SILVA,
Herculano de Carvalho e
*militar; rev. 1932; gov. mil. SP 1932.
Herculano de Carvalho e Silva nasceu em Sapucaia (RJ) no dia 31 de outubro de 1892, filho
de Alfredo Gualberto da Silva.
Assentou praça na Força Pública de São Paulo em 1909, passou
ao posto de furriel em 1910 e, no mesmo ano, foi promovido a segundo-sargento.
Em março de 1911 foi classificado como amanuense, passando a trabalhar na Casa
da Ordem. Diplomou-se no curso geral em dezembro de 1911 e, em janeiro de 1913,
foi promovido por mérito a alferes, sendo classificado como arquivista do
estado-maior da Força Pública de São Paulo. Em dezembro de 1913, concluiu o
curso literário e científico.
Em
março de 1914, passou a exercer interinamente as funções de ajudante-de-ordens
do comando geral da Força Pública. Promovido ao posto de primeiro-tenente
(então apenas tenente) em 1916, foi em seguida efetivado como
ajudante-de-ordens do comando geral.
Nomeado em 1917 ajudante-de-ordens de Altino Arantes,
presidente do estado de São Paulo, em 1919 foi promovido a capitão, ingressando
no curso especial militar.
Segundo Alceu Maynard de Araújo, “graças à sua cultura,
conhecimento de línguas estrangeiras e compostura”, foi designado muitas vezes
entre 1920 e 1931 para acompanhar autoridades federais ou estrangeiras em
visita a São Paulo.
Em julho de 1922, por ordem do comandante da 2ª Região
Militar, general Abílio de Noronha, seguiu até as divisas com Mato Grosso, à
disposição do coronel do Exército Tertuliano de Albuquerque Potiguara, para
sufocar o movimento rebelde, chefiado pelo general Clodoaldo da Fonseca e
irrompido simultaneamente ao movimento tenentista que eclodiu no Rio de Janeiro
em 5 de julho.
Durante a insurreição chefiada por Isidoro Dias Lopes em
1924, atuou na defesa do palácio dos Campos Elísios, marchando em seguida para
o interior de São Paulo no combate aos revolucionários, que por sua vez
passaram a se movimentar intensamente. Participou assim de operações no Paraná,
comandando um batalhão em Ponta Grossa e em seguida, sob as ordens do coronel
Pires Almada, tomando a cidade de Porto.
Em novembro de 1924, foi promovido a major e classificado
como secretário do estado-maior da Força Pública do estado de São Paulo. Em
setembro de 1926, seguiu com um batalhão para Goiás no encalço dos
remanescentes da Revolução de 1924 que, com revolucionários gaúchos, haviam
constituído a Coluna Prestes. De Goiás passou para Mato Grosso em perseguição à
coluna e, depois que esta atravessou a fronteira e buscou refúgio na Bolívia,
foi citado em boletim pelo general Álvaro Guilherme Mariante, comandante das
forças legalistas.
Promovido a tenente-coronel em 1927, Herculano de Carvalho e
Silva assumiu o cargo de diretor da Caixa Beneficente da Força Pública em 1928.
Após a Revolução de 1930, foi nomeado pelo interventor paulista, o capitão João
Alberto Lins de Barros, interventor no município de Presidente Venceslau.
Na Revolução Constitucionalista
Teve
importante participação na Revolução Constitucionalista de 1952, sobre a qual
publicou o livro A Revolução Constitucionalista; subsídios para sua história
(1932). Nele, narrou as condições militares do movimento, procurando explicar
sua intervenção nos acontecimentos.
Segundo seu relato, os comandantes das unidades da Força
Pública se reuniram no dia 7 de julho de 1932 no gabinete do coronel Júlio
Marcondes Salgado, comandante da corporação, quando “por ele, fomos
oficialmente inteirados do movimento constitucionalista a irromper no dia
seguinte. Dos seus lábios ouvi que a Força Pública de São Paulo se limitava a
manter a ordem, de prontidão nos quartéis e obediente ao governo do estado. Às
unidades do Exército aquarteladas no estado é que competia a ação...”.
Entretanto, dois dias depois, a Força Pública recebeu ordens
para deixar os quartéis e concentrar-se em Moji das Cruzes (SP), a fim de
seguir viagem para enfrentar o adversário. Essa mudança nos planos anunciados
causou protestos de diversos membros da força. O próprio tenente-coronel
Herculano reconhece ter sido contrário ao movimento, não tendo participado de
sua articulação: “Muito embora fôssemos contrários ao movimento, cumprimos a
ordem recebida.”
A realidade desmentiu as expectativas que muitos tinham de
uma vitória fácil. Em face da resistência das tropas federais e da omissão de
gaúchos e mineiros, cuja adesão era esperada, o movimento transformou-se em uma
verdadeira guerra civil, longa e difícil.
