ITABIRA
IRON ORE COMPANY
Companhia inglesa de exploração de minério de ferro
autorizada a funcionar no Brasil pelo Decreto nº 8.787, de 16 de junho de 1911.
Foi dissolvida em conseqüência do Decreto-Lei nº 4.352, de 1º de junho de 1942,
que aprovou os Acordos de Washington, transferindo ao governo brasileiro a
posse das minas do município de Itabira do Mato Dentro, hoje Itabira (MG).
Formação
A partir de 1909, quando grupos estrangeiros começaram a
adquirir jazidas de minério de ferro no Brasil, a política do governo foi de
criar obstáculos para a exportação. Leis e decretos relativos ao ferro foram
promulgados, estabelecendo que só poderiam exportar aqueles que transformassem
no país parte do minério extraído. Ao mesmo tempo, o governo passou a oferecer
uma série de vantagens e favores aos empresários que se tornassem
siderurgistas. O objetivo era propiciar, através da exportação do minério, a
criação de uma indústria siderúrgica nacional.
Dentro desse quadro, em 1910 a companhia inglesa Brazilian
Hematite Syndicate adquiriu uma das maiores jazidas do país, situada em
Itabira: estendendo-se por 76 milhões e oitocentos mil metros quadrados, as
minas abrigavam uma reserva de minério calculada em mais de um bilhão de
toneladas. No ano anterior, a mesma empresa já havia adquirido o controle
acionário da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas, única via existente
para o escoamento do minério do vale do rio Doce para o litoral.
Em 1911, o grupo inglês da Brazilian Hematite organizou a
Itabira Iron Ore Co., suscitando desde o início a oposição de vários grupos.
Até 1918, contudo, os adversários da Itabira não chegaram a mover uma campanha
capaz de mobilizar a opinião pública. Distinguiram-se nessa fase, além de Artur
Bernardes, destacado político mineiro, figuras isoladas devotadas aos estudos
geológicos e mineralógicos, as quais, através de conferências e artigos na
imprensa, defendiam o minério brasileiro como riqueza a ser guardada pelo Brasil
para que se evitasse a repetição da história do ouro. Entre outros,
incluíram-se nesse grupo Clodomiro de Oliveira, professor de mineralogia da
Escola de Minas de Ouro Preto, e os engenheiros Eusébio de Oliveira e Raul
Ribeiro da Silva. No Senado, o maior opositor da Itabira foi Alfredo Ellis.
Entre os industriais adversários da companhia inglesa figuravam Jorge Street
e Alberto de Faria. Entre os defensores do projeto Itabira destacaram-se João
Teixeira Soares, presidente da Estrada de Ferro Vitória a Minas, e os
industriais Deodato Vilela dos Santos, Álvaro Mendes de Oliveira Castro e Pedro
Nolasco da Cunha.
O contrato da Itabira
O desenvolvimento da indústria nacional, principalmente a
partir da Primeira Guerra Mundial, fez com que os produtos siderúrgicos
adquirissem grande importância. A discussão sobre a questão siderúrgica ganhou
portanto novo impulso, mobilizando os interesses de industriais, técnicos,
políticos e intelectuais.
Assumindo a presidência de Minas Gerais em 1918, Artur
Bernardes promulgou uma lei majorando o imposto de exportação do minério de
ferro para as companhias que visavam apenas à exportação. Ao mesmo tempo,
reduziu-o em quase cem vezes para as empresas exportadoras que instalassem em
seu estado usinas siderúrgicas.
Em 1919, a Itabira Iron, já então com a participação de
capital norte-americano e tendo como representante no Brasil Percival Farquhar,
propôs-se a construir fábricas de aço e laminação, sem ônus para os cofres
públicos, pleiteando por outro lado permissão para exportar minério de
ferro em grande quantidade. Esse programa recebeu o apoio do presidente da
República Epitácio Pessoa e de seu ministro da Viação e Obras Públicas, José
Pires do Rio, que viram em sua execução uma forma de implantar a siderurgia
nacional.
