CAFÉ
Considera-se que a Coffea arabica,
espécie mais conhecida de café, seja nativa da Etiópia, de onde foi para a
Arábia, e daí para outras regiões. No século XVII, a Arábia era o único país
que produzia café para exportação.
O seu uso propagou-se pelo Egito, Síria,
Turquia e Oriente Próximo, admitindo-se que os árabes tenham começado a tomar
café já no século XV. No Ocidente, as primeiras notícias do uso de café
ocorreram em Veneza, nos fins do século XVI. No início do século XVII, navios
da Companhia das Índias Orientais já faziam grandes transportes de café entre
países muçulmanos do Oriente. Em Amsterdã, em 1637, bebia-se café
habitualmente, cabendo aos holandeses um importante papel na sua propagação,
como bebida, na Europa setentrional e central.
Na França, o cafeeiro foi introduzido por
Thévenot em 1657, tornando-se logo um hábito na corte de Luís XIV. Em seguida
apareceu em Londres a primeira casa de café. Berlim teve seu primeiro café
público em 1752, embora se admita que Hamburgo lhe precedesse. Os holandeses,
em fins do século XVII, levaram mudas de cafeeiros para a Malásia. Em Java,
cujo solo e clima são tidos como os mais apropriados, o primeiro pé de café foi
plantado em 1696, daí passando para Sumatra, Celebes e Timor. Dessas ilhas, em
1706, foram remetidas mudas de cafeeiros para o Jardim Botânico de Amsterdã,
dos quais se originaram os primeiros cafezais do Novo Mundo.
Ao que tudo indica, a primeira região onde
se plantou café na América do Sul foi o Suriname, sob domínio holandês, no
início do século XVIII. Nos primeiros 30 anos desse século, foram enviadas do
Jardin des Plantes de Paris mudas de cafeeiros para a Martinica, cujas
plantações se disseminaram pelas Antilhas e América do Sul. Diz-se, ainda, que
os primeiros cafeeiros da Guatemala datam de 1750-1760 e os do México de 1790.
O café no Brasil
A versão mais conhecida e aceita sobre a
introdução do café no Brasil é a atribuída a Francisco de Melo Palheta
(l670-?), que em 1727 trouxe mudas e sementes da Guiana Francesa, plantando-as
em Belém do Pará. Entretanto, existem informações da existência do café no
Maranhão antes dessa data.
O cafeeiro não se fixou na região amazônica
por falta de boas condições naturais, não tendo alcançado ali maior significado
econômico. Da Amazônia parece ter vindo para a cidade do Rio de Janeiro por
volta de 1760, quando algumas mudas foram plantadas pelos frades capuchinhos na
rua dos Barbonos, atual Evaristo da Veiga. Dessas mudas saíram as que foram
formar novas culturas nos arredores do Rio de Janeiro (Jacarepaguá, Campo
Grande, Guaratiba e Santa Cruz).
A partir desses núcleos, hoje cortados pela
rodovia Rio-Santos, a cultura se irradiou pelo atual estado do Rio de Janeiro
em duas direções: para o sudoeste, alargando-se de São João Marcos a Resende, e
para o norte, dando as grandes plantações de Vassouras, Valença e Paraíba do
Sul e alcançando mais tarde Cantagalo. Ao mesmo tempo, de São Gonçalo o café
atingiu Itaboraí e Maricá, disseminando-se em direção a Campos e ao estado do
Espírito Santo. Em Vassouras surgiu a capital do café brasileiro nas primeiras
décadas do século XIX.
De São João Marcos e Resende, os cafeeiros
foram levados para São Paulo. Admite-se que penetraram por São José do
Barreiro, Areias e Bananal, entre 1790 e 1797. Espalhando-se pelo vale do
Paraíba, atingiram Lorena, Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes, até Jundiaí, de
onde teriam se originado os cafezais do oeste de São Paulo. Em 1797, o porto de
Santos registrou a exportação para Portugal de 1.924 arrobas de café.
Na Bahia, apontam-se pequenos cafezais em
1790. Em Minas Gerais, as primeiras lavouras de café parecem ter surgido no
final do século XVIII. Por volta de 1800, havia cafezais em número reduzido no
Triângulo Mineiro. Em 1809, todavia, já era apreciável a produção de Araxá. Entretanto,
a região de Minas Gerais onde a cultura do café desenvolveu-se mais densamente
foi a Zona da Mata, pela sua maior proximidade com o Rio de Janeiro. Seguiu-se
a região vizinha do vale do Paraíba e os municípios de Mar de Espanha, Juiz de
Fora, Leopoldina, Cataguases e Ubá, mais tarde centros cafeeiros da maior
importância, embora a lavoura marchasse com êxito para o sul e oeste de Minas
pelo vale do rio Preto, alcançando Goiás.
Em 1859, a posição das províncias em
relação ao total da produção brasileira era de 78,4% para o estado do Rio,
12,1% para São Paulo, 7,8% para Minas Gerais e 1,7% para as demais. No período
entre 1848 e 1857, o senador Nicolau de Campos Vergueiro introduziu
trabalhadores assalariados, colonos italianos, portugueses, alemães, suíços e
belgas, na sua fazenda Ibicaba (SP), que trabalharam lado a lado com os negros
escravos. O exemplo foi seguido por outros fazendeiros de café, tendo a
produção do vale do Paraíba, na década de 1860, passado à primeira do país.
São Paulo tornou-se assim o principal
centro produtor de café no Brasil. A partir de então, operou-se o deslocamento
da liderança econômica das velhas regiões agrícolas do Norte-Nordeste para as
mais recentes do Centro-Sul. Esgotada a fertilidade do solo, como aconteceu na
região fluminense, os cafezais deslocaram-se também do vale do Paraíba para o
planalto de São Paulo. A ocorrência de “terras roxas” orientava a chamada “onda
verde”, de Campinas para o norte e o oeste do planalto.
No último decênio do século XIX, desde que
o café chegou à região do rio Mogi-guaçu e rio Pardo, formou-se o centro
produtor da melhor qualidade de café. Enquanto o grande centro produtor era o
vale do Paraíba, a comercialização se fazia pelo Rio de Janeiro, centro
financeiro e controlador da economia cafeeira. Com o deslocamento da zona de
cultura, a exportação principal passou para o porto de Santos, iniciando-se
então o surto de desenvolvimento paulista. Desde o começo da década de 1880, o
Brasil se tornara o maior produtor mundial de café.
O café passou a representar grandes e novas
possibilidades de acumulação de capital e esse processo se tornou conhecido
como o “ciclo do café”. Em 1889, ano da proclamação da República, a
produção atingiu 5,586 milhões de sacas de 69 kg. Ao iniciar-se o século XX, só
as exportações do produto chegaram a 14,7 milhões de sacas.
O Convênio de Taubaté
O Convênio de Taubaté foi um entendimento
político entre os estados produtores de café. Em 1906, ocorreu uma
superprodução de café e para evitar o agravamento da crise, os estados grandes
produtores decidiram estabelecer uma política comum para a defesa dos preços do
produto diante da hesitação do governo federal. Essa política ficou conhecida
como o Convênio de Taubaté por ter sido resultante de um acordo firmado nessa
cidade paulista. Em 1908, na sucessão do presidente Rodrigues Alves, os
partidários da valorização do café conseguiram levar à presidência e
vice-presidência da República dois defensores declarados de tal política, o
mineiro Afonso Pena e o fluminense Nilo Peçanha.
As principais intervenções governamentais
no mercado de café a partir do Convênio de Taubaté foram no governo de Epitácio
Pessoa (19l9-1922), após a Primeira Guerra Mundial, e depois no governo de
Artur Bernardes (1922-1926), quando se passou à valorização permanente, em
conseqüência de um desvirtuamento das funções do Instituto do Café de São
Paulo, fundado apenas para regulamentar o escoamento das safras. A valorização
era feita pela retenção das sobras de exportação e do consumo interno, comprometendo-se
alguns grupos estrangeiros no financiamento dos estoques. Ao tornar os preços
atrativos, tal política também induziu países com condições mesológicas
adequadas a desenvolver a cultura do café e a competir no mercado mundial.
Por toda a década de 1920, a produção
brasileira atingiu 167,3 milhões de sacas, sendo exportadas 137,7 milhões
(82,3%) e retida uma sobra de 29,6 milhões de sacas. Os países concorrentes,
cuja participação no mercado externo era inexpressiva no início do século,
exportaram na safra de 1927-1928 mais de oito milhões de sacas e mais de 13
milhões na última safra do decênio. A queda da Bolsa de Nova Iorque em outubro
de 1929 teve como um dos reflexos econômicos a queda dos preços de café, em
plena campanha política para a sucessão do presidente Washington Luís.
A crise de 1929 e a Revolução de 1930
O elevado preço do café, que provocou entre
1920 e 1925 nova e acentuada expansão do plantio, fez com que, a partir de
1927, a oferta ultrapassasse a procura, iniciando-se a acumulação de estoques.
A safra de 1927-1928 chegou a 27 milhões de sacas – quase o dobro da obtida
seis anos antes –, o que representou um excedente de 12 milhões de sacas sobre
as exportações. Para restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a procura e
sustentar os preços, o Instituto do Café de São Paulo recorreu novamente à
compra dos excedentes. E a safra relativamente pequena de 1928-1929, conjugada
com a expansão da procura mundial, ajudou a estabilizar os preços.
Essa prática de intervenção fora seguida nos
últimos 40 anos pelos cafeicultores do país, liderados por São Paulo, mas, a
partir da década de 1920, o governo federal viu-se forçado a chamar a si a
responsabilidade maior na execução da tarefa. Negociaram-se empréstimos no país
e no exterior, utilizando-se os estoques de café como garantia. A fundamentação
dessa intervenção, a chamada “valorização”, foi o ciclo bienal da produção de
café: os cafeeiros produziam mais café em um ano e menos no seguinte. Retendo
café no ano de alta produção, sustentavam-se os preços do produto e permitia-se
o escoamento do excedente nos anos de menor produção. Outra característica do
sistema residiu na limitação da quantidade de café encaminhada aos portos de
embarque, na proibição da exportação dos cafés de baixa qualidade e na
imposição de um imposto de exportação para pagamento dos empréstimos. Outros
estados cafeicultores colaboraram com São Paulo na implementação dessas medidas
– Convênio dos Estados Cafeeiros –, mas a sua principal atividade estava ligada
ao controle do movimento de café para os portos.
No segundo trimestre de 1929, calculava-se
que a safra de 1930-1931 estaria em torno de 30 milhões de sacas, o que
indicava a necessidade de outra intervenção caso se desejasse manter os preços.
As eleições presidenciais foram realizadas
em março de 1930. O candidato oficial era Júlio Prestes, presidente do estado
de São Paulo, que vinha sendo apoiado pelo presidente Washington Luís, ambos
experimentados defensores dos esquemas de valorização. As dificuldades para levantar
empréstimos internacionais e razões internas de natureza econômica e política
levaram o Banco do Brasil, apoiado pelo presidente da República, a negar seu
aval aos esforços do estado para conseguir empréstimos no exterior.
