TENENTISMO
Movimento político-militar que se desenvolveu durante o
período de 1920 a 1935, aproximadamente, sob a liderança dos “tenentes”, nome
com que ficaram conhecidos os oficiais revolucionários da época, nem todos
verdadeiros tenentes, mas em sua grande maioria oficiais de baixa patente.
Constituiu um dos principais agentes históricos responsáveis pelo colapso da
República Velha, ou seja, está inserido no processo de crise da sociedade agroexportadora
e do Estado oligárquico no Brasil que culminou com a Revolução de 1930.
Participando do movimento revolucionário aliado às
oligarquias não vinculadas ao café e às classes médias, e contando com o apoio
difuso das classes populares urbanas, o tenentismo contribuiu para destruir a
hegemonia dos cafeicultores, mas não teve condições de permanência na nova
estrutura de poder. Sem contar com bases sociais de sustentação, tendo uma
visão golpista e militarista do processo revolucionário, e pretendendo implantar
reformas econômico-sociais incompatíveis com os interesses agrários dominantes,
os tenentes foram alijados do poder pelas oligarquias vitoriosas. Contribuiu
para o insucesso do movimento sua escassa coesão interna e a retomada da
hierarquia no Exército, imposta pelos oficiais superiores.
Alguns dos principais integrantes do movimento tenentista
foram Luís Carlos Prestes, Juarez Távora, Eduardo Gomes, João Alberto Lins de
Barros, Osvaldo Cordeiro de Farias, Miguel Costa, Antônio Siqueira Campos, Juraci
Magalhães, Newton Estillac Leal, Djalma Dutra, João Cabanas, Herculino
Cascardo, Isidoro Dias Lopes, Nélson de Melo, Agildo Barata, Lourenço Moreira
Lima, Alcides Etchegoyen, Ari Parreiras, Plínio Casado, Augusto Maynard Gomes,
Jurandir de Bizzaria Mamede, João de Mendonça Lima, Roberto Carneiro de
Mendonça, Landri Sales, Cristiano Buys, Ricardo Holl, Ciro do Espírito Santo
Cardoso, Mário Fagundes Portela, Cleto Campelo, Mário Carpenter, Ernesto
Geisel, Artur da Costa e Silva, Newton Prado e Joaquim Távora.
Entre os chamados “tenentes civis”, os que mais se destacaram
foram Osvaldo Aranha, Vírgilio de Melo Franco, Carlos de Lima Cavalcanti, Pedro
Ernesto Batista e José Américo de Almeida.
A crise da década de 1920 e as origens do tenentismo
A sociedade brasileira na década de 1920 se caracterizava
basicamente pela vigência de uma economia agroexportadora, fornecedora de
produtos primários para os países capitalistas centrais. Do conjunto
desintegrado de regiões exportadoras que compunham a economia brasileira, o
setor cafeicultor constituíra-se, a partir de meados do século XIX, como o
setor hegemônico e principal responsável pelo desenvolvimento nacional. No bojo
da economia cafeeira desenvolveu-se também uma industrialização incipiente,
setores econômicos que conseguiram crescer juntos e complementarmente, e sem
que os opusessem contradições antagônicas, como ocorreu no desenvolvimento
capitalista europeu.
A estrutura política dessa etapa histórica do desenvolvimento
brasileiro foi marcada pela dominação de oligarquias agrárias, aliadas sob a
hegemonia dos cafeicultores. A União representava diretamente os interesses
desse setor e legitimava as oligarquias regionais dos setores exportadores de
menor produtividade. Essa aliança no poder não pressupunha a ausência total de
oposição entre os diferentes setores oligárquicos, e muitas vezes as
dissidências interoligárquicas é que possibilitavam espaços políticos para as
camadas médias urbanas.
Foi numa conjuntura política como esta que sugiram as
primeiras manifestações tenentistas, consideradas por muitos autores como
representativas das reivindicações político- econômicas dessas mesmas camadas
médias.
No início da década de 1920, a campanha sucessória do
presidente Epitácio Pessoa, antecipada pelas oligarquias dos “grandes estados”
(São Paulo e Minas Gerais), desencadeou um conflito entre as forças armadas e o
grupo dirigente, que culminou no levante do forte de Copacabana, da Escola
Militar do Realengo, de algumas guarnições da Vila Militar, de Niterói e de Mato
Grosso, isto é, nos primeiros movimentos armados dos tenentes.
Essa mesma campanha eleitoral significou um momento de
aguçamento das divergências internas das oligarquias contra a candidatura de
Artur Bernardes, proposta pelos estados dominantes, uniram-se na Reação
Republicana as oligarquias do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e
Pernambuco, apresentando a candidatura de Nilo Peçanha para a presidência da
República.
A
rebeldia oligárquica e a rebeldia militar que se associaram para combater o regime
vigente se originavam de reivindicações e conflitos distintos. De um lado,
havia a dignidade e a honra das forças armadas ofendidas pelo grupo dirigente
através do civilismo de Epitácio Pessoa (que nomeou civis para as pastas
militares e recusou o aumento dos soldos), mas principalmente através das
“cartas falsas”, insultuosas ao Exército e atribuídas ao candidato
situacionista Artur Bernardes, e, de outro lado, a ambição de maior
participação nas decisões dos setores oligárquicos não vinculados ao café e que
utilizaram, em sua luta pelo poder, a insatisfação militar de caráter
corporativo.
Além da crise política, a conjuntura do início da década de
1920 foi marcada por uma crise cíclica do capitalismo internacional, que
produziu no Brasil uma retração no volume das exportações e uma queda nos
preços. Os tradicionais mecanismos defensivos da economia cafeeira foram postos
em prática, o que acarretou uma socialização das perdas e, conseqüentemente,
uma intensificação das tensões interoligárquicas, assim como um recrudescimento
da insatisfação político-econômica das populações urbanas.
