REDE GLOBO
Rede
de emissoras de televisão criada a partir da inauguração da TV Globo do Rio de
Janeiro, em 26 de abril de 1965. É composta de cinco emissoras geradoras em
rede — o número máximo permitido pelo Código Nacional de Telecomunicações para
um único proprietário — e mais de cem estações afiliadas em todo o país.
Pertence ao empresário Roberto Marinho, sendo parte do maior complexo de
comunicações sociais do país, as Organizações Globo, que incluem o jornal O
Globo, o Sistema Globo de
Rádio, com 70 emissoras entre próprias e afiliadas, uma agência de notícias,
uma editora, um parque gráfico e uma gravadora. No início da década de 1990, a Rede Globo de Televisão era a quarta do mundo em porte e detinha cerca de 75% do total de
verbas publicitárias destinadas à televisão no país.
O
acordo Time-Life
Em
30 de dezembro de 1957, o presidente Juscelino Kubitschek outorgou à Rádio
Globo S.A. a concessão de uma estação de radiotelevisão no Rio de Janeiro, a
então capital federal. O primeiro prédio da emissora começou a ser construído
em 1961 e a empresa contou a partir de 1962 com financiamento de cerca de seis
milhões de dólares do grupo multinacional Time-Life. O acordo, embora irregular
— uma vez que a Constituição de 1946 proibia grupos estrangeiros de auferirem
lucro e interferirem na orientação de empresas de comunicação — custeou a
construção do prédio no bairro carioca do Jardim Botânico e do equipamento de
última geração com que a TV Globo ingressou no mercado, dando-lhe vantagem
significativa sobre as concorrentes. A TV Tupi do Rio de Janeiro, por
exemplo, fora montada com apenas trezentos mil dólares.
Em
1964, um folheto promocional anunciava “um novo conceito de televisão
comercial” no país e definia a TV Globo como “a mais moderna emissora de televisão
do Brasil e uma das mais bem equipadas do mundo”. No dia 26 de abril de 1965, a primeira imagem veiculada pelo novo canal foi a de seu diretor-presidente, Roberto Marinho.
“A nova emissora será mais uma emissora de O
Globo. O que significa dizer
que ela herdará as tradições do jornal, seu amor à causa pública, sua
permanente luta em defesa da iniciativa privada, das liberdades públicas e da
causa da democracia”, declarou Marinho no discurso inaugural. Em contraste com
a improvisação que até então caracterizava a televisão brasileira, a equipe da
TV Globo teve o cuidado de simular a inauguração no dia anterior à estréia.
Durante os primeiros oito meses, no entanto, a emissora
parecia destinada ao fracasso, faturando em torno de 180 mil dólares e gastando
cerca de setecentos mil. Em 1966, a emissora passou a ser dirigida por
profissionais de propaganda e marketing, como Válter Clark, anteriormente da TV Rio, o americano
Joseph Wallach, que, ligado à Time-Life, tinha experiência em gerência de
emissoras nos Estados Unidos, e José Ulisses Arce para a área de vendas,
introduzindo uma nova concepção empresarial. Veículo publicitário por
excelência, a programação das televisões era, até a década de 1960, decidida e
produzida pelos próprios anunciantes. O script do noticiário noturno da emissora, o Ultra notícias, por exemplo, patrocinado pela Ultragás, era lido e
aprovado, antes de ir ao ar, pelo representante da agência de publicidade.
A partir de 1966, a TV Globo passou a controlar integralmente
sua produção, inaugurando a programação horizontalizada e a rotatividade dos
anúncios, passando a negociar pacotes que obrigavam o anunciante a comprar,
junto com o horário nobre, também espaços publicitários menos valorizados, de
manhã e à tarde. A programação era pensada para atrair o telespectador para a
grade completa de programas, que se sucediam ligados por vinhetas e anúncios.
Levando a luta pela audiência de programas isolados para o conjunto da
programação, a Globo também procurou contratar artistas e programas que faziam
sucesso nas outras emissoras, como a TV Rio, Tupi, Excelsior e Record.
A
redução do custo dos televisores que marcou a década de 1960 teve como
resultado uma programação de televisão popular, apoiada nas novelas, programas
de auditório, seriados e filmes americanos, comprados a baixo custo pelas
emissoras. A TV Globo transmitia nessa época suas primeiras novelas, e
programas como o do Chacrinha, o Casamento
na TV, com Raul Longras, e o Consultório
sentimental,
com Derci Gonçalves, misturavam concursos de calouros e brincadeiras, apelando
muitas vezes para efeitos de gosto duvidoso. Em 1966, com a compra da TV
Paulista, incorporou o programa que Sílvio Santos tinha naquela emissora, que
passou a se chamar Música
e alegria,
com quatro horas de duração.
No
início de 1966, teve grande repercussão a cobertura televisiva das enchentes
que atingiram o Rio de Janeiro, marcando um momento decisivo na conquista da
audiência pela emissora, que durante três dias transmitiu os acontecimentos ao
vivo e organizou o recolhimento de doações para os desabrigados. Nesse mesmo
ano, a Copa do Mundo de Futebol, na Inglaterra, foi transmitida ao vivo pela
primeira vez.
No jornalismo, o Ultra notícias foi substituído em 1966 pelo Jornal da Globo, sem mais vínculo direto com o nome e a ingerência do
patrocinador. O novo noticiário era caracterizado por uma maior mobilidade das
câmeras e uma linguagem calcada no jornalismo americano, procurando
compatibilizar texto e imagem de modo que um reforçasse o outro, ganhando em
clareza através da redundância. A preocupação com a qualidade técnica, da
abertura e trilha sonora ao uso de som direto e do plano americano, contribuiu
para um novo modelo de telejornal.
Além da modernização administrativa e publicitária, a Globo
renovou sua apresentação e programação, a começar pela logomarca e passando por
uma série de demissões que reformularam o quadro de pessoal. Indicando o acerto
da nova fórmula, a audiência média da Globo no Rio de Janeiro passou de 28% em
1965 para 49% em 1968, ano em que nove de seus programas estavam entre os dez
mais assistidos e em que a emissora começava, finalmente, a dar lucro. Os
diretores, que se orgulhavam de trabalhar sem interferência de Roberto Marinho,
passaram a ter também uma participação nos lucros da empresa.
A
sociedade milionária com o grupo Time-Life, no entanto, acabou provocando uma
campanha negativa de grande repercussão. Já em 1965, o deputado Eurico de
Oliveira havia solicitado um inquérito; também Carlos Lacerda fez, na época,
denúncias ao ministro da Justiça sobre o acordo com a multinacional. Em 1966, a investigação do caso virou compromisso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão (ABERT), cujo presidente, João Calmon — um dos
condôminos-proprietários dos Diários e Emissoras Associadas, a que pertencia a
concorrente TV Tupi —, levou a Câmara dos Deputados a instalar uma comissão
parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o acordo.
O
inquérito apurou que a Globo associara-se ao grupo norte-americano em 1962, na
forma de uma sociedade por cotas. Por esse contrato, a Time-Life tinha direito
a 30% dos lucros líquidos da TV Globo. Em caso de intervenção governamental, a
multinacional poderia rescindir o contrato ou transferir seus 30% de capital
para um testa-de-ferro brasileiro. Em setembro de 1966, a CPI Time-Life/Globo concluía que os contratos secretos entre as duas empresas feriam a
Constituição, que proibia grupos estrangeiros de interferir na orientação de
uma empresa de comunicação. A investigação, no entanto, não teve conseqüências
legais para a emissora e, em março de 1967, o governo Castelo Branco declarou
infundadas as acusações sobre o caso e arquivou o inquérito. O acordo com a
Time-Life foi desfeito em 1969, quando a empresa americana propôs a venda de
sua parte na TV Globo. Com um financiamento do Banco do Estado da Guanabara,
Roberto Marinho comprou as ações, tornando-se o único proprietário da empresa,
que passou então a se chamar Rede Globo.