Essas dificuldades da política cafeeira
coincidiram com a depressão econômica mundial iniciada em outubro de 1929. A
simultaneidade de três fatores – safra volumosa, indecisão governamental e
depressão econômica – teve como conseqüência pressão baixista inusitada,
fazendo com que o preço do café, que era de 22,54 centavos de dólar por
libra-peso em setembro de 1929, caísse para 14 centavos no começo de 1930. Os
preços internos caíram também aproximadamente 40%, provocando uma redução do
salário da mão-de-obra agrícola.
O candidato oposicionista às eleições
presidenciais era Getúlio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul, que, como
ex-ministro da Fazenda de Washington Luís, não podia ser considerado neófito em
matéria cafeeira. Embora os interesses ligados à cafeicultura constituíssem a
espinha dorsal da estrutura de poder que se opunha a Vargas, este soube
utilizar com habilidade a crise cafeeira e conseguir o apoio político dos
cafeicultores de São Paulo para a coalizão que chefiava. Vargas foi batido nas
eleições de março de 1930, mas assumiu a chefia do governo provisório que tomou
o poder pela força das armas no mês de outubro do mesmo ano. O novo governo
decidiu intervir na economia cafeeira comprando excedentes e mantendo, com
modificações, a estrutura de controle das exportações. Em maio de 1931, foi
criado um novo órgão federal, o Conselho Nacional do Café, que chamou a si a
execução da política cafeeira. Em 1932, os cafeicultores de São Paulo apoiaram
a Revolução Constitucionalista contra Vargas. Após a derrota do movimento, Vargas
concordou em cancelar 50% das dívidas dos cafeicultores como parte do esforço
nacional de conciliação.
Em fevereiro de 1933, foi abolido o
Conselho Nacional do Café e criado o Departamento Nacional do Café (DNC), uma
autarquia federal subordinada ao ministro da Fazenda. A nova entidade
consolidou os poderes do governo federal, eliminando na prática a representação
dos estados. Dispondo de poderes muito amplos, o DNC iniciou um programa que se
estendeu por mais de dez anos, e que abrangeu a aquisição, a armazenagem e o
escoamento do café, além de limitações ao plantio. Entre 1931 e 1944, cerca de
cem milhões de sacas foram retiradas do mercado pelo DNC, que determinou a
destruição de aproximadamente 80 milhões de sacas, o equivalente a três anos de
consumo mundial, sem com isso influenciar significativamente o nível dos
preços.
No quadriênio de 1927 a 1930, a receita
total de exportação do Brasil elevou-se a 422 milhões de dólares, tendo o café
participado com 69%, 293 milhões de dólares. De 1931 a 1934, a queda de preços
fez com que a média da receita cafeeira fosse de 156 milhões de dólares, pouco
mais da metade do que fora atingido no quadriênio anterior. Outras exportações
também sofreram com a crise, fazendo com que o total da receita de exportação baixasse
para 232 milhões de dólares, sendo que o café representou cerca de 67% desse
total.
Os antecedentes da crise
Para compreender os acontecimentos da
década de 1930, é necessário analisar alguns aspectos da economia cafeeira. O
Brasil e especialmente as áreas de São Paulo e do Paraná ofereciam condições
excepcionais para a cultura do café em grande escala: disponibilidade de terras
e topografia adequada, que barateavam as despesas de infra-estrutura. O café
começou a expandir-se no estado de São Paulo nas duas últimas décadas do século
XIX, tornando-se o Brasil o principal abastecedor mundial do produto e chegando
a uma participação de mais de 70% do total em 1915.
Um cafeeiro passa a produzir aos quatro
anos de idade e mantém-se produtivo por muito tempo, chegando em certos casos
até 30 anos. Enquanto existem terras virgens propícias ao plantio de café,
mão-de-obra e acesso a novas regiões, a cultura cafeeira se desloca para as
novas áreas onde o rendimento por pé é mais alto e portanto os custos de produção
são mais baixos. Mesmo quando os preços caem, o volume produzido pode não cair
se os preços ainda forem suficientes para cobrir o custo de colheita. Além do
café, os empresários podem desenvolver culturas intercalares, como a do milho e
do feijão, ajudando assim a suportar a baixa de preços e aguardar melhores
tempos. O resultado dessas iniciativas é que a produção não se reduz de maneira
significativa, ou em proporção com a perda de valor. Isso é verdade não apenas
no caso brasileiro, mas praticamente na maioria dos países produtores.
O café, dentro de certos limites, é um
produto de consumo chamado inelástico. Isso significa que as mudanças no nível
de preços pouco influenciam o volume de consumo. Assim, é possível aos países
produtores aumentar suas receitas reduzindo o abastecimento. Essas
características estão provavelmente relacionadas com o fato de que o café
constitui um hábito e também de que é uma bebida relativamente barata, o que
faz com que as modificações no preço do café verde tenham pouca influência
sobre o custo do seu consumo.
A forte participação do Brasil no mercado
internacional, aliada à inelasticidade-preço da demanda de café, tem
constituído a pedra angular da política de estoques e da regulamentação das
exportações iniciada em 1906, concebida inicialmente para melhorar a receita
dos produtores, mas paulatinamente amparada pelo governo federal interessado no
aumento da receita de exportação. Entre 1920 e 1930, as vendas de café
contribuíram com mais de 70% do total da receita de exportação. O êxito dessa
orientação entre 1906 e 1920 explica a já mencionada expansão desmedida da
lavoura cafeeira na década de 1920 e os excedentes de produção na década de
1930. Desde 1921, a defesa dos preços passou a constituir característica permanente
das diretrizes cafeeiras do governo federal e do estado de São Paulo. Já então
os progressos da infra-estrutura – estradas, facilidades portuárias e expansão
da fronteira agrícola – permitiram a aceleração da produção de café, encorajada
pela perspectiva de preços garantidos. A falta de controle dessa expansão e a
tendência a subestimar a produção futura constituíram uma das razões da
falência dessa política, que, por sua vez, estimulava o desenvolvimento da
concorrência de outros países, retirando o Brasil da posição de semimonopólio.
O café e a industrialização
A industrialização de São Paulo iniciou-se
no começo do século XX e desenvolveu-se paralelamente ao crescimento da
cafeicultura. A imigração européia, a disponibilidade de recursos e o crescimento
demográfico estimularam o surgimento de indústrias têxteis, de alimentos e de
materiais de construção. A relação entre a industrialização brasileira antes e
depois de 1930 e a política cafeeira do país são objetos de controvérsia.
Contudo, os analistas parecem concordar que antes de 1930 o setor cafeeiro
impulsionou a demanda de produtos industrializados de importação. Políticas de
sustentação de preço auxiliaram, muito provavelmente, a expandir tanto o
consumo de bens importados como a capacidade de os pagar. Em conseqüência, a
despeito da existência de um mercado crescente para produtos industrializados,
a industrialização foi retardada, mesmo existindo condições para a produção de
bens industrializados, porque era mais barato importá-los. A queda dos preços
na década de 1930 criou dificuldades à importação e, portanto, melhor clima
para a industrialização. A produção industrial cresceu em 50% entre 1929 e
1937, apesar da depressão.
Desbravamento de novas regiões
Não obstante os baixos preços do decênio
1930-1939, o desbravamento e a ocupação de áreas pioneiras fizeram com que não
cessasse a mobilidade da fronteira do café. No norte do Paraná, a ocupação
prosseguiu a passo lento. Em 1935 a estrada de ferro chegou a Londrina e em São
Paulo o aproveitamento da área servida pela Estrada de Ferro Paulista seguiu
avante. Esse processo de ocupação de novas áreas certamente ajudou a amortecer
os efeitos da depressão econômica sobre os salários e a mão-de-obra agrícola e
estimulou, além disso, a produção de gêneros alimentícios.
As exportações mundiais e a
participação do Brasil
As exportações mundiais e a participação
brasileira durante o período de 1930 a 1937 são indicadas no quadro a seguir,
em milhões de sacas:

A despeito da forte queda dos preços, o
consumo mundial não se desenvolveu nos anos de 1931-1935, mas apresentou forte
crescimento no período de 1936-1938. A parcela do Brasil manteve-se no nível de
60% no período de 1931-1935, mas continuou a decrescer até atingir 50% do total
mundial em 1937. A Colômbia e a África tinham aumentado sua participação.
Mudança na política cafeeira em 1937
O Brasil decidiu em 1937 – ante a queda de
suas exportações a níveis inferiores a 50% do total mundial, a falência dos
esforços para chegar a um acordo com outros produtores (conferências de Bogotá,
1936, e de Havana, 1937) e a permanente necessidade de destruir café (em 1937
foram destruídas 17,2 milhões de sacas, ou seja, mais que o total das
exportações) – abandonar a sustentação do mercado e baixar os seus preços em
mais de 1/3, reduzindo os impostos de exportação do café. A iniciativa foi
apresentada como uma guerra de preços com outros produtores e mereceu aplausos
dos empresários nacionais, porquanto o preço interno não havia sido afetado. O
governo manteve outros instrumentos, como por exemplo a retirada de excedentes,
a queima de café – nove milhões de sacas entre 1938 e 1944 – e o controle das
exportações. A iniciativa brasileira representava, contudo, uma ruptura com as
políticas anteriores e o reconhecimento de que, em conseqüência da redução de
sua importância no mercado internacional, tornava-se inviável para o país
prosseguir na defesa unilateral dos preços. A participação do Brasil no mercado
mundial melhorou em 1938 e 1939.
Um mês depois dessa decisão, Vargas
ab-rogou a Constituição de 1934 e proclamou o Estado Novo. A nova estrutura de
poder, centralizada no Executivo federal, se repetiu nas decisões sobre
política de café, progressivamente mais dependente do Ministério da Fazenda,
com crescente envolvimento do Ministério das Relações Exteriores.
Acordos internacionais e a Segunda
Guerra Mundial
Já na Conferência Econômica Mundial
realizada em Genebra, Suíça, no ano de 1927, foram apresentadas sugestões no
sentido de se promover a conclusão de acordos multilaterais de produtos de
base. A matéria voltou a ser ventilada na Conferência Econômica e Monetária de
Londres em 1933 e novamente em 1937, na Comissão de Estudos de Matérias-Primas
da Liga das Nações.
A depressão da década de 1930 e sobretudo a
crise cafeeira haviam abalado fortemente a estrutura econômica da maioria dos
países latino-americanos. As importações de café pelos Estados Unidos,
avaliadas em 315 milhões de dólares em 1926, baixaram para 138 milhões de
dólares em 1929, ou seja, caíram 56%.
