PROGRAMA
ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO (PED)
Programa econômico para o triênio 1968-1970, também conhecido
como Plano Estratégico de Desenvolvimento. Elaborado sob a supervisão do
ministro do Planejamento Hélio Beltrão e implementado pelo ministro da
Fazenda Antônio Delfim Neto, o plano procurava definir uma nova estratégia de
desenvolvimento econômico e social para o país, apresentando como elementos fundamentais
o programa de investimentos nas áreas consideradas estratégicas, a programação
de instrumentos financeiros para a consecução das novas medidas e um conjunto
de instrumentos de ação indireta sobre o setor privado.
Antecedentes
Com
a “missão de consolidar a obra revolucionária e, sobretudo, a de promover a
aceleração do desenvolvimento”, instalou-se no país em março de 1967 o segundo
governo militar posterior ao movimento político-militar de março de 1964, sob a
presidência do marechal Artur da Costa e Silva. Em junho de 1967, o presidente
Costa e Silva recebeu o documento “Diretrizes do governo” que definia as
diretrizes gerais e setoriais para a ação imediata e a mais longo prazo de
política econômica e social. Em termos gerais, o documento tinha por objetivo
estabelecer uma nova estratégia de desenvolvimento econômico e social
simultaneamente à contenção da inflação, através do fortalecimento da empresa
privada, da estabilização gradativa do comportamento dos preços, do aumento da
responsabilidade do governo em relação a investimentos de infra-estrutura, da
expansão do emprego e do fortalecimento e ampliação do mercado interno. Com
essas medidas, os novos dirigentes da política econômica do país procuravam
reverter o processo de recessão em que se encontrava a economia nacional. No
mês seguinte, o documento foi aprovado oficialmente pelo presidente da
República durante reunião ministerial ficando assim estabelecidas as bases do
Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED).
O desdobramento, a quantificação e o detalhamento do novo
programa econômico vieram somente com a publicação do PED, em junho de 1968.
O PED
O
ponto de partida do PED consistiu na apresentação de um diagnóstico do
desenvolvimento da economia brasileira do imediato pós-guerra até 1967, sendo
sobretudo investigadas as causas do colapso econômico ocorrido de 1961 a 1963 e
as oscilações bruscas verificadas no produto industrial de 1964 a 1966. Entre
as causas do colapso, foram salientadas não só “as características do modelo de
crescimento vigente até 1961”, que não teria conduzido “à criação de um mercado
de massa, suficientemente amplo, capaz de manter o dinamismo da economia no
momento em que o processo de substituição de importações entrou em
arrefecimento”, mas também “a desordem político-social subseqüente à renúncia
do presidente Jânio Quadros e à posse do sr. João Goulart”. A responsabilidade
pelas oscilações estaria basicamente no processo de combate à inflação adotado
pelo governo do marechal Humberto Castelo Branco (1964-1967), que “pôs em
prática uma política financeira que, buscando equilibrar a qualquer custo a
Caixa do Tesouro, acabou por desequilibrar a das empresas”, além de
ter operado uma transferência maciça de recursos do setor privado para o
setor público de ter elevado a carga tributária e também os
custos financeiros e os preços dos bens e serviços produzidos pelas empresas do
governo, de ter restringido o crédito, de ter promovido redistribuições bruscas
de liquidez, de ter reduzido o poder aquisitivo dos assalariados e de ter
realizado emissões maciças de Obrigações do Tesouro com correção monetária,
dificultando ainda mais a obtenção de capital estrangeiro por parte das
empresas.
Essas medidas, segundo o PED, produziram a retração do
mercado, a queda do nível de emprego e a subutilização de capacidade,
“conduzindo o setor privado a uma situação de perigosa debilidade, que atingiu
especialmente as empresas nacionais”. O plano ressaltava que
deveriam ser apontados no entanto os resultados positivos alcançados pelo
governo anterior, sobretudo em relação ao “restabelecimento da confiança na
ordem e nas instituições, do crédito do Brasil no exterior, da retomada dos
investimentos de infra-estrutura e da modernização de vários mecanismos
institucionais”.
O PED afirmava ainda que, já nos primeiros meses de 1967, o
novo governo se empenhara na tarefa de retirar a economia da forte recessão em
que esta se encontrava. Cabia ao plano conceber uma nova estratégia que
permitisse a retomada e a superação das altas taxas de retorno de crescimento
vigente até 1961. Seu objetivo era atingir “um crescimento anual equivalente,
no mínimo, à média verificada entre 1947 e 1961” que se situava em torno de 6%
ao ano.