Em 1966 ainda, Roberto Marinho comprava da Organização Vítor
Costa a segunda emissora do grupo, a TV Paulista, que começou a produzir
programas também em São Paulo. Com a aquisição de emissoras em Belo Horizonte, em 1968, Brasília, inaugurada em 1971, e Recife, em 1972, a Globo alcançava em pouco tempo uma estrutura de rede.
Folhetins
e festivais
A
maior parte da programação da Globo foi, desde o início, dedicada ao
entretenimento. Procurando garantir a fidelidade do espectador, a emissora
optou por investir em novelas diárias. A primeira foi
Ilusões perdidas,
em 1965. Nos primeiros anos, eram comuns as adaptações de clássicos da
literatura e melodramas como os da cubana Glória Magadan, Eu
compro essa mulher e
O sheik de Agadir,
dois sucessos de 1966. Para chefiar a produção da emissora, foi contratado em
1967 José Bonifácio de Oliveira, o Boni, egresso da TV Tupi. Além de continuar
a linha dos programas humorísticos, com Chico Anísio, Bibi Ferreira e Moacir
Franco, Boni promoveu uma mudança nas novelas, contratando Janete Clair para
escrever Sangue e areia.
O sucesso da nova autora e a rivalidade criada entre ela e Glória Magadan
acabaram levando à demissão da última.
Na
esteira do sucesso obtido pela TV Record com seus festivais de música, a Globo
criou o Festival Internacional da Canção (FIC), cuja primeira edição foi em
1967. O mais lembrado, contudo, foi o segundo, em 1968, quando o general Sizeno
Sarmento avisou à direção da emissora que duas canções inscritas — Para
não dizer que não falei das flores,
de Geraldo Vandré, e América,
América, de César Roldão Vieira —
não poderiam ganhar, apesar de já terem obtido certificado de censura. Segundo
Válter Clark, a Globo decidira não interferir na escolha do júri. Este, não
obstante a pressão do público, que torcia por Para
não dizer que não falei das flores —
que acabou se transformando em um dos hinos contra o regime militar —, declarou
vencedora Sabiá,
de Tom Jobim e Chico Buarque, cantada pelo Quarteto em Cy sob vaias do público,
num Maracanãzinho lotado por 25 mil pessoas. Sofrendo uma vigilância cada vez
mais rígida, o festival perdeu prestígio até sua última edição em 1971, quando
vários artistas se retiraram do FIC em protesto contra a censura.
Em termos administrativos, a TV Globo sempre caracterizou-se
por altas taxas de reinvestimento. Durante os primeiros 14 anos, este chegou a
100% dos lucros, segundo Roberto Marinho. Também se mantinha em dia com o
avanço tecnológico, importando todas as novidades do mercado internacional.
Tratava-se da empresa mais moderna no ramo das telecomunicações, vertical e
centralizada, enquanto as emissoras mais familiares e artesanais enfrentavam
dificuldades.
A
Globo paulista, no entanto, era motivo de preocupação. Além do desnível técnico
em relação à matriz carioca, a programação produzida pelo canal 5 era, segundo
os diretores cariocas, “paulista” demais. Atrações como O
homem do sapato branco, em que Jacinto Figueira Júnior apresentava conflitos e situações constrangedoras, prejudicavam a
imagem que a Globo tentava construir, de um padrão de qualidade insuperável. Em
razão da demissão do diretor Roberto Montoro e da transferência do departamento
comercial para São Paulo, a segunda emissora voltou a passar por bons momentos,
com o sucesso dos programas ao vivo de Derci Gonçalves e Chacrinha e com
novelas comoA
grande mentira,
primeira a atingir altos níveis de audiência em São Paulo. A Globo passava a disputar, também na capital paulista, a liderança da audiência. A
cabana do pai Tomás,
programada para ser a primeira novela gravada integralmente em São Paulo, foi mais um investimento no mercado local.
Um
incêndio nas instalações da Globo em São Paulo, em 1969, iria mudar esses planos. O fogo atingiu os estúdios no mesmo dia de outros dois incêndios, na
Record e na Bandeirantes, o que levou Válter Clark a atribuí-lo — em sua
autobiografia, publicada em 1991 — a um atentado terrorista, versão que não
teria sido divulgada na época para garantir o recebimento do seguro, que
excluía a eventualidade de sabotagem. A destruição dos estúdios, contudo, teve
seu lado positivo: com o dinheiro pago pelo seguro, quase sete milhões de
dólares, a Globo pôde comprar o equipamento de que precisava para completar sua
modernização e diminuir a resistência da equipe paulista à centralização
definitiva das produções da emissora no Rio de Janeiro. Em São Paulo, permaneceu apenas o Programa
Sílvio Santos,
que este, como produtor independente, apresentava aos domingos na Globo e às
quintas-feiras na Tupi. A audiência do programa de Sílvio Santos era tanta que
em 20 de julho de 1969, quando a nave Apolo
11 pousou na Lua, a Globo
foi a última emissora a entrar em cadeia com a televisão americana, para não
cortar o programa de auditório do apresentador.
A
criação do Jornal nacional
A Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), criada
em 1965, começava no fim da década de 1960 a operar via satélite; em 1970, as principais cidades brasileiras foram interligadas por uma rede nacional de
microondas, parte do projeto militar de “integração nacional”. Ao todo, os
governos militares gastaram cerca de 14 bilhões de dólares integrando o Brasil
através das telecomunicações. Antes disso, as “redes” de televisão brasileiras
funcionavam recorrendo ao envio de videoteipes para as emissoras filiadas. A TV
Globo foi pioneira na instalação de microondas de segunda mão — importadas a
baixo custo dos Estados Unidos, onde já estavam sendo substituídas por uma
tecnologia mais avançada — para ligar em rede as cidades de São Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte.
Depois do incêndio em São Paulo, a Globo passou a contratar os serviços da Embratel, cinco vezes mais caros que as microondas de segunda
mão, porém mais confiáveis. Para arcar com os custos da rede, a solução foi
aumentar os preços da tabela de publicidade, o que determinou, por sua vez, a
política expansionista adotada pela Rede Globo de procurar agregar cada vez
mais estações afiliadas, que significavam mais audiência para atrair
anunciantes. Desse modo, telespectadores de todo o país puderam assistir ao
vivo, via satélite, o homem pousando na Lua em 1969. A Copa do Mundo de Futebol de 1970, no México, também foi transmitida ao vivo em rede nacional.
A novela Irmãos
Coragem, no
entanto, no dia seguinte à transmissão da final, uma segunda-feira, cativou
audiência maior. A partir de 1969, a Globo seria campeã incontestada da
audiência.
No dia 1º de setembro de 1969 foi ao ar o primeiro programa
diário de televisão a atingir praticamente todo o território brasileiro: o Jornal nacional. Estrategicamente programado entre duas novelas de grande
audiência, com imagens diretas do Rio, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba, foi
fundamental na política de expansão da emissora, como principal produto e
chamariz da rede nacional.
O Jornal nacional marcou uma revolução tecnológica que já tinha sido iniciada
pelo Jornal da
Globo, com
câmeras portáteis que permitiam maior agilidade e uma nova linguagem, inspirada
no telejornalismo americano, em que ganhavam espaço o formato, a parte visual e
o esmero técnico. Quanto ao conteúdo, a emissora vivia a realidade da censura.
Anunciado em sua estréia como “um serviço de notícias integrando um Brasil
novo”, o telejornal só pôde mencionar a doença do presidente Costa e Silva —
que o levou à morte pouco depois — para dizer que o presidente estava melhor e
“se alimentando bem” e anunciar a posse da junta militar que assumira o governo
no dia anterior.
No
início da década de 1970, o presidente Emílio Garrastazu Médici declarou:
“Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao Jornal
[nacional].
Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em
várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como
tomar um calmante após um dia de trabalho.” De acordo com Armando Nogueira, o
recurso ao noticiário internacional era uma maneira de dar informação atualizada
e “transparente”, não censurada, ao público, uma vez que em relação aos
assuntos brasileiros o Jornal
nacional
recebia instruções precisas sobre o que deveria ou não sair, e como.
De
modo geral, a Globo procurava agradar o governo, prestigiando eventos militares
como o Sesquicentenário da Independência e as paradas de 7 de setembro. Também
divulgava projetos do governo, como a campanha institucional da Assessoria
Especial de Relações Públicas (AERP) da Presidência e a campanha “Diga não à
inflação”, com Delfim Neto e Hélio Beltrão. Programas como Amaral
Neto, o repórter,
que exibia reportagens sobre o Brasil em tom grandioso e nacionalista,
procuravam manter o clima sereno entre a emissora e Brasília.
Roberto
Marinho, embora favorável ao regime, protegia da ditadura seus funcionários.
Antes da proclamação do Ato Institucional nº 2
(AI-2), em 1965, o então ministro da Justiça, Juraci Magalhães, convocou os
diretores de jornal e televisão para pedir que expulsassem de suas redações os
comunistas. O diretor da Globo declarou que não demitiria nenhum de seus
funcionários, garantindo assim o emprego a vários jornalistas de esquerda.
Armando Nogueira, diretor de jornalismo da emissora desde
1967, procurava evitar atritos com os militares. Segundo Nogueira, os
noticiosos da emissora, devido a seu alcance, enfrentavam grandes pressões. Por
prudência, a Globo contratou dois “assessores militares”, Edgardo Ericsen e o
coronel Paiva Chaves, além de outros cinco funcionários em tempo integral, para
estabelecer uma ponte e contornar os eventuais problemas com o regime. Assim
foi possível, muitas vezes, antecipar-se à censura, especialmente no caso dos
telejornais. O cuidado com a censura estendia-se às novelas. Para ler os
capítulos que iriam ao ar e identificar os trechos passíveis de censura, a
Globo contratou em 1968 um especialista no assunto: José Leite Otati, que fora
chefe do Serviço de Censura Pública do Rio de Janeiro durante 25 anos.
Em
1971, mais um incêndio ocorreu nas instalações da emissora, dessa vez no Teatro
Globo. Com o dinheiro do seguro, a Globo comprou o Teatro Fênix, com capacidade
para 1.500 pessoas e ar-condicionado. No mesmo ano, a empresa entrou também no
mercado de discos, criando uma gravadora e editora, a Sigla. Entre seus selos
estava a Som Livre, que passou a lançar as trilhas sonoras das novelas, até
então gravadas pela Philips. Cinco anos depois, graças ao sucesso das novelas
da Globo, a Sigla já respondia por 20% do mercado total de vendas de discos no
Brasil.
Em
1971, foi a primeira emissora a criar um departamento de análise e pesquisa
para investigar os hábitos e tendências do espectador brasileiro, dirigido pelo
sociólogo panamenho Homero Icaza Sanchez. A Globo passou a realizar cerca de
dez milhões de entrevistas por ano. Em função dessas pesquisas, a partir de
então algumas fórmulas foram rejeitadas — como, durante muito tempo, as
minisséries —, novelas foram modificadas e galãs confirmados. Tendo como modelo
a bem-sucedida novela Beto
Rockefeller,
escrita por Bráulio Pedroso para a TV Tupi, a Globo modernizou e abrasileirou
as novelas, contratando, entre outros, o próprio Pedroso. Com Selva
de pedra,
novela de Janete Clair, a Globo atingiu pela primeira vez, em 1972, a marca de 100% de audiência.
A
década de 1970 marcou uma mudança na estrutura de programação da emissora. Com
o crescimento de uma nova classe média, setores do governo e da imprensa
acirraram o volume de críticas aos “baixos níveis” da televisão brasileira. O
alvo eram programas populares, como os do Chacrinha e Sílvio Santos. O episódio
que destacou o auge das reclamações foi o aparecimento, no fim de 1971, do
curandeiro Seu Sete da Lira, que transformou o auditório de Flávio Cavalcanti,
na TV Tupi, numa sessão de macumba ao vivo, levando a audiência a disparar.
Ainda no mesmo dia, Seu Sete repetiu a dose no programa concorrente, do
Chacrinha. Imprensa escrita e governo se uniram numa campanha contra o que se
considerou como baixeza dos programas de auditório. Com a pressão, e em busca
de uma audiência com maior poder aquisitivo, a Globo começou a “despopularizar”
sua programação. Entre outras mudanças, caracterizaram a nova fase o fim dos
programas de Chacrinha, Derci Gonçalves e Raul Longras e a opção por novelas
mais naturalistas e modernas.
Em 1972, a tecnologia da televisão em cores chegava ao
Brasil, inaugurada oficialmente pelo presidente Médici no aniversário do golpe
militar, no dia 21 de abril, na Festa da Uva, em Caxias do Sul (RS). Para as
emissoras de televisão, a implantação da cor significou um alto investimento em
novos equipamentos e no aprendizado das novas técnicas de filmagem. Em 1973, a TV Globo veiculou a primeira novela brasileira colorida: O bem-amado, de Dias Gomes. Para financiar a custosa produção, que
incluiu a montagem de uma cidade cenográfica em barra de Guaratiba, a Globo
conseguiu o patrocínio da Associação Brasileira da Indústria Nacional
Eletro-Eletrônica (ABINEE), interessada na venda dos novos televisores. Em
1973, como parte da programação em cores, estreou também o Fantástico, programa de maior orçamento da emissora. O restante da
programação foi, aos poucos, se tornando colorida: depois das novelas das 22
horas, foi a vez, já em 1975, das outras novelas e do telejornalismo. Em 1977,
toda a programação era exibida em cores.
O
resultado desses investimentos foi, mais uma vez, a aprovação por parte do
governo. Em 1973, o ministro das Comunicações afirmava, em pronunciamento, que
a Globo havia sido a única emissora a cumprir até então as exigências do
governo federal: “A transmissão eletrônica de recreação, informação e educação
nas mãos da iniciativa privada, alicerçada numa sólida estrutura de empresa
moderna.”
A Globo introduziu pioneiramente na televisão, com a novela Cavalo de aço, de 1973, o uso de merchandising, ou seja, publicidade indireta inserida no próprio programa,
e não no intervalo comercial. Na distribuição da verba publicitária gasta no
Brasil nessa época, a televisão detinha 53%, os jornais 20%, as revistas 15%,
as rádios 8%, outdoors respondiam por 3% dos anúncios e o cinema por 1% de um total
de 740 milhões de dólares, o que colocava o mercado nacional de publicidade
como o sétimo ou oitavo do mundo. Nesse mercado, a Globo faturava mais do que
todas as outras emissoras juntas. Era líder absoluta de audiência, com cinco
estações próprias, 16 afiliadas e 13 retransmissoras, veiculando os programas
produzidos no Rio de Janeiro. Liderança que começou a preocupar algumas
autoridades federais como o ministro das Comunicações Euclides Quandt de
Oliveira, que afirmou que um monopólio ensejaria “distorções violentas, e é
campo aberto para o abuso do poder econômico”.
Em 1975, estreava a primeira programação totalmente nacional,
a mesma para todas as emissoras afiliadas, acabando com a prática de programas
específicos para cada região. Além das novelas e noticiários, marcaram a
produção da emissora na década de 1970 programas humorísticos como Faça humor, não faça a guerra, de 1974, o Planeta dos homens e Os trapalhões, ambos de 1976.
É
ainda no fim dessa década que a Rede Globo começa a investir em serviços de
utilidade pública, de cunho social. Criada em 1977, a Fundação Roberto Marinho, entidade de benemerência sem fins lucrativos, passou desde então a
atuar principalmente na área da educação, com iniciativas como os telecursos de
primeiro e segundo graus, e outros projetos que usam o vídeo e a televisão.
