PROGRAMA
DE METAS
O
Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek, também conhecido como Plano
de Metas, não foi um plano global, mas um plano para alguns setores-chave da
economia brasileira, tanto públicos quanto privados, abrangendo cerca de 1/4 da
produção nacional. Metodologicamente, a técnica de elaboração do plano foi a
seguinte: primeiro fez-se um estudo das tendências recentes na oferta e na
demanda desses setores-chave. Em seguida, através de um prognóstico baseado na
extrapolação da composição provável da demanda nos anos subseqüentes, que
levava em consideração o impacto do próprio programa, foram fixadas as metas quantitativas
em cada setor, para um período de cinco anos. Finalmente, estabelecidas as
metas, que objetivavam assegurar a expansão adequada do setor, eram elas
submetidas a uma revisão contínua através do método de aproximações sucessivas.
Essa técnica de planificação era, portanto, adequada para
programar o setor com o grau de sofisticação permitido pelos dados estatísticos
então disponíveis, mas era incapaz, por si só, tanto de identificar o setor que
deveria ser planejado, quanto de verificar em que medida as metas estabelecidas
num setor seriam compatíveis ou consistentes com outras metas, no mesmo setor
ou em outros. Disto, é possível extrair-se uma conclusão: o próprio plano, isto
é, a sua técnica, não explica a preparação da decisão ou a visão geral do plano
em relação à economia brasileira; só depois de os setores terem sido
identificados como setores-chave relevantes é que a técnica poderia ser
aplicada. Portanto, é possível dizer que o Programa de Metas, como
corporificação da decisão de Kubitschek, não consistiu inteiramente em técnicas
de planificação, mas resultou de outros conceitos e critérios. São esses
critérios que levaram à preparação detalhada da decisão que cabe investigar, a
fim de clarificar o processo e o significado do Programa de Metas.
Os antecedentes do Programa de Metas
A
preocupação com problemas de desenvolvimento econômico começou a adquirir
importância no Brasil durante a década de 1940. Sintomas desta preocupação
foram duas missões patrocinadas pelos governos dos Estados Unidos e do Brasil,
a Missão Cooke (1942-1943) e a Missão Abbink (1948), que produziram sugestões e
relatórios sobre as possibilidades da economia brasileira. Além destes dois
relatórios, cabe referência ao Relatório Simonsen e ao Plano Salte, tendo sido
este último elaborado durante o governo de Eurico Dutra pelo Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP) — nesta época, a agência governamental
responsável pelo orçamento — e enviado ao Congresso para aprovação em 1948. O
Plano Salte, cujo nome é um acróstico das palavras Saúde, Alimentação,
Transporte e Energia, não era, na realidade, um plano, mas somente uma
tentativa de racionalização da tomada de decisão sobre o processo orçamentário,
vinculando algumas partes da receita federal a projetos de investimentos
selecionados de acordo com certos conceitos estabelecidos a priori. O plano,
aprovado pelo Congresso em 1950, depois de longo debate, deveria ser
implementado no período de 1950 a 1954 mas, com o fim da administração Dutra,
surgiram outros temas, e o Plano Salte, só parcialmente executado, foi se
esvaindo durante o segundo período Vargas. Essa situação foi agravada pelo fato
de que inexistiam mecanismos para avaliar sua implementação.
Estas primeiras preocupações com planejamento, ainda que não
muito conclusivas, foram relevantes na medida em que ajudaram a criar, nas
palavras de um documento do Programa de Metas, “a mentalidade que iria levar às
realizações da década de 1950”.
Vargas,
na sua segunda administração, enfatizou a preocupação do governo com problemas
de desenvolvimento econômico. Criou, na Presidência, a Assessoria Econômica,
com técnicos como Rômulo de Almeida e Jesus Soares Pereira, que produziram
muitos programas e sugestões de ação, inclusive o plano petrolífero que levou à
criação da Petrobras. Por outro lado, o primeiro ministro da Fazenda de Vargas
durante esse período — Horácio Lafer — promoveu e presidiu a Comissão Mista
Brasil-EUA para desenvolvimento econômico.
A Comissão Mista Brasil-EUA foi uma experiência relevante no
desenvolvimento do planejamento no Brasil. Na realidade, as missões Cooke e
Abbink haviam restringido suas atividades ao que poderia ser chamado mais
rigorosamente de atividades de pesquisa e análise. A Comissão Mista deu um
passo à frente, pois, além disso, elaborou, dentro do contexto da análise, 41
projetos específicos. É bem sabido que o futuro de um plano global está nos
projetos detalhados e no trabalho preparatório adequado de projetos. A Comissão
Mista Brasil-EUA e a Assessoria Econômica criaram as oportunidades para os
técnicos brasileiros começarem a enfrentar as dificuldades concretas de
planificação, que incluíam não só análises gerais, como na década de 1940, mas
estudos específicos de setores e elaboração e avaliação de projetos. Em outras
palavras, quando Kubitschek chegou ao poder em 1956, e o sistema político
estava maduro para a aceitação do planejamento, existia um corpo técnico
treinado e disponível.
Estas observações sobre as experiências de planejamento, no
plano federal, precisam ser complementadas por alguns comentários sobre as
atividades de Kubitschek, antes de se tornar presidente, como governador do
Estado de Minas Gerais. Kubitschek enfatizou, no plano estadual, a execução de
metas nos setores de transporte e de energia elétrica e obteve, para suas
atividades, o apoio da Comissão Mista Brasil-EUA. Estava familiarizado,
portanto, não só com o trabalho e o pessoal da Comissão Mista, mas também com
as possibilidades de planejamento. Sua própria experiência foi, portanto, um
dado de que se valeu para pensar e incitar novas atividades em âmbito nacional.
