COMISSÃO
DE EXPORTAÇÃO DE MATERIAIS ESTRATÉGICOS (CEME)
Órgão criado em 21 de fevereiro de 1952 e instalado
oficialmente em 23 de fevereiro do mesmo ano. Foi extinta em 10 de outubro de
1956, sendo substituída pela Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Antecedentes
No
momento em que Getúlio Vargas assumiu a presidência da República, em 31 de
janeiro de 1951, os Estados Unidos preparavam a IV Reunião de Consulta dos
Chanceleres da Organização dos Estados Americanos (OEA), com o objetivo de
coordenar o apoio latino-americano à intervenção na Guerra da Coréia. Mesmo antes
de tomar posse, Vargas escolhera João Neves da Fontoura para o cargo de
ministro das Relações Exteriores, incumbindo-o de iniciar os estudos
necessários a uma melhor definição da posição do Brasil nesse encontro.
João Neves, após entendimentos preliminares, transmitiu a
Vargas os objetivos norte-americanos relativos à defesa do continente, os quais
se resumiam na compra ao Brasil de materiais estratégicos ou bélicos a preços
reais. Na opinião de João Neves, o governo brasileiro deveria em contrapartida
postular auxílio financeiro para a construção de fábricas de material bélico ou
material indispensável à indústria bélica. Deveria também exigir a concessão de
créditos bancários a médio e longo prazo, para a execução de um programa
racional de industrialização e de obras públicas.
A promulgação da Lei nº 1.310, de 15 de janeiro de 1951,
criando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
e a presença na presidência desse órgão do almirante Álvaro Alberto da Mota e
Silva criaram porém obstáculos às pretensões dos Estados Unidos. A Lei nº 1.310
condicionava as exportações brasileiras de monazita à exigência de
“compensações específicas” que o governo julgasse indispensáveis. Essas
compensações eram basicamente as seguintes: 1) garantia de sobrevivência e de
desenvolvimento para as indústrias nacionais de tratamento químico mediante a
compra de sais de cério e de outras terras-raras em quantidades iguais às da
monazita in natura; 2) auxílio técnico e facilidades que permitissem ao
país adquirir e montar um reator nuclear com emprego de tório, e 3) auxílio
técnico e facilidades para a aquisição de equipamento para o refino da
monazita.
Sob o argumento de que a Lei McMahon proibia qualquer
colaboração com países estrangeiros no tocante à energia nuclear, o governo
norte-americano não aceitou as exigências brasileiras.
Em vista da oposição do almirante Álvaro Alberto à exportação
de monazita sem que fossem atendidas tais exigências, o coronel Armando Dubois
Ferreira, vice-presidente do CNPq, aproveitou-se de uma viagem do presidente do
órgão aos EUA para realizar uma reunião extraordinária a 16 de janeiro de 1952,
na qual foi aprovada a operação omitindo-se as compensações específicas.
Em 21 de fevereiro, por proposta de João Neves da Fontoura,
foi então criada a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos, vinculada
ao Ministério de Relações Exteriores. A criação da CEME tornou letra morta a
Lei nº 1.310 no tocante ao monopólio estatal do comércio exterior dos
principais minérios atômicos.
Atuação
A CEME, presidida por João Neves da Fontoura, deu início
imediato às suas atividades. Por seu decreto de criação, cabia-lhe controlar
todas as atividades referentes ao aproveitamento da energia atômica, função
essa anteriormente exercida pelo Conselho Nacional de Pesquisas ou, quando
necessário, pelo Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). O CNPq e o EMFA a
partir de então só interfeririam nas decisões através de voto, em igualdade de
condições com os representantes dos ministérios da Fazenda, da Agricultura, das
Relações Exteriores e da Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do
Brasil.
A
primeira medida de João Neves ao tomar posse no novo cargo foi autorizar a
remessa de cinco mil toneladas por ano de monazita — in natura e refinada
— para os Estados Unidos. A decisão foi tomada sem consulta ao próprio EMFA.
Dentro da CEME manifestaram-se então duas tendências opostas: de um lado, a
posição do EMFA, freqüentemente acompanhado pelo CNPq, e de outro, a tendência
dos representantes dos ministérios. Estes últimos, liderados por Mário da
Silva Pinto, representante da Cacex e secretário executivo da CEME, eram em sua
maioria favoráveis à livre exportação de minérios estratégicos, sem qualquer
tipo de restrição.
Ainda em 1952, a CEME assinou um acordo — com vigência de
três anos — com os Estados Unidos, pelo qual ficou estabelecida a exportação de
2.500 toneladas de areias monazíticas por ano. O governo norte-americano
solicitou porém a compra da quota total de tório no período de apenas um ano. O
assunto foi discutido na CEME, que acabou por aprovar a venda antecipada.
Pelo
acordo de 1952, os Estados Unidos obrigaram-se também à compra dos sais de
terras resultantes da extração do tório. Esse item não foi entretanto cumprido,
tendo o governo norte-americano proposto que o problema fosse sanado através da
assinatura de um novo acordo. Assim, em 1954, ficou decidido que os Estados
Unidos se comprometeriam a comprar cinco mil toneladas de areias monazíticas e
a mesma quantidade de sais de terras-raras, e que em troca o Brasil compraria
cem mil toneladas de trigo norte-americano. Essa decisão foi aprovada por
maioria na CEME, com o protesto do representante do CNPq, major Valdir Moreira
Sampaio. O novo acordo foi assinado em 20 de agosto de 1954.
Em 1955, durante o governo Café Filho, os Estados Unidos
pleitearam importar mais trezentas toneladas de monazita, além e
independentemente dos ajustes de 1952 e 1954. Mesmo depois que o presidente do
CNPq, José Batista Pereira, solicitou em 28 de julho ao presidente da República
que fosse revogado o ajuste de 1954, a CEME manifestou-se favorável à operação,
que implicava a compra de mais quinhentas toneladas de trigo pelo Brasil. O
novo acordo foi assinado em 16 de novembro de 1955 pelo presidente da República
em exercício, senador Nereu Ramos.
Os acordos de exportação de minerais atômicos suscitaram um
grande debate, chegando a provocar a instalação de uma comissão
parlamentar de inquérito, que teve como relator o deputado Dagoberto Sales.
As controvérsias geradas levaram por outro lado o Conselho de
Segurança Nacional a recomendar a criação de uma comissão encarregada de
estudar a questão da política de energia nuclear e de orientar o governo quanto
às medidas mais adequadas nessa área. Desse modo foi extinta a CEME e criada a
Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Alzira
Alves de Abreu
FONTES:
BANDEIRA, M. Presença; SALES, D. Energia; SALES, D. Razões.