LEGIÃO
REVOLUCIONÁRIA DE SÃO PAULO
Organização política criada por Miguel Costa em São Paulo
logo após a Revolução de 1930, dentro do movimento de implantação de legiões
revolucionárias em todo o país, levado a cabo pelos “tenentes”. Foi o principal
sustentáculo da interventoria de João Alberto Lins de Barros (25/11/1930 a
24/7/1931).
Desarticulada no início de 1932, procurou sobreviver
transformando-se no Partido Popular Paulista, o qual, no entanto, se extinguiu
pouco depois da Revolução Constitucionalista deflagrada em julho do mesmo ano.
Origens
As
primeiras notícias sobre a Legião Revolucionária de São Paulo foram divulgadas
em novembro de 1930, quando os líderes tenentistas Miguel Costa, João Alberto e
João Mendonça Lima assentaram as bases da organização, assinando um Manifesto
ao povo. Lançado de um avião sobre a capital paulista, o documento conclamava a
população a levar adiante a obra de “regeneração nacional”, assegurando assim a
“continuidade da ação revolucionária”.
Na ocasião, João Alberto declarou à imprensa que a idéia de
criar legiões revolucionárias surgira de entendimentos seus com Juarez Távora,
Osvaldo Aranha e um representante mineiro, “na mais perfeita harmonia com
Getúlio Vargas”. Afirmou ainda que as legiões estaduais em pouco tempo se
transformariam num grande partido político nacional.
Por outro lado, o fato de a assinatura de João Alberto
constar de um manifesto da legião fez com que esta fosse condenada como um
instrumento pessoal do interventor. A nomeação de João Alberto para a
interventoria em São Paulo causara ressentimentos entre os políticos do Partido
Democrático (PD), os quais, tendo apoiado a revolução, julgavam-se com direito
ao controle do governo no estado. A oposição do Partido Republicano Paulista
(PRP) ao interventor era ainda mais radical, uma vez que o movimento
revolucionário alijara os republicanos do poder.
O conflito entre os democráticos e os novos legionários se
aguçou no início de dezembro de 1930. Os democráticos começaram a protestar
junto a Vargas contra as “arbitrariedades” do interventor e o “exército” de
Miguel Costa, expressando o temor de estarem os paulistas “condenados a uma
ditadura militar de natureza comunista”.
Segundo Flynn, essas apreensões se justificavam pelo
crescimento da legião em São Paulo. Em janeiro de 1931, Miguel Costa declarou
que a legião estava articulada em todos os distritos do estado, e alguns
relatos mencionavam a existência de cerca de 17 mil legionários. Ainda que
exagerado, esse total indicava um recrutamento intenso.
O manifesto-programa
Somente em 4 de março de 1931 foi lançado o
manifesto-programa da Legião Revolucionária de São Paulo, definindo as
principais diretrizes da organização. Seu principal redator foi Plínio Salgado,
que pouco mais tarde abandonaria a legião para fundar a Ação Integralista
Brasileira (AIB).
Em linhas gerais, o documento dava grande ênfase ao
desenvolvimento econômico do país, insistindo na exploração do carvão, do
petróleo e do ferro. Conferia também grande importância à educação, “a fim de
combater o patriotismo lírico e o pessimismo”.
O manifesto defendia um Estado forte, baseado no trabalho, e
com poderes para interferir na vida econômica nacional, estimulando e
controlando as iniciativas e orientando a produção. O Estado deveria ainda
ordenar e coordenar as forças produtoras, a divisão do trabalho e o salário
mínimo. Em suma, o Estado deveria estender sua influência “até onde o
[exigissem] os interesses da coletividade, não como fim, mas em função do
indivíduo”. Este último deveria ser considerado sob o tríplice aspecto de força
moral, econômica e política, “e não simplesmente como força política, como na
democracia liberal”.
Declarando
que os governos deveriam servir aos povos e não os povos aos governos, o
manifesto continha ainda as seguintes afirmações: “a) o Brasil é uno e
indivisível; b) o tipo social brasileiro é o que se origina das realidades
econômicas da terra, das condições dos diferentes meios cívicos no seu
território e da sua formação histórica; c) o homem brasileiro é filho de todas
as raças; d) a Federação deve ser mantida na unidade, dentro da possibilidade
de coexistência; e) deve-se situar o Brasil no problema do mundo; f) é preciso
lutar pelo fortalecimento do poder central; e g) deve-se combater o latifúndio
particular, os trustes e monopólios e a absorção dos patrimônios nacionais
pelos sindicatos estrangeiros.”
