FREIRE,
Gilberto
*const. 1946; dep. fed. PE 1946-1951.
Gilberto de Melo Freire
nasceu em Recife no dia 15 de março de 1900, filho de Alfredo Freire e de
Francisca de Melo Freire. Seu pai foi magistrado e professor catedrático de
humanidades e de direito na Faculdade de Direito do Recife.
Fez seus primeiros estudos com professores particulares, o
inglês mr. Williams e a francesa madame Meunir, além de ter tido
aulas de desenho com Jerônimo José Teles Júnior. De acordo com seu depoimento,
até os oito anos de idade não tinha aprendido a ler e escrever, expressando-se
facilmente, porém, através do desenho e pintura.
Realizou os estudos secundários no colégio norte-americano
Gilreath de Pernambuco, concluindo-os em 1917. Essa experiência fez com que se
transferisse em seguida para os Estados Unidos.
Lá, ingressou na Universidade de Baylor, Texas,
bacharelando-se em ciências políticas e sociais em 1920. Fez ainda
pós-graduação em ciências políticas, jurídicas e sociais na Universidade de
Colúmbia, em Baltimore, onde teve como professores o antropólogo Franz Boas e o
sociólogo Franklin Henry Giddings, que tiveram grande influência na sua
formação intelectual. Conviveu ainda, nos Estados Unidos, com o filósofo John
Dewey e com os poetas William Butler Yeats, Vachel Lindsay e Amy Lowell.
Defendeu em 1922 tese de mestrado intitulada Social life in the middle
of the 19th century, que versava sobre o escravo na sociedade brasileira,
tendo dela se originado a sua obra mais famosa, Casa-grande & senzala. Ainda
na Universidade de Colúmbia, doutorou-se em letras.
Após
concluir seus cursos nos Estados Unidos, percorreu a Europa em viagem de
estudos, permanecendo por mais tempo em Paris e em Oxford, na Inglaterra, onde
entrou em contato com representantes das diversas correntes filosóficas,
literárias e artísticas da época. Conviveu com imagistas, expressionistas,
modernistas, com os intelectuais do grupo Péguy (de Charles Péguy, intelectual
católico) da Action Française e com os representantes da corrente
chestertoniana católica (vinculada ao escritor inglês Chesterton), cuja
influência se fez presente nos valores regionalistas que viria assumir na sua
obra. Freqüentou ainda cursos e conferências sobre antropologia, absorvendo a
influência da corrente de antropologia cultural, então dominante em Oxford, no
que se referia à valorização da cultura na interpretação dos fenômenos sociais.
Retornando ao Brasil em 1923, dois anos mais tarde, organizou
o livro comemorativo do primeiro centenário do Diário de Pernambuco e o
I Congresso Brasileiro de Regionalismo, de tendências contrárias às da Semana
de Arte Moderna realizada três anos antes em São Paulo. Durante esse congresso lançou seu Manifesto regionalista, base de um
movimento cultural ao qual se ligaram os escritores nordestinos José Américo de
Almeida, Jorge de Lima, Luís Jardim e José Lins do Rego.
Entre
1928 e 1930 lecionou sociologia na Escola Normal de Pernambuco, imprimindo a
orientação da pesquisa de campo ao ensino daquela matéria. Exerceu ainda a
função de secretário particular do governador do estado Estácio Coimbra
(1926-1930), tendo recusado naquela ocasião o cargo de chefe de gabinete que
este lhe oferecera. Recusou também uma candidatura a deputado, cogitada pelos
meios universitários e políticos ligados ao governador. Nesse período, teve
ainda atuação na imprensa, dirigindo a revista Província do Recife.
Com a vitória do movimento revolucionário, em outubro de
1930, que depôs Washington Luís e levou Getúlio Vargas ao poder, Gilberto
Freire partiu para exílio voluntário, acompanhando o governador de Pernambuco
Estácio Coimbra. Viveu dois anos em Portugal, freqüentando museus e bibliotecas
e desenvolvendo trabalhos de pesquisa que lhe permitiram aprofundar seus
conhecimentos sobre os primeiros tempos do Brasil colonial.
