PARTIDO
AUTONOMISTA DO DISTRITO FEDERAL
Partido
político do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, fundado em 4 de março de
1933 em conseqüência da convocação de eleições para a Assembléia Nacional
Constituinte. Foi extinto junto com os demais partidos do país pelo Decreto nº
37, de 2 de dezembro de 1937.
O Partido Autonomista foi organizado por uma comissão
integrada por Pedro Ernesto Batista (então interventor no Distrito Federal),
Pedro Aurélio de Góis Monteiro, João de Mendonça Lima e João Alberto Lins de
Barros. Obteve total apoio de Getúlio Vargas, que viu na nova organização uma
possibilidade de reconciliação entre os “tenentes” e os políticos que
contestavam o Governo Provisório. Essa expectativa baseava-se no grande
prestígio de que gozava Pedro Ernesto, tanto entre as forças tenentistas como
entre a população do Distrito Federal.
Programa
A principal meta do Partido Autonomista era defender na
Constituinte a autonomia política e administrativa da capital da República,
entendendo-se por autonomia o direito de o povo carioca eleger seu prefeito e
possuir um corpo legislativo semelhante às assembléias estaduais. Até então, o
prefeito do Distrito Federal era nomeado pelo presidente da República entre
seus próprios conterrâneos, o que fazia com que o Rio de Janeiro já de longa
data estivesse sendo administrado por políticos estranhos a seus problemas.
O
programa partidário defendia ainda os seguintes princípios: a instauração de um
governo parlamentar com duas câmaras, uma política e legislativa e a outra
profissional, eminentemente técnica; a organização do trabalho de maneira a se
estabelecer a colaboração entre empregados e empregadores; a criação de
sindicatos como órgãos de representação profissional, defendendo o empregado ou
o empregador dentro da legislação vigente; a criação de um tribunal de
conciliação para as contendas sindicais previstas em lei; a assistência aos
trabalhadores, artistas, intelectuais e cientistas; a colocação da ciência a
serviço do Estado e da coletividade, e o estabelecimento da escola única, com
ensino primário obrigatório e ensino profissional gratuito. O Partido
Autonomista considerava também a família como base da organização social.
Atuação
Logo após a publicação do manifesto que lançou as bases para
a organização do Partido Autonomista, alguns jornais criticaram o fato de não
haver nenhum carioca na comissão organizadora. Respondendo às críticas, Góis
Monteiro declarou que “os cariocas viriam depois”, pois o partido havia sido
criado como parte integrante da União Cívica Brasileira, organização de âmbito
nacional destinada a aglutinar as forças tenentistas nos diversos estados para
as eleições de maio de 1933.
O
Partido Autonomista aglutinou de fato vários dos chefes políticos do Rio, como
Cesário de Melo e o padre Olímpio de Melo, que tinha grande representatividade
junto aos movimentos operários católicos da Zona Norte da cidade. Outras
figuras de destaque nos quadros partidários foram João Jones Gonçalves Rocha,
Augusto do Amaral Peixoto Júnior, Luís Aranha, Berta Lutz, Olegário Mariano,
Heitor Vila-Lobos e Ernesto Pereira Carneiro.
Os principais veículos de difusão e propaganda do partido e
de seus candidatos à Assembléia foram os jornais O Radical e Jornal do Brasil,
além da Rádio Mayrink Veiga, na época muito popular.
Dos dez representantes do Distrito Federal na Constituinte,
seis foram eleitos pelo Partido Autonomista: João Jones Gonçalves Rocha, Rui
Santiago, Augusto do Amaral Peixoto Júnior, Ernesto Pereira Carneiro, Valdemar
de Araújo Mota e Olegário Mariano.
Através da propaganda maciça e do trabalho de porta em porta
feito pelas lideranças de bairro, pelos chefes políticos e pelos cabos
eleitorais, o Partido Autonomista formou bases sólidas em quase todos os
bairros do Rio e sobretudo nas favelas, onde a imagem de “médico bondoso”
cultivada por Pedro Ernesto lhe garantia grande popularidade. Entre agosto e
outubro de 1934, o partido lançou seu próprio jornal, intitulado O Autonomista.