Após
a derrota eleitoral da Reação Republicana, a conspiração militar permaneceu
para tentar impedir a posse de Artur Bernardes. A insurreição se iniciou na
Vila Militar, na noite de 4 para 5 de julho de 1922, mas os rebeldes foram
facilmente dominados, pois a maioria dos militares manteve-se fiel à ordem
constituída.
Concomitantemente
ocorreu o levante na Escola Militar do Realengo e no forte de Copacabana, cuja
ocupação terminou na legendária marcha dos 18 do Forte, a 5 de julho de 1922,
da qual participaram os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos, e na qual
morreram os tenentes Newton Prado e Mário Carpenter.
Os tenentes, que lideraram a rebelião, não tinham ainda um
projeto de transformações políticas, mas agiram como membros de uma corporação
que consideravam responsável pelas instituições republicanas. Os tenentes
agiram isoladamente: a ausência de pronunciamentos é fato marcante do primeiro
5 de julho. Não houve tentativas de mobilizar o apoio popular e nem de se aliar
às oligarquias dissidentes.
As revoluções de 1924 e a Coluna Prestes
As revoluções de 1924, que representavam a continuidade e o
amadurecimento do levante de 1922, formaram um complexo de movimentos armados,
insurreições e tentativas de golpe, frouxamente articulados em termos
organizacionais, mas unificados ideologicamente e liderados pelos tenentes.
A revolução líder deste complexo iniciou-se, em São Paulo em
5 de julho de 1924, e funcionou como foco inspirador dos outros movimentos:
levante de Mato Grosso (12/7/1924), levante de Sergipe (13/7/1924), levante do
Amazonas (23/7/1924), levante do Pará (26/7/1924) e revolução do Rio Grande do
Sul (29/10/1924).
O
elo unificador dessas revoluções, o movimento tenentista, tinha como objetivo
tático a derrubada de Artur Bernardes, em nome de uma “republicanização da
República”, ou seja, a efetivação na prática política dos princípios liberais
contidos na Constituição de 1891. Nessa fase os tenentes ainda não contestavam
as matrizes ideológicas das elites agrárias brasileiras.
Então, os tenentes não falavam mais em nome do Exército, como
em 1922. Supunham representar os “interesses nacionais” e propunham o seguinte
programa político: voto secreto, combate à corrupção administrativa e à fraude
eleitoral, verdadeira representação política, liberdade de imprensa e
pensamento, limitação das atribuições do Poder Executivo e restabelecimento do
equilíbrio entre os três poderes, ampliação da autonomia do Poder Judiciário,
moralização do Poder Legislativo, centralização do Estado e correção dos
excessos da descentralização federativa.
Esse programa conquistou ampla simpatia da opinião pública
urbana, mas não houve mobilização popular e nem mesmo engajamento de
dissidências oligárquicas à revolução (com exceção do Rio Grande do Sul), daí o
seu isolamento e o seu fracasso.
Em fins de julho de 1924 os revolucionários de São Paulo
abandonaram a cidade que ocupavam desde o dia 5, por estarem encurralados pelas
forças legais. Mantendo-se organizados como tropas revolucionárias,
retiraram-se pelo interior de São Paulo, dirigindo-se para o sudoeste
paranaense, onde permaneceriam concentrados durante seis meses. No início de
outubro, chegaram à Foz do Iguaçu, sede do estado-maior revolucionário,
enviados dos rebeldes gaúchos para coordenar as duas revoluções.
Após
a derrota de todas as guarnições envolvidas na revolução do Rio Grande, apenas
permaneceram lutando as tropas comandadas pelo capitão Luís Carlos Prestes, que
em meados de novembro avistou-se com um mensageiro dos paulistas. Nesse
encontro ficou estabelecido o plano de junção das duas forças revolucionárias:
Prestes deveria partir do Sul e marchar até Foz do Iguaçu para se unir à
Divisão São Paulo.
Esse objetivo se concretizou em abril de 1925, data em que
finalmente as duas forças tenentistas conseguiram fundir-se, formando a Coluna
Miguel Costa-Prestes, mais conhecida como, simplesmente, Coluna Prestes. A
coluna tinha como objetivo político fundamental fazer a propaganda armada da
revolução. Com sua marcha pelo Brasil afora, os tenentes pretendiam propagar
seu ideário político e incentivar a eclosão de novos movimentos revolucionários
que solapassem gradativamente o regime oligárquico vigente. De início não tencionavam
atacar diretamente o poder central, mas criar condições para expandir e
nacionalizar a revolução.
A vitória, para a coluna, não significava a derrota das
forças governistas, mas a sua própria persistência na luta (até a generalização
do movimento revolucionário) e por isso ela utilizava uma tática militar de
tipo guerrilheiro: grande mobilidade e rapidez de movimentos, renovação
constante de quadros, obtenção de armamento e munição do próprio inimigo, fuga
aos combates tradicionais e ataque através de pequenas investidas envolvendo
apenas parcelas diminutas dos contingentes e revolucionários, ampla utilização
da retirada estratégica, descentralização relativa do comando, decisões rápidas
e distanciamento das grandes concentrações urbanas.
A
coluna marchou aproximadamente 24 mil quilômetros, atravessando 11 estados
brasileiros (Paraná, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí,
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco), mas as esperadas revoluções
de apoio fracassaram todas. Sendo assim, após a dura campanha da Bahia, onde a
coluna foi perseguida por destacamentos de jagunços recrutados pelos coronéis
do sertão, o comando revolucionário resolveu emigrar, mesmo porque estava no
fim o quadriênio de Artur Bernardes, cuja derrubada tinha sido o objetivo
imediato dos tenentes. A marcha para o exílio foi ainda muito longa e só
terminou em fevereiro de 1927, quando os remanescentes da coluna entraram na
Bolívia.
