LIMA,
Albuquerque 1
*militar; rev. 1930; min. Interior
1967-1969; ch. Depto. Mat. Bél. Ex. 1970-1971.
Afonso Augusto de Albuquerque Lima nasceu em Fortaleza no dia
22 de agosto de 1909, filho do advogado Joaquim Lima e de Maria Luísa de
Albuquerque Lima. Seu irmão, Estênio Caio de Albuquerque Lima, também militar,
foi comandante do II Exército, sediado em São Paulo, de 1958 a 1961.
Albuquerque Lima sentou praça em abril de 1927, ingressando
na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Ainda
aluno, foi adepto do tenentismo, movimento promovido por jovens oficiais do
Exército, na maioria tenentes e capitães, que, combatendo as oligarquias
dominantes, pretendiam introduzir no país reformas políticas. Tornou-se amigo
de Juraci Magalhães e de Jurandir de Bizarria Mamede, dois importantes líderes
do movimento.
Declarado
aspirante-a-oficial da arma de engenharia em janeiro de 1930, em julho seguinte
foi promovido a segundo-tenente e designado para dirigir as obras de construção
da estrada Macapá-Clevelândia, no atual território do Amapá. Seguia viagem para
assumir suas funções, quando em 3 de outubro, foi surpreendido a meio caminho
pela eclosão da Revolução de 1930. Deixou então o navio em que viajava em
Cabedelo (PB), para juntar-se, em Recife, ao capitão Juarez Távora, chefe do
movimento revolucionário no Nordeste. Entre 3 e 10 de outubro participou de
ações militares em Recife e na Paraíba, deslocando-se em seguida para a Bahia,
comissionado no posto de tenente-coronel, na coluna comandada por Juraci
Magalhães e Agildo Barata. Em 24 de outubro, o presidente Washington Luís foi
deposto pela alta hierarquia militar e substituído por uma junta, formada pelos
generais Augusto Tasso Fragoso e João de Mena Barreto e pelo almirante José
Isaías de Noronha. Em 3 em de novembro, Getúlio Vargas, líder civil da
revolução vitoriosa, foi empossado na chefia do Governo Provisório.
Em
maio de 1931, Albuquerque Lima foi nomeado subcomandante da Brigada Militar de
Pernambuco, atuando sob as ordens de Jurandir Mamede. Em agosto, foi promovido
a primeiro-tenente e, pouco depois, ingressou no Clube 3 de Outubro,
organização criada em maio daquele ano congregando as correntes tenentistas
partidárias do aprofundamento das reformas iniciadas pelo Governo Provisório.
No decorrer de 1931, o clube exerceu forte pressão sobre o governo federal
contra o movimento pela constitucionalização do país, liderado pelos partidos
políticos tradicionais de São Paulo, com o apoio das agremiações de Minas
Gerais e do Rio Grande do Sul. O confronto culminou com a deflagração de um
movimento armado em São Paulo em julho de 1932, conhecido como Revolução
Constitucionalista. Comandando o 3º Batalhão da Brigada Militar de Pernambuco,
Albuquerque Lima participou dos combates ao lado do governo federal e das
forças tenentistas, até a derrota militar dos paulistas, em outubro.
Em seguida, o Governo Provisório convocou eleições para a
Assembléia Nacional Constituinte (ANC), realizadas em maio de 1933, nas quais
as oligarquias regionais saíram vitoriosas, acarretando o início do declínio e
do esfacelamento político do movimento tenentista. Em julho de 1934, a
Assembléia elegeu Vargas presidente da República e promulgou a nova
Constituição, que, apesar de incorporar algumas propostas importantes dos
“tenentes”, consagrou os princípios liberais-democráticos defendidos pelas
oligarquias dominantes do Centro-Sul do país. Albuquerque Lima, que continuava
a exercer o subcomando da Brigada Militar de Pernambuco, foi contra a
promulgação da nova Carta, qualificando-a como “uma defesa dos interesses dos
grupos econômicos de São Paulo”. Em outubro de 1934, foi promovido a capitão.
No ano seguinte, desempenhou importante papel na repressão à
Revolta Comunista promovida pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) —
organização política de âmbito nacional criada em março de 1935 sob a liderança
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), então Partido Comunista do Brasil —,
contando com a participação de vários militares remanescentes do tenentismo. O
movimento foi deflagrado em 23 de novembro pelos sargentos, cabos e soldados do
21º Batalhão de Caçadores, em Natal, e no dia seguinte sublevou-se o 29º
Batalhão de Caçadores, na Vila Militar de Socorro, a 18km de Recife. Na
ausência do comandante da Brigada Militar, Albuquerque Lima substituiu-o no
combate à revolta. Os rebeldes foram derrotados no mesmo dia, tendo os
governistas contado com reforços da Paraíba, Alagoas e do interior de
Pernambuco. No dia 27, duas unidades militares do Rio de Janeiro também se
sublevaram, mas em poucas horas os revoltosos foram derrotados pelas forças
legalistas.