Apesar do malogro das conferências
cafeeiras de Bogotá e Havana, prosseguiram as tomadas de contato entre países
produtores e foram dados alguns passos no rumo da cooperação. Em Bogotá foi
decidida a criação, com sede em Nova Iorque, do Bureau Pan-Americano do Café e
aprovada a cobrança de cinco centavos de dólar por saca exportada, para a
obtenção de recursos destinados a promover o consumo de café. Foram rejeitados
pelos demais participantes os objetivos brasileiros de impor limitações ao
plantio e às exportações de café de baixa qualidade, introduzir quotas de
exportação e estabelecer diferenciais de preço entre as várias qualidades de
café.
O início da guerra na Europa em 1939 e a
probabilidade de fechamento dos mercados europeus veio perturbar ainda mais a
economia cafeeira latino-americana. Os preços de 1940 atingiram o nível mais
baixo jamais registrado. Em junho desse ano, os países produtores do hemisfério
ocidental reuniram-se em Nova Iorque para examinar a questão, e, outra vez, não
se chegou a um acordo. O impasse levou a que se decidisse solicitar a
cooperação do governo dos Estados Unidos. Cordel Huill, então secretário de
Estado, reagiu favoravelmente, anuindo em incluir na pauta da II Reunião dos
Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, a ser realizada em
Havana no mês de julho, o exame, com participação dos Estados Unidos, de um
convênio cafeeiro.
Essas consultas tiveram como conseqüência a
negociação do Acordo Interamericano do Café, assinado em Washington aos 28 de
novembro de 1940, e posto em vigor, com efeito retroativo, a partir de 1º de
outubro desse mesmo ano. O acordo, que foi ratificado pelo presidente Roosevelt
a 12 de abril de 1941, reunia Brasil, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala,
México, Peru e Estados Unidos da América. A ele aderiram, posteriormente,
Haiti, Equador, República Dominicana, Nicarágua e Venezuela. Embora não haja
menção expressa em seu texto, os objetivos do acordo harmonizavam-se com os
mencionados no artigo 57 da Carta de Havana, negociada durante a conferência,
que diz o seguinte:
“a) impedir ou suavizar sérias dificuldades
econômicas que podem surgir quando a adaptação entre a produção e o consumo não
puder se realizar pelo jogo exclusivo das forças normais do mercado, tão
rapidamente quanto as circunstâncias o exigirem;
b) proporcionar, durante o prazo que for
necessário, um plano para a elaboração e a prática de providências destinadas a
lograr uma adaptação econômica que faculte expansão do consumo ou remoção de
recursos e mão-de-obra de atividades superdesenvolvidas para novas utilizações
produtivas, entre estas incluindo-se, nos casos apropriados e tanto quanto
possível, o fomento de indústrias de transformação baseadas em produtos
primários de origem nacional;
c) impedir ou suavizar flutuações
pronunciadas de preços de um produto de base, para obter-se uma situação
satisfatória de estabilidade, baseada sobre preços eqüitativos para os
consumidores e que proporcionem razoáveis lucros aos produtores, tendo em vista
o interesse em assegurar um equilíbrio a longo prazo entre a oferta e a
procura;
d) conservar e aproveitar os recursos
naturais do mundo, assim como protegê-los contra desnecessário esgotamento;
e) propiciar a expansão da produção de um
produto de base, quando isto for vantajoso a consumidores e produtores,
inclusive a distribuição de alimentos essenciais, a preços especiais, nos casos
apropriados;
f) assegurar a distribuição eqüitativa de
um produto de base em caso de escassez.”
O Acordo Interamericano do Café constituiu
um pacto de quotas de exportação, com as seguintes características principais:
a) atribuição de quota básica aos membros exportadores; b) quotas anuais,
fixadas para cada ano cafeeiro – lº de outubro a 30 de setembro –, como percentagem
da quota básica; c) administração do acordo a ser levada a efeito por uma junta
executiva – o Interamerican Coffee Board – constituída por delegados dos
governos participantes. Do total de 36 votos, 12 eram atribuídos aos Estados
Unidos, nove ao Brasil, três à Colômbia e um a cada um dos outros países; d)
foram concedidos ao Board poderes para aumentar ou reduzir as quotas de
exportação de uma quantidade correspondente a 5% do montante da quota básica.
Caso viesse a ocorrer escassez do abastecimento nos Estados Unidos, o Board
poderia, por 1/3 do número de votos, aumentar ilimitadamente a quota dos
Estados Unidos, mas qualquer redução superior a 5% necessitava, em cada caso,
aprovação por unanimidade; e) o controle das limitações à entrada de café nos Estados
Unidos era da responsabilidade desse país; f) não foram previstas disposições
relativas a preços.
As quotas básicas de exportação de cada
país baseava-se nas exportações de 1938, mas o montante finalmente fixado após
negociações representava um ajustamento e uma acomodação.
O apoio concedido pelos Estados Unidos ao
acordo foi sem dúvida politicamente motivado, e a guerra na Europa e o aumento
da influência alemã na América Latina constituíram os estímulos mais evidentes.
A iniciativa estadunidense teve em mira granjear a simpatia dos países
latino-americanos para a causa dos Estados Unidos e de seus aliados, estando
relacionada com a vulnerabilidade do canal do Panamá.
Os preços do café quase dobraram entre
julho de 1940 e dezembro de 1941. Os Estados Unidos entraram na guerra em 7 de
dezembro de 1941 e, quatro dias depois, o Office of Price Administration (OPA)
estabelecia tabelas de preços para o café e para muitos outros artigos. Em
conseqüência disso, de 1942 em diante, o Interamerican Coffee Board ficou
responsável pelo estabelecimento de quotas e o OPA pela fixação dos preços de
varejo e dos preços do café verde em geral.
Desde 1940, após uma visita de Osvaldo
Aranha, então ministro das Relações Exteriores do Brasil, aos Estados Unidos,
desenvolviam-se negociações bilaterais entre os dois países. Em 1942, foram por
eles assinados os Acordos de Washington, resultado das negociações que
incluíram o preço do café brasileiro e o compromisso norte-americano de apoiar
a industrialização do país financiando a construção da usina de Volta Redonda.
Durante a guerra, as dificuldades de importação de produtos industrializados e
de petróleo, cujo uso foi racionado, obrigaram o Brasil a acumular divisas
estrangeiras. Todavia, percebendo-se desde logo que essas reservas estavam
sendo esvaziadas pela inflação, a administração do país optou por obter dos
Estados Unidos ajuda material específica de importância muito superior às
reservas acumuladas. Foi esse, muito provavelmente, um dos principais passos
rumo à plena industrialização do país.
Nos anos de 1942 e 1943, o transporte do
café do Brasil para os Estados Unidos encontrou sérias dificuldades em
conseqüência da entrada do país na guerra. A situação da maioria dos países
latino-americanos era mais fácil em virtude de sua proximidade com os Estados
Unidos. Destarte, apesar das quotas, a participação do Brasil nas exportações
para os Estados Unidos caiu em 1942 para 40% do total, aumentando para 54% em
1944, em decorrência das maiores facilidades de transporte. A geada de 1942
reduziu consideravelmente as safras brasileiras de 1943-1944 e 1944-1945.
Entre 1942 e 1944, a produção exportável de
café no Brasil foi próxima do total exportado. Em 1944 foi suspensa a
destruição de café. As limitações de quota impostas pelo acordo haviam se
tornado inoperantes a partir de 1943 e as perspectivas eram mais de escassez
que de excedentes. O elevado índice de inflação nos Estados Unidos e no Brasil
reduziu bastante o poder aquisitivo da receita cambial resultante dos
preços-teto estabelecidos. Em 10 de março de 1945, os ministros das Relações
Exteriores do Brasil e da Colômbia enviaram ao secretário de Estado dos Estados
Unidos, Stetinius, carta em que eram expostos os pontos de vista dos 14 países
produtores de café participantes da Conferência de Chapultepec, reunida desde
fevereiro, acerca da necessidade de uma elevação dos preços do produto. Em 22
de março, o Departamento de Estado comunicava-lhes que o pedido fora denegado.
No dia 7 de março, ocorrera a rendição da Alemanha, seguida, aos 14 de abril,
pela do Japão. Os países produtores de café continuaram a exercer pressão para
que o preço-teto fixado pelos Estados Unidos fosse alterado e realizaram outra
reunião, o IV Encontro Pan-Americano dos Produtores de Café. No dia 29 de
outubro, Getúlio Vargas deixou o governo, cuja chefia foi assumida por José
Linhares até a realização de eleições e a posse, em 31 de janeiro de 1946, do
novo presidente Eurico Gaspar Dutra.
Fim dos controles
Terminada a guerra, os preços foram
finalmente liberados nos Estados Unidos, em outubro de 1946. No Brasil, a
entrega de café exigida pelo regime de quota de sacrifício foi suspensa e em
setembro de 1946 o Departamento Nacional do Café foi liquidado, tendo sido
transferida ao Departamento Econômico do Café parte de suas funções.
O período de 1940 a 1945 deu relevo aos
diferentes elementos e fatores de natureza econômica de importância para as
políticas cafeeiras. Merece reparo a rapidez com que os países produtores
mudavam de orientação ao sabor das condições do momento, solicitando o
estabelecimento de quotas quando havia excedentes e os preços estavam baixos, e
logo apoiando uma orientação liberal e a liberdade de comércio quando o mercado
lhes era favorável. Os consumidores norte-americanos, por sua vez, davam
prioridade à política externa por interesses de defesa, voltando rapidamente
sua atenção para as questões internas – proteção do consumo por meio do
congelamento de preços – para deter a alta de preços e as pressões
inflacionárias.
A análise demonstra igualmente o
reaparecimento da geada e da inflação como importantes elementos a influenciar
a economia cafeeira. A inflação entre 1939 e 1949 foi de quase 100% na esteira
de um período de deflação desde a década de 1920. Esse índice de inflação só
fora visto durante a Primeira Guerra Mundial, período em que foi superior a
120% entre 1915 e 1920.
A comparação dos períodos que se seguiram
às duas guerras mundiais revela algumas similitudes marcantes e diversas
diferenças de importância. À parte o alto índice de inflação, os preços
aumentaram acentuadamente após as duas guerras e absorveram tanto os estoques
que haviam sido retidos em virtude da valorização dos anos de 1917 a 1920, como
os estoques em poder do DNC no fim da década de 1950. As geadas de 1918 e 1943
reduziram em muito o abastecimento. O aumento da produção em conseqüência da
expansão de novas áreas de produção foi bastante forte em 1917 e em 1945 e, em
ambas as vezes, os consumidores protestaram, tendo havido boicotes nos Estados
Unidos.
A diferença principal é que durante a
Primeira Grande Guerra o Brasil ocupava 70% do mercado mundial e podia buscar
soluções próprias para os problemas cafeeiros. Em 1950, a importância relativa
do país baixou para cerca de 50% e, para conseguir estabilizar os preços, o
Brasil dependia da cooperação de países produtores e consumidores.
Observe-se, outrossim, a rapidez com que o
Acordo Interamericano do Café entrou em funcionamento. Isso indica que a
despeito das complexidades e conflitos é possível superar rapidamente as
dificuldades técnicas sempre que existir vontade política e necessidade de
resolver a questão.