No
final do documento era apresentado o quadro completo da comissão central da
legião. Ao lado dos chefes Miguel Costa e Mendonça Lima figuravam Maurício
Goulart (secretário-geral), Rubião Meira, Sud Mennuci, Rafael Sampaio Filho,
Oscar Pedroso Horta, Álvaro Cruz, Rafael Correia de Oliveira, Plínio Salgado,
Rui Fogaça de Almeida, Alfredo Egídio, Francisco A. Teixeira Mendes, Vicente
Ancona e Potiguar Medeiros (comissão civil), o coronel Alcedo Batista
Cavalcanti, os majores Arlindo de Oliveira e Mário Barbosa de Oliveira e os
capitães Raul Pinto Seidl, Thaces Marcondes e Silvério Castor da Nóbrega
(comissão militar).
À comissão central, sediada na capital do estado, caberia
toda a direção técnica, política e administrativa de organização. O estado
seria dividido em dez zonas, correspondentes aos distritos eleitorais vigentes
na República Velha. As cidades de maior importância seriam sedes das zonas. Aí
se localizariam as direções regionais. Cada município teria uma direção
municipal e um conselho deliberativo composto de três membros.
Atuação
Houve
pouca receptividade ao manifesto da legião em São Paulo. O Diário Nacional,
órgão do PD, atacou abertamente o documento. Até mesmo os jornais que apoiavam
João Alberto, como a Folha da Tarde e a Folha da Manhã, mostraram-se hostis.
Causou estranheza o fato de o interventor não ter assinado o manifesto-programa
da organização que ajudara a criar.
A própria legião passou a sofrer ataques constantes de todos
os lados. Em 20 de março de 1931, Luís Carlos Prestes enviou de Buenos Aires um
manifesto, publicado pelo Diário da Noite, em que afirmava: “Aranha, Collor,
Miguel Costa, Távora, com os seus cínicos serventes Mota Lima, Rafael Correia,
Reis Perdigão e tantos outros, distribuídos de Norte a Sul, organizam as
legiões revolucionárias, fazem a mais descarada demagogia.”
Outras críticas foram feitas, mostrando que em julho de 1931
a legião já havia falhado em sua proposta básica. Em lugar de contribuir para
criação de um partido nacional revolucionário, capaz de transcender as
rivalidades regionais, a legião paulista terminara por se envolver nas disputas
locais.
Embora
não houvesse possibilidade de conciliação com as forças democráticas e
republicanas — que envolviam os interesses de banqueiros, industriais e
cafeicultores —, a legião continuou a crescer ao longo de 1931. A organização
apelava essencialmente para os trabalhadores, procurando encontrar aí uma base
social de apoio. De fato, em carta datada de outubro de 1931, Miguel Costa
descreveu a Osvaldo Aranha o último congresso da legião, mencionando a presença
de trezentos mil legionários. No início de 1932, a disputa entre as forças
constitucionalistas e tenentistas se acirrou, resultando na crescente perda de
prestígio da legião. Miguel Costa resolveu então transformá-la num partido
político, fundando o Partido Popular Paulista. Ao mesmo tempo, no dia 16 de
fevereiro, o PD e o PRP decidiram unir-se para formar a Frente Única Paulista
(FUP), em oposição ao governo central e ao Partido Popular.
A crise culminou com a Revolução Constitucionalista,
deflagrada em 9 de julho de 1932. Apesar de derrotados militarmente, os
constitucionalistas alcançaram seu objetivo com a convocação de eleições para a
Assembléia Nacional Constituinte em maio do ano seguinte. O Partido Popular
Paulista, ao contrário, se dissolveu no final de 1932.
Vera Calicchio
FONTES: ARQ.
OSVALDO ARANHA; BASBAUM, L. História; CARONE, E. República nova; Correio da
Manhã (14, 15 e 16/11/30); FAUSTO, B. Pequenos; FAUSTO, B. Revolução;
FIGUEIREDO, E. Militares; FLYNN, P. Legião; Jornal (5 e 6/3/31); NOGUEIRA
FILHO, P. Ideais; SILVA, H. 1931.