“Ciranda da ciência”, que distribui kits
de laboratório, e “Nossa biblioteca”, que já arrecadou mais de um milhão de
livros para bibliotecas públicas, são outros projetos da Fundação. Também
passou a atuar, em parceria com o governo federal ou estadual, em programas
como o de Preservação do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, em sintonia
com o Plano Nacional de Cultura do então presidente Ernesto Geisel, colaborando
com projetos de restauração e preservação do patrimônio arquitetônico em
diversas cidades históricas do Rio e Minas. Programas como o Globo
ciência e o Globo
ecologia
também fizeram parte das iniciativas de utilidade pública da emissora. Em 1978,
começou a ser veiculado por 39 emissoras da Globo e TVs educativas, atingindo
todos os estados brasileiros, seu produto mais popular: o Telecurso
2º grau, um programa educativo
audiovisual produzido conjuntamente pela Fundação Roberto Marinho e Fundação
Padre Anchieta. Eram aulas de 15 minutos, em um formato atualizado no fim da
década de 1990 como Telecurso
2000.
A divisão de projetos especiais da Globo também foi
responsável por diversas campanhas públicas, como “Nordestinos”, em apoio aos
flagelados da seca, e “Criança esperança”, lançada pela primeira vez em 1978,
anual a partir de 1985, que já ajudou a arrecadar mais de 28 milhões de dólares
para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aplicar no Brasil.
Da
censura à abertura
Como todos os veículos jornalísticos sob a ditadura, os
noticiários da Globo ressentiam-se da presença ativa da censura. Notícias sobre
eventos considerados delicados pelo governo, como a morte de Carlos Lamarca,
provocavam a presença ostensiva de oficiais do Serviço Nacional de Informação (SNI)
ou do chefe da polícia, avaliando a cobertura a ser transmitida, e a Globo
chegou a ser tirada do ar durante algumas horas, como punição pela leitura de
uma nota, no programa de Ibrahim Sued, às 23 horas, sobre a doença do
presidente Costa e Silva, um assunto proibido. Na ocasião da morte de Juscelino
Kubitschek em 1976, por exemplo, após uma edição extra de três minutos, à
tarde, Armando Nogueira recebeu telefonemas da direção da emissora, que
transmitia a recomendação das autoridades: no Jornal nacional, a notícia da morte de Juscelino deveria ser dada com menos
emoção. O SNI censurava imagens de impacto como as do incêndio do edifício
Joelma, em São Paulo, e procurava plantar matérias, como a que teria sido
encomendada sobre o filho de um deputado da oposição, em Brasília, preso com
uma trouxinha de maconha. Nesse caso específico, Armando Nogueira, diretor do
jornal, resistiu à imposição e não deu a notícia.
A
censura não se limitava às notícias, mas entrava também no campo do
entretenimento. O caso mais sério foi a proibição, a dois dias da estréia, da
novela Roque Santeiro,
em 1975. Escrita por Dias Gomes, a novela era uma versão televisiva de O
berço do herói,
uma peça do autor já censurada, sem, no entanto, as referências ao Exército que
causaram sua proibição no teatro. Motivados pelo estágio avançado da produção,
pois já haviam sido gravados 20 capítulos, com custo de quinhentos mil dólares,
40 artistas e produtores da novela foram até Brasília tentar reverter o veto,
mas não obtiveram sucesso; Janete Clair escreveu às pressas Pecado
capital, e Roque
Santeiro
só foi ao ar, com novo elenco, dez anos depois.
Outras novelas censuradas foram Fogo sobre terra, que contava a história de uma cidade destruída por uma
represa, e Despedida
de casado, cujo tema era o divórcio. A censura também proibiu que os
personagens Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo, da novela O bem-amado, fossem chamados de “coronel” e de “capitão”. O horário das
22 horas, de temática “adulta”, era o mais visado pela censura. Várias novelas,
como Dona Flor
e seus dois maridos e A vida como ela é, não saíram da sinopse, proibidas pelos censores.
Em
1976, a Globo transmitia quatro novelas por dia, com 35 minutos cada uma,
entre as 18 horas e as 23 horas. Nessa época, 85% do faturamento da Rede Globo
provinham dos 60 minutos de anúncios relativos ao horário nobre das novelas e
do Jornal nacional, o
programa de maior audiência da televisão brasileira, visto por 25 milhões de
pessoas, em 35% do território nacional. Eram 2.300 os municípios alcançados
pela emissora, 58% dos municípios brasileiros. As novelas eram cuidadosamente
testadas, antes e durante a exibição, por pesquisas que sondavam a opinião do
público quanto ao argumento e ao destino a ser dado aos personagens. Com o
sucesso das novelas, a Globo tornara-se uma grande produtora, responsável por
70% da programação nacional exibida.
No dia 4 de junho de 1976, mais um incêndio na sede da
emissora no Rio inutilizou dois dos três andares do prédio, causando prejuízo
estimado entre 50 e 80 milhões de cruzeiros. A empresa manteve a estação no ar
sem interrupções, gerando de São Paulo, e em 30 horas já conseguira montar uma
miniestação geradora na sala antes ocupada por uma filmoteca. O interesse pelo
incêndio, que coincidiu com o último capítulo da novela Pecado capital, elevou o índice de audiência da emissora para 90,3%.
Totalmente coberta por seguro, a empresa não teve prejuízo.
Desgastado por atritos com Boni e Armando Nogueira, Válter
Clark, diretor-geral com carta branca desde 1966, foi demitido em 1977, quando
era o executivo mais bem pago da América Latina.
A partir da década de 1970, a Globo ingressou progressivamente no mercado internacional, em que se firmaria como bem-sucedida vendedora de
novelas para todo o mundo. Seus primeiros compradores foram a Rádio e Televisão
Portuguesa (RTP) e países da América Latina, que adquiriam os programas
dublados para o espanhol. Em 1977, a Globo faturou trezentos mil dólares em
vendas para o exterior; seis anos depois, já multiplicara essa cifra por 20.
Com o sucesso das novelas, a maior parte das produções passou a ser nacional, e
a emissora diminuiu gradualmente suas compras de programas importados. Em 1979,
ela vendia para 45 países, e seus maiores consumidores eram Iugoslávia e
Itália. No início da década de 1990, novelas como Escrava Isaura já eram veiculadas em 52 países.
A Globo continuava procurando adaptar-se ao gosto do
“brasileiro nacional”, ou seja, produzir uma programação que fizesse sucesso de
um extremo ao outro do país. O caráter cada vez mais nacional das novelas dessa
fase foi uma das conseqüências, bem como a experimentação em todos os setores
da dramaturgia. Em 1979, começou a produzir e transmitir as “Séries
brasileiras”, episódios de 55 minutos que procuravam se aproximar da realidade brasileira
por meio de temas escolhidos depois de um ano de pesquisa junto aos
telespectadores. Entraram no horário noturno das 22 horas, abordando assuntos
como inundações, posseiros e prostituição, em Carga pesada; feminismo, separação e aborto, em Malu mulher; e crimes, jornalistas e policiais em Plantão de polícia.
No
final da década de 1970, a censura interna da Globo já era maior que a oficial.
Greves, por exemplo, ficavam relegadas aos jornais locais, de menor peso
político. O movimento sindicalista que surgiu entre os metalúrgicos de São
Paulo, liderado por Luís Inácio Lula da Silva, foi fortemente censurado. O
departamento de telejornalismo da emissora seguia a recomendação do governo
militar de fazer uma cobertura leve e sem som ambiente. Segundo Armando
Nogueira, então diretor de jornalismo, só podiam ser entrevistados os líderes
patronais; os líderes sindicais não iam ao ar. Segundo Lula, a Globo divulgava
dados errados sobre a greve, omitindo o número real de participantes e as
deliberações em curso. Um documentário produzido dentro da emissora sobre os
tumultos e os novos sindicatos não chegou nem mesmo a ser submetido à
diretoria: foi censurado no nível da chefia de jornalismo.