Em
1937 Albuquerque Lima cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e
opôs-se ao golpe que, em 10 de novembro desse ano, instaurou o Estado Novo.
Logo em seguida deixou o subcomando da Brigada Militar de Pernambuco, sendo
deslocado em 1939 para o interior do Paraná, com a missão de dirigir a
construção da estrada Joinville-Curitiba. Em 1941 retornou ao Rio de Janeiro e
em dezembro de 1942 foi promovido a major.
Depois de ter feito, no início de 1944, o curso de instrução
de oficiais da Engineer School, em Fort Belvoir, nos Estados Unidos, participou
da Segunda Guerra Mundial, integrando a Força Expedicionária Brasileira (FEB)
na campanha da Itália. Serviu sob as ordens do coronel José Machado Lopes, como
subcomandante e oficial executivo do 9º Batalhão de Engenharia de Combate, o
primeiro contingente brasileiro a entrar em luta com os alemães. Obteve uma
citação do comandante desse batalhão por seu desempenho na frente de combate,
outra por sua atuação no vale do rio Reno e uma terceira após a vitória de
Belvedere-Castelo.
De 1945 a 1964
Durante
todo o Estado Novo, Albuquerque Lima manteve-se na oposição ao regime de
exceção e, após seu regresso ao Brasil em meados de 1945, foi favorável ao
golpe de Estado que em 29 de outubro desse ano destituiu Vargas do poder. Em
setembro de 1947 foi promovido a tenente-coronel, tendo cursado a Escola de
Estado-Maior de 1947 a 1949. Em 1950 participou do movimento de oposição à
candidatura de Vargas, afinal eleito em outubro desse ano para o segundo
mandato presidencial.
Alcançou
a patente de coronel em junho de 1953 e foi nomeado comandante do 2º Batalhão
Rodoviário, sediado em Lajes (SC), tendo chefiado a construção de um trecho da
BR-2 e de uma ferrovia paralela ao Tronco Principal Sul, ligando o Paraná ao
Rio Grande do Sul. Em 1954, participou da conspiração contra o presidente
Getúlio Vargas, assinando o Manifesto dos coronéis, divulgado em fevereiro.
Esse documento, assinado por 82 coronéis e tenentes-coronéis e dirigido à alta
hierarquia militar, protestava contra a exigüidade dos recursos destinados ao
Exército, condenando a elevação do salário mínimo em 100% e advertindo para a
ameaça comunista. A repercussão foi grande e provocou a demissão dos ministros
da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, e do Trabalho, João Goulart.
Em 24 de agosto de 1954, Vargas suicidou-se e, no mesmo dia, o vice-presidente,
João Café Filho, foi empossado na presidência da República.
A
vitória dos candidatos do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), Juscelino Kubitschek e João Goulart, nas eleições
presidenciais de 3 de outubro de 1955, desencadeou grave crise política no
país, pois as forças que se opunham ao getulismo manifestaram a intenção de
impedir a posse dos eleitos. A crise culminou com a exoneração do ministro da
Guerra, general Henrique Teixeira Lott, que, em 11 de novembro, desencadeou um
movimento visando, segundo seus promotores, barrar a conspiração tramada no
seio do governo e assegurar a posse do presidente eleito. Albuquerque Lima se
opôs a esse movimento, que provocou a queda do presidente interino, Carlos Luz,
e o impedimento de João Café Filho, e, em conseqüência, foi afastado do comando
do 2º Batalhão Rodoviário.
Em
1955 e 1956 exerceu a chefia da Divisão de Planejamento e Coordenação da
Diretoria Geral de Engenharia e Comunicações do Exército e em 1958 passou a
comandar o 1º Grupamento de Engenharia e Construção, sediado em João Pessoa.
Envolveu-se também na conspiração que preparou a Revolta de Aragarças, levante
militar desencadeado em dezembro de 1959 sob a chefia do tenente-coronel-aviador
João Paulo Moreira Burnier e do major-aviador Haroldo Veloso, em protesto
contra os rumos políticos assumidos pelo governo Kubitschek. No entanto, foi
contrário à deflagração do levante, por considerar segura a vitória de Jânio
Quadros, candidato da União Democrática Nacional (UDN) à presidência da
República, nas eleições de outubro de 1960.
Em
1959 e 1960, representou as forças armadas no Conselho de Desenvolvimento do
Nordeste (Codene), assumindo, desde essa época, posições que o caracterizariam
como intransigente e nacionalista, com grande ascendência sobre a oficialidade
jovem do Exército. Ainda em 1960, deixou o comando do 1º Grupamento de
Engenharia e Construção, fez o curso de treinamento em problemas do
desenvolvimento econômico, promovido pela Comissão Econômica para a América
Latina (CEPAL), e participou da criação da Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene), sob a direção do economista Celso Furtado. Em fevereiro
de 1961, logo no início do governo de Jânio, assumiu o cargo de diretor-geral
do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) e coordenou os
serviços de assistência às vítimas das enchentes ocorridas em 1960 e 1961 no
Nordeste.