Período 1946-1955
No pós-guerra, a Conferência de Bretton
Woods e a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) foram novos
condicionantes da política internacional que envolveram diretamente o comércio
do café e o Brasil como maior exportador. No plano interno, Bretton Woods se
traduziu pela criação da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc),
presumidamente dedicada a aplicar as normas do FMI. Em seguida, foi criada a
Carteira de Exportação e Importação (Cexim), órgão executivo e de orientação do
comércio exterior, ampliando as funções antes exercidas pelo antigo Conselho
Federal do Comércio Exterior. Este, por sua vez, deu origem ao Conselho
Nacional de Economia (1947), de pouca presença na efetivação das políticas
comerciais.
No período 1946-1948, processou-se o
desgaste das amplas reservas de divisas estrangeiras acumuladas no período da
guerra. O Brasil, à luz dos entendimentos com o FMI, optou pela fixação de taxa
rígida de câmbio – 18,39 cruzeiros por dólar –, o que favoreceu largamente as
importações. Prejudicados pela medida foram, de um lado, a indústria nacional,
antes privilegiada pela constante escassez de divisas, e que sofreu então a
competição dos bens de consumo importados, e, de outro lado, os produtores e
comerciantes de bens de exportação, em especial o café, já que a taxa fixa de
câmbio pela qual eram convertidas suas receitas cambiais não refletia o aumento
dos custos internos de produção e comercialização, em face de uma inflação não
inferior a 20% ao ano em todo esse período.
O mercado internacional de café, malgrado a
liberação de preços nos Estados Unidos, registrou no período uma estabilidade
resultante, possivelmente, da falta de capacidade de compra dos mercados
europeus, então estagnados nos quadros da reconstrução econômica dos países
mais atingidos pela guerra. Os preços deixaram de sofrer, como parece evidente,
qualquer pressão por parte do país principal produtor, embora, em 1949, se
tenha registrado a liquidação dos estoques de café e se preparado as bases para
a fase seguinte, em que à falta de divisas se somou a falta de capacidade de
gerar divisas.
Só em outubro de 1949, sob a ação dos
fatores citados, taxa de câmbio fixa e escassez de estoques, desencadeou-se a
alta dos preços. A cotação, que caíra nos Estados Unidos no período 1946-1948,
voltou a se reanimar, subindo 30% entre 16 e 30 de setembro, e repercutindo na
elevação de quase 60% nos preços de varejo no intervalo de 1948-1949, chegando,
em outubro de 1949, a 80 centavos de dólar a libra.
Como seqüência a essa nova situação, teve
início nos Estados Unidos o inquérito parlamentar promovido pelo senador G.
Gillette, para investigar a situação dos preços do café. Repercussões agudas
foram provocadas no seio da opinião pública norte-americana, responsabilizando
os países exportadores pela alta dos preços e acarretando, de outro lado,
reações políticas de parte dos governos latino-americanos. Pela primeira vez,
entraram em cena as forças que constituiriam fatores decisivos, nos decênios
seguintes, para a definição e efetivação das políticas internacionais de café,
confrontando os interesses dos países produtores (fazendeiros, assalariados,
beneficiamento, industrialização, erário público, transportes, comércio,
crédito, assistência técnica) e dos países consumidores (torrefações,
distribuidores, consumidores etc.).
Entre 1950 e 1953, mesmo havendo no Brasil
equilíbrio entre a oferta e a procura e certa estabilidade nos preços de varejo
no exterior, começou um processo de sofisticação da política de valorização do
produto, para fazer frente às crescentes dificuldades do balanço de pagamentos.
Enquanto até 1930 o destino do sobrevalor obtido era a economia pessoal dos
cafeicultores, a fase nova teve que considerar o quadro mais complexo: o regime
de licenças de importação (1948-1953) beneficiava os industriais pelo rateio
das divisas escassas e, indiretamente, os consumidores – pelos subsídios –,
caracterizando o processo de transferência de renda intersetorial; a partir de
1953, instituiu-se o Fundo dos Ágios, pelo qual o Tesouro se associava na
divisão do bolo da receita em cruzeiros; desde 1951, começou a vigorar o
sistema de preços mínimos de exportação, o chamado “registro”, culminando a
estruturação da nova forma de intervenção estatal com a criação do Instituto
Brasileiro do Café (IBC) em 1952.
A produção se expandiu sobretudo no estado
do Paraná em resposta aos preços favoráveis. A infra-estrutura se ampliou, a
qualidade das terras e a venda de lotes a crédito a pequenos produtores levaram
a uma expansão mais rápida que a observada em ciclos anteriores. Entretanto, o
deslocamento para o sul aumentou a exposição do parque cafeeiro às
geadas.
Em conseqüência, o tamanho das safras
brasileiras passou a oscilar com reflexos desestabilizadores sobre preços
externos, receita cambial, política monetária nacional e desenvolvimento das
regiões cafeeiras.
Período 1956-1963
Novo ciclo de excedentes de café se
iniciou, no Brasil, em 1956. Foi improvisada uma rede de armazéns, a maioria em
mãos particulares, e foram tomadas medidas para, respectivamente, guardar e
reduzir o impacto desses excedentes. O café foi vendido a preços bem baixos, de
modo a estimular o consumo interno. Foram criados escritórios novos do IBC e
entrepostos no exterior a fim de apoiar uma política mais agressiva de vendas,
e foi também destruída parte deteriorada dos grãos.
A colheita de 1959-1960 alcançou 44 milhões
de sacas, um recorde nunca visto, e os estoques aumentaram em um só ano de 20
milhões para 44 milhões de sacas. A capacidade de produção em 1961 foi estimada
em 36 milhões de sacas produzidas por cerca de 3,9 bilhões de cafeeiros. A
demanda estimada era de cerca de 24 milhões de sacas, das quais 18 milhões para
a exportação e seis milhões para o consumo interno. Havia, portanto, um
excedente estimado de 12 milhões de sacas, cujo custo de armazenagem encarecia
incrivelmente a cada ano. Em vista de tal situação, o Grupo Executivo da Racionalização
da Cafeicultura (Gerca) foi criado em 26 de outubro de 1961 pelo Decreto nº 79.
Os objetivos do Gerca eram a erradicação de dois bilhões de cafeeiros
não-econômicos, o replantio racional de 1/4 desses cafeeiros e a diversificação
agrícola nas restantes áreas erradicadas. Os cafeicultores foram indenizados, e
mais de setecentos milhões de cafeeiros chegaram a ser erradicados no período
entre 1961 e 1963.
A fim de fazer frente às complexidades e à
logística de tais colheitas descomunais, realizou-se um trabalho de coordenação
entre as diferentes áreas da administração federal. Técnicos do IBC trabalharam
em conjunto com os do Banco do Brasil e da Sumoc para organizar cada ano o
plano da safra e decidir sobre o acesso e o volume máximo de café nos portos, o
preço mínimo no mercado externo, o preço de garantia, a data de início de
compras de excedente à quota de contribuição equivalente a um imposto de
exportação e os assuntos de natureza financeira e de crédito.
Em 1960, um grupo de trabalho recomendou a criação
de uma indústria de café solúvel através de resolução do IBC. Como resultado de
tal resolução começaram a operar três fábricas em 1964.
Entre os anos de 1956 e 1960, começaram a
operar vários pactos de emergência com a participação de países produtores de
café, como o Clube do México (1957), o Convênio Latino-Americano (1958-1959) e
o Convênio Internacional. Esforços foram feitos para se alcançar um acordo
internacional com a participação dos consumidores, mas foi somente após 1960
que se obteve algum êxito. Um grupo de estudo sobre o café foi criado em
Washington e a minuta de um acordo foi preparada. As negociações do Acordo
Internacional de Café foram concluídas em agosto de 1962 na sede das Nações
Unidas, em Nova Iorque. Foi um acordo sobre cotas de café com provisões sobre
promoção e metas de produção, mas sem fazer referências a preços. Semelhante,
em alguns aspectos, ao Acordo Interamericano de Café da década de 1940, esse
acordo era, entretanto, mais complexo. Os membros importadores e exportadores
tinham cada um mil votos distribuídos proporcionalmente à cota básica dos
exportadores e ao desempenho dos importadores. As decisões importantes eram
tomadas por maioria de 2/3. Os membros importadores de café ficavam obrigados a
controlar as entradas de café por meio de certificados de origem que
acompanhariam os embarques. Alguns mercados foram deixados fora desses mercados
de cotas e foram chamados de novos mercados ou mercados a serem desenvolvidos
ou expandidos. O acordo deveria ter sua sede em Londres, um conselho incluindo
todos os países membros (importadores e exportadores), uma junta executiva de
16 membros e um diretor executivo responsável pela condução da organização. A
operação teve início em 1963.
Durante esse período, o ritmo de industrialização
do Brasil foi acelerado (Plano de Metas e construção de Brasília). Os estoques
haviam alcançado 62 milhões de sacas. A parcela do Brasil nas exportações
mundiais de café havia decrescido para 35%, mas o produto ainda representava
mais de 50% da receita do país oriunda de exportações.
Período 1964-1966
Durante o governo Castelo Branco, a
política cafeeira obedeceu a cinco diretrizes básicas: acelerar a eliminação da
capacidade excedente de produção por meio de política de diversificação mais
dinâmica; proporcionar em conseqüência maior contribuição do setor café ao
combate à inflação e à formação da poupança – a redução de produção permitiria
a venda de estoques governamentais e a conseqüente geração de receita pública;
equipar a cafeicultura para consolidá-la em regiões produtoras adequadas,
reconhecendo-se que terminara a migração para o sul em busca de terras virgens;
reconhecer a interdependência de interesses entre países produtores e
consumidores e a conveniência da cooperação internacional como a melhor opção
para o Brasil; e reduzir a dependência do balanço de pagamentos em relação ao
café.
Em 1964, tornou-se claro para todos os
analistas que a expansão do plantio no Brasil havia cessado e que o período de
redução de volumes de safra iria ocorrer como havia ocorrido entre 1930 e 1942.
A fim de acelerar o ritmo de uma redução da produção global, um novo plano de
erradicação foi posto em ação por intermédio do Gerca. Maior ênfase foi dada às
áreas sujeitas a geadas, mas onde os cafeeiros tinham uma produtividade alta,
embora intermitente. Áreas liberadas deveriam ser orientadas para outras
culturas, especialmente soja e trigo, no caso do Paraná. O objetivo do plano
era o mesmo do anterior: trazer a produção a níveis mais baixos, até 24 milhões
de sacas, e, então, iniciar plantios modernos. A rede de armazéns foi expandida
e todo o excedente de café foi armazenado em depósitos de propriedade do
governo. Os procedimentos de exportação foram simplificados com a eliminação
das limitações sobre os movimentos do café nos portos e foi então criado o
sistema de garantia para os compradores diante da queda dos preços. Uma
coordenação entre as diferentes áreas governamentais foi aprimorada e o plano
de safra passou a ser discutido no âmbito do Conselho Monetário Nacional.
