LEI DE TARIFAS DE 1957
Nome
com que ficou conhecida a Lei nº 3.244, aprovada pelo Congresso Nacional e
sancionada pelo presidente da República em 14 de agosto de 1957. Reformulou a
legislação fiscal aduaneira, imprimindo à mesma um caráter eminentemente
protecionista. Por ter conferido maior eficácia ao instrumento tarifário, por
criar mecanismos capazes de dinamizá-lo, adaptando-o às condições cambiantes do
processo de industrialização, e por singularizá-lo como meio de proteger a
indústria nacional, representou um grande avanço em relação a tudo o que havia
sido feito no passado nesta matéria, bem como em relação aos demais
instrumentos de política econômica empregados à época.
Histórico
A disputa
em torno da questão das tarifas veio desde o século XIX, reunindo, de um lado,
industriais e outros adeptos do protecionismo e, de outro, os cafeicultores e
outros segmentos da classe dominante agroexportadora, aliados aos importadores
e escudados na doutrina livre-cambista. Apesar de sua menor importância, quer
econômica quer política, pesou sempre a favor do primeiro grupo o fato de que a
elevação das tarifas de importação representava um importante reforço de
receita para os cofres públicos. Assim, através dos vaivéns da política
aduaneira, as tarifas situaram-se periodicamente em níveis relativamente
elevados no Segundo Império e, principalmente, durante a República Velha.
Apesar de terem contribuído, juntamente com as desvalorizações cambiais, para o
crescimento de algumas indústrias, os sistemas de impostos de importação de
então eram inadequados como instrumentos de proteção, e não podiam ser
inteiramente caracterizados enquanto tal, por dois motivos: o primeiro era a
subordinação do objetivo protecionista ao fiscal, levando a que, não raro, a
taxação elevada não se limitasse aos bens de consumo manufaturados,
estendendo-se a matérias-primas e bens de capital e elevando, portanto, o custo
da produção industrial interna; e o segundo era a constante erosão do valor das
tarifas em conseqüência da alta dos preços internos. Quando do advento da lei
de 1957, por exemplo, as tabelas tarifárias herdadas da década de 1930
haviam-se deteriorado tanto, que a tarifa média efetivamente paga naquele ano
montava a apenas 3,2% do valor das importações totais.
A reforma da tarifa das alfândegas de 1957 eliminou aquelas
distorções, tornando este instrumento uma peça importante da política de
industrialização, a qual já era então, sob o governo de Juscelino Kubitschek, a
tônica da política econômica nacional. A imposição de impostos ad valorem
(artigo 2º da lei), calculados sobre o valor externo da mercadoria convertido
em cruzeiros, a taxas fixadas mensalmente (artigo 10º), evitava a erosão das
tarifas efetivas. Por outro lado, a estrutura altamente diferenciada das
alíquotas (de 0% a 150%), isentando de impostos os insumos não disponíveis no
país, e tornando proibitivas (dadas as elevadas alíquotas) as importações de
produtos competitivos com a produção nacional, retirou a característica fiscal
da tarifa, para caracterizá-la como um mecanismo protecionista e de incentivo
ao processo de industrialização.
Diferentemente
dos demais instrumentos componentes da política de desenvolvimento de então, a
Lei de Tarifas não trouxe as marcas da improvisação. Ao contrário, ao delimitar
as competências das políticas cambial e tarifária, permitiu superar alguns
problemas derivados da utilização que vinha sendo feita da taxa de câmbio com
finalidades protecionistas.
De
fato, desde meados de 1947 vinha-se lançando mão de diversos meios para conter
importações; e mesmo na fase em que o objetivo era simplesmente o de
estabilizar o balanço de pagamentos e as reservas — período do presidente
Eurico Dutra —, ainda assim as restrições tiveram um efeito benéfico do ponto
de vista do processo de industrialização. Assim, passou-se do “controle por
cooperação”, que vigorou durante o segundo semestre de 1947, para o regime mais
rigoroso de licenciamento prévio das importações a partir do início de 1948; e
finalmente, em 1953, substituiu-se o controle quantitativo, baseado nas
licenças prévias, pelo regime de taxas múltiplas de câmbio instituído pela
Instrução nº 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). Por este
último mecanismo, os produtos importados eram classificados em cinco
categorias, definidas segundo a essencialidade, e em concordância com os
objetivos da industrialização; e através de leilões de câmbio para cada uma das
categorias, estabelecia-se taxas diferenciadas, que penalizavam mais as
importações não-essenciais ou concorrentes com a produção nacional.