A nova estratégia definida pelo plano preconizava “o
desenvolvimento simultâneo e harmônico da agricultura, da indústria e dos
setores de infra-estrutura econômica (energia, transportes e comunicações) e
social (educação, habitação, saúde e saneamento), com o objetivo de
diversificar as fontes de dinamismo de nossa economia, elevar o
nível de emprego e promover a expansão do mercado interno”. O PED
defendia ainda a implantação de “uma vigorosa política de exportações e a
redução de custos básicos”, além de destacar a importância da “modernização das
estruturas econômicas e sociais do país, colocando grande ênfase na reforma
educacional, na aceleração da pesquisa científica e tecnológica e na reforma
administrativa”. Para atingir os objetivos básicos definidos pelo plano, seria
ainda necessário manter o controle do balanço de pagamentos, evitar o
agravamento das disparidades econômicas regionais e setoriais, e “assegurar a
manutenção do clima de ordem interna e estabilidade institucional, preservando
a expectativa de segurança político-social indispensável ao bom aproveitamento das
possibilidades de produção e das oportunidades de investimento”.
Além
de estabelecer os objetivos básicos que norteariam a política econômica no
período 1968-1970, o PED procurou definir as políticas “monetária e de mercado
de capitais: tarifária, cambial e de comércio exterior, salarial, de
distribuição de renda etc...; principais instrumentos de execução dessas
políticas chamados elementos macroeconômicos (crescimento do produto interno
bruto [PIB], inflação, emprego, consumo, investimentos, importações)” tendo
ainda selecionado áreas estratégicas de atuação e estabelecido o programa a ser
empreendido em cada uma delas, identificando e quantificando os “principais
projetos, públicos e privados, a serem executados no triênio, dentro de cada
área estratégica”.
A política monetária iria constituir-se segundo o plano num
dos instrumentos básicos de compatibilização dos objetivos de aceleração da
taxa de crescimento e redução do ritmo de inflação, além de influir na
consecução dos objetivos de controle do balanço de pagamentos, de correção dos
desequilíbrios setoriais de crescimento, e de redução dos custos de produção do
setor privado através de baixa das taxas reais de juros.
A definição de uma política fiscal se daria sobretudo em
relação ao momento de utilização da capacidade já existente, e da tentativa de
elevação dos investimentos, quando seria necessário controlar o nível de
despesa governamental ficando ainda vedado o aumento da carga tributária e
limitado o uso da expansão da dívida pública.
Em relação ao setor externo, seria necessária uma rápida
expansão das exportações (bens e serviços) e de certa expansão de importações
(bens e serviços). A política cambial seria orientada “no sentido de assegurar
ao funcionamento do sistema de câmbio a simplicidade e a flexibilidade
necessárias à sua conciliação com os objetivos da política monetária e do
desenvolvimento econômico”.
A política salarial a ser implementada deveria, segundo o
plano, recuperar parcialmente a perda de salário real ocorrida desde 1965, de
forma que fosse considerada compatível com a contenção da inflação, além de
procurar impedir novas quedas no poder aquisitivo médio dos assalariados.
A política de distribuição de renda dizia respeito
diretamente aos objetivos básicos do plano — aceleração do desenvolvimento
econômico e progresso social — procurando assim enfatizar a necessidade de
elevar a produtividade de certos setores de baixa eficiência, de promover um
processo autônomo de desenvolvimento nas regiões menos desenvolvidas e de
elevar a renda per capita.
A
nova estratégia de desenvolvimento consistia na aceleração e auto-sustentação
do desenvolvimento econômico através da “consolidação das indústrias básicas
(indústria de bens de capital, siderurgia, metais não-ferrosos, indústria
química e mineração de ferro) e reorganização das indústrias tradicionais:
aumento da produtividade agrícola e modernização do sistema de abastecimento:
fortalecimento da infra-estrutura de energia, transportes e comunicações,
fortalecimento da infra-estrutura de energia, notadamente no tocante à educação
e habitação”. O plano defendia que somente “a ação simultânea naquelas quatro
áreas dinâmicas, com a ênfase adequada em cada uma, mobilizaria do lado da
demanda e do lado da oferta os fatores indispensáveis a um crescimento do
produto da ordem de 6% ao ano”.
A retomada do desenvolvimento acelerado comportaria, segundo
o PED, dois estágios: a fase de transição e a fase de retomada propriamente
dita. A primeira fase seria caracterizada pela situação em que o PIB efetivo
poderia divergir do PIB potencial, sobretudo pelas “absorção de capacidade
ociosa ligada à insuficiência da demanda ou à sua inadequada composição
setorial”. Prevista para os anos de 1968 e 1969 essa fase teria como problema
fundamental a ser enfrentado a conciliação não só da necessidade de melhorar
a liquidez e elevar a demanda (notadamente para as indústrias de bens de
consumo) com a política de gradual redução da taxa de inflação, mas também do
fortalecimento do setor privado com a preservação do dinamismo do setor público
nas áreas prioritárias a seu cargo. Já na segunda fase, o aumento do PIB
efetivo dependeria sobretudo do aumento do investimento global, dentro de uma
trajetória de equilíbrio dinâmico de longo prazo, ganhando particular ênfase a necessidade
de elevar consideravelmente a taxa de poupança e de investimento global. Esse
segundo momento poderia ser então caracterizado pelo aumento da taxa global de
investimento e poupança, aumento da participação do investimento público na
despesa pública e no PIB, aumento da participação do investimento privado no
PIB e manutenção de alto nível de consumo privado e demanda global.