Nas eleições de outubro de 1934 para a Câmara Federal e para
a Câmara Municipal, o Partido Autonomista obteve maioria de votos, elegendo
seis deputados federais (a mesma bancada da Assembléia Constituinte) e 20 dos
24 vereadores. A maioria na Câmara Municipal permitiu igualmente a vitória de
Pedro Ernesto, que se tornou o primeiro prefeito constitucional eleito do
Distrito Federal. Já a eleição dos dois senadores provocou divergências entre
os autonomistas. Um grupo de vereadores, sob a liderança de Augusto do Amaral
Peixoto, se opôs à candidatura de Jones Rocha, que contava com o apoio de
Cesário de Melo. Finalmente, porém, a Câmara Municipal elegeu para o Senado
Cesário de Melo e Jones Rocha.
O programa político de Pedro Ernesto ao assumir a prefeitura
foi considerado por seus adversários — e mesmo por muitos autonomistas — como
um programa de tendências socializantes. Com isso, iniciaram-se as críticas e
instalou-se a oposição ao prefeito.
Os problemas de Pedro Ernesto haviam-se iniciado na verdade
em março de 1934, quando do lançamento do manifesto assinado por Juarez Távora,
Osvaldo Aranha, Góis Monteiro, José Américo e outros, de crítica à Constituinte
e ao processo de reconstitucionalização. Pedro Ernesto opusera-se na ocasião a
Góis Monteiro, passando em seguida a articular várias associações de sargentos
para combater a candidatura deste à presidência da República, sugerida por
alguns políticos mineiros e pelo Clube 3 de Outubro.
Por outro lado, visando a diminuir a importância de Filinto
Müller à frente da polícia do Distrito Federal, Pedro Ernesto propusera a
formação de uma guarda municipal. Essa guarda foi de fato formada, e os 1.500
novos empregos criados foram distribuídos entre os chefes do Partido
Autonomista, gerando uma onda de protestos e uma queda de popularidade dos
autonomistas junto às classes médias.
A tentativa de estabelecer uma coalizão liberal na prefeitura
levou Pedro Ernesto a procurar integrar em sua administração até mesmo
elementos ligados ao Partido Comunista Brasileiro. Essa atitude, além de
aumentar a desconfiança nos círculos militares a partir de 1935, começou a
indispor Pedro Ernesto com o próprio Getúlio Vargas.
A oposição a Pedro Ernesto acentuou-se quando, em março de
1935, a prefeitura cedeu o Teatro João Caetano para a sessão inaugural da
Aliança Nacional Libertadora, durante a qual Luís Carlos Prestes foi proclamado
presidente de honra da organização.
A
intensificação da repressão governamental aos movimentos operários, observada
também a partir de 1935, levou Pedro Ernesto a assumir a defesa das
organizações trabalhistas, e até mesmo a apoiar algumas greves. Com isso, o
Partido Autonomista se afastou das forças armadas, da Igreja e de parte da
classe média.
Formou-se então dentro do próprio Partido Autonomista um
grupo de oposição a Pedro Ernesto, liderado pelo padre Olímpio de Melo e Luís
Aranha. O prefeito tentou a pacificação, apresentando um novo programa
partidário que foi no entanto bastante criticado por Augusto do Amaral Peixoto,
Átila Soares, o próprio padre Olímpio e Luís Aranha.
A Revolta Comunista desencadeada a 27 de novembro de 1935 no
3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, veio trazer alterações
importantes na política do Distrito Federal. Mantendo-se ao lado do governo
central, em 26 de novembro Pedro Ernesto preveniu Vargas do levante. No
entanto, as acusações de envolvimento de alguns secretários da prefeitura
levaram Anísio Teixeira a demitir-se da Secretaria de Educação. Através de seus
senadores, o Partido Autonomista hipotecou pouco depois sua solidariedade a
Vargas pela debelação do movimento.
Entretanto,
decepcionado com a política desenvolvida por Vargas e convencido de que este
não apoiaria um programa liberal de governo, Pedro Ernesto passou a demonstrar abertamente
sua oposição ao governo federal. Em fevereiro de 1936, o prefeito carioca
visitou o governador gaúcho Flores da Cunha. Em março, o Grêmio Político Amigos
do Dr. Pedro Ernesto reivindicou a realização de um plebiscito para a escolha
do sucessor de Vargas.
Ainda
no mês de março, Pedro Ernesto anunciou uma nova reorganização do Partido
Autonomista, dessa vez com base num programa liberal que visava a angariar a
simpatia da classe média e deixava de lado o caráter trabalhista do programa
anterior. A nova plataforma defendia a liberdade de manifestação, a liberdade
de imprensa, o governo liberal democrático, a segurança pessoal e pública da
população, a socialização das utilidades públicas básicas, a melhoria das
condições de vida do povo, o respeito aos direitos humanos e o desenvolvimento
de uma consciência nacional.