Em
1980, o governo de João Batista Figueiredo cassou a concessão de todos os
canais da TV Tupi, por corrupção financeira e dívidas com a previdência social.
Os canais foram distribuídos para duas novas redes de televisão: o Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT), de Sílvio Santos, e a Rede Manchete, de Adolfo
Bloch. Justificando as concessões, Figueiredo admitiu a existência de monopólio
na televisão brasileira. Ao citar nominalmente a TV Globo, disse que “Roberto
Marinho tem o monopólio não porque deseja, mas porque as outras redes não
dispõem de condições para disputar com ele”.
Em
1982, a TV Globo transmitiu com exclusividade o programa semanal O
povo e o presidente,
com o presidente João Figueiredo. Inicialmente, o programa era exibido às
22:15h de domingo, horário nobre; com as baixas taxas de audiência, o programa
acabou sendo transferido para as 23:30h de quarta-feira e, por fim, foi
eliminado da programação.
Nas
eleições para governador de 1982, no Rio de Janeiro, a TV Globo protagonizou as
denúncias de fraude que acabaram determinando a recontagem dos votos. Durante
os três primeiros dias da apuração, os dados da Proconsult, empresa de
computação contratada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), apontavam a
vitória do candidato Moreira Franco, do Partido Democrático Social (PDS). As
pesquisas divulgadas pela Rede Globo também mostravam Franco na frente. A
emissora reproduzia, por medida de economia, os resultados do jornal O
Globo, que vinha divulgando
mais lentamente os dados e começara pelas urnas do interior; isso explicaria,
segundo Armando Nogueira, a discrepância entre estes resultados e as pesquisas
de intenção de voto feitas anteriormente por Homero Sanchez, diretor do
departamento de pesquisas da emissora, que indicavam a vitória de Leonel
Brizola, candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Alertado
pelo próprio Sanchez sobre a possibilidade de fraude eleitoral, Brizola
denunciou o fato, e conseguiu que fosse feita a recontagem. Em conseqüência, o
pedetista foi o último governador diplomado. Seguiu-se a demissão de Sanchez,
responsável por interpretar para a direção da emissora os dados do IBOPE. A
divisão de pesquisa, que tinha 22 funcionários e chegara a gerir verbas
superiores a dois milhões de dólares, foi rebaixada e subordinada ao
departamento de mercadologia.
Em 1984, o país viveu o ápice da campanha das diretas, que
reivindicava o restabelecimento de eleições diretas para a presidência da
República, desencadeada no final do ano anterior. Ignorando-a inicialmente, a
Globo dava pouco espaço, nos noticiários, aos grandes comícios e passeatas que
impulsionaram a campanha. O comício da praça da Sé de São Paulo, em janeiro,
recebeu uma cobertura de poucos flashes que apenas mostrava artistas, caracterizando o evento como
uma comemoração do aniversário da cidade e desprezando a presença de dez
governadores de estado.
Com
o crescimento da adesão popular ao movimento, reforçado por uma pesquisa,
encomendada pela própria emissora, que dava conta da insatisfação dos
telespectadores com a cobertura, a Globo passou a noticiar todas as
manifestações pró-diretas, culminando no comício da Candelária, no Rio de
Janeiro. O evento final da campanha recebeu flashes
durante todo o dia, desde a chegada dos primeiros manifestantes até o final do
comício, e farta cobertura em todos os telejornais. No dia da votação da emenda
pelas eleições diretas, apresentada pelo deputado Dante de Oliveira, o governo
proibiu os veículos de comunicação de transmitirem a votação. No Jornal
da noite
da Globo, o humorista Jô Soares, em protesto contra a censura, guardou um
minuto de silêncio, transmitido pela emissora para todo o país, num sinal
oportuno de rompimento com o regime.
Com
a não aprovação da emenda, o noticiário político centrou-se na disputa
eleitoral entre Paulo Maluf e Tancredo Neves pela presidência. Candidato
moderado da oposição, Tancredo agregou em favor de sua candidatura setores do
governo descontentes com a opção do PDS pela candidatura mais conservadora,
preterindo Aureliano Chaves e Mário Andreazza. Ainda que a eleição fosse
indireta, a campanha da Aliança Democrática, coalizão que lançou Tancredo,
mobilizou o apoio maciço dos meios de comunicação, destacando-se a atuação da
Rede Globo. A emissora reformulou o Jornal
da Globo,
em que se concentrou a cobertura política, embora o Jornal
nacional também
desse amplo espaço aos grandes comícios, que se beneficiaram da mobilização
popular iniciada com as diretas. O noticiário das 23 horas, apresentado por
jornalistas e recorrendo a comentaristas especializados e humoristas, passou a
ser mais opinativo, reforçando a imagem negativa de Maluf e as qualidades do
“candidato das diretas”. Alimentando ainda mais a pressão popular sobre o
Colégio Eleitoral, a Globo propôs e realizou também o primeiro debate entre
candidatos a presidente a ser transmitido ao vivo, nacionalmente.
Tancredo venceu por maioria esmagadora, numa votação
transmitida ao vivo e realizada com ampla cobertura em favor do candidato das
oposições. Horas depois de sua eleição, Tancredo almoçava com Roberto Marinho e
Antônio Carlos Magalhães, que seria seu ministro das Comunicações. Antes de
tomar posse, no entanto, Tancredo adoeceu e, em pouco mais de um mês, foi
operado duas vezes, piorando gradativamente até morrer, no processo mais
noticiado da imprensa brasileira, com equipes de televisão e rádio em plantão
permanente e flashes ao vivo durante a programação. O porta-voz do presidente
eleito, Antônio Brito Filho, que durante todo o período de doença de Tancredo
Neves apareceu diariamente diante das câmeras para informar sobre seu estado de
saúde, havia sido nos seis anos anteriores repórter, comentarista político e
diretor da TV Globo, iniciando, posteriormente, bem-sucedida carreira política
que o levou, inclusive, ao governo do estado do Rio Grande do Sul.
Em lugar de Tancredo Neves, tomou posse seu vice-presidente,
José Sarney. Durante o governo Sarney, com Antônio Carlos Magalhães como
ministro das Comunicações, a Globo comprou a NEC do Brasil, um dos principais
fornecedores de equipamentos de telecomunicações do governo brasileiro. Acusado
de desfalque pela matriz japonesa, o proprietário anterior da NEC e da
financiadora Brasilinvest, Mário Garnero, viu o governo suspender encomendas e
pagamentos e, sem seu principal cliente, acabou vendendo a empresa às
Organizações Globo por menos de um milhão de dólares, além de transferências de
ações. Com o conseqüente restabelecimento das encomendas e pagamentos por parte
do governo, a NEC do Brasil passou a valer, segundo avaliação dos próprios
japoneses, 350 milhões de dólares. Na mesma época, Roberto Marinho encerrou o
contrato da TV Aratu, que durante 18 anos retransmitira a Globo em Salvador. A TV Bahia, de propriedade de parentes e amigos de Antônio Carlos Magalhães, foi
escolhida como nova emissora da Globo.
A Rede Globo comprou também, em 1985, a emissora italiana Telemontecarlo, passando a transmitir no país europeu uma programação de
telejornais e esportes com formato semelhante ao da matriz brasileira. Era um
dos resultados de uma política de expansão iniciada com a criação em 1980 da
divisão internacional. A concorrência na Itália, porém, era acirrada; só no ano
de 1987, Sílvio Berlusconi, o maior empresário italiano de telecomunicações,
moveu cerca de cem processos contra a Telemontecarlo, que chegou a ter suas
transmissões suspensas. Em janeiro de 1994, pouco antes de Berlusconi tornar-se
primeiro-ministro do país, a Globo vendeu sua participação de 49% para o
principal sócio, o Grupo Ferruzzi, que já controlava 51% do capital.
