ocasião,
declarou à imprensa que o “pacote de reformas” servia para exemplificar a
situação em que se encontrava o mundo político, alijado das grandes decisões
nacionais. Encarando a reforma do Judiciário como um retrocesso, afirmou que o
Executivo se aproveitara do fato de o Congresso não ter aprovado o projeto
inicial — no seu entender, um projeto falho, motivo pelo qual o MDB decidiu não
dar quorum à sessão em que seria votado — para implantar uma série de
modificações. A aprovação desse “pacote” encaminharia a vida política
brasileira inevitavelmente a um impasse, cuja única saída seria a convocação de
uma assembléia nacional constituinte. Considerou ainda que o MDB não daria seu
apoio à transformação do Congresso em constituinte, já que seus parlamentares
não haviam sido eleitos com esse objetivo. “Uma constituinte deve ser convocada
para esse fim específico — fazer uma constituição.”
Em
maio, respondendo à pergunta de um jornalista sobre uma possível aproximação do
MDB com os setores militares, afirmou: “Nosso programa é conhecido, e por sinal
coincide com muita coisa da revolução de 1964, que é a manutenção da
democracia... O que é que propomos hoje, qual a razão de nossa luta? O regime
democrático. Então, não existe nenhuma incompatibilidade entre o MDB e as
forças armadas.”
No início de julho de 1977, Amaral Peixoto reassumiu a
liderança de seu grupo, exercida desde que anunciara sua intenção de abandonar
a política, ora por seu genro e prefeito de Niterói, Wellington Moreira Franco,
ora pelo senador Roberto Saturnino Braga. Seu objetivo era garantir uma
política de composição com Chagas Freitas, exigida pela nova conjuntura e
resultante de um trabalho de mediação desenvolvido pelo deputado Tancredo Neves
ao longo dos dois anos e meio de disputa. A partir de abril, juntaram-se às negociações
o prefeito Moreira Franco e o deputado federal chaguista Miro Teixeira.
O
acordo anunciando a pacificação do MDB fluminense foi firmado em 7 de julho
através de um documento, cujo texto determinou a adoção das “decisões políticas
estaduais... de comum acordo entre os dois grupos,... observados os preceitos
programáticos e buscando sempre corresponder à confiança dos quadros e do
eleitorado”. Não mencionava contudo nomes ou critérios que deveriam orientar a
escolha dos candidatos do partido ao governo estadual em 1978, à prefeitura do
Rio e às duas vagas para o Senado, uma delas por via indireta. Segundo o Jornal
do Brasil, “o desejo de ambos” (Chagas Freitas e Amaral Peixoto) “era dar a
cadeira de governador e de senador a seus herdeiros políticos, deputado Miro
Teixeira e prefeito Wellington Moreira Franco. Como eles têm hoje (1978) menos
de 35 anos, a única saída será a reconquista dos postos, para transferi-los a
seus aliados em 1982”.
Em
abril de 1978, ganharam impulso as articulações visando a definição do
candidato emedebista ao governo do estado. Decidido a apoiar a candidatura de
Chagas Freiras, Amaral Peixoto se opôs aos deputados que defendiam a
não-participação do MDB no pleito indireto, como forma de protesto ao “pacote
de abril”. Segundo o senador, este protesto se mostrava extemporâneo, já que
deveria ter sido apresentado na época em que o “pacote” foi baixado e ao lado
do pedido de extinção do partido.
A
idéia de formação de uma Frente Nacional pela Redemocratização, visando o
lançamento de uma candidatura militar oposicionista, ganhou impulso no interior
do MDB a partir de maio. Amaral Peixoto, entretanto, mostrou-se avesso ao
engajamento do partido nesta frente, contestando a validade da participação no
processo de eleição indireta à presidência da República. Já nesse momento a
maioria emedebista se inclinava pelo nome do general Euler Bentes Monteiro,
afinal escolhido para compor a chapa, ao lado do senador Paulo Brossard. Amaral
defendia em contrapartida a indicação do presidente do partido, deputado
Ulisses Guimarães, na base do voto simbólico.
Obtendo 372 votos contra 271 abstenções, 38 votos em branco e
cinco anulados, em 31 de junho de 1978, Amaral Peixoto foi escolhido candidato
do MDB à vaga de senador indireto do Rio de Janeiro. Ao final da convenção, o
político fluminense afirmou que aceitar a indicação representara “o maior ato
de coragem de sua vida pública”, mas que recusaria o mandato indireto caso o
partido fosse derrotado nas eleições de novembro de 1978. Embora se houvesse
manifestado desde o início contra a instituição do “senador biônico” e disposto
inclusive a se afastar da política ao término do mandato, Amaral Peixoto
considerou-se obrigado a aceitá-la por força da pressão de seus correligionários
e do pedido de Nélson Carneiro para que deixasse para ele o cargo de senador
direto, temeroso de que seu nome não fosse sufragado na convenção.