Os formuladores do Programa de Metas
É dentro do contexto destas experiências anteriores que se
podem explicar os antecedentes da decisão do Programa de Metas. As principais
figuras recrutadas para a elaboração técnica do Programa de Metas foram Lucas
Lopes e Roberto Campos. Ambos tinham sido membros de alto nível da Comissão
Mista Brasil-EUA. Campos, juntamente com Philip W. Glassner (do grupo técnico
norte-americano) e Glycon de Paiva, Mário Poppe de Figueiredo e Reynald Carson,
redigira o relatório da Comissão Mista. Lucas Lopes tinha sido, também,
companheiro e colaborador chegado a Kubitschek em Minas Gerais, tendo ajudado
sua administração no setor de eletricidade como presidente da Cemig, a empresa
estadual responsável pelo setor. Destarte, tendo estado ele envolvido em
atividades de planejamento tanto no nível estadual, quanto no nacional, era uma
escolha excelente para o cargo de primeiro secretário-geral do Conselho de
Desenvolvimento, o órgão planificador de Kubitschek. Lucas Lopes deixou sua
posição de secretário-geral do conselho em agosto de 1958 para assumir o
Ministério da Fazenda. Roberto Campos foi seu sucessor e permaneceu no cargo
até julho de 1959. Lúcio Meira, que tinha sido membro da equipe presidencial do
segundo governo de Getúlio Vargas, sucedeu a Campos.
Portanto, as posições-chave no Conselho de Desenvolvimento,
durante o governo Kubitschek, foram ocupadas por homens que viveram
experiências prévias de planejamento. Além disso, os dois diretores-executivos
do conselho, Vítor da Silva Alves Filho, que exerceu o cargo de março de 1958 a
julho de 1959, e Ottolmy Strauch, desta data até o fim da administração
Kubitschek, tinham pertencido, ambos, à Comissão Mista Brasil-EUA. Da mesma
maneira, o coordenador-geral dos grupos de trabalho até julho de 1959, Otávio
Dias Carneiro, e o assessor-geral do conselho até julho de 1959, Edmar de
Sousa, eram ex-membros da Comissão Mista Brasil-EUA. Jesus Soares Pereira, da
equipe presidencial de Getúlio, foi também um dos coordenadores técnicos do
Conselho de Desenvolvimento. John R. Cotrim — responsável, nos primeiros anos
do conselho, pelo setor de energia — foi vice-presidente da Cemig, a já
mencionada empresa do governo do estado de Minas Gerais que tinha implementado
a meta de Kubitschek para este setor, em nível estadual. Nos grupos de trabalho
criados para estudar assuntos específicos, existiam muitos outros técnicos que
tinham trabalhado em experiências prévias de planejamento.
A existência de técnicos e planejadores experientes e o seu
papel nos trabalhos do Programa de Metas estão, portanto, evidenciados. Este é
um dado fundamental para o entendimento do Programa de Metas. Com efeito, estes
técnicos começaram por aproveitar suas experiências e estudos anteriores para
sugerirem novas atividades. Estas, por sua vez, foram vistas politicamente como
imperativas, à luz da dinâmica do populismo.
Como se sabe, o populismo, no esquema de conciliação
massa-elite então vigente, requeria, em função da ampliação da participação
política que legitimava o regime através do voto, o acréscimo de oportunidades
de emprego. Cabe agora, por isso mesmo, explicar como — para usar palavras dos
documentos do Programa de Metas — “o imperativo político, resultante da
campanha eleitoral, de aumentar o padrão de vida da população, se incorporou
num programa coordenado de ação econômica e administrativa”.
Os conceitos básicos de elaboração do Programa de Metas
Lucas
Lopes e Roberto Campos adotaram como ponto de partida na preparação do Programa
de Metas o relatório e os projetos da Comissão Mista Brasil-EUA, que procuraram
atualizar. A Comissão Mista tinha estabelecido dois campos de prioridade:
transporte e energia, seguindo a tendência dos estudos da década de 1940,
tendência que também havia sido seguida por Kubitschek em nível estadual no
início da década de 1950, quando governador de Minas Gerais. A importância
destes dois setores foi percebida pela Comissão Mista Brasil-EUA através do
conceito de pontos de estrangulamento na economia, um conceito que o Programa
de Metas iria enriquecer e estender. De acordo com este conceito, existiam
setores críticos obstruindo o funcionamento da economia brasileira. O
planejamento governamental teria, portanto, como objetivo primeiro a eliminação
destes pontos de estrangulamento. Esta era uma das suposições básicas do
Programa de Metas. Pode-se traçar as origens deste conceito, como mostrou
Albert O. Hirschman, no crescimento não-equilibrado, isto é, uma situação na
qual existe uma deficiência de capital social básico em relação a atividades
diretamente produtivas, ou, para usar as palavras do Programa de Metas, “a
expansão da procura precede em vários anos a expansão da oferta”, tornando,
dessa forma, o investimento em infra-estrutura praticamente compulsório.
Este
conceito tornou-se mais sofisticado por força de outra experiência de
planejamento, anterior ao Programa de Metas, ou seja, as projeções e estudos do
grupo misto de economistas da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)
e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) publicados em 1955.
Este estudo também tentou identificar os pontos críticos da economia brasileira
que requeriam melhoramentos, tendo sido um fator decisivo nos antecedentes das
decisões do Programa de Metas. Pode-se atribuir ao conceito de ponto de
estrangulamento a identificação preliminar de dois dos mais importantes
setores, dentre os cinco abrangidos pelo Programa de Metas, a saber: os setores
um e dois, de energia e transporte, que representavam, respectivamente, 43,4% e
29,6% do total de investimento inicialmente planejado. Ao conceito de ponto de
estrangulamento também se devem creditar as razões para investimentos
específicos em: 1) ferrovias (construção e reaparelhamento — metas 6 e 7); 2)
rodovias (pavimentação e construção — metas 8 e 9); e 3) serviços portuários e
dragagens (meta 10), no setor de transporte e energia elétrica (meta 1), no
setor de energia.