Prejudicada pela queda da receita de publicidade de 140 bilhões de liras
italianas para 80 bilhões, pela desvalorização da lira em 50%, pela recessão
geral na Europa e pela crise política na Itália, a Telemontecarlo ainda
enfrentava a concorrência da Radio Televisione Italiana (RAI), poderosa rede
estatal de televisão. Entre 1991 e 1993, sua audiência não passou de 2,5%, e a
emissora fechou o ano com prejuízo de 35 milhões de liras.
A
partir de 1985, a Rede Globo introduziu em suas novelas o que chamou de “merchandising
social”, incluindo nas tramas da ficção informações consideradas de utilidade pública,
a respeito de temas como a igualdade de direitos entre os sexos e a relação
entre crescimento populacional, desenvolvimento e planejamento familiar. Em
1993, por exemplo, o Plano de Combate à Fome e à Miséria, liderado pelo
sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, receberia este tipo de apoio: a novela Renascer
incluiria cenas abordando a questão da fome e fazendo referência direta ao
projeto de Betinho.
No final da década de 1980, as freqüências para rádio e
televisão no Brasil se encontravam loteadas entre 3.189 emissoras. Somente
entre 1985 e 1988, o presidente Sarney outorgou mais de 90 novas concessões de
rádio e TV, a maior parte por critérios políticos, com vistas à extensão do
mandato presidencial na Assembléia Nacional Constituinte.
Na
mesma época, começou a corrida pelas concessões para canais a cabo e por
assinatura. Esse novo filão só começou a ser explorado quando o governo Sarney,
em fevereiro de 1988, outorgou concessões para 101 empresários, entre os quais
Roberto Marinho. Embora o artigo 223 da Constituição estabelecesse que o
Congresso deveria apreciar todas as concessões e renovações de “serviços de
radiodifusão sonora e de sons e imagens”, o governo considerou os canais a cabo
um serviço fechado de natureza privada, e não um serviço público, e outorgou
diretamente as concessões.
Durante as décadas de 1970 e 1980, a Globo recebeu vários prêmios internacionais pela qualidade de seus programas. Do
International Council da National Academy of Television, Arts and Sciences, dos
Estados Unidos, recebeu três prêmios Emmy: em 1976, a Roberto Marinho, como Homem de Destaque da Televisão; em 1981, para o musical infantil Vinícius para crianças: arca de Noé I; e em 1982, para a minissérie Morte e vida severina. Em 1980, a mesma instituição concedeu à Globo o Prêmio
Salute, devido à qualidade de seus programas. A novela Dancing days, de 1978, recebeu da crítica italiana o Prêmio Asa de Ouro
do Sucesso. O programa infantil Sítio do picapau amarelo, veiculado de 1977 a 1985, foi considerado pela UNESCO em
1979 o melhor programa infantil do mundo. Também receberam prêmios
internacionais, entre outros, o especial Lampião e Maria Bonita e o documentário Amazônia, a pátria da água.
A
eleição de 1989
A
candidatura vitoriosa de Fernando Collor de Melo nas eleições presidenciais de
1989, as primeiras diretas depois do regime militar, derrotando importantes
líderes políticos tanto tradicionais quanto progressistas, teve na Rede Globo
um de seus aliados de peso. Como governador de Alagoas, Collor, que se apresentava
como uma liderança moderna e moralizadora, já obtivera cobertura positiva em
boa parte da imprensa escrita. Na Globo, o jovem “caçador de marajás” concedeu
entrevistas ao Fantástico
antes mesmo de lançar sua candidatura, coroando uma estratégia agressiva de marketing
com que o governador vinha promovendo sua imagem. Em abril de 1989, Collor
alcançou o topo das pesquisas de intenção de voto.
Como em outras ocasiões, as novelas veiculadas pela Globo no
período que antecedeu as eleições trouxeram argumentos e personagens com
implicações políticas. Foi o caso, em 1989, de Que rei sou eu, uma comédia sobre um reino corrupto e decadente moralizado
por um herói corajoso, e O salvador da pátria, que também satirizava os políticos tradicionais.
Em agosto, Roberto Marinho declarou publicamente seu apoio a
Collor, que manteve a liderança e venceu o primeiro turno, sem participar do
debate entre os presidenciáveis promovido pela Rede Bandeirantes de Televisão.
Entre os dois turnos, a candidatura de seu concorrente, Lula, voltou a ganhar
fôlego, ameaçando a liderança de Collor. O último debate do segundo turno,
organizado pela Globo no dia 14 de dezembro, foi transmitido ao vivo, à noite,
no último prazo permitido para campanha eleitoral na televisão, dois dias antes
da eleição. Uma primeira edição do debate apareceu no Jornal hoje do dia seguinte, realizada pela própria equipe do
telejornal. A equipe que preparou a matéria que iria ao ar à noite no Jornal nacional, na véspera das eleições, não pôde usar a edição já feita:
teve que seguir um roteiro fechado da direção da emissora, determinando os
trechos que deveriam aparecer. O resultado final era claramente favorável a
Collor, que ganhou um minuto e 12 segundos a mais que Lula e teve mostrados
seus melhores momentos. A Globo também optou por não divulgar a última pesquisa
do IBOPE, que apontaria uma vantagem de dois pontos percentuais de Lula sobre
Collor, gerando protestos de profissionais da própria emissora em frente à sua
sede.
Roberto Marinho, em entrevista concedida ao Jornal da Tarde em abril de 1992, reconheceria o favorecimento: “Sim, nós
promovemos a eleição do Collor e eu tinha os melhores motivos para um grande
entusiasmo e uma grande esperança de que ele faria um governo extraordinário”,
afirmou. A parcialidade na cobertura da eleição de 1989 deu origem à lei que
obrigou as emissoras, nas eleições seguintes, a darem o mesmo tempo nos
noticiários para todos os candidatos.
O comportamento político da Central Globo de Jornalismo,
embora chefiado por Armando Nogueira, passara a ser comandado diretamente por
Alberico de Sousa Cruz, mais simpático a Collor. Incomodado, Nogueira tentou
destituí-lo de algumas funções, como o acabamento do Jornal nacional. Esbarrou na negativa de Roberto Marinho, que o convidou
para ser seu assessor pessoal. O jornalista não aceitou, consumando sua
transferência para uma diretoria de esportes separada do jornalismo, e a
indicação de Sousa Cruz, em abril de 1990, um mês depois da posse de Collor,
para a chefia oficial da Central de Jornalismo.
No início da década de 1990, a Globo contava com cerca de 15 mil funcionários, incluindo cerca de quinhentos atores e
escritores, tamanho quase equivalente ao da inglesa BBC. Segundo um comercial
internacional da emissora, com suas cinco estações e 63 afiliadas, a Globo
cobria “99,2% do território brasileiro, atingindo 99,9% dos aparelhos de
televisão do país. Nos últimos cinco anos, a audiência da Globo foi de 78%.
Produzimos 95% de nossa programação no horário nobre e podemos contar com 75%
do orçamento publicitário de mídia nacional”. A TV Globo concentrava, de fato,
fatia considerável do mercado publicitário brasileiro, que destinava 50% da
verba nacional, o equivalente a dois bilhões de dólares, à propaganda em
televisão.
A Globo gastava, nessa época, cerca de 40% de seu orçamento
em telejornalismo, com noticiários de manhã, na hora do almoço e à noite, além
de um programa semanal de grandes reportagens, o Globo repórter. A emissora tinha sucursais em Londres e Nova Iorque, e
cerca de dois mil jornalistas profissionais. As emissoras afiliadas eram
obrigadas por lei a produzir um noticiário local. Quanto ao restante da
programação, limitavam-se a repetir, geralmente, a emissora carioca.
Em
1991, a empresa recebeu o Prêmio Contribuição Empresarial à Comunidade. Em
parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi), a Globo passou a manter, a
partir de 1991, a Ação Global, oferecendo às comunidades carentes assistência
jurídica, obtenção de documentos e informações sobre saúde. Ainda dentro da
linha de utilidade pública, destacava-se o Globo Serviço, um selo permanente
para a criação de peças de campanha nas áreas de educação e saúde, com temas
como a amamentação ao seio, segurança no trânsito, vacinação, violência
familiar e prevenção da AIDS, entre outros.
