LUTA
DEMOCRÁTICA
Jornal carioca diário fundado em 3 de fevereiro de 1954 por
Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque e Hugo Baldessarini.
Eleito em 1935 vereador de Nova Iguaçu (RJ) na legenda da
União Progressista Fluminense, Tenório Cavalcanti teve sua trajetória política
interrompida entre 1937 e 1945 pelo Estado Novo. Com o fim da ditadura de
Getúlio Vargas e a formação de novos partidos políticos, filiou-se à União
Democrática Nacional (UDN), elegendo-se em 1947 deputado estadual e, em 1950,
deputado federal.
Em fevereiro de 1954, Tenório, considerado por muitos como
uma “janela da UDN para o povo”, fundou a Luta Democrática, com o objetivo de
veicular as idéias da oposição entre as classes menos favorecidas da sociedade.
O novo órgão logo seria considerado uma espécie de Tribuna da Imprensa dos
pobres: de fato, a Tribuna, de propriedade do jornalista udenista Carlos
Lacerda, tinha sido o mais importante órgão de combate a Vargas desde o início
de seu segundo governo, em 1951.
O
primeiro número da Luta Democrática afirmava ser o jornal um “intérprete da
opinião pública”, incorporado à “vanguarda da imprensa livre”. Declarava também
que o país não poderia suportar “outro qüinqüênio de traficâncias e
bambochatas”. A própria fundação do novo periódico era noticiada através de
versos de cunho popular, assinados por Zé Alagoano: “Tenório e Baldessarini,/A
quem no momento eu louvo/ Fundaram este jornal/ Para a defesa do povo/ E dar combate
cerrado/ A quem for interessado/ Na volta do Estado Novo.”
Aderindo à campanha antigetulista, portanto, a Luta
Democrática apoiou o Inquérito Policial-Militar (IPM) instaurado por ação da
Aeronáutica na base aérea do Galeão em agosto de 1954, para apurar as
responsabilidades pelo atentado da Toneleros, no qual foi ferido Carlos Lacerda
e perdeu a vida o major-aviador Rubens Vaz. O jornal denunciou igualmente a
ocorrência de corrupção no governo, encampando as matérias que a imprensa
oposicionista da época publicava a respeito do chamado “mar de lama”. A
oposição a Vargas desenvolvida pela Luta Democrática implicou também seu genro,
Ernâni Amaral Peixoto, então governador do estado do Rio. Tenório o acusou de
vários atentados contra sua pessoa.
Com o suicídio de Getúlio Vargas no final de agosto de
1954, a Luta Democrática apoiou João Café Filho, na medida em que seu governo
se identificava com os princípios da UDN. No mês de outubro, Tenório Cavalcanti
foi reeleito deputado federal por esse partido.
Em
1955, a Luta Democrática encampou a tese udenista da maioria absoluta, tentando
impedir que Juscelino Kubitscheck — eleito presidente da República em 3 de
outubro — tomasse posse. Por conseguinte, o jornal foi contrário ao movimento
liderado pelo general Henrique Teixeira Lott em 11 de novembro de 1955,
que depôs o presidente interino Carlos Luz. Substituto de Café Filho, que se
encontrava afastado por motivo de saúde, Carlos Luz era visto pelos
”legalistas” que o depuseram como um obstáculo à posse do presidente eleito.
Durante o governo Kubitschek (1956-1961), a Luta Democrática
acusou a administração federal de corrupta, atacou com violência a construção
de Brasília e ridicularizou o projeto governamental de fazer o Brasil crescer
50 anos em cinco. Tenório Cavalcanti participou igualmente das chamadas
“caravanas da liberdade” organizadas por Carlos Lacerda no momento em que lhe
foi vedado o acesso ao rádio e à televisão. O próprio Lacerda recordaria
posteriormente a impressão causada por Tenório nessas caravanas: “Era a
primeira vez que ouviam um sujeito da UDN falando feito matuto e com ar
de povo.”
A partir do início de 1960, entretanto, iniciou-se um gradual
afastamento de Tenório Cavalcanti dos quadros da UDN. Desvinculado do
lacerdismo, Tenório filiou-se ao Partido Social Trabalhista (PST) e ainda em
1960 candidatou-se ao governo do recém-criado estado da Guanabara, concorrendo
com o próprio Lacerda e com Sérgio Magalhães, do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB). Lacerda obteve a vitória no pleito.