Mais ainda, o conceito é responsável pela identificação do
que seria substancialmente proposto para o setor alimentício, do terceiro setor
do Programa de Metas. De fato, a perspectiva do Programa de Metas em relação à
agricultura e à criação de gado é explicável, em termos de pontos de
estrangulamento. Seguindo a tendência da Comissão Mista Brasil-EUA, o Programa
de Metas deu prioridade a investimentos indiretos que iriam aperfeiçoar a
infra-estrutura no setor agropecuário. Seis metas estavam ligadas ao setor, e
destas, cinco dentro da esfera do conceito de pontos de estrangulamento; 1)
armazéns e silos (meta 14); 2) armazéns frigoríficos (meta 15); 3) matadouros
industriais (meta 16); 4) mecanização da agricultura (meta 17); e 5)
fertilizantes (meta 18).
O conceito de pontos de estrangulamento levou ainda, como
subproduto, a um outro conceito, que era seu oposto: o conceito de pontos de
germinação, que a Comissão Mista Brasil-EUA já tinha formulado mas que o
Programa de Metas desenvolveu. Em outras palavras, os projetos podiam ser
aprovados e justificados por força do raciocínio de que investimentos em
capital social básico iriam induzir atividades diretamente produtivas. A
construção de Brasília, que a princípio não era parte do Programa de Metas,
poderia ser enquadrada sob este conceito como uma tentativa de desenvolver o
interior através de uma rede de novos meios de comunicação.
A
influência do conceito de ponto de estrangulamento não se limita aos setores e
metas já mencionados. Ajudou também a tornar mais clara a sistemática de
planejar a substituição de importações. O Brasil, depois da década de 1930,
viveu um processo não-planejado de substituição de importações. O
desenvolvimento do processo trouxe problemas para o balanço de pagamentos. Para
atacar estes problemas, o governo brasileiro, não desejando desvalorizar o
cruzeiro, impôs, a partir de 1948, restrições quantitativas às importações. A
Comissão Mista Brasil-EUA, no seu relatório, percebeu que esta prática política
tinha três importantes efeitos econômicos: a) um efeito de subvenção, posto que
a manutenção artificial da taxa de câmbio reduzia o preço dos bens importados,
basicamente maquinaria, matérias-primas e gasolina; b) um efeito protecionista,
posto que restrições quantitativas nas importações reduziam a concorrência; e
c) um efeito de lucratividade, posto que a manutenção da taxa de câmbio tornava
os investimentos no mercado interno mais rentáveis.
Os
estudos e projeções do grupo CEPAL-BNDE, por outro lado, indicavam que a partir
de 1953 o Brasil começou a sofrer uma redução na sua capacidade de importar. Os
elaboradores do Programa de Metas assimilaram estas duas conclusões e decidiram
planejar o processo de substituição de importações de forma a não agravar o
ponto de estrangulamento externo representado pela redução da capacidade de
importar. Em outras palavras, o planejamento da substituição de importações foi
considerado indispensável em vista das tendências prováveis do balanço de
pagamentos do país, que não estaria habilitado a enfrentar um desenvolvimento
industrial não-regulado. Isto levou a um crescimento na participação direta e
indireta do governo em investimentos básicos.
A decisão de criar no Brasil a indústria automobilística
(meta 27) foi motivada basicamente pelo fato de que sua implementação, mesmo a
curto prazo, significaria uma redução do valor das importações e,
conseqüentemente, uma economia de divisas. Na realidade, veículos, juntamente
com trigo e petróleo, eram os itens mais importantes na lista das importações
brasileiras no início da década de 1950. As estimativas para a demanda de
veículos, para o período, mostrava que se eles fossem importados, o custo em
reservas de divisas estaria entre 163 milhões e 216 milhões de dólares — um
montante que excedia de muito os custos estimados, em divisas, para o
estabelecimento da indústria automobilística no Brasil. A meta para o
crescimento nacional da produção de trigo, cujo consumo expandiu-se com o
crescimento da urbanização, também foi estabelecida com base na mesma justificativa:
economia de divisas de forma a reduzir o ponto de estrangulamento externo. O
mesmo se pode dizer das metas relativas à produção e refinação de petróleo
(metas 4 e 5), vinculadas ao setor energético, no qual a justificativa era
estabilizar o custo das importações em nível de 1956 (270 milhões de dólares) e
atender a demanda adicional do qüinqüênio com a expansão da produção nacional.
Portanto,
a lista de importações forneceu alguns dos critérios para o estabelecimento de
prioridades na substituição de importações, mas isto não explica por si só o
critério para o planejamento de outras metas de substituição de importações. De
fato, as metas já mencionadas eram facilmente percebidas como relevantes em
vista da posição privilegiada que tinham na lista de importações, mas o que
dizer de outros produtos que não se destacavam tão claramente na lista?
Governos anteriores ao de Kubitschek tinham estabelecido o controle do comércio
exterior e tinham começado a planejar o balanço de pagamentos. Esta tentativa
preliminar de dar conta do ponto de estrangulamento externo levou ao
estabelecimento de critérios para importações, cuja indispensabilidade era
aferida pelo impacto estrutural, conjuntural e nas relações de troca com o
exterior destas importações. O Programa de Metas, baseando-se nesta
experiência, chegou ao conceito de elos (linkages), através do qual as
potencialidades da demanda derivada decorrente da produção interna — existente
e futura — de bens passaram a ser levadas em consideração no estabelecimento das
metas, induzindo, portanto, à identificação do quarto setor do Programa de
Metas: as indústrias de base.
A
meta 27 (indústria automobilística), por exemplo, levou à programação da
indústria de autopeças, à programação da meta 25 (borracha), da meta 19 (siderurgia)
e da meta 21 (metais não-ferrosos). Esta compreensão dos elos entre as metas
teve efeitos de longo alcance porque extravasou o planejamento dentro do setor
e induziu à percepção da interdependência da economia como um todo. Assim, a
meta 29 (indústria mecânica e do material elétrico pesado) foi planejada não
somente em vista da demanda derivada de outras metas dentro do setor de
indústrias de base, tais como a meta 27 (indústria automobilística) e a meta 28
(construção naval), mas também em vista da meta 1 (energia elétrica) do setor
de energia, das metas 6 e 7 (reaparelhamento e construção de ferrovias) e da
meta 8 (pavimentação de rodovias). A meta 3 (carvão) do setor energético foi
planejada em conexão com energia elétrica (unidades termelétricas dentro da
meta 1) de seu próprio setor e em conexão com a siderurgia (meta 19) do setor
de indústrias de base. A meta 11 (marinha mercante) do setor de transporte
levou à meta 28 (construção naval) do setor de indústrias de base. A meta 17
(mecanização da agricultura) do setor alimentício levou à produção de tratores
dentro do escopo da meta 27 (indústria automobilística) do setor de indústrias
de base. A meta 22 (cimento) foi planejada tendo em vista o impacto global do
Programa de Metas.