No início de agosto foi inaugurada uma nova crise no MDB do
estado do Rio com a constatação de que nas chapas registradas pela comissão
executiva do partido não constava o mínimo de 14 candidatos amaralistas, cuja
indicação era garantida pelo acordo que previa 43% das vagas disponíveis na
chapa para essa corrente. A comissão executiva regional do partido responsabilizou
Amaral Peixoto pelo fato, alegando que ele não apresentara a assinatura de 10%
dos convencionais que se responsabilizariam por aquelas indicações dentro do
prazo legal. Amaral Peixoto, no entanto, afirmou que nenhuma objeção fora feita
pela executiva no momento da apresentação de sua lista e que o veto a seus
candidatos se devia ao fato de que cada um deles concorreria em áreas de
possíveis candidatos da própria comissão executiva.
Ao longo desse mandato, Amaral Peixoto foi ainda presidente
da Comissão de Finanças, membro das comissões de Agricultura, de Economia e de
Segurança Nacional e suplente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Em
1º de setembro de 1978 foi eleito senador indireto pelo estado do Rio de
Janeiro. Como o estado do Rio era o único de maioria oposicionista no Colégio
Eleitoral, tornou-se o único emedebista “biônico” do país.
No
início de outubro a comissão executiva do MDB fluminense divulgou uma nota
considerando extinto o acordo entre a corrente de Chagas Freitas e a de Amaral
Peixoto. O senador recusou-se, entretanto, a aceitar tal ruptura, afirmando que
“o acordo não foi feito com a comissão executiva, e sim com o sr. Chagas
Freitas”. Denunciou ainda o presidente do diretório oposicionista Erasmo
Martins Pedro como principal responsável pela nova crise partidária.
No governo Figueiredo
Em fins de agosto de 1979, o presidente da República João
Figueiredo divulgou o projeto de anistia, aprovado afinal no dia 28 pelo
Congresso. No mês seguinte, dando prosseguimento ao programa da chamada
“abertura” política, o Executivo elaborou o projeto de reforma partidária que,
entre outras medidas, extinguia os partidos políticos então existentes. Diante
das dificuldades criadas na ocasião pela corrente do ex-governador Chagas Freitas
para aderir ao novo partido do governo, a facção do MDB fluminense liderada
pelos senadores Amaral Peixoto, Saturnino Braga e Nélson Carneiro foi também
sondada nesse sentido por emissários do palácio do Planalto. Os entendimentos
se estenderam de setembro a novembro.
Em 29 de novembro de 1979, o Congresso aprovou o projeto de
lei de reforma partidária que extinguiu o bipartidarismo. Logo em seguida Amaral Peixoto comunicou oficialmente à cúpula do MDB, interessada em mantê-lo no
novo partido de oposição, o estágio das negociações que vinha desenvolvendo
visando seu ingresso no partido do governo. Após uma série de encontros com o
ministro Golberi do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência da
República, na primeira quinzena de dezembro entregou uma carta ao ministro da
Justiça, Petrônio Portela, estabelecendo algumas condições para sua integração
ao futuro partido governista, entre as quais, liberdade para votar a favor da
emenda do deputado Edson Lobão, restabelecendo as eleições diretas para
governador, e para, no curso da futura sessão legislativa, apoiar qualquer
iniciativa visando acabar com os senadores indiretos, apesar de ser um deles.
Impôs ainda o direito de lutar contra qualquer iniciativa oficial destinada a
prorrogar os mandatos de prefeitos e vereadores.
Em 19 de dezembro de 1979, Amaral Peixoto aceitou
oficialmente o convite do presidente Figueiredo para ser um dos fundadores do
Partido Democrático Social (PDS), de apoio ao governo. Em declaração prestada à
imprensa três dias depois, afirmou que se desligara da obrigação de permanecer
no MDB após ter sido surpreendido com o lançamento do partido que o sucederia —
o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) —, justamente no momento
em que a proposta de fusão com o partido trabalhista de Leonel Brizola estava
sendo estudada. Por outro lado, viu-se impossibilitado de ingressar no Partido
Popular (PP), na medida em que Chagas Freitas já o havia feito.
