PARTIDO
REPUBLICANO LIBERAL RIO-GRANDENSE (PRL)
Partido político gaúcho fundado em 15 de novembro de 1932
pelo interventor José Antônio Flores da Cunha, com o apoio de Getúlio Vargas e
de Osvaldo Aranha. Foi constituído em grande parte por ex-integrantes do
Partido Libertador (PL) e do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) que,
aliados desde 1929, formavam a Frente Única Gaúcha (FUG). Foi extinto junto com
os demais partidos do país pelo Decreto nº 37, de 2 de dezembro de 1937.
Sua primeira comissão diretora foi integrada por João Carlos
Machado, Raul Jobim Bittencourt, Dario Crespo, Francisco Flores da Cunha e
Darci Azambuja.
Origens
Até o início de 1932, embora defendesse a
reconstitucionalização do país, a FUG não tinha uma posição hostil ao Governo
Provisório de Getúlio Vargas. Entretanto, logo após o lançamento do manifesto
do Partido Democrático de São Paulo, de rompimento com o governo central, em 13
de janeiro de 1932, o diretório central do PL lançou uma nota de solidariedade
aos democráticos paulistas, no que foi imediatamente seguido pelo PRR.
Pouco depois, no mês de fevereiro, o empastelamento do jornal
Diário Carioca pelos “tenentes”, no Rio de Janeiro, provocou o imediato pedido
de demissão dos representantes do PRR e do PL dos cargos que ocupavam na
administração central. Esse episódio foi apenas o detonador do rompimento da
FUG com Vargas, na verdade centrado no problema da reconstitucionalização.
Embora
contrários à atitude conciliatória assumida por Flores da Cunha (do PRR) com
relação ao governo central, os políticos da FUG lançaram um manifesto
reafirmando sua solidariedade ao interventor e declarando que, caso o Governo
Provisório não atendesse às suas reivindicações relativas à
constitucionalização, passariam a tomar decisões independentes. Vargas e parte
dos “tenentes” achavam contudo que ainda era cedo para iniciar o processo.
Quando os paulistas começaram a articular a Revolução
Constitucionalista, a atitude de Flores da Cunha foi ambígua. De um lado,
procurou articular um acordo com a Frente Única Paulista para liderar a
revolução no Rio Grande do Sul, planejando uma estratégia militar
rio-grandense, prevendo a distribuição de armas a corpos provisórios e
construindo estradas de ferro em pontos cruciais. De outro lado, porém, começou
a impor condições difíceis de serem atendidas, como a de que o secretariado
paulista sofresse modificações e de que São Paulo lhe desse poderes suficientes
para renunciar à interventoria e comandar as forças revolucionárias.
Não aceitando essa indefinição do interventor, Raul Pilla,
Batista Luzardo (ambos do PL) e Lindolfo Collor (do PRR) pediram a Borges de
Medeiros, antigo líder republicano, que interferisse junto a Flores para que
este assumisse o comando da revolução constitucionalista no Rio Grande do Sul.
Como não desejasse se comprometer nem com Borges nem com Vargas, Flores
apresentou um pedido de renúncia ao governo gaúcho. Entretanto, temendo que a
demissão de Flores fortalecesse a FUG, Vargas lhe fez um apelo para que
permanecesse no posto, defendendo os ideais da Revolução de 1930.
Ao irromper a revolução em São Paulo, Flores da Cunha
decidiu-se pela solidariedade ao governo central, enviando contra os revoltosos
tropas do Exército e efetivos da Brigada Militar, além de corpos provisórios.
Com o objetivo de criar um foco revolucionário interno para
desviar a grande pressão que as tropas gaúchas faziam sobre São Paulo, Borges
de Medeiros, ao lado de Luzardo, Collor, Pilla, do major Martim Cavalcanti e de
outros integrantes da FUG, organizou um levante no Rio Grande do Sul. Em 20 de
setembro de 1932, esse movimento foi esmagado.