Como
pode ser visto, a substituição de importações não-planejada de bens de consumo,
que tinha criado problemas no balanço de pagamentos e, conseqüentemente,
induzido ao controle do comércio exterior, foi substituída, através da
influência do conceito de elos (linkages), por uma perspectiva muito mais
ampla, que reconhecia a complementariedade de todos os setores dentro do
contexto econômico global. A substituição planejada de importações de
indústrias intermediárias e indústrias de bens de capital foi, conseqüentemente,
possível porque todos os conceitos discutidos até agora foram usados de maneira
integrada e simultânea numa tentativa de identificar e ligar os setores
abrangidos pelo Programa de Metas.
Mutatis mutandis, a mesma linha de raciocínio foi aplicada ao
quinto setor do Programa de Metas: educação (meta 30). De fato, dada a conexão
entre educação e desenvolvimento, considerou-se relevante o investimento no
setor, especialmente porque existia uma desproporção entre a expansão de
facilidades educacionais e o estágio de desenvolvimento econômico no princípio
do período, desproporção que criaria, num futuro próximo, um ponto de
estrangulamento de pessoal qualificado.
O exame dos conceitos que induziram à identificação dos
setores e forneceram a justificativa para investimentos em metas específicas
leva a uma outra observação: a nova visão geral, formada pelo uso integrado dos
conceitos, tornou possível uma compreensão da interdependência e
complementariedade da economia como um todo, que o uso isolado anterior dos conceitos,
em campos mais limitados, não tinha ainda possibilitado. Esta compreensão foi
uma das maiores contribuições do Programa de Metas para a institucionalização
do planejamento no Brasil.
O Programa de Metas como compromisso político do
governo JK: razões e possibilidades
O
Programa de Metas não era um plano compreensivo, mas sim um plano setorial.
Conseqüentemente, não propunha a alocação de todos os recursos através do
processo de planejamento. Somente 1/4 da produção nacional era compreendido por
ele. Mais ainda, ele não vinculava todos os recursos da Receita Federal. Nas
palavras do Programa de Metas, existia “uma margem ampla de investimentos a
curto prazo não contemplados pelo Programa de Metas”, que foram deixados para a
decisão do Congresso na sua aprovação anual do orçamento. Esta situação permite
que se chegue a uma conclusão relevante em relação à decisão política de
Kubitschek de planejar. O Programa de Metas tornou-se uma decisão sobre a qual
era possível construir consenso, posto que seus objetivos eram percebidos como
compatíveis, tanto pela elite quanto pelas massas urbanas mobilizadas, os
atores relevantes do sistema político naquela ocasião. Conseqüentemente, suas
inovações podiam basear-se numa aliança válida, construída por barganhas. Foi
adicionado, porém, à validade da aliança de objetivos, um mecanismo de
realimentação para reforçar sua operação. Isto se explica porque, da mesma
forma que o Programa de Metas era revisto através do método de aproximações
sucessivas — de modo a estar sempre ligado à realidade econômica —, a aliança
era ajustada de forma a manter-se dentro da realidade política, através da
flexibilidade destes investimentos a curto prazo, a serem alocados através dos
mecanismos tradicionais do sistema político. Esta margem de investimentos a
curto prazo era a válvula de segurança da aliança, permitindo os ajustamentos
necessários para a manutenção do apoio político. Foi a existência desta válvula
de segurança que permitiu a Kubitschek dar um passo à frente na sustentação do
Programa de Metas. De fato, consciente de que o programa poderia produzir
consenso e sabendo que eventuais ajustes políticos futuros deste consenso
poderiam ser feitos através da flexibilidade oferecida por esta margem de
investimentos a curto prazo, Kubitschek adotou, frente ao Programa de Metas,
uma atitude de comprometimento, ou decisão aprioritária. Decisão aprioritária
pode ser definida como “uma forma de ajustamento mútuo entre partidários, onde
‘x’, sabendo que existem vantagens tanto para ‘x’, como para ‘y’, na
coordenação de suas respectivas decisões, faz uma decisão firme,
não-contingente, antes que ‘y’ decida, compelindo, desta forma, ‘y’ a se
adaptar a ‘x’, de modo que ‘y’ possa tirar proveito de alguma vantagem da
coordenação”.
No
dia 1º de fevereiro de 1956, um dia depois de sua posse, Kubitschek fez sua
decisão aprioritária e, desta forma, possibilitou o estabelecimento do esquema
em relação ao qual todos os atores do sistema político tiveram que fazer
ajustes adaptativos. De fato, no seu primeiro encontro com o ministério, às
sete horas da manhã, Kubitschek propôs a lista preliminar de metas, que foram
aprovadas e, imediatamente, enviadas à imprensa para publicação. Mais ainda:
nesse mesmo dia, Kubitschek criou, com a chancela de seus ministros, pelo
Decreto nº 38.744, de 1º de fevereiro de 1956, o Conselho de Desenvolvimento, o
órgão de planificação encarregado de coordenar os esforços governamentais para
implementar o Programa de Metas.