Para a elevação do nível de utilização da capacidade e
expansão dos investimentos, notadamente no primeiro estágio, dois fatores
permitiriam elevar a rentabilidade do setor privado: a expansão de mercado e a
redução de custos. A redução de custos e a preservação da liquidez do
setor privado seriam obtidas através da implementação de algumas medidas, entre
as quais o estabelecimento de uma política monetária estável, incluindo redução
da taxa de juros real paga pela empresa, notadamente para capital de giro, o
controle rigoroso das despesas correntes do governo, a concessão de estímulos
fiscais ao uso mais intenso de capacidade e à elevação do nível de emprego e a
proteção à indústria.
A estratégia de desenvolvimento industrial apresentada pelo
plano definia que a indústria deveria atingir taxas de crescimento próximas de
7% a 8% durante o período 1968-1972, o que dependeria “da expansão do mercado
interno, da substituição de importações e da promoção de exportações”. Na
tentativa de aumentar o poder de competição da indústria nacional, a política
de desenvolvimento industrial deveria “promover a rápida expansão de certo
número de setores dinâmicos notadamente nas categorias de bens de capital e
bens intermediários — levando em conta as possibilidades de sua produção em
condições econômicas e o seu impacto sobre o crescimento de outros setores e
promover a reorganização e modernização progressivas principalmente das
indústrias tradicionais, intensificando-lhes o ritmo de crescimento”.
Em relação à agricultura, a nova estratégia definia a
obtenção de taxas de crescimento da ordem de 5% a 6% ao ano, além da formulação
de um conjunto de programas e projetos governamentais para intensificar o
aumento da produtividade, programas e projetos relativos à expansão da área
agrícola, à reforma agrária e à colonização, além de um “sistema de apoio ao
desenvolvimento agrícola” compreendendo um sistema de incentivos gerais,
notadamente creditícios (crédito agrícola, preços mínimos, seguro agrícola), e
uma infra-estrutura de comercialização (estoques de segurança, armazenagem,
mecanismos de comercialização e de distribuição).
O PED e o “milagre brasileiro”
A nova estratégia de desenvolvimento econômico definida pelo
PED articulou-se estreitamente ao ciclo expansivo da economia brasileira
verificado no período 1968-1973 que ficou conhecido como “milagre brasileiro”,
expressão inspirada nos modelos alemão, italiano e japonês do pós-guerra.
Segundo Paul Singer, “o boom iniciado em 1968 teve como causa
básica uma política liberal de crédito que encontrou a economia, após vários
anos de recessões, com baixa utilização da capacidade produtiva, taxas
relativamente altas de desemprego e custo reduzido da mão-de-obra de pouca
qualificação”. Esse ciclo expansivo baseava-se nos seguintes elementos, segundo
o autor: “uma demanda interna por bens duráveis de consumo em expansão, graças
à concentração da renda e a mecanismos financeiros que permitiriam a
ampliação do crédito ao consumo: uma demanda externa em expansão graças
à liberalização do comércio internacional e ao subsidiamento das exportações e
forte injeção de recursos do exterior, que complementam a poupança interna e
permitem eliminar focos inflacionários, graças a uma capacidade de importar
tornada superelástica”.
Segundo Singer, a demanda por bens industriais naquele
momento dirigiu-se predominantemente a determinados ramos da indústria que respondiam
às necessidades de uma elite relativamente reduzida no interior de um acelerado
processo de concentração da renda. No período 1968-1971, a indústria de
material de transporte (na qual predomina a automobilística) cresceu 19,1% ao
ano, a de material elétrico (na qual se inclui a de aparelhos eletrodomésticos)
cresceu 13,9% ao ano, enquanto a indústria têxtil cresceu apenas 7,7% ao ano, a
de produtos alimentares 7,5% ao ano e a de vestuário e calçados 6,8% ao ano.
Os dados demonstravam assim como a produção de bens não-duráveis de consumo
adquiridos por toda a população cresceu a um ritmo bem menor que a produção de
bens duráveis de consumo. Segundo Singer, esses últimos, inclusive, haviam
crescido em resposta a um forte aumento da demanda interna, enquanto os
primeiros tiveram seu crescimento voltado para a exportação.
O endurecimento do regime militar a partir da decretação do
Ato Institucional nº 5 (13/12/1968) favoreceu ainda mais a centralização
financeira e tributária em curso, garantindo então a aplicação das novas
diretrizes de política econômica.
Embora o ministro da Fazenda Delfim Neto afirmasse que a
política do governo baseava-se em dois objetivos-chave que seriam o crescimento
do produto nacional e sua melhor distribuição entre a população, a implantação
do novo modelo significou na prática o aumento da desigualdade na distribuição
social da renda no país. Derivou do período do “milagre” uma forte
concentração da renda, que teve como contrapartida a compressão generalizada da
remuneração da maioria dos assalariados, além do endividamento crescente do
país frente ao crescimento do fluxo de capitais estrangeiros sob a forrna de
empréstimos e financiamentos.
Mônica Kornis
FONTES: ALVES, D.
Plano; MIN. PLAN. Programa; SERRA, J. Milagro; SINGER, P. Crise.