A
15 de novembro de 1926, quando tomou posse o presidente Washington Luís, a coluna
ainda marchava pelo Brasil e exatamente nesses dias eclodiu no Rio Grande do
Sul o último levante tenentista estimulado pela propaganda revolucionária da
Coluna Prestes. Temos assim o início do último mandato presidencial da
República Velha, marcado pela continuidade do ciclo revolucionário iniciado em
1922 e que culminaria com a Revolução de 1930.
Antecedentes da Revolução de 1930: as articulações
entre o tenentismo e as oligarquias dissidentes
A fragmentação do domínio oligárquico e a superação do pacto
de dominação típico da República Velha manifestaram-se na segunda metade da
década de 1920 também por uma diversificação do sistema político-partidário. O
surgimento de novos partidos abriu novas possibilidades de alianças e
acomodações entre as várias forças político-sociais que contestavam o regime
vigente.
Esses partidos tentaram aglutinar a oposição de setores
oligárquicos não vinculados ao café, ou então a oposição de cafeicultores
descontentes com a política econômico-financeira dos dois últimos presidentes
da Primeira República. No primeiro caso estava o Partido Libertador (PL),
junção de grupos oligárquicos gaúchos que se opunham tanto ao governo central,
quanto ao tradicional predomínio do Partido Republicano no Rio Grande do Sul
(PRR). No segundo caso estava o Partido Democrático (PD) de São Paulo, criado
em 1926 por um grupo de dissidentes do Partido Republicano Paulista (PRP), e
que iria liderar a formação de vários partidos oligárquicos oposicionistas:
Partido Democrático do Distrito Federal (maio de 1927), Partido Democrático do
estado do Rio de Janeiro (junho de 1927), Partido Democrático de Santa Catarina
(agosto de 1927), Partido Democrático do Maranhão, Partido Democrático do
Ceará, Partido Democrático de Pernambuco e, finalmente, a junção de todos eles
no Partido Democrático Nacional, que não teve propriamente um caráter
“nacional”, mas sim de uma frente de oposições regionais.
Apesar do caráter oligárquico-conservador desses partidos e
de sua provisoriedade, eles serviram também como canais para a expressão da
insatisfação das populações urbanas. O PD e o PL constituíram as principais
forças políticas que estabeleceram contatos com o tenentismo, após a emigração
da coluna, com o objetivo de organizar um novo movimento revolucionário.
Enquanto a rebeldia oligárquica se organizava em partidos
políticos, quais eram as perspectivas tenentistas após o término da marcha da
coluna? Os tenentes pensavam pouco no programa revolucionário e preocupavam-se
principalmente com a organização da revolução. E faziam isso tentando
reproduzir os procedimentos conspiratórios que conduziram ao movimento de 1924.
Ou seja, buscavam estabelecer focos insurrecionais espalhados pelo Brasil,
contando com os tenentes remanescentes de 1922, 1924 e 1926. Agora as condições
eram mais difíceis, já que grande parte deles estava no exílio, nas prisões, ou
na clandestinidade e, portanto, perseguidos pela polícia. Os que se mantinham
no exílio estavam dispersos entre Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia,
enfrentando incríveis dificuldades de sobrevivência. Além desses elementos
antigos, os tenentes contavam com partidários novos, nas sucessivas turmas que
se formavam na Escola Militar do Realengo e que se distribuíam entre as mais
variadas guarnições militares espalhadas pelo Brasil.
Os tenentes mantinham uma visão elitista e militarista da
política e não pretenderam em nenhum momento canalizar seu prestígio popular
organizando um movimento partidário. Às passeatas organizadas nas cidades para
angariar fundos para os exilados, ao carisma de Prestes, que era o maior líder
nacional nesse momento, os tenentes respondiam com uma conspiração golpista e
silenciosa.
Com essas perspectivas é que os tenentes buscavam uma
aproximação com as oposições oligárquicas, com o objetivo principal de obter
fundos para financiar a revolução. As divergências surgiram logo de início,
tanto do ponto de vista programático, como do ponto de vista organizacional. Os
tenentes continuavam organizando uma revolução de quartéis, e as oligarquias
pretendiam tomar o poder através de eleições. Na verdade, eram duas revoluções
diferentes que tentavam, sem sucesso, caminhar lado a lado.
Tanto o PD como o PL afrouxaram suas ligações com o
tenentismo. O PL se distanciou da revolução e envolveu-se numa política de
aproximação com o PRR e com o presidente do estado, Getúlio Vargas,
prenunciando a formação da frente única de apoio à sua candidatura para a
presidência da República. A atitude liberal de Vargas para com a oposição
favoreceu esse movimento de aproximação.
Começou também a se evidenciar mais um foco de resistência
oligárquica ao presidente Washington Luís no Partido Republicano de Minas
Gerais (PRM), liderado pelo presidente do estado, Antônio Carlos de Andrada,
que tinha pretensões à sucessão presidencial.
Reforçaram-se os laços das oligarquias dissidentes entre elas
mesmas, e surgiram novos parceiros. O distanciamento dos tenentes aprofundou-se
cada vez mais, até que em setembro de 1928 veio o rompimento explícito, através
de uma carta de Prestes a Paulo Nogueira Filho, um dos líderes do PD.
