FERREIRA,
Valdemar
*rev. 1932; dep. fed. SP 1935-1937 e 1952-1955.
Valdemar Martins Ferreira
nasceu em Bragança Paulista (SP) no dia 2 de dezembro de 1885, filho de João
Crisóstomo Martins Ferreira e de Petronilha Olímpia Ferreira.
Fez os primeiros estudos em sua terra natal nos colégios
Mineiro, Bragantino e Hubert e, mais tarde, transferiu-se para Jacareí (SP),
onde freqüentou, a partir de 1899, o Ginásio Nogueira da Gama, que concluiu,
como orador da turma, em 1904. Nesse ano ingressou na Faculdade de Direito de
São Paulo, pela qual bacharelou-se em 1908. Ainda acadêmico, foi colaborador de
diversos jornais e revistas, tendo fundado o periódico O Santelmo. De 1905 a 1907, dirigiu em sua cidade de origem o semanário A Notícia. Pertenceu à direção do
Centro Acadêmico XI de Agosto, do qual foi orador. Também trabalhou como
copista do cartório do 4º Tabelionato da capital do estado até 1908.
Iniciou a carreira de advogado em Bragança Paulista. Em 1911 transferiu-se para a capital do estado, onde criou, três anos
depois, o Centro do Comércio e Indústria de São Paulo, destinado a defender
seus associados de falências fraudulentas que ameaçavam a praça paulistana na
época. Em 1915, esse centro lançou a Revista do Comércio e Indústria, onde
Valdemar Ferreira, durante sete anos, manteve uma seção de orientação jurídica.
Em 1916 foi um dos fundadores do Instituto dos Advogados do estado e, em 1917,
da Liga de Defesa Nacional, criada sob a inspiração de Rui Barbosa e Olavo
Bilac e liderada, no estado, por Júlio de Mesquita Filho, Clóvis Ribeiro e
Frederico Vergueiro Steidel. Em 1920 obteve nomeação, mediante concurso, para
professor substituto de direito comercial da Faculdade de Direito de São Paulo.
Em 1925, conquistou a livre-docência da cadeira e em 1927, com o falecimento de
Frederico Steidel, tornou-se lente catedrático, após ter recebido o grau de
doutor. Desde 1926 se tornara presidente do Instituto dos Advogados de São
Paulo.
Ao lado de Francisco Morato, Paulo de Morais Barros e outros,
participou da comissão organizadora do Partido Democrático (PD) de São Paulo,
que se reuniu em 24 de fevereiro de 1926 para redigir um documento que continha
as linhas básicas do programa da agremiação: revisão da Constituição,
instituição do voto secreto e independência do Poder Judiciário. Os
entendimentos para a formação do PD haviam sido iniciados pelo conselheiro
Antônio Prado, que tentou mobilizar as forças descontentes com a política do
Partido Republicano Paulista (PRP).
Participou da elaboração da lei de falências de 1929, da
legislação comercial e da lei sobre o conhecimento do transporte ferroviário,
de 1930. Foi eleito membro do diretório central do PD durante o sexto congresso
da agremiação (11/1/1930), realizado meses antes da Revolução de 1930.
Juntamente com seu partido, apoiou esse movimento permanecendo em São Paulo.
Vitoriosa a revolução, que depôs o presidente Washington
Luís, o chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, designou o capitão João
Alberto Lins de Barros inicialmente para o cargo de delegado da revolução em São Paulo e, depois, para a interventoria paulista. Iniciou-se então no estado um conturbado
período político-administrativo, em que se tornou cada vez mais agudo o conflito
entre as elites paulistas e a orientação tenentista do interventor, respaldado
pelo governo federal. Inicialmente, Valdemar Ferreira e outros líderes do PD
lançaram uma nota de apoio às medidas tomadas por Vargas para a organização do
novo secretariado paulista. No começo de 1931, realizou-se o sétimo congresso
do partido, durante o qual Ferreira foi reeleito para o diretório central. Já
então começava a definir-se na agremiação a tendência de ruptura com João
Alberto, a qual viria a consumar-se com o lançamento de um manifesto publicado
em 5 e 6 de abril desse ano. Valdemar Ferreira foi um dos signatários desse
documento, escrito desde o final de março mas cuja publicação havia sido
sustada a pedido de Vargas. A repressão que se abatera sobre o PD fez com que
fosse precipitada sua divulgação.
Apesar de João Alberto ter pedido demissão do cargo em julho
de 1931, a crise prosseguiu. A nomeação de novos interventores desligados dos
grupos políticos dominantes no estado contribuiu para acirrar os ânimos dos
líderes do PD, que acabaram rompendo com o governo federal em novo manifesto
(13/1/1932). Um mês depois, criou-se a Frente Única Paulista (FUP), que
aproximava os dois partidos tradicionais de São Paulo: PRP e PD. Valdemar Ferreira
foi um dos signatários do manifesto (16/2/1932) em que a nova coligação
proclamava a união na luta pela pronta reconstitucionalização do país e pela
restituição da autonomia ao estado.
