CENTRO
POPULAR DE CULTURA (CPC)
Centro cultural constituído em 1962 no Rio de Janeiro, então
estado da Guanabara, por um grupo de intelectuais de esquerda em associação com
a União Nacional dos Estudantes (UNE), com o objetivo de criar e divulgar uma
“arte popular revolucionária”. O centro carioca inspirou a formação de centros
semelhantes em outros estados. Todas essas entidades foram fechadas com o
movimento político-militar de 31 de março de 1964.
Antecedentes
A produção cultural brasileira do fim da década de 1950 e
início da década de 1960 foi um reflexo do intenso debate político que então se
travava no país em meio à forte presença de uma ideologia nacionalista e a uma
crescente mobilização popular. Nasceu nesse momento uma arte engajada, voltada
para “a tomada de consciência da realidade brasileira”, tendo por objetivo dar
um novo conteúdo à cultura popular. Esse projeto implicava tanto o rompimento
com “a cultura alienada das classes dominantes” quanto a recusa em considerar
como populares apenas as manifestações do folclore.
Em
São Paulo, desde fins da década de 1950, o Teatro de Arena passou a desenvolver
um programa de encenação de peças nacionais que se referiam diretamente à
realidade do país, utilizando um estilo de representação que pretendia
igualmente refletir essa realidade. A montagem de peças como Eles não usam
black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e Chapetuba Futebol Clube, de
Oduvaldo Viana Filho, veio expressar uma nova tendência, inteiramente oposta ao
trabalho “europeizante” desenvolvido pelas demais companhias teatrais.
Em
1960, com o propósito de mobilizar setores diversos em torno da idéia de “fazer
teatro para o proletariado”, Oduvaldo Viana Filho desligou-se do Arena
criticando a atuação do grupo, que se restringia ao circuito das salas de
teatro. Nesse mesmo ano, unindo-se ao grupo de teatro da Faculdade de
Arquitetura do Rio de Janeiro, Viana promoveu a encenação de sua peça A
mais-valia vai acabar, seu Edgar. Dirigida por Francisco de Assis e
com música de Carlos Lira, a montagem representou a primeira tentativa de
aglutinar estudantes, artistas e intelectuais num espetáculo de teatro popular.
Por outro lado, em 1961, foi criado dentro da União Nacional
dos Estudantes um grupo denominado UNE Volante, cujo objetivo era percorrer os
estados para criar um movimento nacional de cultura popular e ao mesmo tempo
discutir os problemas ligados à unidade do movimento estudantil.
Todo esse movimento no sentido de tratar a cultura popular
como uma forma de consciência política resultou, em 1962, na criação do Centro
Popular de Cultura.
Atuação
O núcleo formador do CPC foi constituído por Oduvaldo Viana
Filho, pelo cineasta Leon Hirszman e pelo sociólogo Carlos Estevam Martins. Os
fundamentos e os objetivos da entidade foram definidos num anteprojeto de
manifesto, datado de março de 1962, e reafirmado num manifesto definitivo
divulgado em agosto do mesmo ano.
Recusando-se
a considerar a arte como “uma ilha incomunicável e independente dos processos
materiais”, os artistas e intelectuais do CPC acreditavam que toda manifestação
cultural deveria ser compreendida exatamente “sob a luz de suas relações com a
base material”. Afirmavam também que “fora da arte política não há arte
popular”, acrescentando que era dever do homem brasileiro “entender
urgentemente o mundo em que vive” para “romper os limites da presente situação
material opressora”. Combatendo o hermetismo da arte alienada em nome de uma
arte popular revolucionária, os fundadores do CPC declaravam finalmente: “nossa
arte só irá onde o povo consiga acompanhá-la, entendê-la e servir-se dela.”
A proposta veiculada pelo CPC logo recebeu a adesão de vários
outros artistas e intelectuais, entre os quais Ferreira Gullar, Francisco de
Assis, Paulo Pontes, Armando Costa, Carlos Lira e João das Neves. Ao mesmo
tempo, incluindo representantes cepecistas em suas viagens, a UNE Volante
passou a divulgar o movimento, impulsionando a formação de centros populares de
cultura junto às uniões estaduais de estudantes. Pretendendo funcionar como uma
entidade de massas, o CPC tinha todo o interesse em se instalar junto às
associações universitárias, camponesas e operárias. A despeito dos contatos
mantidos nos departamentos de cultura dos sindicatos, entretanto, somente no
Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro foi organizado um CPC, mesmo
assim, de vida efêmera.
Os
recursos para a manutenção do CPC, além de empréstimos da UNE, eram arrecadados
com a venda de sua própria produção, que incluía shows de teatro e
música, livros, revistas etc. Entre as principais peças teatrais montadas
incluíram-se o Auto dos 99%, o Auto dos cassetetes e o Auto do
tutu está no fim. Na área de cinema, foi realizado o longa-metragem Cinco
vezes favela, e na de música, foi gravado o disco O povo canta. Na
área editorial, foram lançados os Cadernos do povo brasileiro e, a
partir de 1963, a coleção de livros de poemas intitulada Violão de rua. Foram
ainda ministrados cursos de teatro, cinema, artes visuais e filosofia.
O
teatro da UNE, apresentando a peça Os Azeredos mais os Benevides, de
Oduvaldo Viana Filho, foi inaugurado às vésperas do movimento político-militar
de 31 de março de 1964. Nos primeiros dias de abril, a sede da UNE foi
incendiada e todos os CPCs foram fechados.
Pós-1964
A perda de contato com as entidades estudantis levou os
ex-cepecistas a procurar novas formas de atuação. Oduvaldo Viana Filho, Armando
Costa, Denoy de Oliveira, Ferreira Gullar, João das Neves, Paulo Pontes, Pichin
Plá e Teresa Aragão criaram o Grupo Opinião, passando a limitar seu trabalho ao
“circuito de espetáculo”. Os cepecistas ligados ao cinema prosseguiram seu
trabalho dentro do movimento do Cinema Novo.
Ao avaliar posteriormente a atuação do CPC, Oduvaldo Viana
Filho declarou que o movimento não conseguira atingir os trabalhadores,
vinculando-se somente aos estudantes. O CPC teria representado a “paixão pelo
encontro do intelectual com o povo”, sentimento esse gerado por uma visão
utópica do processo pelo qual passava a sociedade brasileira.
Vera
Calicchio
FONTES: DCE LIVRE
ALEXANDRE VANUCHI LEME. Elementos; HOLANDA, H. Impressões; Jornal do
Brasil (6/10 e 14/12/79); LEITE, S. Cultura; Metropolitano
(11/8/62); Opinião (29/7/74); ORTIZ, R. Cultura; POERNER, A. Poder;
Rev. Movimento (4/7/62).