Tico-Tico,
O
Semanário infantil carioca, fundado por Luís Bartolomeu de
Sousa e Silva, em 11 de outubro de 1905.
A
revista ilustrada infantil O Tico-Tico surgiu num contexto de mudanças
no padrão tradicional de educação escolar, com a substituição progressiva dos
castigos corporais e a atribuição de maior ênfase à necessidade de moldar na
escola o caráter dos futuros cidadãos brasileiros. Novos materiais que se
apresentavam como educativos tinham, então, um espaço mais amplo para circular,
à medida que se ampliava o universo de crianças alfabetizadas. Porém, as
tentativas de uma publicação voltada para o público infantil eram ainda
bastante limitadas e isoladas quando a revista foi lançada.
Luís Bartolomeu de Sousa e Silva, fundador de O Malho,
Ilustração Brasileira e Leitura para Todos, iniciou com O
Tico-Tico o gênero dos quadrinhos infantis no Brasil. Criando a revista,
Luís Bartolomeu, que publicava esporadicamente histórias ilustradas para
crianças em O Malho, acabou por aceitar a proposta de um grupo de
intelectuais em que se destacavam o historiador Manuel Bonfim, o jornalista
Renato de Castro e o poeta Cardoso Júnior.
A revista circulou como uma publicação da Sociedade O
Malho, saindo regularmente às quartas-feiras. Em sua primeira história em
quadrinhos, teve como tema “uma revolução”, onde as crianças exigiam do “seu”
Malho um jornal só para elas.
Nos
primeiros anos de circulação da revista, a maior parte das histórias em
quadrinhos por ela publicadas inspirava-se diretamente em enredos, personagens
e ilustrações de publicações do gênero francesas, norte-americanas e alemãs.
Coube aos primeiros ilustradores de O Tico-Tico, por exemplo, adaptar os
quadrinhos publicados pelo jornal norte-americano The New York Herald.
Os principais personagens das aventuras norte-americanas, o garoto Buster Brown
e seu cachorro Tiger, criados pelo caricaturista Richard Felton, tornaram-se,
respectivamente, Chiquinho e Jagunço, em As Aventuras de Chiquinho, levando lições de moral, ética e bom comportamento
aos seus leitores.
Com o objetivo de divertir, informar e formar, a revista era
voltada principalmente para um público infantil masculino, “os futuros
condutores da nação”. Para a formação sadia das meninas, cultivou-se a
idealização da mulher submissa, voltada para as tarefas domésticas. Entre 1911
e 1919, na coluna “Seção para meninas”, eram ensinados trabalhos de costura,
bordados e outras atividades domésticas, como servir a mesa.
Durante a Primeira Guerra Mundial, com a interrupção da
circulação do jornal norte-americano no Brasil, o ilustrador Luís Gomes
Loureiro, que desde 1907 adaptava quadrinhos norte-americanos, passou a criar
enredos originais para a dupla Chiquinho e Jagunço. Gradativamente os
personagens foram adquirindo também atitudes e vivendo situações infantis mais
próximas à realidade brasileira.
Moleque Benjamim, Zé Macaco, Faustina, Pipoca, Zé Calango,
Anastácio, João Charuto, Bolota e Palito foram alguns dos personagens que se
seguiram a Chiquinho e Jagunço nas histórias em quadrinhos da revista. As
histórias eram apresentadas aos leitores como tendo sido “meticulosamente
escolhidas, pelo seu fundo alegre, otimista, construtor, sadio, moral e
patriótico”. Esta proposta marcou também as várias seções permanentes da
revista, como: “Bons conselhos”; “A vida dos homens célebres”; “Grandes
episódios da nossa História”; “Página das meninas”; “Quem é que o menino quer
ser” e “Lições do vovô”, esta última criada pelo redator-chefe da revista até
1939, Carlos Magalhães. Todas as seções eram apresentadas como possuidoras de
“alto valor pedagógico e educativo”. Seu conteúdo costumava destacar uma
representação do Brasil como um país sem conflitos, com um povo pacato, ordeiro
e trabalhador.
O “engajamento patriótico” da revista refletia-se na criação
de grandes concursos nacionais para redações exaltando as grandezas da pátria
ou de seus heróis, como o “Grande concurso Brasil”, de 1935, e o concurso
“Grandes vultos do Brasil”, de 1939. Tais concursos eram oficializados por
portarias das áreas educacionais do governo federal e dos estados, que os
divulgavam nas escolas.