A liderança da audiência, entretanto, já não era absoluta. A
concorrente Rede Manchete conseguiu superá-la pela primeira vez com a cobertura
exclusiva do carnaval de 1984 e de novo em 1990, com a novela Pantanal. No fim da década de 1990, os principais concorrentes ao
segundo lugar na audiência passaram a ser o SBT e a TV Record.
Entre agosto e setembro de 1992, com o desenrolar da CPI da
Corrupção, que iria provar o envolvimento de Collor no esquema montado pelo
tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, a Rede Globo deixou
gradativamente de apoiar o presidente. Com uma cobertura tímida do início das
denúncias até a leitura do relatório final da CPI, o Jornal nacional passou a cobrir a partir daí todos os detalhes do processo,
culminando com a transmissão ao vivo da votação do impedimento presidencial, no
dia 29 de setembro de 1992. A minissérie Anos rebeldes — veiculada durante esse período e ambientada durante a luta
contra o regime militar, com grandes manifestações da oposição, o movimento estudantil
e a luta armada — foi uma das inspirações da grande manifestação dos
“caras-pintadas”, promovida pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em prol do
afastamento do presidente. Os estudantes, pintados de verde e amarelo,
entoavam, entre outros hinos, Alegria, alegria, canção de Caetano Veloso de 1968, tema de abertura da
minissérie.
Em 1993, as Organizações Globo se associaram ao empresário Antônio Dias Leite e à Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), da família Sirotsky, para criar a
NET Brasil, primeira multioperadora de sistemas de TV por assinatura, com
grande captação de recursos externos: cerca de setecentos milhões de dólares
nos primeiros cinco anos, passando a oferecer compra de programação nacional e
estrangeira, equipamentos e assessoria de instalação e operação. O mercado
brasileiro de televisão paga, por cabo ou satélite, expandiu-se nesse período
para cinco empresas, e 1,5 milhão de domicílios conectados. A GloboSat, criada
no mesmo ano, foi a primeira programadora brasileira de TV por assinatura, e já
em 1995 contava com 150 mil assinantes e cerca de meio milhão de espectadores
em todo o país, exibindo, entre outros, um canal exclusivo de notícias, a
GloboNews.
Ainda
em 1993, Roberto Marinho interferia junto ao governador Luís Antônio Fleury
Filho para que deixasse de ser exibido no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, o vídeo Brazil: beyond citizen
Kane (Brasil: além do cidadão
Kane), um documentário exibido na televisão inglesa sobre o poder da Globo no
Brasil.
Em abril de 1994, ano de eleições gerais, a Rede Globo
aprovava norma interna proibindo “quaisquer referências à campanha eleitoral ou
a partidos, bem como entrevistas com candidatos e políticos, nos programas de
entretenimento”. No caso de programas ao vivo, a emissora passou a exigir que
os convidados não contratados da casa assinassem um documento declarando
estarem cientes da proibição. As novelas, no entanto, acompanhavam as mudanças
no cenário político brasileiro. A desqualificação dos políticos e do Estado
presente na novela Renascer, de 1993, deu lugar à valorização do candidato preparado e
com estudo na novela Fera ferida, de 1994, e ao otimismo e confiança no país enfatizados por Pátria minha, também em 1994.
O
sucesso do Plano Real, lançado em julho, que logrou estabilizar a moeda e
reduzir a inflação a níveis mínimos, foi o grande responsável pela popularidade
e eleição de Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda responsável pela
implementação do real e candidato a presidente na coligação do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB) com o Partido da Frente Liberal (PFL). Embora a
cobertura dos candidatos em campanha, em termos de tempo, tenha sido
relativamente equilibrada, o destaque dado ao Plano Real e suas conseqüências
benéficas, presentes diariamente nos noticiários da emissora, eram favoráveis
ao candidato Fernando Henrique, que venceu o pleito já no primeiro turno, com
ampla margem de votos.
Ainda
durante a campanha, em setembro, diálogo informal entre o novo ministro da
Fazenda, Rubens Ricupero, e o jornalista Carlos Monforte, da TV Globo, enquanto
aguardavam o início da gravação de uma entrevista do ministro para o Jornal
da Globo,
vazou acidentalmente, captado por antenas parabólicas. Entre outras coisas, o
ministro afirmava não ter escrúpulos de usar eleitoralmente, em favor do
ex-ministro e então candidato Fernando Henrique Cardoso, a divulgação de
indicadores econômicos favoráveis. “O grande eleitor dele sou eu”, dizia
Ricupero, afirmando em seguida que “para a Rede Globo foi um achado: (...) em
vez de ter que dar apoio ostensivo a ele, bota a mim no lugar e ninguém pode
dizer nada”, no que chamou de “solução indireta”. A repercussão do caso forçou
o ministro a pedir demissão. No Jornal
nacional,
a Globo exibiu trechos editados da conversa, omitindo as referências à própria
emissora, e enfatizando as desculpas pedidas logo em seguida pelo ex-ministro.
O
aniversário de 30 anos da TV Globo em 1995 foi muito comemorado no meio
político. Em abril, tanto a Câmara como o Senado realizaram sessões comemorativas
dos 30 anos da Rede Globo. Deputados e senadores de todos os partidos, menos do
PDT, ressaltaram o papel da emissora na difusão da cultura brasileira e na
consolidação do regime democrático, tecendo elogios a Roberto Marinho. Ao
jantar oferecido por Marinho para comemorar a data, em maio, compareceram os
senadores José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, o governador de Sergipe,
Albano Franco, e proprietários, respectivamente, da TV Mirante, TV Bahia e TV
Sergipe, afiliadas da Rede Globo.
No mesmo ano, a Globo inaugurou o Projeto Jacarepaguá
(Projac), maior centro de produção televisiva da América Latina e o mais
moderno do mundo. A emissora gastou 80 milhões de dólares — 60 em instalações e
20 em equipamentos — para montar, em um terreno de 1,3 milhão de metros
quadrados, um complexo com cinco estúdios, auditório, fábrica de cenários e
figurinos, ilhas de edição e módulos de produção, além das cidades cenográficas
que já funcionavam ali.
A
Globo voltou a fazer mudanças em sua direção de jornalismo em 1995: saiu
Alberico de Sousa Cruz, substituído por Evandro Carlos de Andrade, que para
assumir o cargo deixou a direção de redação do jornal O
Globo. Segundo Andrade, a
intenção da emissora era fazer um jornalismo mais “impessoal”: “A orientação
exclusiva era praticar um jornalismo isento, independente, um jornalismo que
não levasse em conta nenhum interesse, nem os da Rede Globo, nem pessoais do
dr. Roberto.” A direção da emissora declarava-se insatisfeita com o tom
oficialista do noticiário, com poucos “furos” jornalísticos. O chefe da
sucursal de Brasília, Alexandre Garcia, que segundo a direção ganhara o estigma
de “porta-voz do governo”, também mudou de função. Além disso, a Central de
Jornalismo passou a ser diretamente subordinada a Roberto Irineu Marinho,
vice-presidente executivo, não passando mais pelo controle do vice-presidente
de operações, o Boni.
Novelas passadas em diferentes estados do país contaram, em
diversas ocasiões, com o apoio financeiro dos governos locais. Foi assim que em
1994 o então governador do Ceará, Ciro Gomes, pagou setecentos mil dólares para
que a novela Tropicaliente fosse filmada no estado. Em outubro de 1995, a Globo recebeu 1,2 milhão de reais da prefeitura de São Paulo para organizar e transmitir,
durante três horas da programação dominical e em rede nacional, a íntegra da I
Maratona Internacional de São Paulo, apresentada como parte da programação
esportiva. O trajeto de 42 quilômetros passava junto de nove das principais
obras inauguradas pelo então prefeito da cidade, Paulo Maluf.