As soluções administrativas do Programa de Metas
Antes
de se apresentar os resultados do Plano de Metas, cabe fazer uma rápida
referência ao estado em que se encontrava a administração pública brasileira no
início do período em estudo, para se apurar quais eram as condicionantes
operacionais do sistema e, conseqüentemente, quais teriam sido as opções
possíveis para a decisão de preparar a implementação do plano. As reformas na
administração pública brasileira, notadamente a introdução do sistema de
mérito, iniciaram-se na década de 1930. Entretanto, diversos fatores de ordem
política, entre os quais cabe mencionar a existência da política de clientela,
diluíram o impacto dessa reforma. Se se tomar como um critério preliminar para
aferir essa diluição a relação entre funcionários concursados — que ingressaram
no serviço público pelo sistema de mérito, exigência legal que data da
Constituição de 1934 — e funcionários não-concursados — que ingressaram no
serviço público através de influências e acomodações políticas — verifica-se
que a percentagem dos concursados em relação ao funcionalismo total oscila,
segundo diversas estimativas, entre 10% e 17%. Em 1958, segundo os dados do
censo do servidor público federal, havia 229.422 funcionários públicos
federais, porém, até aquela época, o DASP só havia habilitado em concurso
28.406 pessoas, donde a ilação de que, na melhor das hipóteses, apenas 12% do
funcionalismo público federal teriam ingressado pelo sistema de mérito. Se a
isto acrescentarmos que, em geral, diversos textos legais dissolveram as
diferenças jurídicas entre concursados e não-concursados (extranumerários
tornando-se funcionários; interinos efetivando-se etc.), diluindo, dessa
maneira, nos diversos órgãos governamentais, o impacto das medidas que visavam
ao aprimoramento da administração pública, pode-se concluir que a competência
no serviço público era difusa. Essa conclusão confirma-se com as pesquisas de
Astério Dardeau Vieira, através das quais verificou-se que o comportamento
geral dos concursados é superior ao dos não-concursados, evidenciando-se, portanto,
que o critério adotado para aferir o problema encontra amparo nos dados
empíricos coligidos até o presente momento. Pois bem: diante dessa situação de
competência difusa, quais as opções do governo no sentido de preparar a
implementação do Plano de Metas?
Em
1956 duas foram as alternativas apresentadas, uma pela Comissão de Estudos e
Planejamento Administrativo (CEPA), que propunha prosseguir nas tentativas,
iniciadas em 1953, de uma reforma total da administração, e outra simbolizada
pela criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), que
propunha, implicitamente, a criação de órgãos paralelos à administração normal,
que seriam os encarregados da implementação do plano. Kubitschek acabou optando
pela segunda alternativa, recordando-se, sem dúvida, das dificuldades até então
encontradas para a reforma administrativa total e intuindo que a racionalidade
administrativa não é só o caminho mais adequado idealmente mas sim o caminho
mais adequado tendo-se em vista a resistência previsível aos meios de que se
pode dispor numa situação dada.
Quais
foram as condições de funcionamento no período 1956-1961 dos órgãos utilizados
ou criados para implementar-se o Plano de Metas? Conforme já se disse, o
governo não optou pela reforma total da administração pública, mas sim pela
alternativa da administração paralela. Esta administração paralela era
constituída por órgãos existentes — em que a diluição do sistema de mérito não
tinha ocorrido, como é o caso do BNDE, da Carteira de Crédito Exterior do Banco
do Brasil (Cacex), da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) — ou então
por órgãos novos, para os quais se drenou a competência disponível no serviço
público, através da requisição, como é o caso, por exemplo, dos grupos
executivos e do Conselho de Política Aduaneira. Esses órgãos transformaram-se,
por assim dizer, em órgãos de ponta da administração pública brasileira, que
conseguiram controlar a execução do Plano de Metas dadas as condições da
economia brasileira no período 1956-1961.
De fato, o período do Plano de Metas caracterizou-se por ser
uma fase de intensa substituição de importações, em que a principal zona de
incerteza do sistema era externa. Basta dizer que, do total dos recursos
necessários previstos para a implementação do plano, 43,9% destinavam-se à
importação de bens e serviços. Ora, como aponta Michel Crozier, num sistema de
relações e de atividades, quem controla uma zona de incerteza dispõe de um
poder considerável, uma vez que a situação dos demais componentes do sistema
poderá ser atingida por essa incerteza.
Foi precisamente o controle formal e real da zona de
incerteza que garantiu a essa administração paralela as condições de seu
efetivo funcionamento, pois as metas do plano, fundamentalmente, ou eram metas
de infra-estrutura, ou eram metas de substituição de importações. Em ambos os
casos, a zona de incerteza era a oferta de tecnologia e/ou a oferta de recursos
financeiros controlada por esses órgãos de ponta da administração pública, dada
a situação estratégica em que se encontravam na manipulação de incentivos
instituídos pelo Plano de Metas. De fato, recursos financeiros, no volume
necessário, e tecnologia, nas dimensões requeridas, eram externos ao sistema,
requerendo-se, pois, licenças de importação, câmbio, financiamentos, avais e
garantias etc., só acessíveis através desses órgãos de ponta encarregados da
implementação do plano.
Foi
esta situação estratégica que conferiu viabilidade administrativa à
fiscalização da execução do Plano de Metas, que foi coordenada da seguinte
maneira: 1) em relação ao setor privado, criaram-se os grupos executivos, que
se compunham de todos os órgãos responsáveis pela concessão desses incentivos.
Os grupos executivos conseguiram, dessa forma, centralizando e harmonizando a
decisão administrativa, e descentralizando a execução de suas decisões,
institucionalizar as novas premissas, cuja elaboração já foi discutida neste
verbete; 2) em relação ao setor público, a coordenação se fez, basicamente,
através do BNDE. O BNDE controlava os mecanismos de financiamento do setor
público, direta ou indiretamente ligados às metas de infra-estrutura:
diretamente através dos recursos do programa de reaparelhamento econômico e dos
avais e garantias — que eram indispensáveis para a obtenção de financiamentos no
exterior — e indiretamente, porque os recursos vinculados (fundos), mesmo
quando não-manipuláveis discricionariamente pelo BNDE, aí eram depositados,
constituindo-se em garantias para os financiamentos internacionais, o que
acabou por fortalecer a posição do BNDE no contexto da administração pública
brasileira.
