PRINCESA,
Revolta de
Movimento rebelde liderado por José Pereira Lima, deflagrado
no município de Princesa, atual Princesa Isabel (PB), em fevereiro de 1930, em
oposição ao governo estadual de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. João
Pessoa era também o companheiro de Getúlio Vargas na chapa da Aliança Liberal,
concorrendo à vice-presidência da República nas eleições de 1º de março daquele
ano.
Com
o assassinato de João Pessoa no mês de julho, o movimento perdeu substância,
entrando seus líderes em acordo com o governo federal para a pacificação da
Paraíba.
Antecedentes
O
episódio de Princesa teve sua origem na posse de João Pessoa na presidência da
Paraíba, em 22 de outubro de 1928. Pretendendo reformar a estrutura
político-administrativa e reerguer as finanças do estado, o novo presidente
decidiu deslocar para o litoral a hegemonia do comércio estadual. Até então, na
ausência de qualquer barreira tributária, as cidades do interior comerciavam
diretamente com os estados vizinhos, especialmente Pernambuco.
Indiferente
ao poder dos “coronéis” — chefes políticos do sertão — e de suas famílias, João
Pessoa deu seqüência a seu projeto implantando um rigoroso sistema de arrecadação
tributária que distinguia entre as mercadorias importadas pelo litoral, através
do porto de Cabedelo, e aquelas que entravam na Paraíba pelas fronteiras
terrestres. Essas medidas, consubstanciadas na Lei nº 673, de 17 de novembro de
1928, tornaram praticamente impossível o comércio sertanejo com os estados
vizinhos.
Em
Recife, cujo comércio foi atingido pela nova política do governo paraibano, os
irmãos Pessoa de Queirós, primos de João Pessoa, passaram a liderar uma
ferrenha campanha contra essa “guerra tributária” através de seu periódico, o
Jornal do Comércio. Por sua vez, A União, jornal oficial da Paraíba, defendia a
administração e o presidente do estado dos ataques e denúncias que lhes dirigia
o jornal pernambucano.
A discussão travada através da imprensa aguçou o
descontentamento dos chefes políticos do interior, que vinham sendo
sistematicamente desprestigiados pelo governo. De fato, João Pessoa chegara a
ordenar a apreensão de armas “do caboclo ao coronel”, além de promulgar leis
que restringiam o domínio até então incontestável destes últimos.
As atitudes inovadoras de João Pessoa valeram-lhe também
atritos com velhos correligionários do Partido Republicano da Paraíba (PRP),
ligados por laços de fidelidade partidária a seu tio Epitácio Pessoa,
ex-presidente da República (1919-1922) e líder supremo da política paraibana.
Entre
os chefes políticos atingidos por João Pessoa destacava-se José Pereira,
considerado um dos maiores “coronéis” do Nordeste e o mais poderoso da Paraíba.
Membro da comissão executiva do PRP, seu prestígio transcendia os limites
municipais, alcançando as esferas estadual e federal. Seu reduto político era o
município de Princesa, a 428km da capital, perto da fronteira com Pernambuco.
Essas condições faziam com que a economia de Princesa fosse totalmente voltada
para o estado vizinho.
A Aliança Liberal
Com
a aproximação das eleições presidenciais de 1930, as unidades da Federação
passaram a ser consultadas a respeito de seu apoio à chapa Júlio Prestes-Vital
Soares, apresentada pelo presidente da República Washington Luís.
Em 29 de julho de 1929, após reunir o diretório do PRP, do
qual era presidente, João Pessoa declarou que decidira não apoiar a chapa
oficial. Essa atitude ficou conhecida como o “Nego”, termo que mais tarde seria
incorporado à bandeira do estado.
A resistência de João Pessoa à política do Catete resultou na
escolha de seu nome para participar da chapa da Aliança Liberal ao lado de
Getúlio Vargas. Sua candidatura, lançada em 30 de julho de 1929, unificou por algum
tempo o PRP, desgastado por brigas internas. Mais que isso, com exceção de uma
facção do partido oposicionista, o Republicano Conservador (PRC) da Paraíba,
liderada por Heráclito Cavalcanti, toda a Paraíba se solidarizou com seu
presidente.