O Acordo Internacional do Café teve
dificuldades no início de 1964. O governo dos Estados Unidos havia demorado na
implantação de uma legislação que limitasse as importações oriundas de países
não membros. O sistema de controle revelou no início uma quantidade bastante
considerável de falhas, de armadilhas que caracterizaram o que passou a ser
conhecido como o café turista, ou o café que rodeava o sistema de cotas. Em 1965,
os mecanismos de preços que objetivavam ajustar as cotas anuais ou trimestrais
foram introduzidos com o propósito de minimizar as tensões existentes entre
exportadores e importadores durante o debate sobre o tamanho dessas cotas.
O sistema de certificado de origem foi
complementado pela emissão de selos para os países membros. Tais selos
acompanhavam os certificados originais e eram verificados na alfândega pelo
país importador. Isso eliminava de um modo bastante amplo os riscos de
certificados falsos, que estavam, realmente, prejudicando o sistema.
Período 1967-1973
Em 1967, iniciaram-se negociações para um
novo acordo, que tiveram êxito. Em 1968, foi celebrado um novo pacto que entrou
em vigor por um período de cinco anos. Um fundo de diversificação foi criado.
Fundos foram colhidos pela organização com base nas exportações e investidos
nos países que haviam contribuído em projetos referentes à diversificação da
economia. No Brasil, tais fundos foram investidos em projetos relacionados com
a melhoria da previsão de colheitas e corredores de exportação, em equipamentos
do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), em Londrina, em equipamentos da
Companhia Brasileira de Alimentação, em São Paulo, e nos terminais de
exportação de grão nos portos de Paranaguá e Santos. Foi dada ênfase à expansão
das exportações através de contratos especiais. Como resultado das
conseqüências combinadas dos planos de erradicação nas áreas sujeitas a geadas
e das quedas de preços, a produção em 1969 foi reduzida para cerca de 20 a 21
milhões de sacas e o número de cafeeiros para 2,3 bilhões. A procura,
exportações mais consumo interno, foi estimada em 27 milhões de sacas. O IBC
diminuiu seus estoques de 70 milhões de sacas em junho de 1966 para 47 milhões
em junho de 1969. A partir de 1969, o plantio foi estipulado por meio de um
plano para financiar seiscentos milhões de cafeeiros. Esse esquema previa o
plantio em áreas menos sujeitas a geadas e estabelecia altos níveis técnicos
para as novas plantações. Em 1970, a “ferrugem” (Hemileia vastatrix)
apareceu pela primeira vez no Brasil e também na América Latina. Essa praga
havia destruído quase toda a produção em outros países. Apesar disso, como
resultado do plano, a capacidade de produção deveria ser aumentada para 30
milhões de sacas nos anos de 1977-1978. A produção revelou sinais de
restabelecimento, tendo alcançado 29 milhões de sacas no período de 1971-1972 e
28 milhões em 1972-1973. Posteriormente, caiu para 15 milhões em 1973-1974,
como conseqüência da geada ocorrida em 1972, tendo em seguida se recuperado,
alcançando 27 milhões de sacas em 1974-1975. Apesar do baixo nível de estoque
em 1974, as perspectivas de produção no Brasil pareciam satisfatórias.
Em 1972, o dólar americano havia
desvalorizado e isso gerou desacordos e desentendimentos entre produtores e
consumidores quanto aos limites de preços conseqüentes ao sistema de cotas
previsto naquele acordo. As cotas então foram suspensas em setembro de 1972 e,
durante os anos seguintes, apesar do acordo celebrado em 1968, as exportações
não foram reguladas através do sistema de cotas. Durante esse período, no
Brasil, ocorreu um aumento significativo nas exportações de bens manufaturados
e matérias-primas outras que não o café. O valor das exportações de café, como
parcela do valor das exportações totais brasileiras, caiu de 43% no período de
1964-1965 para 11% em 1973. A participação do Brasil nas exportações totais de
café foi de 33% em 1972.
Nesse período, o balanço de pagamentos
brasileiro deixou de depender do café no lado positivo para iniciar sua
dependência, no lado negativo, da conta do petróleo.
Foi
também uma época de grande expansão da produção e da exportação do café
solúvel, que passou a ocupar elevada porcentagem das exportações de café. O
consumo interno se estabilizou entre seis e oito milhões de sacas, dando ao
Brasil a posição de segundo país consumidor de café no mundo.
Período
1974-1979
Em agosto de 1975, houve a mais severa
geada jamais conhecida na história do Brasil, que prejudicou mais de 1,5 bilhão
de cafeeiros e mais de 50% da produção total do país. Isso dificultou de modo
essencial a recuperação da produção, com graves conseqüências no mercado
mundial de café. Os preços subiram de 63 centavos de dólar por libra, em 1975,
a um nível jamais alcançado anteriormente, chegando em abril de 1977 a 143
centavos por libra, de acordo com o indicador de preços de Nova Iorque. O preço
de varejo dos Estados Unidos alcançou 394 centavos por libra em junho de 1977,
contra os 127 centavos em junho de 1975, acarretando um impacto muito sério
sobre o consumo. Na Europa, tais aumentos foram menores, pelo fato de ser mais
alto, nessa área, o nível dos preços anteriores. Com pequenas diferenças, a
redução do consumo ocorreu em muitos países. A partir de junho de 1977,
constatou-se queda de preços e em agosto de 1980 eles já haviam voltado aos níveis
de 1974. O consumo recuperou-se a partir de 1979.
Novo
programa de plantio foi implementado no Brasil após a geada e, no presente,
indica-se uma capacidade potencial de oferta entre 29 e 34 milhões de sacas, de
1984 em diante. Em outros países, a produção ou decresceu – como em Angola, ou
em menor quantidade em Uganda, Etiópia e El Salvador – ou permaneceu estável –
como na Costa do Marfim e na República dos Camarões. A Colômbia em 1979
produziu 12 milhões de sacas contra oito milhões em 1975. A Indonésia aumentou
sua produção de três para cinco milhões durante os anos de 1975 a 1979.
Em
1974, iniciaram-se novas negociações para um acordo de café, dentro de um
cenário completamente diferente após as geadas de 1975. O acordo de 1976
refletiu tal situação, prevendo a introdução de cotas automaticamente se os
preços caíssem abaixo de determinado nível e estabelecendo também a sua
suspensão em caso de crescimento exagerado de preço. Em outros aspectos o
acordo era mais elaborado do que o anterior, embora baseado nos mesmos
princípios: cotas básicas, cotas anuais e sistema de controle por meio de
certificado de origem. As cotas anuais eram agora baseadas, também, na
quantidade de estoque dos países produtores. O acordo incluiu previsões sobre
preços. A Organização Internacional do Café (OIC) mantinha em vigor o sistema
de certificado de origem e a verificação de estoques, bem como o cômputo diário
dos indicadores de preços. Todos esses mecanismos eram importantes para a
introdução de cotas.
As
receitas dos países produtores, inclusive o Brasil, aumentaram
consideravelmente entre 1976 e 1979. As exportações brasileiras de café
alcançaram 2,3 bilhões de dólares em 1979, 15% do total das exportações
brasileiras, em comparação com os novecentos milhões de dólares em 1975, que
corresponderam a 10% do total.
O
impacto das geadas no Brasil limitou a capacidade de exportações do país. Em
1979, o Brasil exportou 12 milhões de sacas, o que representou 20% das
exportações mundiais, e seus estoques foram de 15 milhões em março de 1980.
A
baixa de preços ocorrida a partir de 1977 foi combatida pelos esforços dos
países produtores através de um organismo de intervenção no mercado, a Pancafé,
mas sem chegar a restrições na exportação.
Período 1980-1989
A
perspectiva de recuperação da produção brasileira e a expansão da produção em
outros países levaram a uma queda pronunciada de preços em 1980. Em setembro, o
sistema de cotas do convênio internacional foi reativado depois de oito anos de
interrupção. Os preços foram estabilizados em torno de 115 centavos de dólar
por libra, apesar da acumulação de estoques na maioria dos países produtores.
Tal
sistema, o de um acordo com “cláusulas econômicas”, consistindo num conjunto de
regras mutuamente consentidas entre países importadores e exportadores para o
contingenciamento da oferta mundial – expandida ou contraída segundo o
comportamento dos preços internacionais –, veio a caracterizar quase toda a
década de 1980, com exceção do interregno março de 1986 a setembro de 1987,
marcado pelos efeitos de uma forte seca no Brasil e no qual as “cláusulas
econômicas” estiveram suspensas. Os preços internacionais foram estabilizados
dentro de uma faixa de 120 a 140 centavos de dólar por libra durante o
quinquênio 1981-1985, e entre 110 e 125 centavos no período 1988-1989 .
Preço médio Variação média Cláusulas econômicas
(U$ cts./Lb) anual (U$ cts./Lb)
Out.
1980-Nov. 1985 126 18 em
vigor
Dez.
1985-Set. 1987 143 51
suspensas
Out.
1987-Jun. 1989 116 15
em vigor
Jul.
1989-Dez. 1989 66 15
suspensas
Durante
a gestão do embaixador Otávio Rainho Neves, março de 1979 a outubro de 1984,
caracterizada em sua maior parte – a partir do Acordo Internacional do Café de
outubro de 1980 – por um quadro externo de estabilidade de preços e
previsibilidade dos fluxos comerciais, o governo brasileiro utilizou – a fundo
e de uma forma altamente coordenada – um conjunto de instrumentos de política,
desenvolvidos entre as décadas de 1950 e 1970. No plano interno, uma política
de rendas fortemente intervencionista, em que o limite superior da renda
setorial era determinado por um elevado nível de taxação federal e estadual,
cujo efeito combinado era o de uma absorção de 40 a 60% do preço fob de
exportação, e o limite inferior era garantido pela política de preços mínimos –
numa média de 65 centavos de dólar/saca (constantes 1990).
Ao
manter o preço ao produtor como uma fração do preço internacional, o governo
atingia o duplo objetivo de inibir o crescimento da produção – dentro das
dimensões das cotas de exportação – e de maximizar sua receita fiscal,
absorvendo dessa forma a maior parte das rents geradas pelo sistema
internacional de contingenciamento. O Acordo Internacional do Café era,
portanto, utilizado não apenas como instrumento de maximização da receita
cambial, como também de extração de recursos fiscais.
No
plano externo, o IBC deu continuidade à política de “diferenciais”, iniciada na
década de 1970 durante a gestão Andrade Pinto, que visava – ao invés de uma
competição via reduções unilaterais nos preços absolutos, de efeito geralmente
predatório – atuar diretamente sobre os preços relativos do “arábica”
brasileiro, procurando situá-lo numa faixa intermediária, tida como otimizadora
da competitividade, entre os preços do “robusta” e do “arábica suave”, as duas
principais qualidades concorrentes.