Nesse mesmo período, simultaneamente às divergências entre a
oposição oligárquica e a oposição militar, começou a se desenvolver um
desencontro no interior do tenentismo, devido às transformações ideológicas de
Prestes. Procurado em dezembro de 1927 por Astrojildo Pereira, secretário-geral
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que pretendia estabelecer uma aliança
entre o tenentismo e o PCB, Prestes começou a tomar contato com a literatura
marxista. As concepções políticas de Prestes começaram a se encaminhar em
direção ao socialismo, até que em maio de 1930 ele confessou a seus
companheiros de luta a sua adesão ao marxismo e rompeu com o movimento
tenentista. Mas, apesar da oposição de Prestes, a cooperação entre os tenentes
e as oligarquias dissidentes iria ser retomada novamente, já no contexto da
campanha eleitoral da Aliança Liberal.
Tenentes e oligarquias na Aliança Liberal e na
Revolução de 1930
Dentro do tradicional esquema de revezamento entre São Paulo
e Minas no governo federal, chegara a vez de Minas, na pessoa de seu presidente
Antônio Carlos de Andrada. Mas Washington Luís tinha um candidato paulista,
Júlio Prestes, que daria continuidade à sua reforma financeira e à sua
administração. Frente a essa tentativa de marginalização da política mineira, a
oligarquia desse estado aliou-se aos gaúchos, formando a Aliança Liberal, que
apresentou as candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa para disputar o
pleito presidencial de 1930. Esse acordo eleitoral, que se concretizou em junho
de 1929, significou uma grave ruptura interna da elite dirigente e não se
vinculou apenas à disputa pelo poder entre um paulista e um mineiro.
Washington
Luís realizara uma reforma financeira com o objetivo de estabilizar a moeda,
mas que implicara uma redução da rentabilidade dos cafeicultores. Até a eclosão
da crise internacional de 1929, essa redução fora suportável, pois os preços do
café se achavam num bom nível no mercado internacional. Com a queda brusca dos
preços a partir da crise, a política de Washington Luís (e de seu sucessor
potencial) tornou-se incompatível com os interesses cafeeiros. Daí a ruptura
entre facções de cafeicultores e seu próprio representante no aparelho de
Estado. Os cafeicultores descontentes acabaram se aliando aos outros setores
oligárquicos oposicionistas e aos tenentes, em torno da Aliança Liberal, e essa
união acabaria desembocando na Revolução de 1930.
Apesar do caráter conservador-oligárquico da Aliança Liberal,
ela promoveu um movimento popular intenso e empolgou as populações urbanas numa
mobilização política talvez sem precedentes no Brasil da Primeira República, em
torno do seguinte programa: defesa do voto secreto para garantir a
representatividade política popular; designação de juízes para presidir às
mesas eleitorais, com o objetivo de dificultar a fraude; medidas econômicas
protecionistas para outros produtos de exportação além do café; anistia aos
revolucionários de 1922, 1924 e 1926; e exigência de um Código do Trabalho.
Foi
a ala jovem da Aliança Liberal, mais identificada com o tenentismo, que a
conduziu para o caminho da revolução, estimulando os velhos oligarcas e
aparando suas resistências. E para seguir o caminho armado, os jovens
aliancistas (Osvaldo Aranha, João Neves da Fontoura, Virgílio de Melo Franco e
muitos outros) foram buscar a colaboração dos tenentes.
Os contatos se restabeleceram no segundo semestre de 1929,
mas se desenvolveram com grande lentidão e dificuldade, já que não só os velhos
oligarcas reprovavam essa colaboração, mas também o líder do tenentismo se
recusava a se aliar aos inimigos da véspera. Como a campanha eleitoral
prosseguisse e Prestes não modificasse sua posição, outros chefes tenentistas
foram aderindo à idéia da colaboração com a Aliança Liberal. As hesitações se
deveram ao fato de que o programa aliancista não satisfazia mais as aspirações
tenentistas, como veremos a seguir.
Por todas essas razões, a conspiração revolucionária
praticamente não avançou até março de 1930, quando foram realizadas as eleições
e frustradas as esperanças eleitorais da Aliança Liberal. A derrota nas urnas e
logo em seguida a “degola” de todos os candidatos paraibanos e alguns mineiros
da oposição liberal no Congresso mudaram as perspectivas dos caciques
aliancistas, aproximando-os da idéia da luta armada.
Se a defecção definitiva de Prestes e a morte de Siqueira
Campos (maio de 1930) determinaram a interrupção provisória da conspiração
revolucionária, o assassinato de João Pessoa, em julho de 1930, veio reacender
o movimento. O crime, embora ligado a questões internas da oligarquia
paraibana, assumiu imediatamente repercussão política nacional. A Aliança
Liberal, aproveitando o repúdio violento da opinião pública ao evento, passou a
responsabilizar o governo federal pelo assassinato de João Pessoa. Ocorreram
manifestações populares em todo o Brasil para protestar contra um crime que se
transformou na válvula de escape de toda a insatisfação política acumulada das
populações urbanas e, em especial, das camadas médias.
Imediatamente foram reatadas as negociações revolucionárias,
vencidas todas as resistências oligárquicas, e a conspiração marchou até a
eclosão do movimento, no dia 3 de outubro de 1930.
O programa revolucionário do tenentismo na década de
1930
Logo após a vitória da revolução, vencido o inimigo comum,
reapareceram de forma mais radical as divergências entre o programa
revolucionário dos tenentes e o das oligarquias dissidentes. Após uma década de
lutas, prisões, exílio e contato direto com a realidade política nacional, os
tenentes amadureceram um projeto para a sociedade brasileira que se distanciava
muito de suas aspirações liberais do início da década de 1920.