Muito
embora tivessem tido êxito como forma de exercer um controle seletivo das
importações, as taxas múltiplas de câmbio não eram suficientemente flexíveis em
face da dinâmica da industrialização no período. Com efeito, o processo de
substituição de importações exigia mudanças periódicas nas composições de
produtos das categorias de leilões, complicando a operacionalidade do sistema.
Uma dificuldade adicional residia na necessidade de um elevado grau de
diferenciação dos encargos incidentes sobre os bens importados, de forma a
promover ajustes mais precisos de acordo com as necessidades do processo de
industrialização; e um espectro amplo de taxas — facilmente operacionalizável
através das tarifas alfandegárias — não seria factível sob o regime de leilões
de câmbio, que pressupunha um número bem limitado de categorias.
A Lei de Tarifas promoveu a substituição do regime da
Instrução nº 70 por uma armação institucional adequada à proteção da produção
industrial nacional, delimitando, por conseqüência, o campo de ação da política
cambial. Assim, reduziram-se as categorias de câmbio a apenas duas: a geral, na
qual se incluíam bens de produção e bens de consumo genérico, para os quais não
houvesse suprimento satisfatório no mercado interno; e a especial, incluindo
bens de consumo restrito e outros bens para os quais o suprimento ao mercado
interno fosse satisfatório. As transferências financeiras para o exterior se
processariam pelo mercado livre.
O objetivo da redução do número de categorias era transitar
gradualmente para um sistema de câmbio unificado, que se teria tornado viável
pela estrutura de tarifas alfandegárias que então se montava. A unificação
progressiva do câmbio viria a ser implementada a partir de março de 1961.
Contudo, cabe salientar que, a partir de então, a multiplicidade das taxas de
câmbio voltaria a se impor — ainda que de forma não institucionalizada — toda
vez que o país se defrontasse com crises cambiais sérias.
Além
das inovações já mencionadas, cumpre destacar ainda a criação do Conselho de
Política Aduaneira (Capítulo VII da Lei nº 3.244), cujas principais atribuições
ficaram sendo: a modificação, dentro de certos limites (em geral 30% para mais
ou para menos), das alíquotas do imposto; evitar a prática de dumping, seja
estabelecendo “pautas de valor mínimo”, seja elevando a alíquota até o nível
capaz de neutralizá-lo; conceder ou rever registro de similar (atribuição
posteriormente delegada à Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil —
Cacex), e propor alterações na legislação aduaneira. Montava-se portanto uma
instituição capaz de dinamizar a estrutura de tarifas protecionistas em face de
modificações nas condições econômicas internas e externas.
Outros dispositivos importantes da lei, relativos às reduções
e isenções tarifárias — incluindo-se o mecanismo do drawback — e à questão do
“similar nacional”, receberiam um tratamento ampliado posteriormente, através
do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, e do Decreto nº 61.574, de 20
de outubro de 1967.
A Lei de Tarifas de 1957 foi, portanto, sob os diversos
aspectos mencionados, uma reforma do instrumental da política aduaneira,
subordinada a uma política de industrialização; consagrou uma orientação
protecionista que durante dez anos permaneceu inalterada. Em finais de 1966,
entretanto, já sob uma conjuntura econômica e política adversa, promoveu-se uma
redução generalizada das tarifas alfandegárias, invertendo-se a tendência
anterior. Os propósitos de liberalizar o comércio exterior brasileiro sofreriam
alguns percalços (derivados de ocasionais resultados negativos do balanço de
pagamentos) levando a uma nova elevação de alíquotas em fins de 1968 (sem
entretanto atingir os níveis pré-1967). Mas a tônica liberal ainda que
qualificada (liberalização seletiva) permaneceria até que a conjuntura externa
mudasse radicalmente com o choque do petróleo em finais de 1973 e a recessão
internacional de 1974-1975. A partir de então, o protecionismo voltaria a recrudescer,
quer sob a forma de elevação de tarifas aduaneiras, quer por meios menos
convencionais.
Francisco Eduardo Pires de Sousacolaboração especial
FONTES: DOELLINGER,
C. Política; LEFF, N. Política; LEITE, Y. Lei; LESSA, C. 15.