No início de 1980 Amaral Peixoto se filiou ao PDS e, em março
foi eleito presidente da comissão executiva regional provisória, o que lhe
garantiu o papel de principal organizador do partido no estado do Rio. Em maio,
entretanto, foi obrigado a licenciar-se por quarto meses para se submeter a uma
intervenção cirúrgica. Ao retomar suas funções em outubro, encontrou o PDS
fluminense dividido em várias facções, já que a proximidade da eleição do
primeiro diretório acirrara os atritos entre a corrente amaralista e o comando
paralelo exercido pelo médico Guilherme Romano, com o aval do ministro Golberi.
As divergências foram eliminadas afinal através da intervenção da direção
nacional do partido. A saída de Golberi do Gabinete Civil em agosto de 1981 debilitou
a atuação de Guilherme Romano e Amaral Peixoto recuperou sua hegemonia na seção
estadual do PDS.
A sucessão presidencial e a crise no PDS
Três
anos depois, Amaral estaria no centro de um nova crise vivida por seu partido,
desencadeada pela escolha do candidato governista à sucessão de Figueiredo. No
início de 1984, pleiteavam a indicação no PDS, entre outros, o deputado federal
Paulo Maluf, o ministro do Interior, Mário Andreazza, o vice-presidente
Aureliano Chaves e o senador Marco Maciel. Na época, o partido e o governo
enfrentavam ainda a campanha da oposição pelo restabelecimento das eleições
diretas para presidente. Votada pela Câmara em 25 de abril de 1984, a proposta, no entanto, seria rejeitada pela maioria dos deputados, faltando apenas 22 votos
para que a emenda Dante de Oliveira — nome como ficou conhecido o projeto —
pudesse ser enviada ao Senado.
Com a derrota das diretas e a confirmação do Colégio
Eleitoral de janeiro de 1985, o quadro sucessório foi se definindo e a crise
entre os governistas se agravando. Em junho de 1984, o presidente nacional do
PDS, José Sarney, derrotado em suas pretensões de realizar uma prévia entre os
candidatos do partido, renunciou ao cargo durante uma reunião da executiva
nacional em que foi duramente hostilizado pelos partidários de Maluf. Dez dias
depois, seu substituto, o vice Jorge Bornhausen, repetiu o mesmo gesto e também
entregou o cargo. Como segundo-vice-presidente do partido, coube então a Amaral
Peixoto assumir o comando do PDS.
Logo
depois de tomar posse, Amaral acusou Figueiredo de omissão no processo de
escolha do candidato governista, responsabilizando-o “em parte” pelos problemas
enfrentados pelo PDS. Sua rejeição maior, no entanto, recaiu sobre Sarney a
quem não perdoava a renúncia e a quem acusava de “imobilismo” durante o período
em que aquele estivera à frente do partido. Contrário à solução da prévia,
defendeu a retirada de todas as pré-candidaturas como medida para unir o
partido. Mais tarde, quando restavam apenas as candidaturas de Maluf e
Andreazza — e quando uma boa parte do partido, liderada por Maciel e Aureliano,
havia já se organizado sob uma dissidência, batizada de Frente Liberal —,
Amaral defendeu, sem êxito, o lançamento de um terceiro nome, tendo sugerido,
dentre outros, o do então ministro da Previdência Social, Jarbas Passarinho.
Sem uma candidatura de consenso, o PDS realizou sua convenção
em agosto de 1984, ocasião em que Paulo Maluf derrotou Andreazza e conquistou a indicação do partido. No mesmo período, a oposição reunida na Aliança
Democrática — coligação do PMDB com a Frente Liberal — confirmou a candidatura
do ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves, tendo José Sarney como vice.
Amigo de Tancredo havia muitos anos, porém dizendo-se “um
homem de partido”, Amaral Peixoto absteve-se de votar no Colégio Eleitoral de
15 de janeiro de 1985 que elegeu o ex-governador mineiro à presidência da
República. alcançando uma
expressiva vantagem sobre Maluf, Tancredo não chegaria contudo a assumir o
cargo. Na véspera de sua posse, marcada para o dia 15 de março, foi internado
às pressas em Brasília, com uma grave doença intestinal. A presidência passou
então a ser exercida interinamente por José Sarney, que seria efetivado no
cargo após a morte de Tancredo no dia 21 de abril.