Após
a derrota da revolução paulista, ocorreu um sério dissídio na política
rio-grandense. De um lado colocavam-se os que haviam apoiado Flores da Cunha na
luta contra os constitucionalistas, e, de outro, os que haviam apoiado a FUG.
Pretendendo reconstruir politicamente o estado, Flores da Cunha fundou então um
novo partido, que congregaria seus adeptos. Da união de prefeitos municipais,
comandantes de corpos provisórios e políticos procedentes da FUG resultou o
Partido Republicano Liberal Rio-Grandense, cuja presidência foi entregue ao
interventor. Defendendo uma plataforma que abordava os problemas econômicos
mais palpitantes da época, o PRL atraiu também muitos jovens que não se
identificavam com o programa socioeconômico da FUG.
Programa
Em linhas gerais, o programa do PRL defendia a forma de
governo republicana federativa; a divisão, a harmonia e a interdependência dos
poderes; o sistema representativo, com a representação proporcional ao
eleitorado de cada estado na Câmara dos Deputados; o sufrágio universal secreto
para ambos os sexos; a autonomia dos estados e dos municípios, que deveriam ser
regidos por constituições e leis orgânicas próprias, observando porém os
princípios constitucionais da União; a temporariedade dos mandatos eletivos; a
organização da justiça estadual com base nos princípios de gratuidade,
vitaliciedade e inamovibilidade, sendo o Tribunal do Júri substituído por
tribunais de consciência, de caráter técnico-judiciário; a organização de uma
justiça eleitoral que assegurasse o perfeito funcionamento do regime
representativo; a uniformidade dos princípios básicos do direito processual, e
a adoção do plebiscito nas questões de grande importância social e política. O
partido se propunha também a lutar por medidas que assegurassem a defesa e a
integridade nacionais, como o alheamento das classes armadas da política
partidária e o aparelhamento do Exército e da Marinha para o cumprimento de sua
alta finalidade.
Em
relação à política econômica e financeira, o PRL defendia o controle das
dívidas da União, dos estados e dos municípios; a abolição dos impostos de
importação e a redução gradativa do imposto de transmissão de propriedades
inter vivos; a proteção às indústrias que encontrassem no país condições de
viabilidade e de sobrevivência econômica, e a criação do crédito público,
hipotecário, agrícola, pecuário, móvel e industrial. Defendia também a formação
de conselhos técnicos e consultivos.
No
tocante à política social, o partido reivindicava a equiparação dos jornaleiros
e dos operários do estado aos funcionários públicos; o pagamento de pensões,
aposentadorias e seguros aos funcionários públicos e suas famílias; a criação
de seguros sociais contra invalidez, acidentes de trabalho, doença, velhice e
morte; a ampliação da assistência social, visando sobretudo o amparo à família
e à maternidade; o regime de oito horas diárias para o trabalho manufatureiro,
comercial, agrícola e mineiro; a proibição do trabalho manufatureiro e mineiro
aos menores de 14 anos; o reconhecimento das associações profissionais, de
profissionais liberais inclusive; a criação de tribunais para a solução de
conflitos entre patrões e operários; a aplicação crescente das rendas públicas
no desenvolvimento do ensino em todos os graus, e o ensino primário gratuito e
leigo.
De 1933 a 1935
O PRL iniciou suas atividades enfrentando uma oposição coesa,
pois a FUG emergiu da Revolução de 1932 com uma nova força e maior unidade, sem
a desconfiança que a caracterizava anteriormente. A luta dos oposicionistas
voltava-se contra o PRL, contra Flores, contra Vargas e contra todos aqueles
que haviam “traído” os ideais da Revolução de 1930.