Durante o efêmero governo de Jânio Quadros (de 31/1 a
25/8/1961), a Luta Democrática atacou com violência a política externa
independente adotada, marcada por projetos de aproximação com os países
comunistas. A condecoração do líder da Revolução Cubana Ernesto “Che” Guevara
com a ordem do Cruzeiro do Sul foi especialmente criticada pelo jornal que
considerou “inconcebível” tal atitude do governo brasileiro.
Durante o governo de João Goulart (1961-1964), Tenório
Cavalcanti apareceu já totalmente desligado da UDN e de Carlos Lacerda. Em
1962, concorreu ao governo do estado do Rio representando uma coligação entre o
PST e o Partido Trabalhista Nacional (PTN), e contou com o apoio do então
semilegal Partido Comunista Brasileiro (PCB). Fez também campanha ao lado de
Leonel Brizola, candidato a deputado federal pela Guanabara na legenda do PTB.
Tenório procurava identificar-se junto ao eleitorado com a herança de Vargas,
denunciando a política de Lacerda.
Sempre através da Luta Democrática, Tenório denunciou seu
concorrente Badger da Silveira, candidato do PTB ao governo fluminense, como
malversador do pensamento trabalhista. Embora tenha sido derrotado na eleição
para governador, Tenório conseguiu eleger-se deputado federal, apoiado por uma
coligação entre o PST, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Movimento
Trabalhista Renovador (MTR).
A Luta Democrática apoiou as principais teses do governo João
Goulart, consubstanciadas nas reformas de base, e combateu o capital
estrangeiro. Editando um noticiário político sensacionalista, o jornal apoiou
também o vice-governador carioca, o petebista Elói Dutra, a quem deu o apelido
de “tigre da Guanabara”. Diversas campanhas populares foram promovidas pelo
jornal nesse período, denunciando comerciantes que majoravam abusivamente os
preços e defendendo a reforma agrária, com a extinção dos latifúndios.
A Luta Democrática desferiu ainda violentos ataques contra o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), afirmando que seu objetivo era
“transformar Minas em praça de guerra”. Considerando toda a oposição a Goulart
como “insincera”, o jornal declarava que “todo esse movimento de defesa do
regime democrático, partido das forças que se opõem ao sr. João Goulart, não se
dirige ao povo”.
O comício da Central do Brasil, realizado em 13 de março de
1964, recebeu uma cobertura entusiástica, com várias fotos dos participantes e
do presidente João Goulart.
Com
a deflagração do movimento político-militar de 31 de março de 1964, embora a
Luta Democrática publicasse matéria simpática aos militares, Tenório Cavalcanti
teve seu mandato cassado no dia 13 de junho. No dia seguinte, referindo-se à
“consumada ignomínia”, o editorial do jornal declarava que “a revolução
[desviara] os seus objetivos, investindo contra os autênticos líderes populares”.
Afastado da política, Tenório conservou seu jornal com uma tiragem em
permanente declínio.
Em 1973, a Luta Democrática foi arrendada por um grupo de
jornalistas liderados por Raul Azedo. Os novos diretores pretendiam manter as
características gerais do jornal, imprimindo-lhe uma linha política
oposicionista. A Luta Democrática sofreu inúmeras perseguições e Raul Azedo
chegou a ser preso. A tiragem tornou-se irregular e, no final de 1977, as
edições eram esporádicas.
Ao contrário dos demais jornais populares e sensacionalistas
com que concorreu, como O Dia e A Notícia, a Luta Democrática adotou sempre uma
linha escandalosa e maliciosa. Segundo Tenório Cavalcanti, a primeira página
era a responsável pela vendagem do jornal. Daí o uso de manchetes ambíguas,
como a que dizia “Cachorro fez mal à moça” para se referir a uma indigestão
provocada por um cachorro-quente deteriorado. A fórmula da Luta Democrática
consistiu em resumo em mesclar apelos ilusórios com fotografias em close de
cadáveres do noticiário policial, retratos de mulheres em trajes sumários e uma
coluna diária, “Escreve Tenório Cavalcanti”, que ensejava ao deputado a defesa
de sentidas reivindicações populares.
Helena Gasparian
FONTES: BELOCH, I.
Trajetória; BENEVIDES, M. UDN; ENTREV. CAVALCANTI, T.