Herculano
de Carvalho e Silva foi enviado para o Túnel da Mantiqueira, localidade
estratégica situada no norte de São Paulo, onde se desenrolaram sangrentos
combates. Promovido a coronel durante as operações, pouco depois, no dia 23 de
julho, assumiu o comando geral da Força Pública de São Paulo em substituição ao
coronel Marcondes Salgado, vítima de um acidente ocorrido enquanto
experimentava um morteiro fabricado em São Paulo para municiar as tropas
rebeldes. Assegurada a ocupação do túnel pelas forças paulistas, Herculano
retornou à capital do estado.
A vitória das forças legalistas foi-se evidenciando a partir
do mês de agosto, com o recuo progressivo das tropas paulistas em todas as
frentes. No dia 16 de setembro, em meio a uma situação militar crítica, o
coronel Herculano assumiu o comando do destacamento de Campinas, responsável
por uma das principais linhas de defesa das forças constitucionalistas. Logo,
porém, convenceu-se de que era vã a intenção de continuar o combate, dado o
avanço constante das forças legais e “o esgotamento e a indisposição para
prosseguir-se a luta” que constatava entre seus comandados.
Após
a queda de Carlos Gomes e Pupos, cidades próximas, agravou-se ainda mais a
situação de Campinas. Caso esta cidade fosse capturada, romper-se-ia a unidade
das forças paulistas e, com isso, ficaria praticamente definida a vitória dos
legalistas. Ante a iminência da queda de Campinas, o coronel Herculano
promoveu, no dia 27 de setembro, uma reunião da alta oficialidade da Força
Pública à qual compareceu também o tenente-coronel Alexandrino Gaia, das forças
constitucionalistas, como representante de vários comandantes militares.
Na
reunião, realizada no posto de comando de Campinas, discutiu-se a situação
militar e política do movimento, concluindo-se que estava configurada a derrota
militar de São Paulo. Em vista disso, os presentes delegaram ao coronel
Herculano poderes para entrar em entendimentos imediatos para a cessação dos
combates.
No
mesmo dia, após a reunião, o coronel Herculano e o tenente-coronel Gaia
seguiram ao encontro dos coronéis Euclides de Figueiredo, um dos comandantes
militares do movimento, e Palimércio de Resende, chefe do estado-maior do
coronel Euclides. Este discordou em princípio do que fora deliberado em
Campinas, pretendendo prosseguir na luta, e procurou convocar nova reunião, com
todos os chefes militares paulistas e com membros do governo do estado, para
discutir a situação.
No
dia seguinte (28/9/1932), o comandante-em-chefe das forças constitucionalistas,
general Bertoldo Klinger, comunicou aos comandantes das tropas paulistas estar
na iminência de pedir um armistício. Entretanto, o coronel Euclides procurou
Klinger, solicitando que não prosseguisse na negociação do armistício e que
impedisse o coronel Herculano de enviar representantes para negociar com o
adversário. Klinger concordou em sustar a divulgação de sua proposta de
armistício, mas só autorizou Euclides a dirigir-se a Herculano em seu próprio
nome. Em resposta a esse apelo, porém, o comandante da Força Pública respondeu
a Euclides que não havia possibilidade de suspender os entendimentos com as
forças governistas.
Inconformado,
Euclides procurou o chefe civil do movimento, o interventor Pedro de Toledo, e
juntos convocaram para o mesmo dia uma reunião no palácio do governo, em São
Paulo, com outros comandantes militares e alguns membros civis do governo
paulista. Convocado a participar, Klinger recusou-se, mantendo-se firme em sua
disposição de negociar o armistício. No encontro, em que se debateu a
possibilidade de prosseguir os combates, resolveu-se exonerar o coronel
Herculano do comando do setor de Campinas e também da Força Pública, nomeando
para substituí-lo nos dois postos o major Romão Gomes, pelo mesmo ato promovido
a tenente-coronel.
Entretanto, o grupo que decidiu tomar essas medidas já não
tinha mais controle sobre a situação do estado, e logo se viu superado pelos
acontecimentos. Na madrugada do dia 29, mesmo sem a autorização do governo
paulista, Klinger enviou rádio a Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório da
República, propondo o armistício.
Entretanto,
a proposta levada ainda no mesmo dia 29 pelo emissário de Klinger para a
primeira rodada das negociações com o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro,
representante do governo federal, não foi aceita. No dia seguinte, o emissário
de Klinger retornou com uma contraproposta de convenção militar, à qual Klinger
respondeu preparando outra proposta, a ser discutida em nova reunião com o
general Góis Monteiro, no dia 1º de outubro.
Na
noite de 30 de setembro, porém, sabendo das negociações que se tratavam, o
coronel Herculano solicitou a Klinger, pelo telefone, que fosse permitido à
Força Pública participar dos entendimentos para o armistício, o que foi
concedido.