Flores e seu partido iniciaram então a campanha pela
reconstitucionalização. As eleições para a Assembléia Nacional Constituinte
foram marcadas para maio de 1933. Durante a campanha eleitoral, Flores foi
acusado de utilizar todos os recursos para garantir a vitória do PRL — censura
à imprensa, proibição de manifestações públicas, restrição às viagens e prisão
de membros da FUG. Quatro candidatos da FUG tiveram seus direitos políticos
cassados por terem participado das conspirações de 1932. Como a lei eleitoral
invalidava todos os nomes de uma lista desde que houvesse um candidato ilegal,
Flores obrigou os líderes da FUG a elaborar novas listas e a distribuir novas chapas
às vésperas das eleições.
As
medidas utilizadas pelo interventor permitiram que o PRL ganhasse as eleições
com grande margem de diferença, elegendo 13 dos 16 representantes gaúchos à
Assembléia. Foram eles: Argemiro Dornelles, Gaspar Saldanha, Carlos Maximiliano,
João Simplício Alves de Carvalho, Demétrio Mércio Xavier, Frederico João
Wolffenbuttel, Raul Jobim Bittencourt, Renato Barbosa, João Ascânio de Moura
Tubino, Heitor Annes Dias, João Fanfa Ribas, Vítor Russomano e Pedro Vergara.
Esses candidatos contaram com o apoio da Liga Eleitoral Católica, e receberam
um total de 132.056 votos, enquanto a FUG recebeu apenas 37.400.
Na abertura da Assembléia, no final de 1933, começaram a
surgir indícios do conflito ideológico que se armava entre Vargas e Flores da
Cunha.
Um
dos principais temas de debate da Constituinte foi a descentralização do poder.
Contra o centralismo colocavam-se os federalistas, que exigiam uma maior
participação e influência dos estados nos centros decisórios, bem como uma
maior autonomia estadual. Embora se achasse comprometido com o chefe do Governo
Provisório, Flores da Cunha instruiu a bancada de seu partido para que
defendesse a fórmula federativa, resistindo à centralização e ao aumento das
tarifas, destinado a fortalecer a renda nacional à custa dos estados.
Na
questão da representação política dos estados, o PRL defendeu o critério da
proporcionalidade do eleitorado inscrito, e não da população residente em cada
unidade, como acontecera até 1930. Sua intenção era vincular o tamanho das
bancadas ao da população alfabetizada, conferindo assim maior competitividade
ao Rio Grande do Sul diante de Minas, Bahia e Pernambuco. Esse critério,
entretanto, não foi aceito pela maioria dos constituintes.
O PRL defendeu ainda a eleição indireta para a presidência da
República e foi contrário à eleição indireta para o Congresso das classes
representativas do operariado, da indústria e do comércio, dos profissionais
liberais e dos funcionários públicos.
Embora sofresse constantes ataques dos representantes da FUG,
o PRL esteve próximo de seus opositores em relação aos principais pontos
debatidos.
Durante todo o período em que a Constituinte esteve reunida,
Flores da Cunha comandou diretamente a bancada de seu partido e procurou
intervir na elaboração da Constituição. Em discursos, entrevistas e
declarações, pressionou a Assembléia para que os trabalhos fossem acelerados, e
defendeu a idéia da votação da Constituição por blocos, e não artigo por
artigo.
Nas
eleições seguintes para a Assembléia Constituinte estadual, em outubro de 1934,
o PRL obteve um êxito um pouco menor — 130 mil votos contra 75 mil da FUG — mas
ainda suficiente para garantir a maioria e, no início de 1935, eleger Flores da
Cunha governador, por um período que deveria terminar em 1939.
Para
a Câmara Federal, o PRL elegeu nessa ocasião João Carlos Machado, Fanfa Ribas,
Renato Barbosa, Demétrio Xavier, Heitor Annes Dias, Pedro Vergara, João
Simplício, Frederico Wolffenbuttel, Vítor Russomano, Raul Bittencourt, Ascânio
Tubino e Adalberto Correia.
Ao se iniciarem os trabalhos da Assembléia estadual, em abril
de 1935, a delegação da FUG mostrou-se disposta à pacificação. Essa atitude
desapontou não só Vargas, como os líderes revanchistas do interior, que queriam
a oposição sistemática ao PRL.