Influenciados pelo clima ideológico autoritário e antiliberal
que se tornou dominante na década de 1930 (inspiravam-se principalmente na obra
de Alberto Torres e Oliveira Viana), os tenentes explicitaram um programa cujos
traços essenciais eram o estatismo, o autoritarismo e o elitismo. Consideravam
o Estado como o princípio articulador da sociedade, como o pólo aglutinador
capaz de integrar e unificar a nação e também como entidade distanciada dos
interesses particulares das classes, portanto como única capaz de promover o
progresso de forma igualitária. Daí a sua aprovação a todas as medidas tendentes
à centralização político-administrativa do Estado e sua desaprovação à
autonomia estadual.
Recusavam qualquer racionalidade e eficácia aos regimes
políticos baseados na competição entre as diferentes forças sociais, como é o
caso da democracia liberal. O repúdio à democracia liberal era também
justificado pela idéia de que esse modelo político foi criado a partir de
realidades nacionais “alienígenas” e não podia ser transplantado mecanicamente
para o Brasil. A verdadeira representação política do cidadão deveria fazer-se
através das associações profissionais, das corporações, que deveriam ser a base
da organização do Estado, que por sua vez deveria intervir em todos os níveis
da sociedade e da economia.
Uma
sociedade organizada em corporações e totalmente penetrada por um Estado forte
e com amplo poder de coerção, poderia praticamente eliminar a competição entre
as classes. A adoção de um modelo político tecnicamente perfeito contribuiria
em grande medida para essa harmonia social. Era a idéia da racionalidade
técnica aplicada à administração pública. Era também a noção de que o Estado,
através de seus dirigentes, podia ter uma noção objetiva e “verdadeira” das
necessidades nacionais.
Para orientar a revolução e organizar o poder depois dela era
necessário persuadir as elites a empregar a força até criar condições objetivas
para o esclarecimento e a educação das massas populares. Pois estas, pela
carência de instrução e de civismo, pela passividade que as caracterizava, não
tinham condições de participar significativamente da revolução e nem de
escolher seus representantes. Por isso os tenentes defendiam a restrição do
sufrágio universal e formas variadas de limitação da intervenção das classes
populares na escolha dos governantes: sufrágio universal direto apenas na
esfera municipal e eleições estaduais e federais por sufrágio indireto. Também
propunham a eleição do presidente da República pelos legislativos federal,
estaduais e municipais. Quanto ao censo alto, como critério para participar do
corpo eleitoral, os tenentes o propunham como forma de evitar a eleição dos
velhos oligarcas e coronéis do sertão, pois as populações pobres do campo
continuariam a elegê-los.
O autoritarismo dos tenentes se manifestava concretamente na
luta pela prorrogação da ditadura revolucionária e, conseqüentemente, pelo
adiamento das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, até que se
efetivassem as reformas econômico-sociais propostas pelos “revolucionários
sinceros” e a população inculta amadurecesse para exercer seus direitos
políticos.
Foi decorrência política concreta do elitismo e autoritarismo
da ideologia tenentista o fato de que eles não formaram partidos políticos para
mobilizar e canalizar o apoio das populações urbanas que, em geral, lhes eram
favoráveis. Atuaram como grupo de pressão junto ao poder central e suas
extensões nos estados, as interventorias. Ou seja, agiram sempre a partir da
cúpula, sem tentar incluir as massas no processo revolucionário. As formas de
organização política que tentaram fundar, as legiões revolucionárias,
inspiradas em modelos fascistas, não tiveram sucesso, assim como o Clube 3 de
Outubro, que analisaremos na seção seguinte.
As
teses econômico-sociais do tenentismo na década de 1930 configuravam um
programa típico de classe média, cujos princípios básicos eram os seguintes: 1)
nacionalismo, defesa da unidade nacional e combate à descentralização
federativa própria da República Velha; 2) estabelecimento de direitos e
garantias às classes trabalhadoras (jornada de oito horas, salário mínimo,
regulamentação do trabalho feminino e dos menores, leis eficientes de acidentes
no trabalho, caixa de aposentadoria e pensões, lei de férias e repouso semanal
remunerado); 3) industrialização, intervenção econômica estatal e
planejamento. Coerentes com a estratégia política de fortalecimento do Estado
propunham maior capacidade regulamentadora sobre o sistema econômico. Não
tinham uma perspectiva industrializante. Não rejeitavam a necessidade da
industrialização, mas consideravam o desenvolvimento e a diversificação
agrícolas como meta prioritária.
Defendiam a instalação da indústria siderúrgica e a
exploração estatal do petróleo. No entanto, tais propostas estavam mais ligadas
aos problemas da segurança nacional, do que a um projeto industrializante.
Defendiam a nacionalização das “minas, forças hidráulicas e demais valores
naturais”, e pretendiam a estatização dos núcleos fundamentais da
infra-estrutura econômica. Recusavam a ampliação da concentração capitalista,
condenando os trustes, monopólios e organizações do gênero. Essas idéias
anticapitalistas são encontradas originariamente na obra de Alberto Torres, que
visualizou uma sociedade de pequenos produtores, fechada ao estrangeiro e
protegida contra a expansão das grandes potências capitalistas. Ele e os
tenentes opunham-se ao “capitalismo predatório” e imaginavam uma sociedade
harmônica de pequenos produtores que facilitaria a expansão de um poder estatal
uniforme sobre o conjunto do país.
Quanto à idéia de planejamento econômico, ela não era explícita
nos documentos tenentistas, mas aparecia de forma difusa. Boa parte das noções
relativas a uma nova administração, objetiva, racional, orgânica, técnica e
“despolitizada” confluía para a idéia de planejamento.
Finalmente,
os tenentes defendiam o cooperativismo e a pequena propriedade e combatiam os
privilégios econômicos dos cafeicultores.