A
série Decadência,
escrita por Dias Gomes e veiculada pela Globo em 1995, foi um dos episódios da
rivalidade crescente entre a Globo e a Record, emissora controlada desde 1989
por Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Contava a história
do enriquecimento ilícito do bispo de uma igreja evangélica criada por ele
mesmo, que acabava preso. O personagem teria sido inspirado em Macedo; algumas
de suas falas eram reproduções textuais de uma entrevista do bispo à revista Veja.
Como resposta à série, a Record começou a atacar as organizações de Roberto
Marinho em debates entre pastores e ex-funcionários da Globo. A animosidade
entre a Globo e Edir Macedo começou em 1990, quando um programa da série Globo
repórter
mostrou obreiros da Igreja carregando sacos de dinheiro doados pelos fiéis da
Universal no Maracanã. Os pastores começaram a aconselhar os fiéis, nos cultos,
a não sintonizar a rede “diabólica”. A Globo também exibiu, no Fantástico,
um vídeo mostrando o momento em que o pastor convencia os fiéis a entregarem
todo seu dinheiro.
No
dia 12 de outubro de 1995, o bispo Sérgio von Helder, da Igreja Universal,
apresentador da Record, criticando os católicos por adorarem imagens, chegou a
chutar uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida. A Globo deu ampla cobertura ao
acontecimento, embora a CNBB diminuísse a importância do episódio. Em janeiro
de 1996, a Globo transmitiu mais um vídeo, dessa vez flagrando Edir Macedo
enquanto ensinava como pedir dinheiro, o que acabou causando a abertura de
inquéritos contra a Igreja.
No
fim de 1995, a Globo associou-se às americanas News Corporation, TCI2 e à
mexicana Televisa para oferecer serviços de televisão por satélite na América
Latina, através de um sistema que permitia o recebimento de até cem canais por
meio de antenas parabólicas. Outra parceria internacional, no mesmo ano, juntou
as Organizações Globo, o Bradesco e a americana AT&T para explorar o
mercado de telefonia celular e transmissão de dados sem fio.
A Rede Globo sempre investiu em audiência, procurando
descobrir os formatos e programas preferidos do público. As novelas, por
exemplo, sempre foram um gênero “interativo”, uma vez que a trama era
modificada, e personagens eram eliminados ou tinham sua participação aumentada
em função dos resultados de pesquisas de opinião. Em 1993, a emissora modernizou seus métodos de pesquisa, adotando equipamento computadorizado que
permitia a cem telespectadores darem sua opinião sobre os assuntos do Fantástico ao mesmo tempo em que assistiam ao programa. Ainda nessa
década, o formato do programa Você decide, em que o espectador escolhe por telefone, entre duas ou
três opções, o final que prefere para a trama, foi vendido para vários países.
A sessão de filmes Intercine, duas vezes por semana, convocava o espectador a escolher,
por telefone, entre as opções oferecidas, o filme para a sessão seguinte.
A emissora produzia, em 1996, 4.420 horas anuais de
programas, sendo a maior produtora de programas de televisão do mundo. Em 1997,
mais uma mudança administrativa: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho deixou a
vice-presidência de operações da emissora, continuando a assessorá-la, no
entanto, como consultor privado. Na prática, isso significou uma concentração
de poder ainda maior na figura da superintendente executiva, Marluce Dias da
Silva. Em 1998, o sinal da Rede Globo chegava a 99,84% dos 5.043 municípios
brasileiros. A maior parte da programação era produzida no Brasil, e exportada
a 130 países. De cerca de seus oito mil funcionários, mais de quatro mil
estavam diretamente envolvidos na criação e produção dos programas. Além da
sede e estúdios no Rio e escritórios em São Paulo, o grupo Globo tinha ainda escritórios em Londres e Nova Iorque.
O padrão asséptico deu a tônica na cobertura política das
eleições de 1998, em que o presidente Fernando Henrique Cardoso disputou a
reeleição contra Lula. Até a semana que antecedeu as eleições, em 3 de outubro,
o Jornal
nacional limitou-se a divulgar as pesquisas de intenção de votos
realizadas pelo Ibope. Memorando interno denominado “Regras das eleições 98”, assinado por Roberto Irineu Marinho, afirmava que “nossa palavra-chave é a isenção” e que, como
muitos ocupantes de cargos executivos eram candidatos à reeleição, as
solenidades de inauguração de obras públicas seriam cobertas “com foco
exclusivo na importância das obras e reduzindo-se ao mínimo a presença das
autoridades”.
A
luta das duas segundas colocadas — o SBT de Sílvio Santos e a Record do bispo
Macedo — pelos índices de audiência, bem como a migração do público mais
sofisticado para o jornalismo dos canais a cabo — entre os quais a própria
Globo se destacava com sua Globonews — forçaram a emissora, no final de década
de 1990, a popularizar sua programação. O Jornal
nacional,
que na década de 1980 detinha cerca de 60% da audiência, começou a de 1990 na
faixa dos 50 pontos, perdendo público progressivamente até chegar próximo dos
40% em 1998. Para reconquistar público, o noticiário passou a se concentrar em
temas amenos, ecológicos, notícias internacionais e tragédias de apelo
emocional, dedicando cada vez menos espaço à cobertura explícita da política.
Em vez da cobertura “de gabinete”, nos termos do diretor de jornalismo da
emissora, Evandro Carlos de Andrade, as novas diretrizes da emissora apontavam,
justamente, para a interatividade e o jornalismo de utilidade pública, centrado
“não só na presença do povo, mas no contato dele com as autoridades, para que
tenha respostas imediatas”. Exemplo dessa nova linha foi o programa Linha
direta, estreado em 1999, que
apresentava a reconstituição de crimes não resolvidos, com depoimentos das
vítimas e explicações das autoridades, divulgando telefone para que os
telespectadores pudessem ajudar a resolver o caso.
Apesar do aumento da
competição no setor de televisão aberta, tendência que se manteve na primeira
década do Século XXI, o prestígio e a influência da Rede Globo de Televisão
mantiveram-se em alta. Exemplo disso se deu em dezembro 2008, com a
supremacia da rede nas pesquisas sobre prestígio de marca. A Globo manteve seu primeiro
lugar entre as emissoras de televisão abertas, com ampla vantagem sobre a
segunda colocada, a Rede Record, de acordo com sondagem realizada pela Troiano
Consultoria de Marca e pelo Instituto Qualibest.
Em
abril de 2009, a Rede Globo apresentou sua nova grade de programação e anunciou
a expectativa de
crescimento da emissora para aquele
ano, em torno de
8%. Ainda
em 2009 a novela “Caminho
das Índias”, exibida
no horário nobre da programação,
foi agraciada, na categoria
novela, com
prêmio inédito
do International Emmy Awards, mais
prestigiosa premiação do gênero.
Além das empresas ligadas diretamente ao setor de comunicação
de massa e produção cultural, os demais empreendimentos da Globo eram geridos através da holding Globo Participações Ltda., Globopar. Entre suas principais
empresas, seja com controle integral ou associada a terceiros, destacaram-se a NEC, fabricante de equipamentos de telecomunicações,
em associação com a NEC Corporation do Japão, segunda maior indústria de
telecomunicações na América Latina; a Victori Comunicações, prestadora de
serviços de consultoria, engenharia e transmissão de dados via satélite, em
sociedade com a italiana STET, o grupo Bradesco e a Vicom; Roma DTVM,
distribuidora de títulos e valores mobiliários; ABC Roma, um banco múltiplo,
associado ao Arab Bank Corporation; e a incorporadora São Marcos,
administradora de imóveis. A Globopar também era proprietária e administradora
de shopping
centers e do
Hotel Rio Atlântica, no Rio de Janeiro; da Inbasa, indústria de produtos
alimentícios; e de fazendas num total de mais de 56 mil hectares.
Alessandra Aldé
FONTES: ALMEIDA
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Online (http://www.mmonline.com.br;
acessado em 20/12/2009).