O
PRL foi praticamente o responsável pela elaboração da Constituição estadual de
1935, que ampliou os poderes do Executivo nas áreas social e econômica.
À medida que suas atividades políticas se expandiam, Flores
da Cunha entrava em conflito com Vargas, com o ministro da Guerra Pedro Aurélio
de Góis Monteiro e com o Partido Constitucionalista de São Paulo. Flores
personificava a autonomia estadual, por ele defendida com palavras,
manipulações políticas e ameaças militares. Sua força residia nos seis mil
homens da Brigada Militar gaúcha, nos 20 mil civis da milícia de corpos
provisórios e em seus aliados no interior do Exército rio-grandense. Sua
posição era frontalmente oposta à de Góis Monteiro, partidário de um governo
central forte, um Exército poderoso e obediente e estados fracos, sem poder
militar independente.
Quando Góis Monteiro deixou o Ministério da Guerra, Flores
sugeriu o nome de dois generais para substituí-lo. Vargas, porém, desejando
diminuir o poder do governador gaúcho, rejeitou suas sugestões e aceitou a
indicação do governador de São Paulo, nomeando para o cargo o general João
Gomes. Percebendo o jogo de Vargas, Flores procurou reconstruir sua força no
Rio Grande do Sul, pacificando e unindo o estado.
Em vários momentos Flores procurou interferir também na
escolha dos governadores de outros estados, como o Rio de Janeiro, ponto
estratégico importante em caso de uma ação militar. Flores deu apoio ao
candidato Cristóvão Barcelos, que disputava a eleição com o ministro da
Marinha, almirante Protógenes Guimarães, apoiado por Vargas. Outra preocupação
do governador gaúcho foram as eleições em Santa Catarina, estado limítrofe que
representava não só um território defensivo, como também uma rota para qualquer
ofensiva rio-grandense. Flores procurou interferir nas eleições em favor de
Aristiliano Ramos, que foi contudo derrotado por Nereu Ramos, também apoiado
por Vargas.
Durante o ano de 1935, fortaleceram-se no país organizações
como a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira
(AIB), que se lançaram em campanhas de arregimentação popular e de doutrinação
ideológica. No mês de novembro, várias revoltas militares eclodiram em Recife,
em Natal e no Rio de Janeiro. Flores mobilizou 20 mil homens e telegrafou a
Getúlio colocando-os à disposição. Essa atitude permitiu a Vargas constatar
mais uma vez a intenção de Flores de se colocar diante do governo central como
a maior força militar estadual do país, o que poderia representar um obstáculo
a seus desígnios em relação à sucessão presidencial.
O modus vivendi
O medo do comunismo, do integralismo e de um governo central
forte levou a FUG a reabrir nesse momento as negociações com Flores. Raul Pilla
e o jurista José Maria dos Santos prepararam uma proposta de governo
parlamentar, que foi entregue ao governador.
A reabertura das negociações encontrou no entanto sérias
oposições, inclusive de membros do PRL, que viam na aliança com a FUG uma forma
de Flores aumentar seu poder autocrático dentro do partido. Getúlio tentou
também impedir o acordo através de seu irmão Benjamim Vargas, deputado pelo
PRL, e através de promessas à FUG de participação no governo central caso os
entendimentos não se efetivassem.
Por outro lado, começou a ser discutida a adoção da fórmula
Pilla-Santos em nível nacional. Para a oposição, reunida no Congresso com o
nome de Minoria Parlamentar ou Oposições Coligadas, o estabelecimento de um
governo de conciliação seria o único meio capaz de apaziguar a política
nacional, levando os situacionistas e os opositores do governo a dividir as
responsabilidades. O país seria governado por um conselho de ministros,
presidido por um primeiro-ministro, dentro do modelo parlamentarista. Essa
fórmula não teve porém o apoio dos políticos da situação, encontrando em Vargas
e Armando de Sales Oliveira seus maiores inimigos.