Assim, em 29 de maio de 1920, o governo brasileiro assinou
com a Itabira Iron um contrato pelo qual esta última era autorizada a construir
e a explorar altos-fornos de coque, fábricas de aço e trens de laminação, além
de duas linhas férreas que ligariam as minas à estrada de ferro Vitória a Minas
e de um cais em Santa Cruz (ES), todos privativos da companhia, possuindo este
último instalações necessárias ao embarque, desembarque e depósito de minérios
e produtos das minas. O contrato previa um prazo de 24 meses para o início das
obras e de 48 meses para a entrada em funcionamento das novas instalações. Em
caso de não cumprimento dos prazos, o governo brasileiro poderia declarar por
decreto a caducidade do contrato, não cabendo nenhuma formalidade judicial ou extrajudicial,
salvo se a companhia se sujeitasse a pagar uma multa pelo atraso durante até 12
meses, findos os quais a caducidade seria irrevogavelmente declarada. Ainda
pelo contrato, as obras do cais de Santa Cruz reverteriam à União ao fim do
prazo de 90 anos, e após 45 anos o governo brasileiro poderia encampar o
conjunto das propriedades da companhia.
Após ser assinado, esse contrato foi enviado ao Tribunal de
Contas da União, que se recusou a registrá-lo por considerá-lo em desacordo com
as normas legislativas. Foi feito um pedido de reconsideração ao tribunal e,
diante de nova recusa, o presidente da República mandou executar o contrato,
cujo registro foi feito sob protesto. Tornou-se então necessário o
pronunciamento do Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, o contrato da
Itabira foi examinado por várias comissões entre 1920 e 1928, quando finalmente
foi reconhecida a validade do ato presidencial. Os principais defensores do
contrato foram os deputados Cunha Machado, Aristides Rocha, Heitor de Sousa,
José Lobo e José Gonçalves. Em 12 de novembro de 1928, pelo Decreto nº 5.568,
foi assim legalizado o contrato da Itabira.
Entretanto,
esse mesmo contrato entre o governo da União e a Itabira estipulava desde o
início que a companhia deveria firmar um segundo contrato, com o governo de
Minas Gerais. Esse segundo acordo fora celebrado em 1927, durante o governo de
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ficando estabelecido que a Itabira só
poderia começar a exportar minério de ferro quando entrasse em funcionamento
sua usina siderúrgica. Para instalar a usina, a Itabira obrigara-se a organizar
uma companhia nacional, com subscrição preferencial de capitais brasileiros
privados ou estatais. Essa companhia não teria direito a nenhum tipo de
monopólio na exploração do ferro.
Ao
buscar apoio financeiro nos centros europeus e norte-americanos para dar
seqüência dos empreendimentos previstos, Percival Farquhar não obteve
entretanto uma resposta favorável, pois a crise econômica já se manifestava nos
países capitalistas mais desenvolvidos.
Por outro lado, em vista do vencimento do prazo contratual
para o início das obras, em maio de 1931 José Américo de Almeida, ministro da
Viação e Obras Públicas do governo revolucionário de Getúlio Vargas, declarou a
caducidade do contrato da Itabira. A companhia requereu uma prorrogação de 12
meses, comprometendo-se a pagar a multa estipulada. Contudo, quando faltavam
dois meses para ser novamente declarada a caducidade do acordo, dessa vez em
caráter irrevogável, o governo federal criou uma comissão revisora com o
objetivo de reexaminar o contrato. Com isso, a Itabira considerou o processo
interrompido e suspendeu o pagamento das duas últimas parcelas da multa a que
estava obrigada.
Nesse mesmo momento, o governo federal criou a Comissão
Nacional de Siderurgia, com a incumbência de estudar o aproveitamento dos
minérios de ferro nacionais tanto na exportação como na implantação de uma
indústria siderúrgica em larga escala. A comissão revisora do contrato da
Itabira recebeu instruções para se informar sobre a questão siderúrgica em
geral junto a essa comissão nacional.