Em 1932 foi professor visitante na Universidade de Stanford,
na Califórnia (EUA). Tendo acesso a bibliotecas, museus e arquivos
norte-americanos, recolheu novos elementos para suas pesquisas em obras raras
de viajantes estrangeiros que haviam visitado o Brasil. No ano seguinte, já de
volta a Recife, concluiu e publicou Casa-grande & senzala.
Em
1934 recebeu o Prêmio Filipe d’Oliveira de Literatura e organizou o I Congresso
Afro-Brasileiro de Estudos. No ano seguinte, foi designado pelo ministro da
Educação, Gustavo Capanema, para a função de professor extraordinário de
sociologia da Faculdade de Direito do Recife. Ainda em 1935, foi convidado por
Anísio Teixeira, fundador da Universidade do Distrito Federal, para lecionar
nessa instituição. Aí criou as primeiras cátedras de sociologia, antropologia
social e cultural e pesquisa social da universidade brasileira.
Em 1935 Gilberto Freire foi acusado indevidamente pela
polícia de pertencer ao setor cultural da Aliança Nacional Libertadora (ANL),
frente única de oposição ao governo Vargas, organizada em nível nacional e
integrada por comunistas, socialistas, socialdemocratas, antifascistas e
setores militares descontentes, tendo como presidente de honra Luís Carlos
Prestes, dirigente do Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do
Brasil (PCB). Identificados com o espírito oposicionista, vários artigos do
escritor tinham sido reproduzidos pelos jornais ligados àquela organização,
fato que gerou a acusação.
Em
1937, passou a ocupar o cargo de consultor técnico do Patrimônio Nacional, como
perito em Belas-Artes, função que exerceria até 1957.
Em 1938 deixou as cátedras que inaugurara na Universidade do
Distrito Federal, para ministrar cursos como professor-conferencista nas
universidades portuguesas de Coimbra, Lisboa e Porto e na Universidade de
Londres, e ainda dirigir um seminário para pós-graduados sobre sociologia da
escravidão na Universidade de Colúmbia.
Consagrado
como escritor, em 1942 foi eleito para o conselho da American Philosophical
Association e para o conselho dos Archives de Philosophie du Droit et de
Sociologie de Paris.
Com
a deposição de Vargas em 29 de outubro de 1945, encerrou-se o Estado Novo,
período de ditadura inaugurado em novembro de 1937. Devido à atuação que tivera
em prol da redemocratização, Gilberto Freire foi levado a disputar as eleições
daquele ano, concorrendo no seu estado, na legenda da União Democrática
Nacional (UDN), a uma cadeira de deputado na Assembléia Nacional Constituinte
(ANC).
Constituinte e deputado federal (1946-1951)
Eleito em dezembro de 1945, assumiu sua cadeira em fevereiro
do ano seguinte. Como constituinte, apresentou emendas de importância
sociológica ao projeto da Constituição, tendo sido responsável pela redação
final dos dispositivos relativos à ordem econômica e social e aos direitos dos
naturalizados.
Com a promulgação de nova Carta (18/9/1946), passou a exercer
o mandato ordinário. Nessa legislatura integrou a Comissão de Educação e
Cultura da Câmara, participando ativamente das discussões travadas a respeito
do barateamento do livro didático e demonstrando a complexidade da questão.
Depois de ter levado a comissão a proceder a longo inquérito, no qual foram
ouvidos educadores, professores e editores, concluiu pela impossibilidade de se
promover o barateamento desse tipo de livro, caso fossem adotadas somente
medidas relacionadas às atividades editoriais e aos autores, uma vez que o
preço do papel, outro aspecto fundamental do problema, não estaria sendo
considerado. Também em relação à federalização das universidades brasileiras,
debatida naquela comissão, emitiu parecer no sentido de só se federalizarem as
universidades de importância regional ou de amplitude transestadual.
Em julho de 1949 foi aprovado o projeto, por ele apresentado,
de criação do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, com sede em
Recife, “destinado a pesquisar as condições de vida do lavrador e do
trabalhador do norte agrário do país”. Tendo Gilberto Freire à frente, o
Instituto Joaquim Nabuco iria transformar-se numa das mais importantes
instituições de pesquisa em ciências sociais do país. Além desse projeto de
cunho cultural, organizou a pedido do Ministério da Educação e Cultura o Centro
de Pesquisas Educacionais e Sociais para a região Nordeste do Brasil.