Os
principais pontos do acordo partidário no Rio Grande do Sul previam que: 1)
cada um dos partidos guardaria total autonomia e liberdade de ação política,
desde que não contrariassem o disposto no acordo por eles assinado; 2) os
partidos concordariam com que os secretários de estado fossem nomeados e
demitidos pelo governador, por serem eles seus auxiliares diretos na
administração dos negócios públicos; 3) os secretários só manteriam seus cargos
enquanto merecessem a confiança de seus respectivos partidos. Para assegurar a
uniformidade e a eficiência da administração, os secretários deveriam reunir-se
em conselho uma ou mais vezes por semana, lavrando-se uma ata da reunião.
Caberia ao governador escolher o presidente do secretariado, o qual, por sua
vez, deveria coordenar a atividade das diversas secretarias e fiscalizar a
execução do orçamento.
Em
17 de janeiro de 1936, Flores da Cunha, Borges de Medeiros e Raul Pilla
assinaram o acordo que instaurou o modus vivendi gaúcho. Raul Pilla foi
convidado a assumir a Secretaria de Agricultura e Lindolfo Collor, a Secretaria
de Finanças. Collor passou ainda a desempenhar o papel de mediador entre a FUG
e o governo gaúcho. A FUG apresentou um programa detalhado, que pretendia
desenvolver nas secretarias de estado em matérias administrativa, econômica,
tributária, educacional e social.
O acordo no Rio Grande do Sul limitou-se contudo ao nível
administrativo. Dentro dos três partidos começou a se formar uma corrente política
de apoio ao governo central e de oposição a Flores. Os elementos da FUG
partidários de uma maior aproximação com Vargas lançaram um Octólogo propondo a
formação de uma comissão mista para preparar um programa e indicar um candidato
à sucessão presidencial. O comitê central das Oposições Coligadas negou-se
porém a aceitar a proposta, pois a comissão seria presidida por Vargas, que
teria direito a voto.
Por outro lado, Flores passou a exigir explicações sobre o
comportamento da FUG, prenunciando nova crise no Rio Grande do Sul.
João Neves da Fontoura, diante da rejeição do Octólogo, pediu
demissão da presidência das Oposições Coligadas.
No mês de junho de 1936 a Câmara Federal discutiu a
prorrogação do estado de guerra, pedida pelo Executivo. Assim como as Oposições
Coligadas, o PRL manifestou-se contrário a essa medida, por considerar que não
havia mais razões de ordem social para sua decretação. Nesse momento chegou
também à Câmara um pedido de licença do Executivo para processar quatro
parlamentares que estariam envolvidos nos movimentos da Aliança Nacional
Libertadora. Mais uma vez alinhado com as Oposições Coligadas, o PRL opôs-se à
concessão da licença, afirmando que os deputados acusados haviam sido presos de
maneira abusiva, em flagrante desrespeito às imunidades parlamentares. Flores
da Cunha determinou que a representação federal de seu partido considerasse
“questão fechada” o voto de Ascânio Tubino contra a concessão da licença para
processar os deputados João Mangabeira e Domingos Velasco. Apenas três
deputados do PRL — Adalberto Correia, Demétrio Xavier e Renato Barbosa —
rebelaram-se contra essa orientação. Flores da Cunha era favorável à concessão
de medidas extraordinárias ao governo, desde que fosse concedido aos acusados o
direito de defesa.
No mês de outubro, devido a múltiplos fatores, o modus
vivendi foi rompido. Um desses fatores foi a crise aberta no mês de maio na
Assembléia estadual em torno do projeto de criação da guarda do porto do Rio
Grande do Sul, apresentado por Flores da Cunha. O projeto foi combatido por
Maurício Cardoso (do PRR), que aproveitou a ocasião para atacar o governador.