O projeto de contrato elaborado pela comissão revisora acabou
por entrar em choque com as conclusões da comissão nacional, o que fez com que
o governo nomeasse outro grupo de trabalho para estudar o caso Itabira. Em
abril de 1933, foi assim criada a Comissão dos 11, que preparou uma nova minuta
de contrato praticamente reafirmando a orientação da comissão revisora. O
documento declarava facultativa a construção da usina e a abertura das linhas
férreas da Itabira ao tráfego público. Após receber a minuta, o governo
enviou-a ao Congresso em maio de 1935. Várias comissões parlamentares opinaram,
até que o projeto foi remetido à Comissão de Segurança Nacional. Solicitado por
esta última a dar seu parecer, o Estado-Maior do Exército, representado por seu
chefe, o general Pais de Andrade, foi contrário à revisão do contrato,
considerando que “melhor seria que o governo chamasse a si tão vultoso
empreendimento, satisfazendo assim completamente os supremos interesses da
defesa nacional”. O Estado-Maior da Armada, chefiado pelo vice-almirante
Anfilóquio Reis, apresentou igualmente seu parecer declarando-se contrário ao
contrato. As isenções, os privilégios e o monopólio concedidos à Itabira
significariam para o Brasil abrir mão de seus direitos de soberania nacional.
Para o Conselho do Almirantado, finalmente, a renovação do contrato, permitindo
que capitais estrangeiros se estabelecessem no setor siderúrgico nacional,
seria uma insensatez.
Por fim, em 18 de junho de 1937, a minuta do novo contrato
com a Itabira foi levada ao plenário da Câmara. Durante a sessão, o então
deputado Artur Bernardes propôs que o governo declarasse a caducidade do
contrato, por ser ele lesivo aos interesses nacionais. Sugeriu também que o
governo organizasse no momento oportuno uma sociedade anônima para explorar o
transporte do minério de ferro pela ferrovia Vitória-Minas, bem como o cais a
ser construído e a frota marítima. O governo subscreveria a maioria das ações,
de modo a assegurar o controle da sociedade.
O
presidente da Câmara, Pedro Aleixo, retirou o projeto de revisão do contrato da
Itabira da ordem do dia, impedindo assim que tanto o projeto como o
substitutivo fossem discutidos. Com o fechamento do Congresso pouco depois, no
dia 10 de novembro, o projeto acabou por não receber o parecer do plenário.
A dissolução
Com o encaminhamento dado pelo governo ao problema
siderúrgico a partir de 1937, o contrato da Itabira foi declarado
irrevogavelmente caduco pelo Decreto nº 1.507, de 11 de agosto de 1939. Embora
a Itabira tenha sido mantida, logo depois um grupo de brasileiros constituído
por Gastão Vilela, Oliveira Castro, Ribeiro Junqueira, Mário Tibiriçá, Amintas
Jaques de Morais e Atos de Lemos Rache aliou-se a Percival Farquhar para fundar
a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia, na qual este último detinha
47% das ações. Esse grupo conseguiu incorporar a Companhia Estrada de Ferro
Vitória-a-Minas e obteve o arrendamento das minas da Itabira Iron mediante o
pagamento de royalties pelo prazo de 25 anos. Na verdade, portanto, tanto as
jazidas como a ferrovia permaneceram sob o controle de Percival Farquhar.
Finalmente,
durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Inglaterra necessitou de uma fonte
de emergência para o abastecimento de minério de ferro, as minas da Itabira
foram transferidas para o governo brasileiro através dos Acordos de Washington,
ratificados pelo Decreto-Lei nº 4.352 de 1º de junho de 1942. Esse documento
legal criou também a empresa de economia mista Companhia Vale do Rio Doce S.A.,
que, além das minas, adquiriu o acervo da Estrada de Ferro Vitória-Minas.
Alzira Alves de Abreu
FONTES: ABREU, A.
Siderurgia; MARTINS, L. Politique; OLIVEIRA, C. Concessão.