O
mecanismo utilizado, o chamado “ajuste”, era um sistema de bonificações,
variável de acordo com os preços diários dos robustas e arábicas suaves no
mercado internacional, pagos com “avisos de garantia” – já utilizados como
“numerário” desde a década de 1960 e que na prática equivaliam a um instrumento
de “renúncia fiscal”. Num processo de emulação com a Colômbia, o IBC concedia
um incentivo adicional, conhecido como “garantia de queda de preços”, também
pagável com avisos de garantia, e que consistia numa eventual indenização ao
importador pela diferença nos preços de mercado entre o momento da compra e um
determinado período após o embarque. Tais condições – isto é, o acesso ao
“ajuste” e à “garantia de queda de preço” – eram concedidas a torrefadores dos
países importadores, excluindo-se os dealers, mediante adesão a um
“contrato-padrão”, pelo qual estes assumiam o compromisso de comprar um volume
anual pré-determinado da cota brasileira de exportação.
Nesse
contexto, em que os níveis absolutos de preços eram sustentados pelo Acordo
Internacional do Café, o IBC pôde – atuando sobre os preços relativos – se
concentrar num esforço de recuperação de market-share, que voltou a se
situar em torno de 26% no período 1981-1984, após ter caído abaixo de 22% no
período 1977-1980.
Os
instrumentos de política internos (determinação da renda disponível do setor e
maximização da receita fiscal, inclusive para a geração de recursos para
aquisição de estoques) e externos (otimização da competitividade no mercado
internacional) eram articulados através do mecanismo da “cota de contribuição”,
sucessor a partir de 1962, quando da abolição do câmbio-múltiplo, do sistema do
“câmbio-café”, que dava uma considerável latitude para uma dissociação entre
preços internacionais e preços e renda setorial internos.
Por
outro lado, a “cota de contribuição” era sistematicamente utilizada como
mecanismo compensatório para neutralizar o efeito presumido sobre o preço fob
brasileiro, das desvalorizações, sobretudo minidesvalorizações, periodicamente
efetuadas, partindo do pressuposto de que desvalorizações não compensadas por
aumento de taxação tinham um efeito baixista no mercado internacional .
A “cota de contribuição” era a principal
fonte de receita da chamada “conta-café”, tendo gerado em média, no período
1981-1984, ingressos anuais brutos de um bilhão de dólares (base de 1990),
contra os quais, por um lado, foram abatidos montantes substanciais de avisos
de garantia para efeitos diversos (garantias de queda de preço, incentivos para
exportação a países não-membros da OIC e de café solúvel), e, por outro –
apesar de uma significativa reaplicação de recursos no próprio setor –, foram
realizadas fortes transferências para outras áreas de dispêndio do governo.
Esses dois fatores contribuíam para o
acirramento da percepção, prevalente na lavoura desde a “Marcha da produção” na
década de 1950, de que a cota de contribuição (c. de c.) tinha um caráter de
“confisco cambial”, por transferir renda gerada pelo setor cafeeiro para outros
setores da economia e por privar aquele setor – em períodos de inflação elevada
– do efeito de correção monetária resultante das desvalorizações periódicas.
Outro conflito distributivo, que iria se tornar cada vez mais agudo ao longo da
década, dizia respeito aos critérios de repartição interna das cotas de
exportação, que – com a retomada das “cláusulas econômicas” em outubro de 1980
– haviam se tornado extremamente lucrativas para seus detentores: numa primeira
fase, as beneficiárias foram as empresas exportadoras, cuja dotação era
proporcional a seu desempenho histórico recente; numa segunda fase, em grande
parte como resultado da atuação da Confederação Nacional da Cafeicultura (CNC),
liderada pelo ex-governador Abreu Sodré, as cooperativas de produtores passaram
a ter igualmente acesso a cotas de exportação, pela introdução de um sistema de
repartição não mais baseado exclusivamente no desempenho passado, favorável às
exportadoras, mas também no volume de estocagem – favorável às cooperativas.
O governo Sarney, que sucedeu a um período
de quatro anos de estabilidade no mercado internacional, apresentando um volume
e receita cambial médios de, respectivamente, 17,5 milhões de sacas e 2,5
bilhões de dólares (base de 1990) e ao mesmo tempo uma boa recuperação de market-share,
teve que se deparar com as conseqüências de uma forte seca ocorrida nas áreas
produtoras no final de 1985. Após uma primeira fase de preços altos e volumes
elevados – o ano de 1985 terminou com um desempenho de 19,2 milhões de sacas e
uma receita cambial de 2,9 bilhões de dólares (base de 1990) –, o volume de
exportações caiu abaixo de dez milhões de sacas em 1986 – receita cambial de
2,7 bilhões de dólares e market-share de 14,5%. Em dezembro de 1985,
como os preços internacionais – em acelerada ascensão (o preço composto médio
da OIC passou de126 para 204 centavos de dólar/Lb entre outubro de 1985 e
janeiro de 1986) – ultrapassassem os níveis que pelas cláusulas do Acordo
Internacional suspendiam o sistema de cotas, o IBC buscou formas alternativas
de sustentação de preços quando estes passaram a declinar em ritmo acelerado no
primeiro semestre de 1986: primeiro, através da fixação em fevereiro de um preço
de garantia que não foi operativo e rapidamente ficou acima do mercado
internacional, e, segundo, através da chamada “Operação Patrícia”, no segundo
semestre, quando as maiores exportadoras brasileiras foram contratadas pelo IBC
para financiar a aquisição de cafés certificados na Bolsa de Londres, com o
duplo objetivo de retirá-los do mercado internacional e adicioná-los – no
contexto de congelamento de preços do Plano Cruzado – aos baixos estoques
governamentais de então. Apesar de uma reação inicial dos preços internacionais
de 15% em setembro em relação ao período julho-agosto, em dezembro já se
encontravam nos níveis médios que precederam a seca – 15% abaixo de
julho-agosto –, e quando também tornou-se percepção dominante no mercado de que
a intervenção havia falhado, tanto pelo fato de não se ter concretizado a
efetiva retirada desses cafés do mercado, quanto pelas enormes dificuldades de
ressarcimento às empresas que haviam financiado a intervenção .
No
primeiro semestre de 1997, começou igualmente a pesar sobre o mercado a
expectativa de uma grande safra brasileira a partir do segundo semestre: os
preços internacionais, medidos pelo preço composto da OIC, que em março de 1986
haviam atingido 204 centavos de dólar/Lb, situavam-se em 101 centavos de dólar
em março de 1987; de fato, o preço médio do mercado internacional em 1987, de
107 centavos de dólar, além de ter sido o menor da década – em termos nominais
–, foi também, até então, o mais baixo em termos reais de todo o pós-guerra.
Portanto, quando o embaixador Jório Dauster assumiu a presidência do IBC em
1987, o setor cafeeiro encontrava-se em profunda crise. Sua gestão, que se
estendeu até março de 1990, foi marcada por uma importante reformulação
institucional, ao retomar e desenvolver a experiência tentada pelo ex-ministro
Karlos Rischbieter quando, durante sua curta passagem na presidência do IBC
(abril/agosto de 1985), este havia sugerido uma “constituinte para o café”, no
espírito de aumentar a representatividade dos diversos segmentos do setor,
minimizar o caráter discricionário dos processos decisórios da autarquia e
torná-la uma estrutura mais leve e eficiente.
A
primeira medida de grande alcance foi o decreto de criação do Funcafé, pelo
qual a destinação dos recursos oriundos da “cota de contribuição” tornava-se
exclusiva do Fundo, com prioridade para a aquisição de estoques e para o
financiamento da produção; dessa forma, eliminava-se em princípio a
possibilidade de transferência de renda para fora do setor cafeeiro, retirando
do imposto de exportação, que era a “cota de contribuição”, o seu aspecto
“confiscatório”, que o havia caracterizado por mais de 30 anos. Ao mesmo tempo
em que se tentava recompor gradualmente a capacidade orçamentária e financeira
do IBC por meio de um aumento moderado da “cota de contribuição”, terminava-se
com o sistema dos “contratos” e dos pagamentos em “avisos de garantia”.
Por
outro lado, foram tomadas iniciativas no sentido de encorajar o consumo
interno, que vinha demonstrando, desde a década de 1970, uma acentuada queda em
seus índices per capita – na década de 1980 eram metade dos níveis da década de
1960 –, concomitante a uma deterioração na qualidade média utilizada: foram
dados passos importantes no sentido de aumentar o grau de auto-regulamentação
da indústria de torrefação, particularmente do ponto de vista do monitoramento
qualitativo.
No
segundo semestre de 1987, recomeçaram as negociações em torno do sistema de
cotas –suspenso desde dezembro de 1985 –, que foi reintroduzido em outubro,
voltando a ser suspenso em julho de1989. Ao longo desse período, quando ocorreu
uma expressiva recuperação dos preços internacionais – uma média de 116
centavos de dólar no período outubro de 1987-junho de 1989 contra 99 centavos
no trimestre julho/setembro de 1987 –, o IBC efetuou a aquisição do excedente
de cerca de dez milhões de sacas da safra 1987/1988, ao mesmo tempo em que teve
de lidar novamente com o problema da repartição interna das cotas de
exportação.
O
sistema inicialmente adotado foi o de uma média ponderada entre os critérios de
desempenho e estoque, porém com a inovação de reservar 10% da cota total para
aquisição sob a forma de leilões. A participação dos leilões passou logo para
100% da cota total de exportação, com duas implicações importantes: tanto o conflito
distributivo para a obtenção de cotas quanto o valor do imposto efetivo de
exportação – isto é, o preço da licença de exportação– passaram a ser
determinados simultaneamente no mercado, pela própria interação dos agentes
econômicos, deixando de depender de decisões administrativas. No entanto, essa
experiência foi de curta duração. No plano externo, no âmbito das negociações
da OIC, as posições dificilmente conciliáveis entre o Brasil, principal país
produtor, e os Estados Unidos, principal país consumidor, levaram à suspensão
das “cláusulas econômicas” a partir de julho de 1989, encerrando de maneira
aparentemente definitiva a experiência iniciada em 1963 de uma ação coordenada
entre países exportadores e importadores em vista da estabilização dos preços
internacionais.
O
efeito sobre os preços internacionais se fizeram sentir imediatamente (a média
do segundo semestre de 1989, de 66 centavos de dólar/Lb, representou uma queda
de 45% em relação à média do primeiro semestre) e, de modo apropriado, a reação
do Brasil foi – num primeiro momento, até o final da gestão Dauster – de
esforço de ampliação do market-share (entre outras medidas, tornando a
“cota de contribuição” (c. de c.) igual a zero), buscando compensar com aumento
no volume de exportações os efeitos da queda nos preços.