Ainda
nesse ano de 1949, representou o Brasil na Assembléia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), tendo sido membro da Comissão Social e Cultural. Seu
discurso, proferido em inglês, concorreu para ampliar a política da ONU, até
então de auxílio exclusivo à Europa. No ano seguinte participou do Conclave dos
Oito, conferência convocada pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) que reuniu em Paris oito especialistas mundiais
em ciências do homem, cada um deles representando uma área de conhecimento, com
a finalidade de estudar as tensões entre os grupos humanos em geral e os
nacionais em particular.
Escritor e homem público
Terminado o mandato de deputado federal em janeiro de 1951,
Gilberto Freire retomou as atividades acadêmicas, bem como as de escritor e de
pensador, que sempre foram as mais marcantes de sua vida pública. Nesse mesmo
ano esboçou, no Instituto Goa na Índia, sua tese do luso-tropicalismo, em que
apresentava sugestões para a criação de uma nova ciência — a tropicologia —,
desenvolvidas no livro lançado dois anos depois, Um brasileiro em terras
portuguesas.
Em 1954 foi nomeado consultor, como antropólogo, da comissão
da ONU sobre relações entre raças na União Sul-Africana. Ainda nesse ano, em
cerimônia realizada na catedral anglo-católica de São João Teólogo, e presidida
pela rainha Elizabeth II da Inglaterra, foi sagrado doutor honoris causa pela
Universidade de Londres.
Em 1955 foi convidado a participar do rádio-simpósio
realizado em Washington sobre o início da civilização atômica, ao lado de
Winston Churchill, Jacques Maritain, Walt Disney, Carl Jung, Bertrand Russel,
Arnold Toynbee, Le Corbusier e outros. Cada participante traçou as perspectivas
de desenvolvimento de sua arte ou ciência para o meio século vindouro, cabendo
a Gilberto Freire discorrer sobre a sociologia mundial.
Em
1956 foi recebido com distinções especiais por diversas universidades européias
— Oxford, Cambridge, Edimburgo, St. Andrews, Londres (Inglaterra), Glasgow
(Escócia), Madri, Escorial e Salamanca (Espanha), Sorbonne (França),
Heidelberg, Munster (Alemanha Ocidental), Utrecht e Real Instituto dos Trópicos
(Holanda) —, tendo proferido conferências e dirigido seminários de estudos
pós-doutorais. Participou como um dos quatro conferencistas convidados da
Reunião Mundial de Sociólogos, realizada em Amsterdã, na Holanda ao lado dos
professores Leopold von Wiese (da Universidade de Colônia, Alemanha), Morris
Ginsberg (da Universidade de Londres) e Georges Davy (da Sorbonne). Ainda nesse
ano escreveu artigos nas áreas de antropologia e sociologia para The Encyclopaedia
Americana e proferiu conferência em inglês sobre a civilização tropical do
Brasil no Third Programme, da British Broadcasting Company (BBC),
emissora radiofônica de Londres.
Em
1957 Gilberto Freire recebeu nos Estados Unidos o Prêmio Anisfield-Wolf para o
melhor trabalho mundial sobre relações entre raças, conferido à segunda edição
inglesa de Casa-grande & senzala. Nesse mesmo ano proferiu uma
conferência sobre a interpretação sociológica da história do homem em geral, e
principalmente “do homem situado nos trópicos”, no Colégio Pio-Brasileiro da
Universidade Gregoriana de Roma. No ano seguinte foi convidado a voltar à
Alemanha para ocupar uma das cadeiras de ciências políticas e sociais na
Universidade de Berlim e para proferir conferência nas universidades de Bonn,
Heidelberg e Colônia.
Ainda durante a década de 1950, sua obra foi tema de
seminário realizado no castelo de Cerisy, na França, do qual participaram os
professores Gouthier, Georges Gurvitch, Bourdon e Roger Bastide, da Sorbonne.