Histórias em quadrinhos que se passavam em diferentes épocas
ilustravam o sucesso dos que apostavam nos valores do trabalho e da instrução,
ascendendo profissional e socialmente a partir do esforço pessoal. Exemplos de
degradação individual, pela preguiça, presunção e malandragem, reforçavam, por
contraste, a valorização positiva do trabalho.
Nessa linha, era comum que as histórias transferissem para o
universo infantil as regras e sanções sociais do mundo adulto. Assim,
traquinagens e aventuras pelos vícios dos adultos podiam gerar uma repressão
severa, como num quadrinho de Reco-Reco, Bolão e Azeitona, publicado em 1931,
em que uma tentativa de apostar no jogo do bicho acabou levando os três garotos
para a delegacia .
As
questões político-sociais da nação também estavam presentes nas páginas de O
Tico Tico, através das aventuras de seus personagens. Zé Macaco e Faustina
estavam sempre informados sobre a guerra, sobre notícias policiais de
repercussão ou sobre campanhas nacionais, como por exemplo o sufrágio
universal. A sátira de costumes, principalmente da cidade do Rio de Janeiro,
era também freqüente.
Acompanhando as reformas educacionais da década de 1940, a revista buscou também subsidiar a prática escolar, publicando séries voltadas para cada uma
das disciplinas dos currículos escolares, como: “Gramática infantil pela
imagem”; “Escudos e bandeiras dos estados”; “Noções de botânica”; “Noções de
história natural”, entre outras.
A
nova legislação organizando o ensino técnico-profissional foi acompanhada de
quadrinhos que mostravam a trajetória de pessoas humildes que, com trabalho,
estudo profissionalizante e esforço individual, iniciavam a vida adulta em
ofícios modestos para acabar a vida como empresários do ramo em que tinham se
especializado.
Entre
os colaboradores da revista estavam Bastos Tigre, Monteiro Lobato, Olavo Bilac,
Martins Fontes, Casimiro de Abreu, Juraci Correia e Coelho Neto. Foram
ilustradores de O Tico-Tico: Luís Sá, Paulo Affonso, Valdir Moura,
Osvaldo Storni, Edmundo, Ricardo Forte e Alfredo Storni. O cabeçalho da
revista, que por longos anos caracterizou O Tico-Tico, foi idealizado
por Ângelo Agostini, o fundador da Revista Ilustrada, que também
colaborou com páginas alegóricas e histórias em quadrinhos nos primeiros anos
da publicação.
Durante os mais de 50 anos em que circulou, a revista
aproveitou-se das novas possibilidades comerciais abertas pela expansão do
transporte ferroviário e pelo surgimento de esquemas de distribuição nacional.
Teve tiragens oscilando entre 20 mil e cem mil exemplares. Já em seu segundo
número, O Tico-Tico vendeu 25 mil exemplares e, em 1910, vendia 50 mil
exemplares, o que praticamente igualava sua tiragem à de O Malho. Em
1935 e 1939 alcançou seus índices mais elevados de vendagem, devido aos grandes
concursos cívicos de alcance nacional.
Com um público leitor tão amplo, a revista era considerada um
bom veículo de propaganda dirigida ao consumo infantil, publicando sempre
anúncios de xaropes, fortificantes, tônicos, vermífugos, biscoitos, balas,
enxovais para colegiais, livros, roupas e brinquedos, entre outros produtos.
Mas os anúncios eram acompanhados de orientação aos pais e responsáveis para os
cuidados com a saúde, a alimentação, o vestuário, o lazer e a leitura das
crianças.
A partir de 1906 passou a ser publicado o Almanaque do
Tico-Tico, reunião de quadrinhos e textos da revista que circulou até a
década de 1950. Nos primeiros anos da década de 1960, frente à concorrência dos
super-heróis dos quadrinhos norte-americanos, as histórias de Tico-Tico já
não pareciam ter o mesmo atrativo para as crianças brasileiras e em 1962, após
alguns anos de vendas declinantes e periodicidade irregular, a revista deixou
de ser publicada.
Muza
Clara Velasquez
FONTES: Almanaque
do Tico-Tico (1948-1953); ROSA, Z. Tico-Tico; Tico-Tico (1905).