INSTITUTO
BRASILEIRO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA (IBAD)
Organização
fundada em maio de 1959 por Ivan Hasslocher com o objetivo de combater a
propagação do comunismo no Brasil. Financiado por contribuições de empresários
brasileiros e estrangeiros, intensificou suas atividades em 1962 através da
Ação Democrática Popular (Adep), sua subsidiária, que interveio ativamente na
campanha eleitoral daquele ano, patrocinando candidatos que faziam oposição ao
presidente João Goulart. Foi fechado, juntamente com a Adep, em 20 de dezembro
de 1963, acusado de “exercer atividade ilícita e contrária à segurança do
Estado e da coletividade”.
Organização e atuação
Segundo declarações de Hasslocher, as pessoas físicas e
jurídicas que financiavam as atividades do IBAD enviavam suas contribuições
reservadamente ao Royal Bank of Canada, para a conta da agência de propaganda
Incrementadora de Vendas Promotion, subsidiária daquele instituto e fundada
mais ou menos na mesma época. Hasslocher era o diretor-superintendente dessa
agência.
O IBAD tinha contabilidade própria e suas contas nunca foram
publicadas. Os financiadores formaram um comitê de cinco membros para
representá-los junto a Hasslocher por ocasião das prestações de contas. Os
nomes dos financiadores eram anotados num caderno particular de Hasslocher,
correspondendo a cada nome um número. Os financiadores não podiam interferir na
vida da organização, limitando-se a oferecer suas contribuições e a ser
informados por intermédio do comitê — sobre como o dinheiro era aplicado.
O instituto atuava em íntima conexão com a Promotion, e a
partir de 1962, com a Adep, entidade também criada por Hasslocher com objetivos
explicitamente eleitorais. A Promotion teve participação destacada no pleito de
1962, produzindo grande número de programas de rádio e de televisão e
publicando matérias pagas na imprensa durante a campanha eleitoral. Em períodos
normais, a agência mantinha mais de 80 programas semanais de rádio,
transmitidos por emissoras de todo o país, dando cobertura aos políticos
ligados ao IBAD.
Segundo Muniz Bandeira, o IBAD atuava próximo a várias
organizações antigovernamentais, como a Campanha da Mulher pela Democracia
(Camde), a Frente da Juventude Democrática e a Ação Democrática Parlamentar
(ADP), fornecendo-lhes basicamente doações em dinheiro. O instituto também
procurou abrir canais próprios na área sindical, apoiando o Movimento Sindical
Democrático (MSD), em São Paulo, e a Resistência Democrática dos Trabalhadores
Livres (Redetral), no Rio de Janeiro, organizações anticomunistas que se
contrapunham ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Ainda no setor
trabalhista, o instituto foi acusado de ter tentado criar em Pernambuco um
núcleo de trabalhadores rurais com o objetivo de neutralizar a ação das Ligas
Camponesas, dirigidas por Francisco Julião. O IBAD também atuou no movimento
estudantil, através do Movimento Estudantil Democrático (MED), distribuindo
dinheiro aos candidatos anticomunistas que concorriam às eleições dos centros
acadêmicos ou aos promotores de atividades políticas de seu interesse.
Durante a campanha eleitoral de 1962, o IBAD — através da
Promotion — alugou por 90 dias, mediante pagamento de cinco milhões de
cruzeiros antigos, o vespertino carioca A Noite. Nesses três meses, a linha
política do jornal foi radicalmente modificada, passando a promover os
candidatos apoiados pela Adep e a intensificar a campanha anticomunista. Antes
da celebração do contrato de A Noite com a Promotion, o jornal apoiava
abertamente Elói Dutra, deputado federal do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB) pelo então estado da Guanabara, de conhecida posição nacionalista.
Outra
iniciativa do instituto foi a tradução e a divulgação do livro Assalto ao
Parlamento, do escritor tcheco Jan Kosak. A obra, publicada pelo jornal O
Globo, descrevia a tomada do poder pelos comunistas na Tchecoslováquia e o
papel central que o controle do Congresso desempenhara nesse processo. Era
visível a intenção do IBAD de, por meio da publicação do livro, traçar um
paralelo entre a conjuntura tcheca do final da década de 1940 e a que o Brasil
vivia naquele momento.
O IBAD mantinha em circulação a revista mensal Ação
Democrática, com uma tiragem de cerca de 250 mil exemplares, dirigida por
Gabriel Chaves de Melo.
A Comissão Parlamentar de Inquérito
A
participação do IBAD-Adep na campanha eleitoral de 1962 foi tão ostensiva —
teriam sido gastos cerca de cinco bilhões de cruzeiros antigos no favorecimento
de candidatos oposicionistas — que despertou a atenção de parte considerável do
Congresso. Partindo do princípio de que o empresariado brasileiro dificilmente
conseguiria reunir soma tão elevada num período de grave crise econômica como a
do início da década de 1960, os parlamentares decidiram averiguar a origem
desses recursos.