Nos primeiros anos da década de 1960 Gilberto Freire recebeu
várias homenagens no Brasil e no exterior. Em 1960 foi agraciado com o Prêmio
da Academia Brasileira de Letras (ABL), conferido ao conjunto de sua obra. No
ano seguinte recebeu o de excelência literária da Academia Paulista de Letras.
Em 1962, recebeu o Prêmio Machado de Assis da ABL, e o grau de doutor máximo
pela Universidade de Colúmbia, ao qual se seguiram outros doutoramentos, pelas
universidades de Coimbra, Sorbonne, Sussex (Inglaterra), Munster e ainda pelas
universidades federais do Rio de Janeiro e de Pernambuco.
Partidário do movimento político-militar de 31 de março de
1964, que depôs o presidente João Goulart e estabeleceu uma nova ordem
institucional no país, Gilberto Freire tornou a receber convites para
desempenhar cargos no governo, desta vez os de ministro da Educação e Cultura e
de embaixador do Brasil junto à UNESCO, os quais recusou “para melhor
dedicar-se à atividade de escritor”.
Ainda em 1964, recebeu no Brasil o Prêmio Moinho Santista de
Ciências Sociais.
Depois de diversas recusas a convites para ocupar cargos
públicos, passou a integrar, em 1969, o Conselho Federal de Cultura, a pedido
do presidente Emílio Garrastazu Médici e do ministro da Educação Jarbas
Passarinho, que consideravam sua presença naquele órgão “um imperativo da
cultura brasileira”.
Em
1971 recebeu o título de doutor honoris causa em filosofia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e foi agraciado com o título de sir
— cavaleiro comandante do Império britânico — pela rainha Elizabeth II. No
ano seguinte, foi homenageado pela Universidade Federal de Pernambuco com o
título de doutor honoris causa em ciências jurídicas e sociais.
Ainda em 1972, foi solicitado pela Aliança Renovadora
Nacional (Arena), partido governista, a elaborar um documento de análise
sociológica como contribuição ao programa político daquele partido. Ao elaborar
o documento, recebeu fortes críticas por parte de intelectuais de esquerda.
Em 1973 recebeu o título de professor honorário da
Universidade Federal da Paraíba e o troféu Novo Mundo, de São Paulo, por “obras
notáveis em sociologia e história”. No ano seguinte foi distinguido pelo México
com a medalha José Vasconcelos, conferida anteriormente a personalidades como
Salvador de Madariaga e Jorge Luis Borges.
Durante o governo do general Ernesto Geisel, em 1976, quando
a sociedade brasileira vivia os primeiros momentos da distensão política, Gilberto
Freire passou a aparecer com freqüência nos principais jornais do país,
sendo-lhe solicitados, quase sempre, depoimentos acerca da sua visão sobre a
política nacional do período inaugurado em março de 1964. Na realidade, suas
opiniões foram sempre controvertidas, tendo muitas vezes servido para despertar
crítica nos setores contrários ao regime, assim como para inspirar apoio e
reconhecimento nos setores mais conservadores da sociedade. Ele mesmo se
autodefiniu como “um anarquista construtivo (dispensando as bombas e os
atentados), à la Bertrand Russel e à la George Sorel”. Assim
em abril daquele ano, declarou-se a favor de um Estado “assistencialista,
não-patriarcal” e de um “planejamento flexível, sem tecnocracia nem
centralização”. Chamou atenção, porém, para a “conjuntura internacional”, que
estaria obrigando a uma “centralização circunstancial necessária” para que o
Brasil enfrentasse “certos perigos de ordem internacional”.
Em fevereiro de 1977, por ocasião da entrega do manifesto dos
intelectuais contra a censura ao ministro da Justiça Armando Falcão, Gilberto
Freire — que não assinara o documento — declarou concordar “em termos com o que
diziam os signatários”, afirmando que o teria assinado, “embora com muitas
restrições”, principalmente porque teria faltado “representatividade ao
documento para expressar os pontos de vista da intelectualidade brasileira”
devido à ausência de nomes importantes. Por outro lado, também criticou certos
aspectos do documento, como a aparente recusa a qualquer ação da censura contra
o erotismo e a violência nos meios de comunicação, pois “um pronunciamento
sobre o assunto em termos assim radicais” lhe parecia “inadequado”, diante de
“abusos lamentáveis” freqüentemente observados.