Procurando atenuar o descontentamento dos paulistas, Vargas
nomeou, a 7 de março de 1932, o embaixador Pedro de Toledo como interventor no
estado. Toledo reuniu em seu secretariado elementos da FUP e representantes do
tenentismo. Entretanto, apoiada por associações de classe, a FUP o pressionava
para a formação de um secretariado integrado exclusivamente por elementos dos
seus quadros. Para tentar anular essa interferência, Getúlio enviou a São Paulo
Osvaldo Aranha, que deveria impor ao interventor uma reforma do secretariado
conveniente ao governo federal.
Em 22 de maio, quando Aranha chegou à capital do estado, a
FUP conclamou os paulistas a demonstrarem repúdio à ditadura. No dia seguinte,
Pedro de Toledo nomeou um novo secretariado, desvinculado do governo federal,
do qual fazia parte Valdemar Ferreira como titular da Secretaria de Justiça.
Para comemorar o que consideraram um triunfo, as elites políticas estaduais
convocaram uma manifestação de rua. Durante o ato público, estabeleceu-se um
conflito com partidários da Legião Revolucionária de Miguel Costa, tenentista,
do qual saíram mortos quatro estudantes: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo.
As iniciais de seus nomes vieram a formar a sigla MMDC da milícia civil
revolucionária constitucionalista, que teve grande atuação nos acontecimentos
posteriores.
Logo depois desses fatos, Valdemar Ferreira mandou promulgar
os decretos de reforma de Miguel Costa e de seu substituto eventual, nomeando
Júlio Marcondes Salgado para o cargo de comandante-geral da Força Pública. Em
junho de 1932, viajou para o Rio de Janeiro a convite de Vargas, a fim de
participar de uma conferência à qual também compareceu o presidente do PD,
Francisco Morato. Nessa ocasião, Vargas renovou sua promessa de não modificar o
secretariado paulista; por sua vez, os líderes do PD admitiram a possibilidade de
um novo entendimento entre São Paulo e o governo federal.
No entanto, as negociações para solucionar a crise
fracassaram e, a 9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo a revolução. Pedro de Toledo manifestou o propósito de passar o governo a Valdemar
Ferreira, mas foi desaconselhado pelos chefes militares do movimento, liderados
pelo coronel Euclides de Oliveira Figueiredo. No dia seguinte, Toledo foi
aclamado governador do estado. Nessa oportunidade, Valdemar Ferreira anunciou,
da sacada do palácio governamental, que o ato então realizado atendia “às
aspirações do povo, do Exército e da Força Pública”.
Em 10 de agosto, em plena guerra civil, Ferreira recebeu um
telegrama do político gaúcho Maurício Cardoso, ex-ministro da Justiça, que lhe
transmitia uma proposta de paz feita por Vargas. No dia 17, respondeu ao
telegrama afirmando que, se o governo federal cumprisse a promessa de
constitucionalizar o país e assumisse uma posição correspondente à expectativa
de todos, São Paulo estaria disposto a colaborar com a pacificação geral.
Entretanto,
foi somente nos últimos dias de setembro, com a debilitação das forças
paulistas, que Bertoldo Klinger, comandante-em-chefe dos revolucionários,
telegrafou ao governo federal pedindo a paz. Embora os enviados de Klinger não
tivessem aceitado as condições propostas por Vargas, concordaram com elas os
representantes da Força Pública de São Paulo, cujo comandante, o coronel
Herculano de Carvalho e Silva, depôs Pedro de Toledo no dia 2 de outubro. Na
mesma data, Valdemar Ferreira e os outros membros do secretariado lançaram um
manifesto em que prestavam contas de sua atuação durante o conflito.
Logo
depois, Ferreira seguiu para o exílio em Lisboa, em cuja universidade regeu o
curso de direito comercial. Em 1933, tornou-se doutor honoris causa dessa
instituição. No mesmo ano, de volta ao Brasil, tornou-se presidente do PD até
sua extinção, em 24 de fevereiro de 1934. Nessa data, participou da criação do
Partido Constitucionalista, fundado por Armando de Sales Oliveira, então
interventor em São Paulo, e que fundia o PD, a Federação dos Voluntários e a
Ação Nacional. De junho a dezembro de 1934 foi diretor da Faculdade de Direito
de São Paulo. Com a criação, nesse mesmo ano, da Universidade de São Paulo
(USP), que incorporou a Faculdade de Direito, tornou-se também catedrático de
história do direito nacional, posto que iria ocupar até 1937.