Esse projeto revolucionário nada tinha a ver com as intenções
das oligarquias dissidentes, expressas no programa da Aliança Liberal. E o
enfrentamento entre a revolução dos tenentes e a revolução das oligarquias iria
constituir o cerne da luta política até a consolidação de um novo sistema
político no Brasil em 1934.
A derrota do tenentismo e a recomposição do domínio
oligárquico
Getúlio
Vargas, o líder civil da revolução, tomou posse na presidência da República a 3
de novembro de 1930 e desde então iniciou-se a luta pelo poder entre tenentes e
oligarquias para preencher os principais ministérios e posições politicamente
estratégicas no Governo Provisório.
Além de alguns cargos no ministério, o espaço político
ocupado de imediato pelos tenentes foram as interventorias estaduais. Ou seja,
todos os presidentes foram depostos e tenentes foram nomeados para
substituí-los, com exceção de Minas Gerais, onde continuou governando Olegário
Maciel, um dos líderes da Aliança Liberal. Do Espírito Santo para cima, os
interventores foram nomeados por Juarez Távora, então chamado “vice-rei do
Norte” graças à sua liderança na organização da Revolução no Norte-Nordeste do
pais.
Os
interventores tinham nas mãos os poderes Executivo e Legislativo estaduais,
sendo responsáveis apenas perante o governo federal. Essa imensa concentração
de poderes nas mãos dos jovens militares revolucionários abalou profundamente
as velhas oligarquias estaduais. Nos estados mais pobres, cujas elites agrárias
eram mais dependentes da União, foi mais fácil a implantação dos novos grupos
dirigentes.
Porém,
as antigas oligarquias dominantes não aceitaram os interventores tenentes e as
tentativas de compromisso e conciliação acabaram falhando. O caso mais radical
de choque entre o tenentismo e as oligarquias se deu no estado de São Paulo.
Nos primeiros dias da revolução, o PD, como um dos integrantes da Aliança
Liberal, julgava-se prestes a ascender ao poder. Getúlio Vargas, contudo, sob
pressão tenentista, nomeou para interventor em São Paulo João Alberto Lins de
Barros, que deveria governar com um secretariado do PD.
Logo de inicio surgiram divergências relativas ao movimento
operário e ao Partido Comunista. O atendimento de algumas reivindicações
operárias e a autorização para um comício comunista, medidas tomadas pelo
interventor, atemorizaram os democráticos e lhes deram ensejo para exigir maior
participação no poder.
Os
tenentes buscaram, sem sucesso, aumentar sua base política organizando a Legião
Revolucionária de São Paulo. Além disso, tentaram manter o controle da máquina
repressiva, nomeando Miguel Costa chefe da Secretaria de Segurança Pública,
então criada. Como último recurso, João Alberto aproximou-se do PRP para conter
o avanço democrático. Em abril de 1931 o PD rompeu oficialmente relações com
João Alberto e participou de um levante da Força Pública para derrubá-lo. A
situação política se agravou mais ainda por divergências entre Miguel Costa e
João Alberto, que acabou pedindo demissão em 13 de julho de 1931.
Em
Minas e no Rio Grande do Sul, estados vitoriosos na revolução, foi possível
durante algum tempo uma conciliação entre os tenentes e as oligarquias. Porém,
à medida que a campanha pela reconstitucionalização do país se implantava como
a principal estratégia oligárquica para a reconquista total do poder, a ruptura
foi inevitável. Tornou-se claro para as oligarquias que, na vigência de um
regime constitucional, com um sistema eleitoral em pleno funcionamento, os
tenentes seriam alijados das posições de mando, graças à manutenção das
máquinas eleitorais dos antigos partidos republicanos estaduais. Ou seja, o
fenômeno do coronelismo, da subordinação político-econômica das massas rurais às
elites agrárias, garantia a persistência do domínio oligárquico.
Durante o ano de 1931 formaram-se as frentes únicas em São
Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, isto é, houve uma reunificação das facções
oligárquicas cindidas na conjuntura pré-revolucionária. O PD aliou-se ao PRP, o
PL uniu-se ao PRR e a oligarquia mineira aparou suas arestas. Das frentes
únicas estaduais passou-se a uma atuação conjunta no plano federal, exigindo um
novo código eleitoral, a convocação da Constituinte e um interventor “civil e
paulista” para governar São Paulo.
Getúlio
Vargas gostaria de poder ceder à pressão tenentista, prolongando a ditadura.
Mas a amplitude que atingiu o movimento constitucionalista foi tão grande e a
insatisfação das oligarquias tão incontrolável, que o chefe do governo não teve
mais condições de se antepor à maré constitucionalizante: decretou um novo
código eleitoral (24/2/1932) e marcou a data das eleições para a Assembléia
Constituinte.
Frente a esse avanço oligárquico, o tenentismo revidou com o
empastelamento do jornal (antitenentista radical) Diário Carioca, em 25 de
fevereiro de 1932. Foi um ato político radical e violento que provocou nova
ofensiva oligárquica, a demissão dos ministros gaúchos do Governo Provisório,
além do repúdio da opinião pública em geral.
Nesse momento, facções mais radicais das frentes únicas já
estavam articulando uma conspiração revolucionária (em conjunto com militares
contrários ao tenentismo) para derrubar o Governo Provisório. Enquanto os
paulistas estavam mais coesos em torno da revolução, alguns grupos mineiros e
gaúchos ainda buscavam uma solução política para o impasse e hesitavam em
aderir à luta armada.