No
I Encontro Nacional de Cultura realizado em Salvador, durante o mês de julho,
mostrou-se também favorável à vigência do Ato Institucional nº 5 (13/12/1968),
por considerá-lo “uma necessidade de autodefesa do regime contra os reflexos de
uma situação internacional de conflito entre as superpotências”.
Em
novembro de 1979 desligou-se da Universidade Federal de Pernambuco onde
ministrava o seminário de tropicologia, devido ao fato da candidatura do
professor pernambucano Rubens Sousa, que defendia para a reitoria da
universidade, ter sido preterida em favor do professor paraibano Geraldo
Lafayette.
Quando completou 80 anos de idade em março de 1980, Gilberto
Freire, trabalhando ainda no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, que
se transformara em fundação naquele ano, foi homenageado pelo Conselho Federal
de Cultura, em sessão presidida pelo ministro da Educação, Eduardo Portela,
pela Assembléia Legislativa de Pernambuco e pela Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC). Afirmando que até aquela data “ele não era
cientista para a SBPC”, disse ao mesmo tempo que se sentia “recompensado”
naquele momento.
Nesta
ocasião, emitiu sua opinião sobre algumas pessoas públicas, destacando-se entre
elas, o presidente João Batista Figueiredo: “O que me encanta é a sua
espontaneidade. É o fato de dizer coisas que o político convencional não
diria”; o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva: “Confesso que tenho uma forte
simpatia por ele. Espero que continue a exercer liderança no setor sindical e
que esta estimule outros lulas”, e Fernando Henrique Cardoso: “Um dos marxistas
brasileiros, que é marxista, sem deixar de ser admiravelmente lúcido.” Em
entrevista revelou que estava escrevendo um novo livro — À procura do menino
perdido — no qual procurava reencontrar o menino que foi.
Antigo
partidário do “movimento de 1964”, 20 anos mais tarde, em novembro de 1984,
passou a criticar o regime militar, considerando-o a expressão de um
“tecnocracismo economicista”, que culminou “no brilhante professor Delfim Neto,
que foi um fracasso na prática economicista”. Ao declarar que o tecnocracismo
foi responsável por uma crise ética no país, apontou o ex-governador de Minas
Gerais Tancredo Neves como o homem ideal “para conciliar o Brasil, tão
desarmonizado”.
No 2º Congresso Brasileiro de Psicanálise sobre o tema “O que
é o Brasil”, promovido pela Causa Freudiana do Brasil, em outubro de 1985,
Freire propôs uma psicanálise dos homens públicos brasileiros, dos sacerdotes e
dos educadores. Sugeriu a inclusão desta ciência na Constituição brasileira e
ressaltou a necessidade da psicanálise para que o país se encontrasse como
nação. Neste contexto, analisou o ministério do governo José Sarney, afirmando
que o Brasil não conhecia seus ministros e estes não conheciam o seu país.
Declarou-se um dos veteranos da aplicação da psicanálise à
reinterpretação da formação social brasileira, por ter utilizado Freud em uma
de suas principais obras, Casa-grande & senzala. Chamou a atenção
para a tendência dos brasileiros de quase “divinização” dos doutores em
direito, observando que para qualquer problema sempre se propôs “a solução
jurídica, nunca a social”.
Em março de 1987 foi criada a Fundação Gilberto Freire, para
a qual doou sua casa no bairro de Apipucos, construída no século XIX, com todo
acervo, composto por mais de 20 mil livros, documentos e obras de arte.
O
estudo da obra de Gilberto Freire foi incluído nos cursos de literatura da
Sorbonne, na França, e da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. As
ciências especiais que propôs para o estudo sistemático do desenvolvimento das
sociedades de origem ibérica das áreas tropicais — a tropicologia, a
hispanologia e a lusotropicologia — começaram a ser adotadas por cursos
ministrados na Universidade do Recife, no Instituto de Altos Estudos
Ultramarinos e na Escola Normal de Lisboa.