Por outro lado, a adesão do estado à Aliança Liberal resultou
numa série de medidas de represália do governo central. Essa hostilidade
reforçou internamente os ganhos políticos de João Pessoa, que empreendeu uma
excursão por vários municípios a fim de obter o apoio eleitoral dos “coronéis”
que vinha combatendo desde o início de seu mandato. João Pessoa visitou assim
os municípios de Princesa e de Teixeira, este último dominado pela família
Dantas, em cujo apoio político nem mesmo Epitácio Pessoa confiava.
O rompimento de José Pereira
Paralelamente às eleições presidenciais, em 1º de março de
1930 seriam realizadas eleições para a Câmara Federal e para a renovação de 1/3
do Senado.
Ao
ser preparada a chapa situacionista paraibana, João Pessoa defendeu o princípio
da não-reeleição e propôs o revezamento dos candidatos. Reunindo-se a comissão
executiva do PRP, a idéia da renovação total da bancada não conseguiu
unanimidade de votos. Dos cinco membros efetivos da comissão, um — João
Espínola — não compareceu, dois — Júlio Lira e Inácio Evaristo — votaram na
reeleição da bancada e os dois restantes — o próprio João Pessoa e Demócrito de
Almeida — votaram na substituição. Valendo-se então da prerrogativa do “voto de
qualidade”, João Pessoa desempatou o resultado em favor da proposta de
revezamento, mantendo no entanto a candidatura do já deputado Carlos Pessoa,
seu primo.
A
atitude de João Pessoa visava sobretudo a afastar João Suassuna, ex-presidente
do estado, deputado federal em duas legislaturas e aliado de famílias poderosas
do interior como a dos Pereira Lima e a dos Dantas. Após ter comunicado a seus
correligionários, às vésperas das eleições, a chapa oficial composta à revelia
da comissão executiva do PRP, João Pessoa recebeu um telegrama de José Pereira
Lima, datado de 24 de fevereiro, anunciando seu rompimento com o governo
estadual. José Pereira deixava as fileiras do PRP para ingressar no Partido
Republicano Conservador, que defendia a candidatura Júlio Prestes-Vital Soares.
Acompanhavam-no vários líderes da política paraibana, como João Suassuna, Oscar
Soares, Pedro Firmino, o padre Manuel Otaviano, Inácio Evaristo, Cícero
Parente, Nilo Feitosa, Duarte Dantas e outros. Dias depois, a imprensa
oposicionista divulgou as modificações sofridas pela chapa do PRC, que passou a
incluir alguns dos dissidentes do PRP.
O dia 24 de fevereiro de 1930, data da cisão no PRP, é
considerado o início do movimento rebelde de Princesa.
A luta armada
Alguns dias após o rompimento de José Pereira, os fatos se
revestiram de uma feição francamente guerreira.
Para evitar que as eleições em Princesa viessem alterar seus
planos, João Pessoa ordenou o esvaziamento da máquina
burocrático-administrativa do município, deixando-o “fora da lei”. Enviou
também para lá contingentes da polícia estadual, sob o pretexto de garantir o
pleito. Por outro lado, desde o rompimento, José Pereira vinha armando sua
gente, tendo conseguido reunir em pouco tempo cerca de dois mil homens entre
agregados seus e de outros chefes políticos. A polícia estadual contava apenas
com 850 homens.
Logo após as eleições de 1º de março, iniciou-se no sertão
paraibano a luta armada. Os rebeldes contavam com o auxílio em dinheiro e em
munições dos Pessoa de Queirós, de Pernambuco, e ainda com o assentimento do
governo federal, que, interessado na derrota política de João Pessoa, impedia
Minas e Rio Grande do Sul de lhe enviar reforços. O objetivo dos sublevados era
aliás forçar o governo central a intervir na Paraíba, o que precipitaria a
queda de João Pessoa.
Por sua vez, João Pessoa defendia vigorosamente a autonomia
estadual, tentando demonstrar que o levante de Princesa não significava o caos
político em sua administração e que a situação estava sob controle.