A
revolução eclodiu em São Paulo a 9 de julho de 1932 e a esperada adesão de
Minas e Rio Grande não se concretizou, pois Olegário Maciel e Flores da Cunha
deram prioridade aos vínculos com o governo federal. Afinal esses estados
tinham feito juntos a revolução para destruir a hegemonia paulista. E essa
dimensão ainda presente da competição interoligárquica suplantou o temor do
tenentismo. Ainda assim setores minoritários da oligarquia mineira e gaúcha
promoveram levantes em apoio a São Paulo, mas foram facilmente derrotados.
A
vitória sobre São Paulo marcou o apogeu do poderio tenentista e simultaneamente
o início de seu declínio. Apesar da derrota militar dos paulistas, a campanha
constitucionalizante prosseguiu e intensificou-se, pois, além de uma bandeira
de luta oligárquica, tornou-se um verdadeiro movimento social. Enquanto as
oligarquias estaduais tendiam à reaglutinação, o tenentismo enfrentava sérias
divergências internas, o que obviamente contribuía para seu declínio.
O
Clube 3 de Outubro, fundado logo após a revolução como organismo de cúpula das
lideranças revolucionárias, já enfrentara várias crises internas, que se
agravaram após 1932. Isso aconteceu porque participavam dele, além dos
autênticos tenentes, autoridades do Governo Provisório tendentes a fazer
concessões às oligarquias, até mesmo como tática de sobrevivência política. A
revolução de São Paulo levou-os a aceitar a tese da constitucionalização e,
portanto, a abandonar o Clube, que assim perdeu força política. Além desse
fator de desintegração os próprios tenentes tinham grandes divergências
internas de caráter ideológico. Alguns tendiam a se aproximar mais do fascismo,
outros do socialismo, outros dos movimentos católicos da época (reações
espiritualistas) e outros ainda do Partido Comunista Brasileiro.
A
divisão interna, a ausência de base social de sustentação, mas fundamentalmente
a estrutura coronelística que a revolução não tocara, deram uma vitória
eleitoral esmagadora às oligarquias agrárias, que constituíram a força
majoritária na Constituinte eleita em 3 de maio de 1933.
Além dessa derrota, os tenentes foram definitivamente
alijados de qualquer influência sobre o governo dos estados de São Paulo e
Minas Gerais com a nomeação, pelo chefe do governo, dos interventores Armando
de Sales Oliveira e Benedito Valadares, em fins de 1933. Esses dois
interventores conseguiram relativa harmonização das forças oligárquicas dos
estados dominantes e passaram a constituir, ao lado do interventor gaúcho
Flores da Cunha, um tripé de sustentação para o governo central, que passou,
portanto, a depender menos dos tenentes como grupo de apoio.
A
Constituinte instalou-se a 15 de novembro de 1933, e a representação
minoritária dos tenentes contou com a colaboração dos “deputados classistas”. A
representação classista ou profissional, antiga bandeira de luta do tenentismo,
foi uma de suas vitórias: ao lado dos deputados eleitos pelo sufrágio
universal, representando a população como um todo, os sindicatos (de empregados
e empregadores) elegeram 40 representantes para a Constituinte.
Além
do apoio dos representantes classistas, algumas bancadas nortistas apoiaram
certas reivindicações dos tenentes, tendentes à centralização do Estado e
fortalecimento do governo federal, única forma de as oligarquias “pobres” do
Norte enfrentarem o predomínio das oligarquias “ricas” do Sul.
A
Constituição promulgada a 14 de julho de 1934 foi um produto híbrido que
conciliava as perspectivas tenentistas e oligárquicas, e teve um período de
vigência muito curto graças à implantação do Estado Novo. Os tenentes
conseguiram aprovar um projeto estendendo as funções legislativas da
Constituinte até a instalação do novo Congresso em 1935. Essa mesma
Constituinte, em julho de 1934, elegeu Getúlio Vargas presidente da República
para o primeiro quadriênio do novo regime político.
As eleições para as constituintes estaduais (outubro de
1934), que em seguida elegeriam os governadores, consolidaram as novas
lideranças oligárquicas nos estados e o alijamento dos tenentes, com exceção
dos que foram absorvidos pelas oligarquias estaduais (deixando de ser
tenentes), como foi o caso de Juraci Magalhães na Bahia e Punaro Bley no
Espírito Santo. A eleição para os governos estaduais, em abril de 1935,
coincidiu com o fechamento do Clube 3 de Outubro, símbolo do fracasso da
revolução tenentista.
A derrota dos tenentes no plano político foi acompanhada pela
derrota no plano estritamente militar. A oposição entre os oficiais superiores
e subalternos existiu durante toda a República Velha, período em que os
tenentes perfaziam aproximadamente 62% dos quadros da oficialidade do Exército.
Constituíam a esmagadora maioria do corpo de oficiais e viviam em péssimas
condições materiais de existência nos corpos de tropa. Enquanto isso, a ínfima
minoria de marechais e generais (aproximadamente 1%) usufruía de gratificações
as mais diversas por parte das elites dirigentes. Mais do que isso, participava
de um sistema de cooptação que a tornava sustentáculo do domínio oligárquico.
O
tenentismo significou exatamente o apogeu dessa oposição e após a vitória da
Revolução de 1930 chegou-se a uma verdadeira dualidade de comando: parte das
forças armadas submeteu-se aos tenentes revolucionários e parte permaneceu
vinculada às lideranças hierárquicas da instituição castrense. Isso quer dizer
que a hierarquia e a disciplina foram totalmente subvertidas, atingindo-se um
limite extremo de intervenção dos militares, e não de seus porta-vozes
oficiais, no processo político.