Este, em resposta, fez um discurso afirmando que no modus vivendi rio-grandense
o PRL tinha tudo a dar e nada a receber. Raul Pilla levantou-se contra essa
afirmação, que, a seu ver, colocava a FUG na situação de quem apenas recebia
favores do governador. Pilla criticou Flores por não aceitar o veto a seu
projeto, como se o acordo assinado entre os três partidos significasse a
passividade da FUG frente ao PRL e ao governador. A situação de impasse levou
Pilla e Collor a se demitirem das secretarias que ocupavam no governo estadual.
Mas os desentendimentos entre a FUG e o governador gaúcho não
se ligavam apenas aos problemas internos do Rio Grande do Sul. O rompimento foi
causado em grande parte pela divergência entre o governo central e Flores da
Cunha com relação ao problema sucessório. Flores da Cunha pretendia influir
decisivamente na escolha do sucessor de Vargas. Este, por seu lado, pretendia
enfraquecer Flores, buscando reconquistar a FUG através do deputado estadual
Maurício Cardoso, forte opositor do modus vivendi, e incentivando a dissidência
no interior do PRL. Liderados por Benjamim Vargas, os dissidentes do PRL
formaram a Dissidência Liberal, e iniciaram intensa campanha nos jornais contra
Flores, rejeitando abertamente sua liderança.
A divisão do partido
Ao final do ano de 1936, Osvaldo Aranha veio ao Brasil para
tentar articular sua candidatura à sucessão de Vargas. Para isso, porém, era
necessário que o Rio Grande do Sul estivesse unido. Aranha começou então a agir
no sentido de impedir que os dissidentes continuassem a campanha anti-Flores.
Em reunião com a bancada do PRL, Aranha acentuou a necessidade de o estado se
apresentar coeso e pacificado no exame do problema sucessório. Sustentou que o
Rio Grande do Sul não deveria aliar-se a São Paulo, nem permitir através da
divisão política interna que São Paulo tirasse partido da situação e
reconquistasse a posição que desfrutara na política nacional até a Revolução de
1930. Mas Aranha não conseguiu pacificar os gaúchos. Alberto Pasqualini,
seguido de outros dissidentes, deu início a uma série de entrevistas
anti-Flores à imprensa.
Em
14 de abril de 1937, unida a parte da FUG, a Dissidência Liberal, integrada
pelos deputados estaduais Viriato Dutra, J. Loureiro da Silva, Moisés Velinho,
Xavier da Rocha, José P. Coelho de Sousa, Cilon F. Rosa, Paulino Fontoura,
Júlio Diogo e Benjamim Vargas, e apoiada por alguns deputados federais, pelo
senador Augusto Simões Lopes e outros líderes do PRL, como Protásio Vargas e o
ministro da Fazenda Artur de Sousa Costa, elegeu a mesa da Assembléia estadual,
deixando ao PRL apenas um posto de quarto-secretário. Dos sete deputados
estaduais classistas, cinco ficaram com Flores e dois aderiram à oposição.
Na Câmara Federal, foi mais uma vez aprovada a prorrogação do
estado de guerra, com o apoio da bancada do PRL, a despeito da oposição de
Flores da Cunha.
Em
decorrência da intervenção no Distrito Federal, ocorrida no mês de março,
Flores firmou um pacto com Juraci Magalhães, governador da Bahia, e Cardoso de
Melo Neto, governador de São Paulo, contra qualquer intervenção direta ou
indireta em seus estados.
Logo
a seguir, o general Emílio Lúcio Esteves foi nomeado executor do estado de
guerra no Rio Grande do Sul, função essa que normalmente deveria caber a Flores
da Cunha. A justificativa para essa nomeação foi o telegrama enviado a Vargas
pelos dissidentes liberais, informando que, como Flores estava em minoria na Assembléia,
acentuara-se a situação de insegurança e de ameaça criada pela mobilização
clandestina das forças estaduais. Segundo os dissidentes, não era mais possível
o desenvolvimento dos trabalhos normais da Assembléia.