Explicada a relação entre política e administração, isto é,
vista a maneira pela qual os imperativos políticos, traduzidos em programas de
ação administrativa, tiveram condições de institucionalizar-se no contexto da
administração pública brasileira, através do controle da zona de incerteza,
cabe agora apurar quais foram os resultados do Plano de Metas.
Resultados do Programa de Metas
A taxa média de crescimento do PIB foi de 7%, no período de
1957-1962, o que contrasta favoravelmente com a taxa de 5,2% dos dois
qüinqüênios anteriores. O crescimento da renda real per capita foi de 3,9%, o
que também contrasta favoravelmente com os períodos anteriores (1947-1951,
1952, 1956), quando esse crescimento foi de 2,1%. Esses resultados amplos devem
ser atribuídos ao impacto geral do Plano de Metas, pois as projeções do grupo
misto CEPAL-BNDE, publicadas em 1956, eram pessimistas e previam dificuldades
durante o qüinqüênio se novas medidas não fossem tomadas para contrabalançar as
tendências gerais da economia brasileira. Quanto aos setores específicos do
plano, os resultados foram os seguintes:
I. O setor de energia, que abrangia 43,4% do investimento
inicialmente planejado, compreendia as seguintes metas:
1)
energia elétrica — elevação da capacidade instalada em 1956 (3.500.000kW) para
5.000.000kW em 1960, e 9.000.000kW em 1965. Em fins de 1960 tinham sido
instalados 4.770.000kW, portanto, 87,6% da meta, e em fins de 1961 esta
capacidade atingia 5.205.000kW.
2) energia nuclear — formação técnica de pessoal necessário à
execução do programa nacional de energia nuclear; fabricação nacional de
combustível nuclear, planejamento de instalações de usinas termelétricas,
produção e distribuição de radioisótopos. Os objetivos da meta foram
alcançados. Construiu-se e inaugurou-se o reator de pesquisas do Instituto de
Energia Atômica na Cidade Universitária da USP, bolsas de estudos foram
concedidas, realizaram-se prospecções de minérios nucleares; o Conselho
Nacional de Energia Nuclear estocou material atômico produzido pela Orquima no
Brasil etc.
3)
carvão mineral — meta inicial, elevação da produção de carvão mineral para
2.500.000t, em 1960; meta revista, 3.000.000t para 1960. Em 1960 a produção foi
de 2.199.000t, portanto, inferior à meta inicial. Em compensação, em virtude de
emprego do sistema diesel na rede ferroviária, o consumo de carvão decresceu.
4) petróleo (produção) — meta inicial, 90 mil barris/diários;
meta revista, 100 mil barris/dia. Alcançaram-se, em 1960, 75.500 barris/dia;
portanto, 75,5% da meta revista. Em 1961 a produção atingiu 95.400 barris/dia.
5) petróleo (refinação) — meta inicial, 175 mil barris/dia,
em 1960; meta vista, 308 mil barris/dia. Em 1960 alcançaram-se 18 mil barris/dia,
portanto, 125% da meta inicial e 69% da meta revista. Em 1961 atingiram-se
308.600 barris/dia.
II. O setor de transportes, que abrangia 29,6% do
investimento inicialmente planejado, subdividia-se nas seguintes metas:
6)
ferrovias (reaparelhamento) — meta revista: a) material rodante de tração
compreendendo a aquisição de nove locomotivas elétricas e 403 locomotivas
diesel; b) material rodante de transporte, compreendendo a aquisição de 1.086
carros de passageiros e 10.943 vagões de carga; c) reaparelhamento da via
permanente, com a aquisição de 791.600t de trilhos e acessórios e substituição
de dormentes. Resultados em 1960: a) foram adquiridas nove locomotivas
elétricas e 380 do tipo diesel, portanto alcançaram-se respectivamente 100% e
95% da meta no item a; b) foram adquiridos 504 carros de passageiros e 6.498
vagões de transportes, portanto, 51% e 59% da meta no item b; c) foram
adquiridos 613.259t de trilhos, logo, 77% da meta no item a e substituíram-se
14.931.505 dormentes, mais do que o dobro do previsto. No conjunto, portanto,
estima-se que a meta alcançou 76% do previsto.
7)
ferrovias (construção) — meta inicial, 1.500km de ferrovias. Foram entregues ao
público 826,5km: atingiu-se, portanto, cerca de 50% da meta revista, cabendo,
no entanto, dizer que, apesar de se ter estendido apenas de 3,2% a rede
ferroviária do país, o volume de carga transportada no período 1955-1960
cresceu de 21,7% e o número de passageiros aumentou 19,0% graças ao conjunto
das metas 6 e 7.
8) rodovias (pavimentação) — meta inicial, 3.000km; meta
revista, 5.000km e meta novamente revista, 5.800km. Alcançaram-se 6.202km,
portanto, 207% da meta inicial e 107% da revista. Os resultados foram
brilhantes, pois o governo aumentou, nesse período, em 100% a quilometragem de
estradas federais pavimentadas.
9) rodovias (construção) — meta inicial, 10.000km; meta
revista 12.000km, meta novamente revista, 13.000km. Alcançaram-se 14.970km, ou
seja, 150% da meta inicial e 115% da meta novamente revista.
10) serviços portuários e de dragagens — a meta revista
abrangia: a) obras portuárias, b) reaparelhamento, c) dragagem (25 milhões de
metros cúbicos de terra e detritos a remover), d) equipamento de dragagem. Os
itens de reaparelhamento e equipamento de dragagem foram integralmente cumpridos.
Os outros dois itens foram abordados com firmeza, mas não integralmente
cumpridos. Estima-se que a porcentagem do realizado sobre o previsto tenha sido
de 56,1%.
11)
marinha mercante — meta revista: incorporação de 30.000dwt de navios de longo
curso, 330.000dwt de navios petroleiros e 200.000dwt de navios de cabotagem.
Meta alcançada: 65.000dwt de longo curso, 300.000dwt de petroleiros e 190 mil
de cabotagem.