Gilberto
Freire dirigiu por dois anos o jornal A Província, de Recife, e
foi colaborador da revista O Cruzeiro e dos Diários Associados. Escreveu
também para as revistas The American Scholar, Foreign Affairs e
Atlantic Monthly, dos Estados Unidos; The Listener e Progress, de
Londres; Diogène e Cahiers d’histoire mondiale, de Paris; Revista
de História de América, do México; e Kiklos, da Suíça. Foi
adstrito honorário de sociologia da Universidade de Buenos Aires, membro
honorário do Instituto de Cultura Hispânica de Madri e do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, e membro do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico Pernambucano. Integrou os conselhos diretores da Sociedade Marc
Bloch para o Estudo das Civilizações, de Paris; do Instituto Internacional de
Civilizações Diferentes, em Bruxelas, Bélgica; do Royal Anthropological
Institute, de Londres; da Academy of Science and Arts, de Boston, nos Estados
Unidos; e da Académie de Sciences, de Paris.
Suas
principais obras foram: Apologia pro generations sue (1924), A
propósito de Pedro II (1925), Bahia de Todos os Santos e todos
os pecados (1926), Casa-grande & senzala (1933, com 17 edições,
e traduções em espanhol, inglês, francês, alemão e italiano); Guia prático,
histórico e sentimental da cidade do Recife (1934), Sobrado e
mocambos (1936, traduzido nos Estados Unidos e na Inglaterra), Nordeste
(1937, com traduções em espanhol, francês e italiano), Olinda — 2º
guia prático, histórico e sentimental de cidade brasileira (1939),
Açúcar (1939), Um engenheiro francês no Brasil (1940), O mundo
que o português criou (1940), Região e tradição (1941),
Problemas brasileiros de antropologia (1943), Perfil de Euclides e
outros perfis (1944), Sociologia I (introdução ao estudo dos seus
princípios, 1945), Interpretação do Brasil (1945), Ingleses no Brasil
(1948), Quase política (1950), Um brasileiro em terras portuguesas
(1953), Aventura e rotina (1953), Assombrações do Recife velho
(1955), Ordem e progresso (1959), O velho Félix e suas
“Memórias de um Cavalcanti” (1959), New world in the tropics (1959,
com traduções no Brasil e no Japão), Talvez poesia (1962), Dona Sinhá
e o filho padre (1964, com tradução nos Estados Unidos e editado também em
Portugal), Alhos e bugalhos (1978) e Prefácios desgarrados
(1978).
Sobre
ele foram escritos os livros Gilberto Freire (1944), de Diogo de Melo
Meneses; Gilberto Freire: uma ciência, sua filosofia, sua arte
(1962), obra comemorativa do jubileu de prata de Casa-grande & senzala, editado
pela José Olímpio, e Gilberto Freire na UnB (1981).
Por ocasião de sua morte, a 18 de julho de 1987, o prefeito
de Recife, Carlos Wilson Campos, decretou luto oficial de três dias.
No ano seguinte, em outubro, foi lançada sua última obra na
Academia Brasileira de Letras — Ferro, civilização no Brasil, concluída
em 1985.
Era casado com Madalena Guedes Pereira de Melo Freire, com quem teve dois filhos.
No décimo ano de sua morte, em julho de 1997, considerado o
precursor da chamada história da vida privada, suas obras continuaram
suscitando discussões. O sociólogo Otávio Ianni comparou-o com Oliveira Viana,
considerando-os dois pensadores da história brasileira de tradição autoritária.
Para Ianni, Gilberto Freire deslocou o foco do preconceito do branqueamento
racial, presente em Oliveira Viana, para o branqueamento social. Já o
antropólogo Roberto da Mata, discípulo de Freire, contestou esta tese,
destacando que para Gilberto Freire “não basta olhar os antagonismos, mas a
relação entre esses antagonismos”. Na sua opinião, “o Brasil tem de ser
entendido pela sociedade patriarcal branca, mas também pelos escravos”.
FONTES: BEHAR, E. Vultos;
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