O processo de declínio político do tenentismo está imbricado
no processo de regeneração da hierarquia e disciplina, e gradualmente os
oficiais superiores foram retomando a liderança da instituição militar e
afastando-a do cenário político. Esse processo de reunificação das forças
armadas foi favorecido pelos seguintes fatos: a guerra civil de 1932 implicou a
reorganização dos comandos, o que levou à retomada da hierarquia; os sucessivos
insucessos políticos dos tenentes diminuíram seu prestígio nos meios militares;
a grande maioria dos tenentes abandonou os postos políticos e retornou às
fileiras do Exército, submetendo-se portanto à hierarquia (caso de Juarez
Távora, que chegara a ser ministro), e mais do que tudo isso o general Pedro
Aurélio de Góis Monteiro, chefe militar da Revolução de 1930, se impôs como
liderança máxima das forças armadas e promoveu uma política de fortalecimento
do Exército enquanto organização, porém buscando autonomizá-lo do processo
político.
Derrotado pelas oligarquias no âmbito do poder de Estado, e
submetido à chefia dos generais, no âmbito da instituição militar, o tenentismo
se desintegrou como movimento político organizado e seus remanescentes se
espalharam entre as novas forças político-sociais que se enfrentavam no cenário
político — o integralismo, a Aliança Nacional Libertadora, o Partido Comunista
Brasileiro, os vários partidos socialistas e os movimentos católicos da “reação
espiritualista”.
Divergências interpretativas sobre o significado
político-social do tenentismo
No processo de crise da sociedade agroexportadora e do Estado
oligárquico no Brasil, qual seria o papel do tenentismo? Que forças sociais ele
representaria no cenário político? Tais questões dividem historiadores e
cientistas sociais em duas correntes interpretativas. A primeira delas, cuja
matriz é a obra de Virgínio Santa Rosa, O sentido do tenentismo, escrita em
1933, engloba vários pesquisadores, entre os quais Nélson Werneck Sodré, Hélio
Jaguaribe, Guerreiro Ramos e Edgar Carone. Apesar de algumas particularidades,
todos esses autores consideram que desde o século XIX desenvolveu-se lentamente
no Brasil uma economia industrial capitalista, que se foi consolidando em
oposição à economia agrário-exportadora. As elites agrárias que monopolizavam o
poder de Estado entravavam assim o prosseguimento e aceleração do
desenvolvimento industrial.
Nesse
quadro, as massas rurais, subordinadas econômica e politicamente às oligarquias
dominantes, constituíam a base de sustentação dessa estrutura de poder. Os
grupos industriais aliados às classes médias representariam os agentes da
transformação sociopolítica tendente à implantação plena de um sistema capitalista
industrial no Brasil. Portanto, uma das pressuposições básicas dessa análise é
a existência de contradições antagônicas entre as oligarquias agrárias e os
grupos industriais nascentes. Nesse conflito fundamental as classes médias
seriam força aliada dos industriais (alguns autores pensam que o papel mais
ativo na resistência antioligárquica coube à classe média e não aos
industriais) e representadas na luta política pelo Exército. Este, por seu
recrutamento nas camadas médias da população, seria tradicionalmente o seu
porta-voz.
A segunda corrente interpretativa a que nos referimos é mais
recente e surge como uma crítica à visão anterior, que vê no movimento de 1930
uma revolução democrático-burguesa. As novas concepções relativas ao tenentismo
não são isoladas, mas se inserem em todo um esforço de reelaboração dos estudos
sobre a sociedade agrária no Brasil e sua superação por uma sociedade
urbano-industrial. É o caso da obra de Bóris Fausto, que tenta redimensionar a
análise do comportamento político das classes médias na crise da República
Velha e a suposta representatividade política desse setor social pelo
tenentismo.
Segundo ele (e outros, como por exemplo Décio Azevedo Marques
de Saes, Maria do Carmo Campelo de Sousa, José Murilo de Carvalho, Perry
Anderson), o comportamento político dos tenentes deve ser referido não somente
a uma determinação de classe social, mas à sua função no aparelho de Estado,
enquanto membros das forças armadas, instituição que os ressocializa e que tem
uma autonomia relativa frente à sociedade civil. Em outros termos, os militares
estão inseridos na sociedade, mas estão também inseridos no aparelho
burocrático estatal, e daí deriva a explicação de sua atuação política.
O privilegiamento da dimensão institucional/organizacional na
análise do comportamento político dos militares e a minimização da inserção na
estrutura de classes é uma perspectiva teórica que vem sendo adotada
crescentemente na sociologia brasileira.
Após o movimento político-militar de março de 1964, surgiu um
novo debate relativo ao tenentismo, em parte originado de declarações
constantes dos líderes revolucionários (quase todos ex-participantes do
movimento tenentista) considerando a atual revolução como o amadurecimento e
até mesmo a concretização da revolução dos tenentes. Historiadores e cientistas
sociais mais uma vez se dividem, pois uns aceitam e outros negam possíveis
vinculações históricas, ideológicas ou políticas entre esses dois movimentos
militares. A polêmica é recente e importante porque se relaciona a um problema
central e atual para o conhecimento da sociedade brasileira, a saber, o sentido
da presença militar na nossa história republicana, passada e presente.
Maria Cecília Spina Forjazcolaboração especial
FONTES: BARROS, J.
Memórias; CARONE, E. Tenentismo; CARVALHO, J. Forças; COELHO, E. Busca;
CORREIA, A. Rebelião; DANTAS, I. Tenentismo; FAUSTO, B. Revolução; FORJAZ, M.
Tenentismo e aliança; FORJAZ, M. Tenentismo e política; MALTA, O. Tenentes;
SAES, D. Civilismo; SANTA ROSA, V. Sentido; SILVA, H. 1922; SILVA, H. 1926;
SILVA, H. 1930; SILVA, H. 1931; SILVA, H. 1932; SILVA, H. 1933; SOUSA, M.
Estado; TÁVORA, J. Vida.