A
década de 1980 em perspectiva
O desempenho externo apresentou a seguinte
evolução:
Receita cambial Volume Mercado internacional
(bilhões U$-1990) (milhões sacas) (%)
1980-1985
2,8 17,4 26,4
1986
2,7 9,9 14,5
1987-1989
2,2 17,8 24,0
Média
década 1980 2,6 16,7 24,3
Média
década 1970 3,4 15,2 27,0
1970-1974
3,0 17,5 31,0
1975-1979
3,8 13,0 23,0
Como
se pode verificar por essa tabela, as exportações brasileiras na década de
1980, especialmente no período 1980-1985, apresentaram uma recuperação em
relação à segunda metade da década de 1970 – período em que grande parte do
parque cafeeiro brasileiro havia sido destruído –, quando os volumes médios de
exportação, comparados com a primeira metade da década de 1970, haviam caído em
25%, 13 milhões de sacas em média, implicando numa queda do market-share
de 31% para 23%.
Na
década de 1980, até a ocorrência da seca, o Brasil havia recuperado os volumes
médios de exportação da primeira metade da década de 1970, porém, devido ao
crescimento do consumo mundial no período, só em parte sua posição relativa no
mercado internacional (26% contra 31%). Esse quadro de recuperação progressiva
foi rompido pela seca de 1985/1986: a participação total brasileira no mercado
internacional, na década de 1980, continuou portanto a manter tendência
declinante, em termos relativos, com o agravante de que o “arábica de
terreiro”, sua qualidade mais importante e tradicional, apresentou um recuo em
termos absolutos concernente aos seus níveis de utilização pela indústria
internacional na década de 1960.
O
setor cafeeiro brasileiro, que emergiu ao longo da década de 1980, apresentou
uma série de características inteiramente novas em relação aos períodos
precedentes:
a)
deslocamento maciço do parque cafeeiro para fora das áreas mais expostas a
geadas. Minas Gerais assumiu o papel que havia sido do Paraná no pós-guerra, de
São Paulo na primeira metade do século e do estado do Rio no século XIX. O novo
eixo de produção passou a ser constituído pelos estados de Minas, especializado
no “arábica”, e Espírito Santo, especializado no “robusta”, em substituição ao
eixo anterior Paraná/São Paulo. Minas, além de suas áreas tradicionais como a
Zona da Mata, produtora de cafés “Rio”, e o sul do estado, produtora de cafés
finos, demonstrou um forte dinamismo com a abertura de uma importante fronteira
agrícola na região do cerrado e com a adoção de novas técnicas de mecanização
de colheita – nas áreas planas do cerrado – e de adensamento, que permitiram
aumentos notáveis nos níveis de produtividade por hectare. Por sua vez, o
Espírito Santo emergiu, no espaço de uma década, como um dos maiores produtores
de café “robusta” do mundo, ao qual veio também se somar a abertura de uma nova
fronteira, em Rondônia.
b)
um perfil exportador diversificado: na década de 1970, o Brasil havia
consolidado sua posição como maior exportador mundial de café solúvel, que se
somou à tradicional exportação de café verde arábica; na década de 1980, com a
produção capixaba do “conilon”, o Brasil se tornou um importante exportador de
café “robusta”, passando a competir no mercado internacional de café verde com
dois dentre os três grandes grupos qualitativos que compõem os blends da
indústria internacional de torrefação – “arábicas lavados”, “arábicas de
terreiro” e “robustas”.
c) pela primeira vez, desde a liquidação
dos estoques do Departamento Nacional do Café, no final da década de 1940, o
setor operou sem o “problema” do excesso de estoques: o estoque médio de 18 milhões
de sacas, que equivalia a 25% da demanda mundial anual de importação nos anos,
se compara favoravelmente com a média de 26 milhões de sacas da década de 1970
(45% da demanda mundial) e de 59 milhões (122%) da década de 1960.
d)
o fato de as exportações brasileiras terem passado a representar menos de 10%
da receita cambial, ao longo da década de 1980, mais o fato de seu peso ser de
2% do PIB, caracterizam o fim de um ciclo secular de dependência estrutural da
economia brasileira em relação ao desempenho do setor cafeeiro. Deve ser
lembrado que, ainda na década de 1960, e apesar de o setor então representar
menos de 5% do PIB, seu peso permanecia decisivo não apenas sobre o câmbio (50%
das exportações) como também sobre as políticas fiscal e monetária – efeitos
contracionista/expansionista da conta-café, particularmente a política de
estoques.
As
variáveis-chave macroeconômicas eram fortemente influenciadas pelo preço
internacional do café, o que acarretava as seguintes implicações: as
prioridades do setor acabavam subordinadas à conjuntura macroeconômica, criando
um incentivo permanente a políticas de “valorização”, com seu viés em favor da
maximização do curto prazo em detrimento do longo. Entre as vantagens dessas
políticas – que se traduziam em receitas cambiais mais elevadas e, portanto,
numa maior capacidade de importação – estava o fato de que elas permitiam
acelerar, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, o ritmo de diversificação
da economia, reduzindo sua dependência de longo prazo em relação ao café. Em
contrapartida, essas políticas tinham como custo um processo contínuo de perda
de market-share – preços relativos desfavoráveis ao Brasil induzindo a
substituição de seu café por outros cafés, preços absolutos elevados induzindo
a expansão do plantio em outros países –, assim como o ônus da retenção dos
excedentes de produção.
Existia,
portanto, um claro trade off entre a maximização da renda de curto prazo
e a perda de market-share: nesse processo, a perda de espaço do Brasil
no mercado internacional era a contrapartida das políticas que visavam à
maximização da capacidade de importar e, em última instância, de diversificar a
economia.
Enquanto
a participação do café na receita cambial brasileira se manteve elevada e o
comércio de café representava uma parcela importante – ainda que rapidamente
decrescente – do comércio mundial (2,6 % na década de 1950, 1,2 % na de 1960, e
0,8 % na de 1970), a perda de market-share aparecia como um custo menor
que o sacrifício da maximização da renda de curto prazo: a alternativa de uma
política de maximização do market-share só equivaleria a uma política de
maximização da renda de longo prazo se a participação do comércio de café no
comércio mundial permanecesse constante, e não dramaticamente cadente como ocorreu
a partir de 1950 – acima de 3% do comércio mundial na primeira metade da década
de 1950 para 0,5% na década de 1980.
Esse
quadro de relativa dependência, que prevaleceu até a década de 1970, explica o
interesse, quando não o ativo envolvimento do Brasil, na sustentação dos preços
internacionais, seja através de iniciativas de caráter econômico – as
sucessivas políticas de “valorização” e de “defesa do café” – ou político
(notadamente a diplomacia do pós-guerra), que visavam evitar situações de
excesso de oferta no mercado internacional: nas valorizações clássicas da
República Velha, por meio do financiamento no mercado internacional da retirada
dos excedentes de produção; no primeiro período Vargas, através da destruição
(incineração) dos excedentes e da redução da área plantada; na década de 1950,
por meio da retirada dos excedentes de produção com financiamento interno – com
a “poupança forçada” resultante da forte taxação das exportações –, tendo como
conseqüência uma enorme acumulação de estoques e uma grande expansão do
plantio. A partir da década de 1960, por intermédio dos acordo internacionais,
o esforço de sustentação do mercado deixou de ser exclusivamente brasileiro,
tornando-se uma ação multilateral e negociada entre países exportadores e importadores,
sendo que o ônus de se carregar os excedentes da produção mundial passou a ser
repartido entre os países produtores, na medida de seus próprios excedentes.
O
fato de que a economia brasileira já havia alcançado, na década de 1980, um
grau de desenvolvimento e diversificação que a tornava independente do preço
internacional do café, significava que o setor, por sua vez, ao deixar de ser
uma variável estratégica essencial à gestão macroeconômica, passava a poder
contar, pela primeira vez, com políticas especificamente setoriais e de longo
prazo; que nesse novo contexto, a expansão do market-share tende a se
tornar a questão mais importante em seu posicionamento no mercado
internacional; e significava também a necessidade de se repensar o papel do Estado.
O
mercado internacional, ao final da década de 1980, apresentava entre suas
principais modificações: a) do ponto de vista da produção, um crescimento
acelerado (cerca de 2,5% ao ano contra 1,5% na demanda) – apesar da estagnação
da produção africana, responsável desde a década de 1950 pelas maiores taxas de
crescimento da produção mundial – concentrado especialmente nos “arábicas
lavados” produzidos na Colômbia e América Central, nos “robustas” indonésios e
na recuperação da produção brasileira, fortemente abalada na década de 1970; b)
do ponto de vista do consumo, a utilização de cafés “robustas” que deixou de
crescer pela primeira vez no pós-guerra – refletindo em parte a inflexão no
consumo mundial de café solúvel –, enquanto o crescimento se concentrou nos
cafés lavados, que também passaram a assumir o papel tradicionalmente
desempenhado pelo café “Santos” como base dos blends da indústria
internacional; c) do ponto de vista da estrutura de mercado, acelerou-se
fortemente o processo de concentração e internacionalização da indústria, em
contraste com uma desconcentação cada vez mais acentuada da oferta; se, por um
lado, tal processo não chegou a configurar uma situação de oligopsônio no
mercado internacional de café verde, por outro lado, nos mercados nacionais de
café industrializado, desembocou em estruturas de mercado fortemente
oligopolizadas; d) do ponto de vista institucional, o término do sistema
de cotas em julho de 1989 que marcava o fim de uma era de políticas de
estabilização do mercado internacional, sustentadas unilateralmente pelo Brasil
até princípios da década de 1960 e multilateralmente, com interrupções, a
partir da fundação da OIC em 1962. Entretanto, com o fim da Guerra Fria o
interesse político dos países consumidores, particularmente dos Estados Unidos,
por mecanismos internacionais de estabilização de preços de matérias-primas
reduziu-se fortemente, enquanto numerosos países produtores se sentiram cada
vez mais atraídos em se desfazer de suas estruturas administrativas para o café
– por exemplo, os institutos do café no Brasil e no México.
A
década de 1990
Esse período se iniciou, do ponto de vista
institucional, em condições radicalmente diferentes dos anteriores: no plano
internacional, após 80 anos de condicionamento a mecanismos de sustentação de
preços – sob iniciativa brasileira até princípios da década de 1960; de caráter
multilateral a partir de 1963 com os acordos internacionais –, numa situação de
“mercado livre”, em seguida à suspensão do sistema de cotas em julho de 1989;
no plano interno, a liquidação do IBC no início do governo Collor encerrou mais
de 50 anos (desde a criação do DNC na década de 1930) de um sistema de
autarquia na gestão dos assuntos cafeeiros, cujas atribuições, a partir de
março de 1990, passaram a ser distribuídas entre diversos ministérios –
Fazenda, Agricultura, Itamarati, Indústria e Comércio, Planejamento.
Entre
o segundo semestre de 1989 e o primeiro de 1994, o mercado cafeeiro
internacional conheceu a segunda maior e prolongada recessão de sua história,
apenas comparável à do período da Grande Depressão: os preços internacionais,
medidos pelo indicador composto da OIC, foram em média de 67 centavos de
dólar/Lb contra 132 centavos na década de 1980; o valor do comércio
internacional de café, que havia sido de 11 bilhões de dólares na década de
1980 e de 13 bilhões na de 1970, caiu para uma faixa entre 6,5 e oito bilhões
de dólares, significando uma queda de cerca de 35%.