Em 14 de outubro de 1934, elegeu-se deputado federal por São
Paulo na legenda do Partido Constitucionalista, tendo assumido a cadeira em 3
de maio de 1935. Durante essa legislatura, tornou-se líder da bancada
constitucionalista na Câmara e presidente da Comissão de Constituição e
Justiça. Formulou projetos, muitos dos quais transformados em lei, sob o
casamento religioso de efeitos civis, as duplicatas comerciais (1936) e os
loteamentos e a venda de terrenos a crédito (1937).
Foi um dos deputados presos após a instalação do Estado Novo,
em novembro de 1937. Em janeiro de 1939, atingido pelo artigo 177 da Carta
Constitucional, perdeu sua cátedra na Faculdade de Direito de São Paulo,
voltando à atividade somente em maio de 1941.
Destacou-se em São Paulo no movimento de resistência à
ditadura. Em meados de dezembro de 1944, foi a Buenos Aires na condição de
presidente do Partido Constitucionalista, agora clandestino. O objetivo da
viagem era o de conseguir a assinatura de Armando Sales e outros companheiros
para o manifesto no qual seria apresentado à nação o nome do brigadeiro Eduardo
Gomes como concorrente a uma futura eleição presidencial.
A possibilidade do pleito e a existência já consumada da
candidatura de Eduardo Gomes levaram as forças políticas a se congregarem em
partidos, cuja emergência foi permitida pelo Ato Adicional nº 9 (28/2/1945).
Valdemar Ferreira se engajou no movimento de oposição a Getúlio Vargas que deu
origem à criação da União Democrática Nacional (UDN). Em abril de 1945,
participou da primeira reunião do diretório central dessa agremiação, quando
foram nomeadas as comissões para a elaboração do primeiro projeto de estatutos
da UDN. Nessa ocasião, foi designado membro da comissão de orientação política
do partido. Em 17 de agosto aprovaram-se os estatutos e nomeou-se o primeiro
diretório da UDN. Valdemar Ferreira foi escolhido para participar da comissão
executiva.
Presidente da seção paulista da UDN até 1948, elegeu-se
suplente de deputado federal em 1950. Em 1951 reassumiu a cátedra de história
do direito nacional na Faculdade de Direito de São Paulo. Em 17 de março de
1952, assumiu uma cadeira na Câmara, onde permaneceu até o fim da legislatura,
em 31 de janeiro de 1955. Nesse ano aposentou-se, por limite de idade, em ambas
as cátedras que exercia, sendo homenageado com o título de professor emérito da
Faculdade de Direito.
Em 1958 ganhou o prêmio Moinho Santista dedicado às ciências
especulativas. Conquistou também o Prêmio Teixeira de Freitas, do Instituto dos
Advogados Brasileiros.
Morreu em São Paulo no dia 10 de agosto de 1964.
Foi casado com Vanda de Paula Ribeiro Ferreira. Sua filha
Wally casou-se com Herbert Levy, deputado federal por São Paulo em várias
legislaturas a partir de 1947.
Escreveu grande número de obras, a maioria das quais
relativas ao direito comercial: Estudos de direito comercial (1919),
Manual do comerciante (1919), Os credores privilegiados e o direito de
pedir falência (1919), O menor comerciante (1919), A hipoteca
naval no Brasil (1919), Sociedade por cotas (1925), Sociedades comerciais
irregulares (1927), Curso de direito comercial (2v., 1927), Da
responsabilidade civil da massa falida por culpa de seus representantes (1927),
Congregação da Faculdade de Direito de São Paulo, na centúria de 1827 a 1927 (1928), A concordata terminativa na falência anterior à lei nova e a sua sujeição
ao regime desta (1930), A responsabilidade por acidente no transporte
gracioso por automóvel (1930), A nova lei de falência e sua elaboração
(1930), O requerimento doloso de falência e a obrigação de indenizar (1931),
A suspensão dos embarques de café e os contratos de compra e venda (1931),
O comércio marítimo e o navio (1931), As sesmarias e as terras devolutas
(1931), O endosso pignoratício de conhecimentos ferroviários (1931),
O conhecimento de transportes ferroviários (1932), As diretrizes
do direito mercantil brasileiro (1933), A responsabilidade do sócio
comanditário (1933), Tratado de direito mercantil brasileiro (4v.,
1934-1943), Tratado de direito comercial brasileiro (1934), Questões
de marcas de fábricas (1935), O casamento religioso de efeitos civis (1935),
O estado de assembléia e o estado de guerra (1937), O loteamento e a
venda de terrenos a prestações (2v., 1938), Código das sociedades
comerciais (1938), Princípios de legislação social e direito judiciário
do trabalho (2 v., 1938-1939), Compêndio das sociedades mercantis (1940),
Os Martins Ferreira e os Ribeiro de Bragança, estudo genealógico (1945),
A caução de conhecimentos por comissários de café, História do direito
brasileiro (4v., 1951-1956) e História do direito constitucional
brasileiro (1954).
Regina
Hipólito
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