No final de janeiro, dias depois do Colégio Eleitoral, Amaral
Peixoto reassumiu a presidência do PDS. A essa altura, as disputas no partido
se haviam deslocado para o controle da máquina partidária. Consolidaram-se
então basicamente dois grupos: a maioria, liderada por Maluf e adepta de uma
oposição radical ao governo; e uma dissidência, capitaneada pelo novo ministro
das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães. Incumbido de conciliar as duas alas
pela executiva nacional do PDS, Amaral iniciou então um longo e conturbado
processo de negociações, visando a formação de uma chapa única para a convenção
nacional de setembro de 1985. No final de agosto, após tentar unir, sem
sucesso, malufistas e dissidentes, Amaral Peixoto deixou definitivamente a
presidência do PDS. Contudo, suas articulações, se não tiveram a capacidade de
unir o partido na prática, ao menos levaram à formalização de um acordo que
acabou por reconduzi-lo à presidência da agremiação. A chapa inscrita na última
hora para a convenção do dia 15 de setembro elegeu ainda Jarbas Passarinho para
a vice-presidência e o senador Virgílio Távora para a secretaria geral. Na
ocasião, o partido tirou uma linha de oposição moderada ao governo, posição endossada
por Amaral Peixoto.
O esfacelamento do partido iniciado no curso da sucessão de
Figueiredo, e evidenciado pelo esvaziamento da própria convenção de setembro,
iria refletir-se de maneira mais contundente ainda nas eleições de novembro de
1985, quando o PDS foi derrotado nas principais capitais do país. Um exemplo
disso, foi a recusa de Amaral Peixoto em participar do programa do partido na
televisão por causa do tom “pessoal” dado à campanha pelo candidato Heitor
Furtado. Após o pleito, vencido pelo candidato do Partido Democrático
Trabalhista (PDT), Saturnino Braga, a crise do PDS fluminense seria agravada
com a transferência de vários deputados e vereadores para outras agremiações,
processo também verificado em outros estados.
Nas eleições de novembro de 1986, quando foram eleitos os
novos governadores e os membros da Assembléia Nacional Constituinte (ANC), o
desempenho do PDS foi ainda pior. O PMDB deixou de fazer apenas um governador e
conquistou a maioria absoluta das cadeiras da Constituinte. Durante a campanha
para o governo fluminense, Amaral ameaçou renunciar à presidência do partido,
caso a Executiva do PDS o impedisse de apoiar a candidatura de Wellington
Moreira Franco, então seu genro, contra o candidato pedessista Agnaldo Timóteo.
Como Timóteo não chegasse a participar do pleito, o conflito anunciado não
chegou a se consumar, vindo o PDS a integrar a coligação vitoriosa liderada
pelo PMDB e encabeçada por Moreira.
A despedida
Logo após o pleito de novembro de 1986, do qual não
participou como candidato, Amaral Peixoto entregou o cargo de presidente do PDS
a Jarbas Passarinho. Ainda que formalmente continuasse à frente do cargo,
começava a se despedir da vida pública. O próximo passo seria o fim do mandato
de senador, encerrado em janeiro do ano seguinte.
Mesmo afastado do parlamento e das articulações de âmbito
nacional, participou da tentativa de restruturação do PDS no interior
fluminense. Procurado com freqüência pela imprensa para manifestar-se sobre os
problemas do país, defendeu a adoção do parlamentarismo pela Constituinte e foi
contrário à proposta de realização das diretas em 1988 feita pela oposição.
Crítico da reforma partidária aprovada pelo Congresso, “por permitir a criação
de um número excessivo de partidos”, também se opôs à proposta de submeter as
deliberações dos constituintes a um plebiscito. Denunciou ainda o desperdício
de dinheiro público e o “empreguismo” do governo Sarney e alertou sobre a
necessidade de uma reforma tributária para promover a descentralização dos
recursos.
Em
seus últimos depoimentos falava freqüentemente da falta de novos líderes e da
baixa qualidade da classe política. Em relação ao pleito presidencial de 1989 —
o primeiro pela via direta desde a eleição de Jânio em 1960 —, manifestou-se
com temor sobre uma eventual polarização da disputa entre os candidatos de
esquerda e o perigo de “surgimento de um novo messias”. Disse ainda temer a
reação dos militares a um possível governo esquerdista.
Operado de uma doença no cólon em outubro de 1988, Amaral
Peixoto veio a falecer no Rio de Janeiro, no dia 12 de março de 1989.
Sua filha Celina do Amaral Peixoto Moreira Franco, chefe do
Cpdoc da FGV desde sua criação em 1973 até 1990, foi diretora do Arquivo
Nacional de 1980 a 1990, e superintendente e depois diretora-geral da FGV de 1990 a 1997. Seu ex-genro, Moreira Franco, foi deputado federal pelo MDB do estado do Rio de 1975 a 1977, prefeito de Niterói de 1977 a 1982, candidato ao governo do estado do Rio na legenda do
PDS em novembro de 1982, quando foi derrotado por Leonel Brizola, do Partido
Democrático Trabalhista (PDT), governador do estado do Rio pelo PMDB entre 1987
e 1991 e novamente deputado federal pelo PMDB fluminense entre 1995 e 1999.