12) transportes aeroviários — meta revista: compra de aviões,
reequipamento do material de vôo, implantação de uma infra-estrutura de vôo
adequado, estabelecimento de indústria aeronáutica. Meta alcançada, em termos
físicos: acréscimo de 13 unidades à frota aérea, e serviços de infra-estrutura,
inclusive novos campos entre os quais o de Brasília. Por outro lado, o índice
de toneladas/quilômetro de utilização, em 1960, foi 585 milhões, o previsto
para a meta.
III.
O setor de alimentação, exceção feita à meta 13 (trigo), em que se contemplou
diretamente a agricultura, abrangeu investimentos visando ao fortalecimento da
infra-estrutura agrícola dentro do conceito — apontado na primeira parte desse
verbete — de pontos de estrangulamento. Compreendia as seguintes metas:
13) trigo — meta revista: 1.500.000t a serem atingidas na
safra de 1960. Em 1960 a produção de 370.000t, portanto, muito aquém da meta
planejada e da produção de 1955.
14) armazéns e silos — meta inicial: rede com capacidade
estática de 530.000t; meta revista, capacidade estática de 800.000t, sendo
330.000t para armazéns e 470 mil, silos. Alcançaram-se 569.233t de capacidade
estática, 354.872t em armazéns e 214.361t em silos, portanto, 7% a mais da meta
inicial e 71% da meta revista.
15) armazéns frigoríficos — meta inicial, capacidade estática
de 100.000t; meta revista, 45.000t de capacidade estática. Ampliou-se em apenas
8.014t a capacidade estática, durante o período, apesar dos estímulos
governamentais.
16) Matadouros industriais — meta inicial: construção de
matadouros industriais com capacidade de abate diário de 3.550 bovinos e 1.300
suínos. Meta revista: capacidade de abate diário de 2.750 bovinos e 1.100
suínos. Alcançou-se capacidade para abate diário de 2.100 bovinos e setecentos
suínos, portanto, 80% da meta revista.
17) mecanização da agricultura — meta inicial: ampliar o
número de tratores. Meta revista: aumentar o número de tratores para 72 mil. Em
1957 o número de tratores em uso na agricultura era de 49 mil. Em 1960
estimou-se a existência de 77.362 tratores; portanto, superou-se a meta
revista.
18) fertilizantes — meta revista: atendimento ao consumo —
40.000t de nitrogênio, 120.000t de anidrido fosfórico, 60.000t de óxido de
potássio e a produção de adubos químicos básicos — 120.000 t de conteúdo de
nitrogênio e anidrido fosfórico. Resultados para atendimento do consumo:
40.200t de nitrogênio, 102.000t de anidrido fosfórico e 65.000t de óxido de
potássio; portanto, 100,5%, 95% e 108% da meta fixada. Para a produção:
290.000t, portanto, 2,5 vezes a quantidade fixada pela meta.
O setor de alimentação representava, no contexto inicial do
Plano de Metas, apenas 3,2% do investimento planejado. Entretanto, não se pode
dizer que essa pequena porcentagem tenha dificultado o desenvolvimento da
agricultura brasileira. Independentemente do problema da justiça social no
campo, que não cabe analisar aqui, cumpre observar que a taxa de crescimento da
produção agrícola brasileira no período 1955-1960 foi de 7,2% ao ano, o que
contrasta favoravelmente com a taxa de 3,3% do qüinqüênio anterior.
IV. O setor de indústrias de base, que absorvia 20,4% dos
investimentos inicialmente contemplados pelo Plano de Metas, era um dos setores
cruciais para se atingir a vigorosa política de industrialização de que falava
Kubitschek na sua campanha eleitoral de 1955. Os resultados do setor, no
conjunto, mostram que esse objetivo foi atingido, pois o ritmo de crescimento
da produção industrial aumentou de mais de 96% sobre 1955 — índice do volume
físico da produção industrial — crescimento que se compara muito favoravelmente
com o índice de 1952-1955 que foi de 42%. Por outro lado, a produção industrial
diversificou-se, ganhando maior ênfase o setor de bens de produção, conforme se
verifica pela leitura do seguinte quadro:
O setor subdividia-se nas seguintes metas:
19) siderurgia — meta inicial: elevar a capacidade de aciaria
do parque siderúrgico a cerca de 2.300.000t de aço bruto em lingotes, em 1960,
e 3.500.000t, em 1965 (a capacidade em 1955 era de 1,365 milhão). Em 1960 a
produção atingia 2.279.000t de lingotes e em 1961 a meta foi ultrapassada,
quando a produção atingiu 2.485.000t.
20) alumínio — meta revista: aumentar a capacidade nacional
de produção de alumínio para 25.000t em 1960. Em 1960 a produção de alumínio
foi 16.573t.
21) metais não-ferrosos — expansão das indústrias de chumbo,
estanho, níquel e cobre, bem como implantação da metalurgia do zinco, até 1960.
A metalurgia do zinco não foi implantada nem a produção de cobre aumentada em
termos de assegurar auto-suficiência. Os resultados, no entanto, foram os
seguintes, indicando que houve expansão:
22) cimento — meta inicial: elevação do potencial de produção
para 5.000.000t/ano em 1960. Alcançaram-se em 1960 4.369.250t, portanto, 90,3%
da meta.
23) álcalis — meta inicial, 140.000t de álcalis; meta
revista, 212.000t de álcalis em 1960 — 140.000t de soda cáustica e 72.000t de
barrilha. Alcançaram-se, no fim do qüinqüênio, 152.000t de álcalis — 83.980 t
de soda cáustica; portanto, 60% da meta e 65.000t de barrilha; logo, 94% da
meta.
24) celulose e papel — meta inicial: 200.000t de celulose e
450.000t de papel- inclusive, 150.000t de papel jornal — em 1960. Os resultados
em 1960 foram 200.237t de celulose e 505.089t de papel, dos quais 65.760t de
papel jornal.