Em 3 de maio de 1930, o presidente da República Washington
Luís sugeriu ao Congresso que este lhe apresentasse um pedido formal de
intervenção na Paraíba. A sugestão não foi aceita por ferir a Constituição.
Para que a intervenção fosse legal, seria necessário que o próprio João Pessoa
a solicitasse.
Por
essa época, os combates limitavam-se a pequenos avanços e recuos das partes
conflitantes. A polícia estadual não tinha condições de tomar Princesa, e
nenhuma vitória significativa era alcançada. Por sua vez, os revoltosos
encontravam-se também em dificuldade, pois se esgotavam os recursos de que
dispunham para se alimentar e se manter em armas.
No
início de junho, em vista da relutância do Congresso na questão da intervenção,
Washington Luís enviou à Paraíba cinco batalhões de caçadores do Exército e um
vaso de guerra. Enquanto isso, os Pessoa de Queirós e outros líderes da revolta
arquitetavam um plano para forçar a intervenção: propunham proclamar Princesa
“território livre” através da promulgação de um “decreto” assinado por José
Pereira. Seria ainda editado um jornal e composto um livro.
O
“decreto” foi assinado no dia 9 de junho de 1930 por uma “junta governativa”
integrada por José Pereira Lima, José Frazão Medeiros Lima e Manuel Rodrigues
Sinhô. Seu texto, lido na Câmara Federal no dia 13, causou grande polêmica,
abrindo a primeira discussão formal sobre o chamado “caso da Paraíba”.
Em 21 de junho, saiu o primeiro e único número do Jornal de
Princesa.
Diante desses acontecimentos, um avião do governo do estado
sobrevoou Princesa e lançou um boletim intimando os revoltosos a se renderem
sob pena de o município ser bombardeado. Em resposta, José Pereira enviou um
telegrama a João Pessoa ameaçando “invadir o estado e implantar o terror”. Na
verdade, nenhuma das partes teria condições de cumprir tais ameaças.
O assassinato de João Pessoa
Em 26 de julho de 1930, ocorreu o fato culminante de todo
esse processo político: João Pessoa foi assassinado em Recife por João Duarte
Dantas. Aliado de José Pereira e de João Suassuna, João Dantas alimentara
durante muito tempo um intenso rancor contra João Pessoa, acusando-o de cometer
arbitrariedades contra membros de sua família. Os dois haviam mesmo travado um
debate através da imprensa, dando vazão a seu ódio pessoal. A divulgação pelo
jornal A União de documentos íntimos apreendidos pela polícia paraibana no
apartamento de João Dantas precipitou os acontecimentos.
Com
a morte de João Pessoa, o governo federal resolveu pôr termo à Revolta de
Princesa. O general Lavenère Wanderley, comandante da 7ª Região Militar,
sediada em Recife, foi incumbido de restabelecer a paz na Paraíba. Seu primeiro
ato foi telegrafar a José Pereira informando-o de que seria necessário que “as
forças do Exército ocupassem Princesa”.
Em 11 de agosto de 1930, um contingente do Exército com
seiscentos homens comandados por João Facó chegou a Princesa. Ao mesmo tempo,
vários batalhões passaram a guarnecer as fronteiras do estado.
Diante de providências tão concretas, José Pereira entregou
ao Exército os armamentos de sua gente. No dia 19 de agosto, o general Lavenère
Wanderley participou a Álvaro de Carvalho, sucessor de João Pessoa no governo
do estado, a pacificação da Paraíba. Os “propósitos apaziguadores” do governo
federal foram entretanto criticados pelos aliancistas, que denunciaram a
permanência de tropas no estado como uma forma de intervenção.
Por outro lado, causando indignação e pesar em todo o país, o
assassinato de João Pessoa constituiu um fator decisivo para a articulação do
movimento revolucionário que eclodiria em 3 de outubro de 1930.
Vera Calicchio
FONTES: ALMEIDA, J.
Ano; ENTREV. ALMEIDA, J.; INOJOSA, J. República; Jornal do Comércio (4/10/30);
LIMA SOBRINHO, B. Verdade; PESSOA, E. João; RODRIGUES, J. Revolta.