CONSELHO
FEDERAL DE COMÉRCIO EXTERIOR (CFCE)
A
criação do Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) pelo Decreto nº 24.429,
de 20 de junho de 1934, inseriu-se no quadro mais amplo das reformas políticas
empreendidas pelo primeiro governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945).
Tais reformas teriam por objetivo a centralização político-administrativa do
país e o fortalecimento do poder de intervenção do Estado através da criação e
do aperfeiçoamento dos instrumentos necessários para expandir sua capacidade de
controle e supervisão das diferentes esferas da vida social, aí se incluindo as
atividades econômicas.
Este
processo centralizador levaria à montagem de uma complexa máquina
administrativa, cujos elementos básicos seriam o sistema de interventorias, os
institutos, as autarquias e os conselhos técnicos. Estes, previstos pela Constituição
de 1934 em seu artigo 103, tinham como função assessorar o Estado na formulação
de políticas e na tomada de decisões referentes a diferentes áreas. Alguns eram
dotados de poderes normativos e deliberativos, outros exerciam apenas funções
de natureza consultiva.
Entre
os vários conselhos técnicos criados no período, o CFCE figuraria sem dúvida
entre os mais importantes, participando ativamente da discussão e delineamento
das soluções para algumas das questões econômicas prioritárias da época, tais como
a instalação da grande siderurgia no país e o abastecimento do mercado nacional
de petróleo e seus derivados.
Objetivos e composição
De
acordo com seu decreto de criação, o conselho tinha por objetivo
fundamentalmente a centralização da política de comércio exterior do país,
visando à racionalização e à expansão do intercâmbio externo. Para alcançar
esta finalidade, cabia-lhe exercer funções de coordenação junto aos órgãos de
política econômica, o que implicava atuar em estreita articulação com as diferentes
unidades administrativas ligadas à regulamentação e controle dos vários setores
produtivos. Desta forma, o CFCE refletia um certo esforço, característico, da
experiência centralizadora do período, no sentido de ensaiar formas
embrionárias de planejamento econômico. Na prática, porém, sua atuação no
desempenho de tais prerrogativas ficaria prejudicada pela ausência de uma
hierarquia definida entre os principais órgãos consultivos, pela falta de
integração e superposição de esferas de competência entre vários deles ou ainda
pela diversidade de orientações pelas quais se pautavam suas decisões quanto a
uma série de aspectos de política econômica. Não obstante, a importância do
CFCE aumentaria de forma significativa ao longo do tempo, ampliando-se o âmbito
de suas atribuições e passando a ocupar posição relevante entre os órgãos de
assessoria econômica do governo. As duas alterações que sofreu, em 1937 e 1939,
respectivamente, formalizariam este processo de alargamento de seu âmbito de
atuação.
Diretamente
subordinado à Presidência da República, formalmente presidido pelo próprio
chefe do governo, porém de fato por um diretor-executivo, o conselho era
integrado, em sua fase inicial, por nove membros e quatro consultores técnicos.
Destes nove membros, quatro eram representantes de cada um dos seguintes
ministérios: Relações Exteriores, Fazenda, Agricultura e Trabalho, Indústria e
Comércio. Havia ainda um representante do Banco do Brasil e um representante da
Associação Comercial, além de três outros integrantes, pessoas de reconhecida
competência em assuntos econômicos livremente escolhidas e designadas, como os
demais membros, pelo presidente da República. Os consultores técnicos, também
nomeados pelo chefe do governo, tomavam parte nas sessões plenárias, podendo
substituir qualquer conselheiro nas suas faltas ou impedimentos e cabendo-lhes,
então, o direito de voto.
Compunha-se o CFCE de três câmaras, a de crédito e
propaganda, a de produção, tarifa e transportes e, finalmente, a câmara de
comércio e acordos. Nestas subunidades, eram estudadas e debatidas as
diferentes questões que chegavam ao conselho e elaborados os pareceres e
propostas que, se ratificados pela instância decisória máxima do órgão, o
plenário do conselho, eram encaminhados ao presidente da República. Somente com
a aprovação do chefe do governo, os atos do conselho adquiriam força de lei.
Com o alargamento de suas funções, o conselho adquiriu
estrutura cada vez mais complexa. Assim, sua sistemática de funcionamento
passou a adotar a constituição de comissões mistas, em que técnicos dos
organismos públicos e representantes de entidades privadas eram convocados,
reunindo-se para estudar questões econômicas específicas.
Evolução
Em
sua primeira fase, a da vigência do Decreto nº 24.429, que se estendeu do ano
de 1934 ao de 1937, quando se operou a primeira modificação em sua estrutura, o
conselho realizou 170 sessões ordinárias, elaborando estudos e pareceres
relativos a aspectos de política tarifária, cambial e de comércio exterior,
além de sugerir medidas relacionadas à produção agrícola e industrial. Entre
estas últimas, a industrialização de óleos vegetais e o desenvolvimento da
indústria de celulose mereceram estudos mais específicos por parte do órgão.
Em
sua segunda fase, correspondente à vigência do Decreto-Lei nº 74, de 16 de
dezembro de 1937, o conselho sofreu modificações em sua organização e escopo de
atribuições, cabendo-lhe, além de assessorar o governo na área de comércio
exterior, dar parecer sobre quaisquer assuntos relacionados aos interesses
econômicos do país que lhe fossem encaminhados pelo presidente da República. Em
termos de sua estrutura interna, o conselho seria composto, a partir de então,
por 15 membros, dez conselheiros e cinco consultores técnicos. Entre os
conselheiros, três deveriam ser representantes de órgãos de classe do
empresariado agrícola, industrial e comercial, respectivamente designados com
base em listas tríplices sugeridas pela Confederação Rural Brasileira, pela
Confederação Industrial do Brasil e pela Federação das Associações Comerciais
do Brasil, formalizando-se, assim, a representação classista. O número de
representantes dos ministérios foi ampliado de quatro para cinco com a inclusão
de um funcionário do Ministério de Viação e Obras Públicas. Foi mantida a
representação do Banco do Brasil.