Por
sua vez, a receita cambial média brasileira caiu para aproximadamente 1,3
bilhões de dólares, 50% da média de 2,6 bilhões na década de 1980 – contra 3,3
bilhões na de 1970, 2,7 bilhões na de 1960 e 3,8 bilhões na de 1950; a forte
queda nos preços unitários de exportação, refletida no desempenho da receita,
tampouco foi compensada por um aumento de participação de mercado: o market-share
médio no período 1990-1996 manteve-se, no agregado, nos níveis da década de
1980 (24%), porém com um menor peso do “arábica”, compensado por uma maior
participação do “robusta”.
Em
contrapartida, o fim do sistema federal de taxação das exportações – quando da
igualação da alíquota da “cota de contribuição” em julho de 1989, permanecendo
apenas o ICMS, imposto estadual, que viria a ser abolido com a Lei Kandir em
fins de 1996 – significou uma importante mudança estrutural: não somente um
aumento significativo na participação relativa da remuneração do produtor no
preço final de exportação, como sobretudo uma maior integração do mercado
interno brasileiro ao mercado internacional, após quatro décadas de dissociação
– através de mecanismos sucessivos, tais como o “câmbio-café” na década de
1950, a “cota de contribuição” a partir da década de 1960, e os leilões de
cotas no final da década de 1980 – entre os preços internos e externos.
Como
reflexo dessa nova situação, a renda interna do setor se retraiu
significativamente menos que a receita de exportação. No período entre 1991 e o
primeiro semestre de 94, os preços internos caíram para um patamar 15% inferior
ao do período 1987-1990, cerca de 62 dólares/saca, agravando a profunda crise
de rentabilidade da lavoura que se seguiu ao ciclo de euforia (após a seca de
1985) e depressão (a partir da grande safra de 1986/1987) da segunda metade da
década de 1980: o reflexo foi uma rápida reversão do crescimento que vinha se
produzindo no parque cafeeiro – que retornou a uma área plantada de cerca de
dois milhões de hectares, equivalente à do final da década de 1960, após o
programa de erradicação – e uma redução nos dispêndios que prejudicou
fortemente os níveis de produtividade; a produção exportável média (isto é,
produção total – consumo interno) de 16 milhões de sacas de café, no período
1990-1996, representou, em termos absolutos, uma queda de 12% em relação à
década de 1980, comprometendo a manutenção do market-share do café
brasileiro no mercado internacional.
Uma
fase de altos preços externos e internos iniciou-se em meados de 1994, para
cuja recuperação inicial contribuiu a atuação de uma nova entidade formada
exclusivamente por países produtores, a Associação dos Países Produtores de
Café (APPC), que acordou, entre seus membros, um sistema indicativo de
contingenciamento da oferta, mas para o qual foi decisiva a forte geada que
atingiu as principais regiões produtoras do Brasil, e que viria a ser responsável
por uma quebra superior a 35% na safra 1995/1996. Os preços internos no período
1994-1996, cerca de 140 dólares/saca, duplicaram em relação à média do período
1987-1993, contra um aumento de aproximadamente 60% nos preços fob (arábica
GRI), gerando perspectivas novas de rentabilidade e expansão.
A
atuação governamental na década de 1990 teve de ser profundamente repensada em
função do quadro, tanto interno quanto externo, de liberalização. No plano
diplomático, o Brasil não se mostrou favorável, numa primeira fase que se
estendeu até 1991, a uma retomada de negociações em torno de um eventual
restabelecimento do sistema de cotas; numa segunda fase, a posição modificou-se
e o país participou ativamente de sucessivas rodadas de negociações, que não
puderam chegar a bom termo, e cessaram com a decisão americana, em 1993, de se
retirar da Organização; o esvaziamento conseqüente da representatividade dos
países consumidores no âmbito da OIC e a percepção da pouca viabilidade de
operacionalização de um acordo internacional com “cláusulas econômicas”
contribuíram para direcionar à APPC o foco das iniciativas diplomáticas do
Brasil. Internamente, a fragmentação das antigas atribuições do IBC, entre
diversos ministérios, teve como conseqüência inicial uma situação de vácuo
decisório do lado governamental, traduzindo-se freqüentemente por uma total
ausência de políticas tanto no plano interno quanto externo, enquanto do lado
do setor privado reforçou-se a percepção de que, a despeito dos eventuais
conflitos de interesse entre seus segmentos, ele deveria se unir para poder
assumir um maior papel na formulação e coordenação das políticas setoriais. Tal
percepção culminou na formação do Comitê Brasileiro do Café (CBC) em 1991,
entidade constituída por representantes dos quatro principais segmentos –
lavoura, indústria de torrefação, indústria do solúvel, comércio de exportação
–, que representou um passo importante na forma de levar ao governo os
problemas setoriais: passou-se a privilegiar a coordenação entre os segmentos e
a busca de pontos de convergência, ao invés do sistema prevalente no passado,
no qual cada um encaminhava suas questões de forma isolada, quando não em
confronto. Apesar de sua existência informal, o CBC teve, desde sua criação até
1996, um peso decisivo no posicionamento do governo brasileiro, e na maior
parte das suas decisões.
Por
outro lado, o desenvolvimento do diálogo entre segmentos levou a um
aprofundamento das discussões sobre o papel do Estado, o qual – após um longo
período de tutela – encontrava-se esvaziado tanto de recursos quanto de
instrumentos de política, o que equivalia a discutir o espaço decisório a ser
ocupado pelo setor privado: se por um lado havia um forte consenso quanto a um
não retorno à situação prévia de dirigismo estatal, as propostas institucionais
pendiam entre uma autogestão plena pelo setor e uma gestão compartilhada entre
setor privado e governo. Essa discussão pôde ser desenvolvida por meio de uma
iniciativa dos deputados Carlos Melles e Silas Brasileiro, que constituíram no
Congresso Nacional uma comissão cujos trabalhos realizados durante o primeiro
semestre de 1996 representaram uma ampla consulta ao setor e a personalidades
com atuação em administrações passadas. Em conseqüência, foi instituído em
outubro desse ano o Conselho Deliberativo de Política Cafeeira (CDPC), que
significou uma opção pela fórmula da co-gestão, num sistema de igualdade de
votos entre setores público e privado com arbítrio do ministro da Indústria e
Comércio.
O
importante papel implicitamente reconhecido ao Estado, após alguns anos de
forte questionamento de sua função, pode ser vinculado aos seguintes fatos: a)
o súbito fechamento dos registros brasileiros de exportação em 1990
havia demonstrado que a recente liquidação do IBC não significava necessariamente
o fim da intervenção estatal em seus aspectos mais questionáveis – isto é, o de
deslocamento do ambiente contratual; b) a existência de um grande estoque em
poder do governo (2/3 do Funcafé, 1/3 do Tesouro), com um volume equivalente a
um ano de exportação, cuja forma de mobilização, se feita de forma
intempestiva, poderia ter efeitos perturbadores no mercados internacional e
doméstico e, se feita de forma disciplinada, permitiria ao mesmo tempo
assegurar condições de normalidade ao abastecimento e aumentar a
disponibilidade de recursos financeiros ao setor por meio do Funcafé; c) o
contraste entre a importância patrimonial do Funcafé e as dificuldades
encontradas para sua operacionalização, apesar da criação, por iniciativa do
senador Gerson Camata, do Departamento Nacional do Café (Denac), órgão
subordinado ao Ministério da Indústria Comércio e Tecnologia e responsável por
sua gestão; d) a ativa participação do Itamarati no quadro da APPC.
A
expectativa em relação à solução encontrada com o CDPC é de que, ao mesmo tempo
em que fica delimitado o escopo de atuação do Estado, este passe a contar com
instrumentos e suporte para a formulação e implementação de políticas de médio
e longo prazo para o setor.
Os
desafios com os quais se defrontam o setor cafeeiro e o governo, no final de um
século em que estiveram intensamente associados, são, do lado governamental, um
novo papel, no qual a função de catalisação das melhores energias do setor
substitui à de intervenção e condução, e, do lado privado, uma adaptação das
vantagens comparativas brasileiras às exigências qualitativas e de
diferenciação que cada vez mais caracterizam os mercados externo e interno.
A
forma de inserção da atividade cafeeira na economia brasileira, assim como suas
implicações quanto ao grau de envolvimento governamental (nos planos
internacional e doméstico), modificaram-se profundamente: se por um lado, o
café não mais desempenha a função de “motor de crescimento” (como na primeira
metade do século) ou de instrumento de maximização da capacidade de importar
(como no pós-guerra até a década de 1970), e - graças ao crescimento e
diversificação da economia – tendo deixado de influir de forma decisiva nas
políticas cambial, fiscal e monetária – como ainda era o caso na década de 1960
–, o setor, por outro lado, tem mantido sua capacidade de abrir fronteiras,
tanto sob o aspecto geográfico (por exemplo, o cerrado mineiro para o
“arábica”, Rondônia para o “robusta”), quanto comercial (a ampliação do leque
de qualidades de exportação, com o solúvel a partir da década de 1960, e com o
“robusta” a partir da de 1980) e tecnológico (os avanços de produtividade por
meio das novas técnicas de mecanização, adensamento e irrigação).
Por
outro lado, o mercado interno brasileiro, além de ser o segundo maior, tem sido
um dos mais importantes focos de crescimento de consumo de café no mundo: esse
fato, aliado à manutenção de uma participação atuante no mercado internacional
– sem mais as limitações decorrentes das políticas de “valorização” –, parece
garantir ao setor, de uma forma sustentada, uma perspectiva de crescimento via
demanda induzida, com efeitos importantes sobre a capacidade de geração
adicional de empregos, divisas e consolidação de pólos regionais de
desenvolvimento.
A
atividade cafeeira, portanto, não esgotou sua capacidade de contribuir de forma
dinâmica para a economia brasileira. O que parece ter se encerrado, juntamente
com o século que o iniciou, é o próprio ciclo das políticas de valorização –
que se sucederam entre o Convênio de Taubaté em 1906 e o último acordo
internacional com “cláusulas econômicas” em 1989 –, as quais, talvez com mais
acertos que desacertos, foram decisivas na história econômica do período.
Alexandre Fontana Beltrão
colaboração especial
FONTES:
BAER, W. Steel; CARNEIRO, O. Desenvolvimento; COSTA,
R. Esforços; DELFIM NETO, A. Problema; Enciclopédia
Mirador Internacional; FLYNN, P. Legião; FURTADO, C.
Formação; FURTADO, C. Hegemonia; GUDIN, E. Chilf; HOLLOWAY,
T. Vida; KATZMAN, M. Colonization; KRASNER, S. Manipulating;
KRASNER, S. Politics; PAIVA, R. Brazil's; PELÀEZ,
C. História, Rev. Ocidente (1958); ROWE, J. Primary;
RUFENACHT, C. Café; TAUNAY, A. História; TAVARES,
M. Substituição; US. Congress Economic; WICHIZER,
V. World.