De
todo modo, realizou-se em Cruzeiro (SP), quartel-general das forças legalistas,
no dia 1º de outubro, novo encontro com o general Góis Monteiro. Além dos dois
emissários de Klinger, compareceram dois enviados da Força Pública, os tenentes-coronéis
Otaviano Gonçalves da Silva e Euclides Machado. Entretanto, Góis Monteiro agiu
de modo a tratar em separado com os representantes das duas forças e,
reunindo-se inicialmente com os oficiais da Força Pública, obteve destes a
aceitação de seus termos ao cabo de alguma discussão, assinando-se em seguida
uma convenção de compromisso.
Nos
termos do acordo, a Força Pública comprometia-se a recuar para a capital do
estado com a missão de manter a ordem, passando a reconhecer unicamente a
autoridade do governo federal. Em contrapartida, este governo garantia aos
oficiais da força a manutenção de todas as vantagens e regalias correspondentes
aos postos que ocupavam antes do início dos combates, prometendo ainda libertar
todos os oficiais e soldados da corporação aprisionados ao longo da campanha.
No dia seguinte (2/10/1930), o alto comando da Força Pública
reuniu-se, em São Paulo, no gabinete do coronel Herculano, para apreciar o
comportamento dos emissários e os termos do acordo, que foram aprovados por
unanimidade. Entretanto, a iniciativa da Força Pública foi condenada tanto pelo
grupo de líderes do movimento ainda dispostos à luta quanto pelo próprio
general Klinger. Este, em suas Narrativas autobiográficas, qualificou o acordo
de “atentado à lealdade para com o governo paulista e o supremo comando das
forças constitucionalistas”.
Ainda
no dia 2, o comando das forças paulistas manifestou sua disposição de cessar
incondicionalmente a resistência armada, que se tornara impossível. O governo
paulista delegou ao coronel Herculano o encargo de consultar o general Góis
Monteiro sobre a situação em que ficaria a administração estadual. Em resposta,
o general Góis ordenou a deposição de Pedro de Toledo, instruindo o coronel
Herculano para que assumisse imediatamente o governo militar do estado de São
Paulo.
No brevíssimo período de seu governo, Herculano de Carvalho e
Silva precisou enfrentar não só o repúdio de boa parte da opinião paulista, que
lhe lançava acusações de traição e de ter aceito uma rendição vergonhosa,
humilhante, como também a resistência de alguns comandantes militares. O
coronel Euclides de Figueiredo chegou mesmo a organizar uma coluna com a qual
tentou atingir Mato Grosso e prosseguir na resistência.
Concertado
com o general Góis Monteiro, Herculano procurou unir líderes civis e militares
paulistas em torno de seu governo, apelando para a necessidade de manter a
ordem pública, segundo ele “seriamente ameaçada por um grande surto comunista e
conseqüente saque”. Enfrentou ainda a insubordinação de políticos e militares
que tentaram ocupar algumas repartições públicas, estações ferroviárias e o
campo de Marte, conseguindo frustrar essas tentativas mediante a ação conjunta
da Força Pública, da Polícia Civil e da Região Militar.
No dia 6 de outubro, o coronel Herculano transferiu o governo
de São Paulo para o general Valdomiro de Lima, que assim passou a acumular as
funções de governador de São Paulo e comandante da 2ª Região Militar. Após
deixar o governo, o coronel Herculano reincorporou-se à Força Pública,
solicitando sua reforma dias depois. Foi reformado em novembro.
No
dia 9 de outubro, publicou em O Estado de S. Paulo o manifesto “Razões de minha
atitude”, respondendo às acusações que lhe eram feitas. No documento, fazia um
longo relato das condições políticas e militares que determinaram a rendição de
São Paulo. Afirmava que o povo paulista sempre fora mal informado pela imprensa
e pelo rádio, que em seu triunfalismo esqueciam as vicissitudes da guerra e
fizeram com que, revelada enfim a realidade, o povo considerasse o
armistício como uma traição.
Em seguida, ainda no mês de novembro, publicou seu livro já
citado, A Revolução Constitucionalista, aprofundando a argumentação de seu
manifesto, fazendo uma apreciação minuciosa e documentada das ações militares
empreendidas e insistindo na defesa de sua atitude: “O primeiro apontado como
traidor foi o general Klinger, por deliberadamente ter tomado a iniciativa do
armistício. Todavia, como nos coube consumá-lo, de sua cabeça foram desviados
os apodos, as injúrias, os boldões e fomos apontados ao comentário público como
traidor...”
Após sua reforma da Força Pública de São Paulo, o coronel
Herculano de Carvalho e Silva retirou-se da vida pública. Em 1958, porém, foi
condecorado pelo então governador de São Paulo Jânio Quadros.
Faleceu no Rio de Janeiro, em 11 de março de 1963.
Jorge Miguel Mayer
FONTES: ARAÚJO, A.
Chefes; Encic. Mirador; FIGUEIREDO, E. Contribuição; KLINGER, B. Narrativas
(7); MALVASIO, L. História; POLÍCIA MILITAR EST. SP; SILVA, H. 1932; SILVA, H.
Revolução.