Foi dentro desse quadro que, no segundo semestre de 1962, o
deputado Elói Dutra sugeriu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) para investigar as atividades do IBAD e de suas subsidiárias. Como os
políticos se encontravam em plena campanha eleitoral, não foi possível instalar
imediatamente a CPI. Em abril de 1963, com a nova Câmara dos Deputados já
empossada, coube ao deputado Paulo de Tarso Santos, do Partido Democrata
Cristão, renovar a proposta. Em maio, começaram os trabalhos da CPI, que teve
como presidente Válter Peracchi Barcelos, do Partido Social Democrático (PSD)
do Rio Grande do Sul, como vice-presidente Rubens Paiva, do PTB de São Paulo, e
como relator Laerte Vieira, da União Democrática Nacional (UDN) de Santa
Catarina.
No início de setembro, os trabalhos da CPI foram
interrompidos por iniciativa da maioria dos membros da própria comissão, sob a
alegação de que o Decreto Presidencial nº 52.425, de 31 de agosto de 1963, que
determinava o fechamento do IBAD e da Adep por três meses, teria esvaziado e
desprestigiado o Congresso em sua missão de apurar a verdade. A suspensão das
investigações ocorreu um dia antes da data marcada para Ivan Hasslocher depor,
fato que fortaleceu as suspeitas de que Peracchi Barcelos, Laerte Vieira e
outros integrantes da comissão tivessem sido beneficiados com verbas do IBAD.
No
entanto, a CPI foi rapidamente recomposta, dessa vez por elementos sem nenhum
vínculo com o IBAD ou suas subsidiárias. Foi essa nova comissão, que teve como
presidente o pessedista paulista Ulisses Guimarães e como relator o udenista
mineiro Pedro Aleixo, que conseguiu tomar o depoimento de Hasslocher. Este,
informado da iminente abertura da CPI, viajara no mês de abril para o exterior,
só retornando ao Brasil em setembro, quando finalmente se dispôs a depor
perante a comissão. Hasslocher recusou-se a prestar depoimento na condição de
testemunha, preferindo qualificar-se como “indiciado”. Segundo o relator Pedro
Aleixo, essa era uma forma de “furtar-se ao dever de dizer a verdade”.
A
comissão recolheu ainda centenas de depoimentos, denúncias e comprovantes de
despesas e de doações, mas não chegou a fazer uma relação das empresas que
haviam contribuído para os fundos do IBAD nem dos candidatos que haviam sido
beneficiados. Um dos pontos que a CPI conseguiu apurar foi que os papéis do
IBAD haviam sido queimados quando suas atividades começaram a ser investigadas
por ordem do presidente da República.
De qualquer forma, foi através dos depoimentos prestados à
CPI que se tornou possível reconstituir pelo menos parte da história do IBAD e
de suas subsidiárias. Prestaram informações à CPI tanto elementos que
integravam o IBAD e a Adep quanto pessoas que haviam sido prejudicadas por eles.
Em depoimento prestado em agosto de 1963, o governador de Pernambuco Miguel
Arrais — eleito em 1962 — afirmou que seu adversário nas eleições, João
Cleofas, havia recebido cerca de 25 milhões de cruzeiros antigos do IBAD-Adep.
Além disso, demonstrou com base em abundante documentação que o dinheiro do
instituto provinha de várias firmas estrangeiras, na maioria norte-americanas,
entre as quais a Texaco, a Shell, a Ciba, a Schering, a Bayer, a General
Electric, a IBM, a Coca-Cola, a Sousa Cruz, a Belgo-Mineira, a Herm Stoltz e a
Coty. Outra denúncia feita por Arrais foi a de que o IBAD criara uma
organização secreta entre a oficialidade do IV Exército.
A
contribuição financeira de firmas norte-americanas ao IBAD foi confirmada anos
depois, em 1977, por Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil no
início da década de 1960. Gordon afirmou ser inegável “a presença de dinheiro
de origem americana” na campanha eleitoral de 1962, e estimou o total concedido
em cerca de cinco milhões de dólares.
A dissolução do IBAD
O
processo de fechamento do IBAD e de sua subsidiária Adep começou em agosto de
1963, quando o presidente da República suspendeu por três meses o funcionamento
das duas organizações, acusando-as, entre outros pontos, de exercerem atividade
política eleitoral — atribuição exclusiva dos partidos —, intervindo no
processo de escolha dos representantes do povo brasileiro e pretendendo a
tomada do poder através da corrupção eleitoral.
Além
disso, o texto do decreto colocava sob suspeita a origem da “soma incalculável”
utilizada pelo IBAD e pela Adep durante a campanha eleitoral. O decreto
determinava também que os órgãos do Poder Judiciário examinassem, no prazo de
três meses, a atuação das referidas entidades, visando a sua dissolução definitiva
e à punição de seus responsáveis.
Em 28 de novembro de 1963, através do Decreto nº 53.042, o
presidente João Goulart prorrogou por mais três meses a suspensão, levando em
conta o fato de que as investigações sobre as atividades ilícitas das duas
organizações ainda se encontravam em curso.
Finalmente, em 20 de dezembro, o IBAD e a Adep foram
dissolvidos por determinação do Poder Judiciário, sendo nomeado liqüidante o
tenente-coronel Geraldo Correia de Melo. No processo, foram citados Ivan
Hasslocher, representante legal do IBAD e da Promotion, o general Gentil João
Barbato, representante legal da Adep, e os deputados Fidélis do Amaral Neto e
Gil Veloso, que assumiram de público o patrimônio do IBAD.
Sérgio Lamarão
FONTES: BANDEIRA,
L. Presença; DUTRA, E. IBAD; Seminário, Rio (30/1 e 5/2/64); Veja (16/3/77).