25) borracha — meta inicial, fomento; meta revista,
65.000t-40.000t de borracha sintética e 25.000t de borracha natural. Atingiu-se
em 1961 a capacidade de produção de borracha sintética, porém, o mesmo não se
verificou com a borracha natural, cuja produção, em 1960 foi de 22.500t,
praticamente igual à de 1955, 22.400t.
26)
exportação de minérios de ferro — meta revista, 8.000.000t. Em 1960
exportaram-se 5.000.000t: portanto, 62,5% da meta. Cabe dizer que em 1955 a
exportação foi de 2.565.000t, de maneira que o esforço do Plano de Metas
representou um aumento de 94% em relação à situação anterior.
27)
indústria automobilística — meta inicial, 100 mil veículos automotores, em
1960. A meta revista e os resultados alcançados podem ser confrontados nos
seguintes quadros:
28) indústria de construção naval — meta inicial, implantação
da indústria, meta revista, capacidade nominal de construção de 160.000dwt/ano.
Resultados: os projetos aprovados até 1960 totalizavam uma capacidade de
158.000dwt/ano.
29) indústria mecânica e de material elétrico pesado — não
foram fixadas metas quantificadas, apenas se objetivou ampliar e implantar o
setor. Os resultados foram os seguintes: a produção de máquinas e equipamentos
aumentou de 100% em 1960, em relação a 1955, e a produção de material elétrico,
de 200%.
V. O setor de educação que era contemplado com 3,4% do total
dos investimentos inicialmente previstos no Plano de Metas abrangia apenas a
seguinte meta:
30) formação de pessoal técnico — meta inicial: intensificar
a formação de pessoal técnico e orientar a educação para o desenvolvimento. O
governo aumentou, progressivamente, as verbas orçamentárias consignadas ao
Ministério da Educação e Cultura e deixou subsídios importantes sobre o
problema que resultaram dos trabalhos do Grupo Executivo do Ensino e
Aperfeiçoamento Técnico (Enatec), criado em 25 de junho de 1969.
Finalmente, Brasília, considerada a metassíntese do período,
merece algumas observações. A cidade foi construída num tempo recorde e
estima-se que as despesas com a construção da cidade tenham sido da ordem de
250 bilhões a trezentos bilhões de cruzeiros, em preços de 1961, ou seja,
Brasília mobilizou 2,3% do PNB. Não se deve também esquecer que a construção da
capital representou uma expansão no escopo do sistema econômico, constituindo
um ponto de crescimento, conforme conceito apontado na primeira parte deste
verbete.
Antes de finalizar o verbete e propor algumas conclusões,
dois temas devem ainda ser mencionados: o problema do capital estrangeiro e o
da inflação.
Evidentemente,
houve, durante o período, inflação. Houve também um alto índice de crescimento
econômico. Estas duas fases, isoladamente ditas, são as únicas observações
cabíveis, pois a relação entre inflação e desenvolvimento econômico continua um
problema em aberto que, enquanto tal, escapa ao horizonte de cogitações deste verbete.
Quanto ao tema do capital estrangeiro, parece pertinente levantar como hipótese
de trabalho, para elucidá-lo no contexto do problema do planejamento, a relação
entre a situação da administração pública brasileira e o problema do controle
da zona de incerteza. Em verdade, à medida que a competência difusa da
burocracia no Brasil só era mobilizável em termos de certos órgãos de ponta,
que só tinham condições de controlar a zona de incerteza externa ao sistema,
compreende-se o porquê da opção pelo capital estrangeiro. De fato, dada a
premência do desenvolvimento — posta pelas variáveis de participação política —
a opção pelo capital estrangeiro se explica, no contexto do planejamento, pela
facilidade de seu enquadramento, a curto prazo, no âmbito dos instrumentos
disponíveis para a fiscalização e execução do Plano de Metas. Estes
instrumentos disponíveis agiram desta maneira como condicionantes operacionais
do sistema, uma vez que outras opções haveriam de requerer um outro tipo de
administração pública, impossível de criar-se no Brasil nas condições então
vigentes.
Conclusões
À
luz dos dados expostos, é possível dizer que o Programa de Metas foi um caso
bastante bem-sucedido na formulação e implementação de planejamento. Com o
risco de ultrapassar os limites impostos a este verbete, pode-se sugerir,
concluindo, que os problemas por ele ocasionados aos governos que se sucederam
resultaram justamente do seu sucesso. De fato, o período Kubitschek esgotou, aparentemente,
uma fase importante do modelo de substituição de importações, esgotando,
conseqüentemente, as virtualidades de suas soluções administrativas, da mesma
forma que, numa empresa privada, depois da implantação de uma indústria, a
excelência dos técnicos em finanças e dos engenheiros se revela insuficiente
para a eficácia da ação. Esta passa a exigir um universo mais complexo de
técnicos, impondo-se novos especialistas — como os de marketing, custos e
controles etc. — em vista do surgimento de novas zonas de incerteza.
Igualmente, a mudança da zona de incerteza do macrossistema
brasileiro, que passou de externa a interna, acarretaria a necessidade de
utilização de toda uma administração e não apenas de alguns órgãos de ponta, se
se desejasse prosseguir, com sucesso, no esforço de planejamento. Ora, toda uma
administração, em virtude do caráter difuso da competência da administração
pública brasileira, era de difícil mobilização, e a impossibilidade se
enfrentar a zona de incerteza — representada por um planejamento que não
tivesse mais como ênfase principal, a implantação de unidades produtivas ou a
superação de ponto de estrangulamento, mas sim o controle de um sistema em
funcionamento — passou a ser o novo ponto de estrangulamento do sistema brasileiro.
Nessas circunstâncias, e com a contínua ampliação e não-institucionalização da
participação política — que pressionava difusamente o sistema como um todo até
1964 — tornou-se cada vez mais difícil traduzir os imperativos políticos de um
regime que se desejava aberto em programas de ação administrativa
implementáveis — o que explica, ao menos em parte, o colapso do populismo.
Celso Lafercolaboração especial
FONTES: