PLANO
BRESSER
Nome pelo qual ficou conhecido o conjunto de medidas
econômicas lançado pelo ministro da Fazenda Luís Carlos Bresser Pereira em 12
de junho de 1987 com o objetivo de conter a inflação.
Desde que assumiu plenamente a Presidência da República após
a morte de Tancredo Neves, José Sarney careceu de legitimidade e apoio político
para implantar um regime de austeridade necessário para combater a inflação. A
substituição do ministro da Fazenda Francisco Neves Dornelles por Dílson
Funaro, em agosto de 1985, marcou a opção pelo desenvolvimentismo em detrimento
do controle da inflação que, naquele mês, atingiu a taxa mensal de 14%. Diante
da escalada da inflação, que chegou a 16,2% em janeiro de 1986, Funaro lançou o
Plano Cruzado.
Entre fevereiro e novembro de 1986 o congelamento de preços
instituído pelo plano reduziu a 1% a taxa mensal de inflação. Quando se lançou
o plano, havia uma previsão de que o déficit público, descontada a correção
monetária sobre a dívida pública, seria reduzido para apenas 0,5% do PIB e que
o congelamento de preços só duraria três meses, prazo supostamente suficiente
para eliminar a inércia inflacionária. Mas o sucesso inicial do plano,
implantado em ano eleitoral, levou o governo a seguidas concessões que tornaram
as políticas monetária e fiscal francamente expansionistas, gerando um notável
aumento da atividade econômica e dos salários reais. O congelamento da taxa
nominal de câmbio e o aumento da renda provocaram a eliminação do superávit
comercial. Apesar dos sintomas inequívocos de inflação artificialmente
reprimida, como a valorização de imóveis, o desabastecimento em muitos mercados
e a prática de ágio em outros (no mercado paralelo de dólares praticou-se ágio
de mais de 90%), a inevitável correção de rumos do Plano Cruzado foi protelada
até o dia seguinte às eleições de novembro de 1986.
Quando se iniciou a flexibilização do congelamento de preços
e da taxa de câmbio, a taxa mensal de inflação decolou do patamar de 1,4% em outubro. Em fevereiro de 1987 planava a 14%. A volta da inflação acionou a Escala Móvel de
Salários, instrumento que concedia aos salários nominais correções automáticas
toda vez que a inflação acumulada atingia 20%. Restabeleceu-se, desta forma, e
com maior intensidade, a indexação generalizada cuja eliminação fora a
motivação básica do Plano Cruzado. Em fevereiro de 1987, diante do iminente
esgotamento das reservas cambiais, o governo Sarney optou por declarar uma
moratória unilateral dos compromissos externos do país, por temer o desgaste
político de um acordo com o FMI, estigmatizado como responsável pela recessão
de 1983.
Bresser assume
A conjugação de inflação em alta, aumento do desemprego e
crise cambial provocou a substituição do ministro Funaro por Bresser Pereira em
3 de maio de 1987.
Bresser desvalorizou a taxa de câmbio em 8,5% no dia seguinte
à posse e ainda acelerou as desvalorizações diárias, sinalizando um retorno à
ortodoxia. Mas a implantação de um novo plano consistente de combate à inflação
esbarrava em imensas restrições políticas. O elevado poder de compra dos
salários verificado durante o apogeu do Plano Cruzado deveu-se à conjugação de
três fatores agora insustentáveis: valorização real da taxa de câmbio,
compressão de tarifas públicas e aquecimento da atividade econômica sob regime
de congelamento de preços. O esgotamento das reservas cambiais impedia a
continuidade da política de valorização cambial; o déficit público, agravado
pela defasagem das tarifas públicas, acabaria por provocar expansão monetária;
a disposição das empresas de manter o nível de emprego sob regime de preços
congelados estava chegando ao fim.
O
descongelamento da taxa de câmbio, tarifas públicas e preços após a eleição de
novembro de 1986 poderia ter gerado apenas uma brusca elevação de preços, sem
trazer de volta o processo inflacionário, caracterizado pela elevação sucessiva
de preços e salários. Mas isto teria exigido que o descongelamento fosse
efetuado sob uma política monetária apertada e que não houvesse um mecanismo
automático de correção de salários nominais como a escala móvel. Assim se
reduziriam os salários reais pelas forças de mercado, mantendo-se a inflação
sob controle. Mas a fragilidade política do governo Sarney impedia a
implantação de uma política monetária de forte contenção e, principalmente, a
eliminação da escala móvel. Sem as condições necessárias para que o
descongelamento se fizesse sem o retorno da inflação, esta tornou-se o
mecanismo que forçou a queda dos salários reais ao nível em vigor antes do
Plano Cruzado. O Plano Bresser pode ser visto como uma tentativa frustrada de
conciliar a inexorável redução dos salários reais com a queda da inflação.
O plano foi lançado em meados de junho sob condições muito
adversas: sem reservas internacionais e em estado de moratória, não podia
contar com a valorização cambial para conter preços; a meteórica elevação
recente da taxa de inflação sinalizava que os preços relativos estavam muito
desalinhados, o que comprometia a eficácia de um novo plano de desindexação; a
população, já escaldada pelo fracasso do plano anterior, diante de um eventual novo
congelamento não hesitaria em acumular estoques preventivos; a implantação da
Assembléia Constituinte, em que os constituintes eram os próprios parlamentares
do Congresso regular, minava a capacidade do governo Sarney de obter apoio
político para implantar medidas econômicas austeras.
Em seu plano, Bresser aliava componentes heterodoxos e
ortodoxos. Entre os primeiros destacavam-se o congelamento de preços e salários
por 90 dias; e o estabelecimento de um fator de conversão de créditos aplicável
a obrigações e títulos emitidos antes do lançamento do plano com valores
nominais prefixados. Além dessas medidas, substituiu-se a Escala Móvel de
Salários por um mecanismo baseado na Unidade de Referência de Preços (URP) que
definia a taxa de reajuste mensal dos salários, a vigorar após decorrido o
prazo de congelamento, como sendo a média geométrica da inflação observada nos
três meses anteriores ao mês de reajuste.
Do
lado ortodoxo, no momento do lançamento do plano desvalorizou-se a taxa de
câmbio em 10,6% e reajustaram-se as tarifas públicas (eletricidade: 45%,
telefone: 34%, aço: 32%, combustíveis: 13%). Estes reajustes elevaram a
inflação de junho à inédita taxa de 26,1%, que foi expurgada do cômputo da URP
daquele mês. Além disso, manteve-se uma política monetária apertada no intuito
de conter a formação de estoques especulativos. O congelamento de preços
adotado foi menos rígido do que o do Plano Cruzado, como atesta a manutenção de
desvalorizações da taxa de câmbio ao ritmo diário de 0,4%. A opção por um congelamento
flexível era um sintoma de que Bresser, ao contrário dos criadores do Plano
Cruzado, não tinha a pretensão de eliminar a inflação, mas apenas de criar uma
trégua para que se implantassem gradualmente reformas destinadas a permitir seu
controle efetivo.
Após a elevada inflação corretiva de junho, o mês de julho
foi promissor: a taxa de inflação caiu para 3,1% e o balanço comercial alcançou
superávit de 1,4 bilhão de dólares. Anunciou-se nesse mês o Plano de Controle
Macroeconômico, cuja meta era elevar a poupança pública de modo a criar
condições para a retomada do crescimento econômico sem pressões inflacionárias.
Mas em agosto, quando as primeiras revisões de preços foram autorizadas, a
inflação voltou a subir para 6,4%. O descompasso entre a inflação em ascensão e
os reajustes salariais definidos pela URV com base na inflação passada inferior
à corrente passou a gerar forte queda dos salários reais, levando o governo a
ceder a pressões por antecipações de futuros reajustes salariais. A vulnerabilidade
política do governo Sarney permitiu que, dentro do próprio governo, as
categorias mais mobilizadas conseguissem significativas antecipações de
reajustes salariais, contribuindo para o fracasso da tentativa de controlar o
déficit público.
Os
mecanismos de indexação como a URV, embutidos no próprio Plano Bresser por
concessão política, e a incapacidade do governo para implantar a austeridade
monetária e fiscal acabaram por deixar a cargo da inflação o papel de reduzir
os salários reais ao nível compatível com a eliminação do déficit comercial, a
contenção do déficit público e a manutenção do emprego. A inflação de dezembro
atingiu 14%. Bresser, incapaz de implantar suas propostas na área fiscal, pediu
demissão em 18 de dezembro.
Renato
Fragelli Cardoso
FONTES: MODIANO, E.
Ópera; SIMONSEN, M. H. Conjuntura; SIMONSEN, M. H. Inércia.