REDEMOCRATIZAÇÃO
Ao
decretar a extinção da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), em dezembro de 1979, admitindo assim o retorno do
país ao sistema multipartidário, o regime militar deixou para trás a fase da
simples “abertura” ou “descompressão” e passou a admitir que o país iria
transitar rumo à plena restauração do regime democrático. A intenção de
dispersar a oposição entre vários partidos, e assim enfraquecê-la, também fez
parte desse cálculo, sem dúvida, mas não altera, no essencial, o ponto antes
enunciado. No começo da década de 1980, cinco novos partidos efetivamente se
estabeleceram: o Partido Democrático Social (PDS), governista, herdeiro da
estrutura organizacional da Arena; o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), principal sucessor do extinto MDB; o Partido dos
Trabalhadores (PT), que foi inicialmente um braço eleitoral do movimento
sindical paulista; o Partido Democrático Trabalhista (PDT), agremiação do
retorno de Leonel Brizola à cena política; e o Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), disputando com o PDT a herança simbólica do antigo “trabalhismo”
getulista. Esse conjunto de partidos disputou em 1982 a primeira eleição direta para governos estaduais desde 1965, ao mesmo tempo do pleito para o
Congresso Nacional e assembléias legislativas. Contados os votos, constatou-se
que o processo eleitoral continuava praticamente bipartidário, e que a oposição
(PMDB, PDT, PT e PTB) elegera dez dos 22 governadores, entre eles os de São
Paulo (Franco Montoro — PMDB), Rio de Janeiro (Leonel Brizola — PDT) e Minas
Gerais (Tancredo Neves — PMDB), e formara maioria, ainda que diminuta, na
Câmara dos Deputados. Com esse resultado, a oposição civil passou a contar com
bases efetivas de poder, tornando-se a estrutura do poder institucional
diárquica, e nesse sentido potencialmente instável: a estabilidade política
agora dependia de um horizonte de progressivo retorno à plena
institucionalidade democrática.
O
processo sucessório presidencial, configurada a referida diarquia a partir das
eleições de 1982, passou a oferecer efetiva possibilidade de vitória a um
eventual candidato da oposição no Colégio Eleitoral, na disputa prevista para
janeiro de 1985. A vitória oposicionista veio de fato a ocorrer, facilitada
pela dissidência surgida dentro do PDS, que deu origem em 1984 ao Partido da
Frente Liberal (PFL), que se uniu à frente de oposição para derrotar a
candidatura governista de Paulo Salim Maluf e eleger Tancredo Neves para a
presidência da República.
Com
o fim do regime militar em 1985, o Congresso voltou a ocupar um papel central
na vida política nacional. Esse novo papel foi institucionalizado com a
promulgação da Constituição de 1988, que restituiu ao Legislativo os poderes
que este detinha sob a Constituição de 1946. Quanto a sua estrutura, o Congresso
da Constituição de 1988 repetiu a experiência democrática do período 1946-1964,
ao consagrar o bicameralismo e o multipartidarismo. Há, contudo, uma diferença
crucial: as legislaturas eleitas sob a égide da Constituição de 1988 apresentam
taxas de fragmentação partidária muito superiores às do período de 1945-1964.
Outra característica importante do atual Congresso tem sido a
desproporcionalidade observada na percentagem de cadeiras de algumas regiões do
país, na Câmara dos Deputados, em relação a suas respectivas populações.
Enquanto as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste encontram-se
sobre-representadas, a região Sudeste se vê sub-representada (ver tabela 2).
Essa distribuição desequilibrada de cadeiras parlamentares decorre da
legislação eleitoral, que estabelece um mínimo de oito e um máximo de 70
deputados por estado, o que favorece especialmente a região Norte, a menos
populosa, em detrimento da região Sudeste, a mais populosa, sobretudo do estado
de São Paulo.
Um
dos primeiros atos do regime civil foi estabelecer por meio da Emenda
Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, a livre criação de partidos e a reorganização dos anteriormente cancelados, extintos, cassados, ou indeferidos. A
1º de agosto desse ano, o Congresso aprovou a Lei nº 7.332, que estipulou
condições mínimas para a habilitação de novas agremiações partidárias. Assim,
25 novos partidos foram criados para disputar as eleições municipais de
novembro de 1985. Essa nova legislação alterou profundamente o quadro
partidário brasileiro: novas agremiações se formaram e, na legislatura seguinte
(1987-1991), outros passaram a ter representação parlamentar.
A partir das eleições de 1986 para o Congresso Constituinte e
para os governos e assembléias estaduais, observa-se uma evolução algo errática
da força eleitoral e parlamentar da maioria dos partidos, marcada por ascensões
e quedas bruscas. Destarte, as altas taxas de volatilidade eleitoral e
fragmentação parlamentar que caracterizam a competição política no Brasil, de
1985 em diante, não têm permitido o estabelecimento de padrões estáveis de
interação entre os partidos e destes com o eleitorado. Cabe ainda lembrar que o
aumento do número de agremiações com representação parlamentar e a variação do
tamanho de suas bancadas não são conseqüências apenas de decisões do
eleitorado, mas também da intensa migração de deputados de uma legenda para
outra durante uma mesma legislatura.
A despeito de tanta instabilidade, é possível identificar os
partidos que mais influência têm tido nas três esferas de governo e no processo
legislativo, desde 1986 (ver tabela 1). Ao centro do espectro ideológico,
encontram-se o PMDB e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), este
nascido de uma dissidência do primeiro durante a Assembléia Nacional
Constituinte, em 1988. O PMDB, embora venha perdendo força eleitoral e
parlamentar, foi durante anos o maior partido parlamentar do regime civil.
Ocupou a presidência com José Sarney entre 1985 e 1990, e numerosos governos
estaduais. O PSDB tornou-se o quarto maior partido parlamentar a partir da
eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República, em
outubro de 1994.
À direita, destacam-se o PFL, o PTB e o Partido Popular
Brasileiro (PPB), sendo este último fruto da fusão do Partido Progressista
Reformador (PPR) — formado por ex-membros do PDS, que se dissolveu — com o
pequeno Partido Popular (PP). Dos três, o PFL foi o mais influente na década de
1990, ocupando a segunda posição desde 1986 em termos de força parlamentar,
tendo participado de todos os ministérios a partir de 1985 e eleito vários
governadores de estado.
No
campo da esquerda, sobressaem o PT e o PDT. O PT tem crescido de eleição para
eleição. É o quinto maior partido parlamentar e o principal de oposição no
país, com grande influência sobre sindicatos, intelectualidade e imprensa.
Chegou em segundo lugar nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, com o
mesmo candidato, Luís Inácio Lula da Silva. O PDT, fortemente centrado na
figura de Leonel Brizola, cresceu razoavelmente até 1990, mas entrou em
declínio desde então, tendo sua influência limitada a poucos estados, sobretudo
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Bolívar
Lamounier colaboração especial