Amaral
Peixoto cedeu seu arquivo pessoal, bem como o do PSD fluminense, ao Cpdoc. Além
dos trabalhos desenvolvidos durante sua gestão no Ministério da Viação e Obras
Públicas e no Ministério Extraordinário para a Reforma Administrativa, foram
publicadas diversas mensagens que enviou à Assembléia Legislativa. Sobre sua
primeira gestão à frente do governo fluminense, Heitor Gurgel publicou O governo
Amaral Peixoto 1937-1945; subsídios para a história político-administrativa
do estado do Rio (1950). Em 1986, com uma série de depoimentos seus ao
Cpdoc, foi publicado o livro Artes da política — diálogo com Amaral Peixoto,
de autoria de Aspásia Camargo.
Regina
da Luz Moreira/Luís Otávio de Sousa
FONTES: ARQ. CLUBE
3 DE OUTUBRO; ARQ. ERNÂNI AMARAL PEIXOTO; ARQ. GETÚLIO VARGAS; ARQ. PSD EST.
RJ; BALDESSARINI, H. Crônica; BANDEIRA, L. Presença; BENEVIDES,
M. Governo Kubitschek; CABRAL, C. Tempos; CAFÉ
FILHO, J. Sindicato; CÂM. DEP. Anais (1961 e 1962); CÂM.
DEP. Deputados; CÂM. DEP. Relação dos dep.; CAMARGO,
A. Artes da política; CARNEIRO, G. História; CARONE,
E. Estado; CARONE, E. Terceira; CASTELO BRANCO, C.
Introdução; CHAGAS, P. Esse; CORRESP. GOV. EST. RJ; CORTÉS,
C. Homens; COSTA, M. Cronologia; COUTINHO, A. Brasil;
Cruzeiro (13/6/59); Diário do Congresso Nacional; DULLES, J. Getúlio;
Encic. Mirador; ENTREV. BIOG.; Estado de S. Paulo (30/4/78,
19 e 25/7/85, 22/10/86); FICHÁRIO PESQ. M. AMORIM; Folha de S. Paulo (23/6/84
e 17/8/86); FRANCO, A. Escalada; GALVÃO, F. Fechamento;
Gazeta de Notícias (24/10/85); Globo (16/9/76, 22/3/80, 14 e
24/7, 16/9, 22 e 30/11/85, 24/8, 29/10 e 27/11/86, 16/5, 22/8 e 4/10/88, 13 e
14/3/89); Grande encic. Delta; Grande encic. portuguesa;
GURGEL, H. Governo; HIPÓLITO, L. Campanha; HIRSCHOWICZ,
E. Contemporâneos; História; INST. ESTUDOS BRAS.; IstoÉ
(18/5/77); Jornal do Brasil (13/10/66, 2/3, 4 e 25/8/74, 21/8/75, 19/1 e
19/7/76, 16/4, 2/7, 21/10, 9/11 e 24/12/77, 15, 28 e 29/4, 23/5, 11 e 16/6, 1,
5, 6, 10, 13 e 22/8/78, 1, 22/9, 3 e 6/10, 11, 14, 20, 22 e 23/12/79, 26/1,
1/5, 2, 14 e 21/10 e 12/11/80, 25 e 28/7, 19 e 28/8/85, 31/1 e 13/9/87, 13 e
14/3/89); Jornal do Comércio (25/1/63); KRIEGER, D. Desde;
KUBITSCHEK, J. Meu (2 e 3); LACOMBE, L. Chefes; LEITE,
A. Páginas; MACHADO, F. Últimos; Manchete (19/12/64);
MIN. GUERRA. Almanaque; MIN. GUERRA. Subsídios; MIN.
MAR. Almanaque; MIN. REL. EXT. Anuário; NÉRI, S. 16;
Novo dic. de história; OLIVEIRA, L. Partidos; PEDREIRA,
F. Março; PEIXOTO, A. Getúlio; Perfil (1980);
POPPINO, R. Federal; SENADO. Dados; SENADO.
Dados biográficos; SENADO. Endereços; SENADO.
Relação; SENADO. Relação dos líderes; SILVA, G. Constituinte;
SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; SILVA, H. 1938;
SILVA, H. 1945; SILVA, H. 1954; SILVA, H. 1964,
SILVA JÚNIOR, J. Galeria; SKIDMORE, T. Brasil; TRIB.
SUP. ELEIT. Dados; VALADARES, B. Tempos; VIANA
FILHO, L. Governo; VÍTOR, M. Cinco; Who’s who in
Brazil.