Quando a candidatura de Osvaldo Aranha foi definitivamente
afastada, Flores defendeu a candidatura de Armando Sales, em troca de dinheiro
e armas paulistas.
Em convenção realizada no mês de maio, o PRL aprovou o
manifesto de Flores em apoio a Armando Sales. Nessa ocasião, foram expulsos do
partido os dissidentes. Para substituir Augusto Simões Lopes e Viriato Vargas
na comissão diretora, foram escolhidos João Carlos Machado e Antunes Maciel.
A Dissidência Liberal se fez representar na reunião de
lançamento da candidatura oficial de José Américo de Almeida à presidência da
República por Augusto Simões Lopes.
As medidas do governo central contra o governador gaúcho
intensificaram-se. O general Manuel Daltro Filho foi nomeado comandante da 3ª
Região Militar e da 3ª Divisão de Infantaria. Com o apoio de Vargas, Maurício
Cardoso liderou um movimento em favor da declaração do impeachment de Flores na
Assembléia estadual. Flores obteve contudo uma vitória, conseguindo que o
representante classista Alexandre Rosas renunciasse. Seu substituto, Moacir Godói
Ilha, era favorável ao governador, e deu a maioria ao PRL.
Com a divulgação do Plano Cohen, a Câmara Federal recebeu
novo pedido de prorrogação do estado de guerra. Os representantes do PRL Raul
Bittencourt e Thompson Flores protestaram contra a medida, que foi aprovada por
138 votos contra 52. A execução do estado de guerra no Rio Grande do Sul e em
São Paulo não ficou a cargo de seus governadores, mas sim dos comandantes de
suas respectivas regiões militares.
Pouco depois, o general Daltro Filho transmitiu a Flores o
decreto do governo central que federalizava a Brigada Militar do Rio Grande do
Sul. Flores acatou a decisão, mas renunciou ao cargo de governador.
Vargas
decretou então a intervenção no estado, alegando a existência de núcleos
comunistas orientados por elementos estrangeiros. O general Daltro Filho foi
nomeado interventor. A Dissidência Liberal aceitou fazer parte do novo governo,
desde que o PRL dele não participasse. A comissão diretora central da
Dissidência Liberal decidiu considerar como seu presidente efetivo o senador
Augusto Simões Lopes.
A 10 de novembro, quando foi instituído o Estado Novo, a
Dissidência Liberal, através de Simões Lopes e Renato Barbosa, solidarizou-se
com Vargas e com a outorga da Constituição de 1937.
No mês de dezembro, assim como todas as outras agremiações
políticas do país, o PRL foi extinto.
Alzira Alves de Abreu
FONTES: ARQ.
OSVALDO ARANHA; BASBAUM, L. História; CARONE, E. Estado; CARONE, E. República
nova; CHILCOTE, R. Brazilian; CONG. BIENAL DO PARTIDO REP. LIBERAL. I; Correio
da Manhã (20/12/32, 10/10, 15 e 16/11 e 25/12/35); CORTÉS, C. Gaúcho; Diário de
Notícias, Rio (31/1, 20 e 29/2, 5, 8 e 29/4, 14 e 20/5, 18, 24 e 25/6, 3 e 4/7,
13 e 18/8, 17, 18, 20 e 21/10/36, 10, 12, 13, 20 e 23/1, 6 e 19/2, 3, 11 e
28/3, 15, 28 e 29/4, 1, 6, 9, 11, 12, 13, 16, 25 e 27/5, 4 e 29/8, 4/9, 2, 3,
5, 14, 19, 20, 21 e 22/10, 5, 12, 19 e 23/11/37); FERREIRA FILHO, A. História;
FRANCO, S. Júlio; Gazeta do Povo (18/11/32); KORNWEIBEL, R. Júlio; PARTIDO REP.
LIBERAL. Programa; SILVA, H. 1937.