Esse
programa provocou o rompimento de Pedro Ernesto com os grupos de esquerda, que
passaram a acusá-lo de traidor da classe operária. Ao mesmo tempo, os grupos de
direita acusavam o prefeito de ter liderado — junto com Anísio Teixeira — a
Revolta Comunista. Em meio a pressões opostas, Pedro Ernesto ainda assim
recebeu a solidariedade de vários deputados e vereadores do Partido
Autonomista.
A 3 de abril de 1936, Pedro Ernesto foi preso, acusado de
participação no levante comunista de novembro do ano anterior. Após sua prisão,
os autonomistas entraram numa fase de grande desarticulação. O partido se
dividiu numa ala pró-Pedro Ernesto, chefiada por Jones Rocha, e numa ala de
oposição, encabeçada pelo padre Olímpio de Melo, que, por ser presidente da
Câmara Municipal, assumiu a prefeitura.
Pouco
tempo depois, porém, o padre Olímpio perdeu o apoio da Câmara Municipal, bem
como o controle do Partido Autonomista. Luís Aranha, aliado a Amaral Peixoto e
a Cesário de Melo, liderou o movimento que tinha por fim diluir a importância
política do padre Olímpio.
Em
janeiro de 1937, surgiram rumores de uma intervenção no Distrito Federal, cujas
razões estariam ligadas à possível absolvição de Pedro Ernesto pelo Tribunal de
Segurança Nacional. Essa absolvição poderia trazer de volta Pedro Ernesto à
prefeitura, o que não interessava a seus adversários. A intervenção teria
portanto um duplo fim: eliminar definitivamente a influência de Pedro Ernesto e
unir o Partido Autonomista em torno de um líder que apoiasse o candidato do
Catete à sucessão de Vargas. De fato, a intervenção foi decretada no dia 15 de
março, recebendo o título de interventor o próprio padre Olímpio de Melo.
A
oposição ao padre Olímpio — acusado de conduzir uma política antipopular — e a
conseqüente perda de apoio na Câmara Municipal levaram contudo o interventor a
se afastar do cargo, cedendo o lugar a um líder que unisse as forças políticas
cariocas. A escolha recaiu sobre Henrique Dodsworth, membro do Partido
Economista Democrático, cuja principal função seria organizar no Distrito
Federal as forças adeptas da candidatura de José Américo de Almeida à
presidência da República. Logo após sua posse, Henrique Dodsworth promoveu a
aproximação de seu partido com o grupo autonomista liderado por Luís Aranha e
João Alberto.
Os autonomistas ligados a Jones Rocha retiraram-se então do
Partido Autonomista para formar o Partido Libertador Carioca, que deu seu apoio
a Armando de Sales Oliveira, candidato oposicionista à sucessão presidencial.
Em julho de 1937, o Partido Autonomista procurou estabelecer
uma aliança entre José Américo e Pedro Ernesto, organizando com esse fim uma
manifestação de rua para exigir a libertação do ex-prefeito. A 13 de setembro,
Pedro Ernesto foi absolvido e, ao sair da prisão, pronunciou um violento
discurso contra o governo. Apesar das pressões para que apoiasse a candidatura
de José Américo, Pedro Ernesto preferiu lutar por Armando Sales, filiando-se
assim ao Partido Libertador Carioca. Em 13 de outubro, Pedro Ernesto seria
novamente preso.
Pouco depois, a 10 de novembro, foi instaurado o Estado Novo,
ficando suprimidas as câmaras legislativas do país e suspensas as eleições para
a presidência da República.
Alzira Alves de Abreu
FONTES: CONNIFF, M.
Rio; Correio da Manhã (3, 11 e 16/5/35 e 23/6/36); Diário Carioca (22/1 e
15/2/35); Diário da Noite, Rio (22/ 6/33); Diário de Notícias, Rio (12, 16, 17
e 19/2, 9/4, 3/5, 8/7, 4 e 10/9, 1, 2 e 18/12/35, 4, 5 e 7/4, 23/6, 15/7, 15/8,
20/9, 13/10 e 12/12/36 e 26/5/37); DULLES, J. Getúlio; LEVINE, R. Vargas;
Manhã, Rio (7/3/33, 30/8 e 5/9/35); Noite (21/2/33); Radical (7/3/33); SILVA,
H. 1937.