Nesta fase, que se prolongou até março de 1939, quando se
operou uma nova reformulação em sua organização interna e dinâmica de
funcionamento, o CFCE realizou 60 sessões ordinárias, analisando e elaborando
pareceres acerca de inúmeras questões de natureza econômica, principalmente nas
áreas de exportação, importação, acordos comerciais, política cambial e
tarifária. Entre as sugestões e projetos de lei então formulados pelo conselho
e aprovados pelo presidente da República, podem ser destacados os que deram
origem à criação do Instituto Nacional do Mate e do Conselho Nacional do
Petróleo, além da padronização dos produtos exportáveis.
Finalmente,
pelo Decreto-Lei nº 1.163, de 17 de março de 1939, o CFCE foi mais uma vez reorganizado.
Esta alteração representou o reconhecimento da evolução de fato do órgão, ao
longo dos anos anteriores, significando mais especificamente a tentativa de
concretizar a idéia de um órgão central de coordenação econômica. A
Constituição de 1937 instituíra um conselho da economia nacional, em moldes
organizacionais muito semelhantes ao CFCE. Embora tal órgão não chegasse a ser
instalado, a idéia que o inspirou persistiria, ressurgindo através de diversas
sugestões de criação de um ministério para assuntos econômicos. Com a
reformulação introduzida pelo Decreto nº 1.163, o CFCE adquiriu competência
para desempenhar, até a instalação do Conselho da Economia Nacional, as funções
de coordenação e fomento da produção do país, passando a ser o órgão consultivo
geral da Presidência da República para todas as questões de natureza econômica.
Em termos de sua composição, o conselho passou a constituir-se de 16
conselheiros, sendo mantida a representação classista, extinta a representação
dos ministérios e eliminado o cargo de consultor técnico.
Em
dezembro de 1949, o CFCE foi extinto para ceder lugar à instalação do Conselho
Nacional de Economia, criado pela Constituição de 1946. Nesta última fase,
entre as medidas estudadas e sugeridas pelo Conselho, destacam-se a criação, em
1939, da Comissão de Defesa da Economia Nacional e da Comissão do
Abastecimento, para enfrentar a conjuntura da guerra. Na área da produção
industrial, por sugestão do CFCE foram concedidos à indústria nacional de vidro
plano-proteção contra a concorrência estrangeira, bem como incentivos à
produção industrial do pinho, da carne, da erva-mate e da soda cáustica. No que
se refere ao comércio exterior, a atuação do órgão incluiu estudos referentes a
tratados de comércio e de navegação.
Balanço
Num
balanço do desempenho do CFCE, cabe ressaltar sua contribuição para o reforço
de uma linha de orientação de cunho nacionalista frente a certas questões
econômicas. Assim, o órgão advogaria uma solução estatal e nacionalista para a
instalação da grande siderurgia no país, conforme parecer da comissão especial
que estudou o assunto entre 1938 e 1939. Além disso, seria elaborado, em 1943,
um plano de ação na área de política energética, sugerindo o estabelecimento de
usinas estatais para a exploração da energia elétrica. Nesta área, uma
importante iniciativa foi a organização da Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco, que se originou dos estudos desenvolvidos no CFCE, já no final do
Estado Novo.
Além de sua importância como instância de informação e de
formulação de políticas, o CFCE atuaria como canal de acesso dos grupos
empresariais do Estado, situando-se entre os órgãos que institucionalizariam a
prática corporativista de representação de interesses privados no aparelho
estatal.
Ao
longo de suas várias fases, integraram o conselho, além dos representantes dos
órgãos públicos que, pelos decretos de 1934 e de 1937, pertenciam aos seus
quadros, Raul de Araújo Maia, Euvaldo Lodi, Artur Torres Filho, Álvaro Porto
Moitinho, Válter James Gosling e José Lourdes Salgado Scarpa, como
representantes dos órgãos de classe do setor empresarial. Entre os consultores
técnicos que fizeram parte do conselho, incluem-se Antônio Eduardo Lenhoff
Brito, Clóvis Ribeiro, Léo de Afonseca, Adamastor Lima, Guilherme Weinschenk,
Misael Ferreira Pena e Valentim Bouças, este último conhecido homem de
negócios, que teve intensa atuação em outros órgãos técnicos durante o primeiro
governo Vargas. Roberto Simonsen, importante líder industrial e dirigente da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), participou
interinamente do órgão como conselheiro substituto. Jesus Soares Pereira participou de algumas das comissões mistas que se constituíram para estudar
certos aspectos de política econômica como, entre outros, o encaminhamento da
questão siderúrgica e da questão energética.
Eli
Diniz
colaboração
especial
FONTES: BAER, W. Modificações;
CARONE, E. Terceira; CONS. FED. COMÉRCIO EXT. Dez; CUNHA, L. Alguns;
CUNHA, M. Sistema; DINIZ, E. Empresário; MARTINS, L. Politique;
PEREIRA, J. Petróleo; SOUSA, M. Estado; WIRTH, J. Política.