Em novembro, após a renúncia de Jânio Quadros (25/8/1961),
Albuquerque Lima retornou à tropa. Chefiou o gabinete do Departamento de
Provisão Geral do Exército em 1962 e 1963, e nesse último ano cursou a Escola
Superior de Guerra (ESG). Ao longo desse período participou das conspirações visando
à deposição do presidente João Goulart, sendo preterido algumas vezes na
promoção ao generalato. Como chefe da Divisão de Assuntos Econômicos da ESG,
foi um dos responsáveis pela adesão dessa unidade ao movimento político-militar
de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart.
No governo Castelo Branco
No
dia 15 de abril de 1964, o marechal Humberto Castelo Branco, eleito pelo
Congresso, assumiu a chefia do governo. Logo em seguida, Albuquerque Lima foi
nomeado interventor na Rede Ferroviária Federal (RFFSA), com a missão de
“acabar com a corrupção e a subversão” naquele órgão. Exerceu essa função até
obter sua promoção a general-de-brigada, em julho do mesmo ano. Em 1965,
assumiu a chefia do estado-maior do I Exército, sediado no Rio, então sob o
comando do general Otacílio Terra Ururaí.
A aproximação das eleições estaduais previstas para outubro
de 1965 inflamou os ânimos dos jovens oficiais da chamada “linha dura”, que,
liderados por Albuquerque Lima, congregaram-se na Liga Democrática Radical
(Lider) e passaram a lançar mão de todas as formas de pressão para obstar o
processo eleitoral. Esse projeto vinha se desenvolvendo desde o ano anterior,
quando os coronéis encarregados dos inquéritos policiais-militares (IPMs),
porta-vozes da “linha dura”, tentaram coagir Castelo Branco a manter os poderes
excepcionais que lhe haviam sido conferidos pelo Ato Institucional nº 1 (AI-1),
prorrogando sua vigência, de modo a impedir a posterior eleição de políticos
expurgados pelo movimento de março de 1964.
O
resultado das eleições de 3 de outubro, que deram a vitória aos candidatos
oposicionistas Francisco Negrão de Lima, para o governo da Guanabara, e Israel
Pinheiro, para o de Minas, aliado ao retorno de Kubitschek de seu exílio na
França, motivaram uma conspiração militar para depor Castelo Branco. À frente
da ala radical do Exército e com o apoio de oficiais da Marinha, liderados
pelos almirantes Sílvio Heck e Augusto Rademaker, Albuquerque Lima obteve a
adesão dos regimentos mais poderosos da Vila Militar, no Rio, que em 5 de
outubro entraram em prontidão. A situação de ruptura da unidade militar chegou
a tal ponto que o próprio ministro da Guerra, marechal Artur da Costa e Silva,
foi à Vila Militar conclamar os oficiais sublevados a permanecerem calmos, sob
a promessa de que suas reivindicações seriam levadas ao presidente.
No dia seguinte, 6 de outubro, após prolongada reunião com os
ministros militares, Castelo Branco cedeu, em parte, às pressões da ala radical
do Exército. Solicitou ao Congresso a aprovação de um elenco de medidas que,
além de tornar indiretas as eleições presidenciais, ampliava os poderes de
intervenção do governo federal nos estados, restaurava o estatuto dos cassados,
suprimia o foro especial para os que haviam desempenhado mandatos executivos,
ampliava a competência da Justiça Militar para o julgamento de crimes políticos
e submetia o Supremo Tribunal Federal (STF) à tutela do Executivo, através do
aumento do número de juízes.
Vendo
bloqueadas as possibilidades de sua candidatura, já homologada pela União
Democrática Nacional (UDN), à presidência da República, Carlos Lacerda rompeu
com Castelo em pronunciamento pela televisão e, em 15 de outubro, um grupo de
capitães divulgou um documento de grande ressonância, conclamando seus superiores
a deporem o presidente. Enquanto isso, o Congresso, por sua vez, protelava a
votação das reformas institucionais propostas por Castelo Branco, até que, em
27 de outubro, o presidente retomou as medidas extralegais, promulgando o Ato
Institucional nº 2 (AI-2), que colocou em vigor todas as reivindicações
levantadas e extinguiu os partidos políticos existentes, abrindo caminho para a
implantação do bipartidarismo no país. Em fins de novembro, a decisão do
Superior Tribunal Militar (STM) de negar o pedido de prisão preventiva de
Negrão de Lima — requerida pelo encarregado do IPM do Partido Comunista,
coronel Ferdinando de Carvalho — encerrou momentaneamente a crise deflagrada
pela ala radical das forças armadas. No mesmo mês a Líder foi dissolvida e os
oficiais que dela participavam foram removidos de suas unidades. Albuquerque
Lima foi transferido para o Sul, assumindo o comando da 2ª Divisão de
Cavalaria, em Uruguaiana (RS).
Em
março de 1966, foi promovido a general-de-divisão e, meses depois, nomeado
diretor-geral das Vias e Transportes do Exército, ocupando, em seguida, o cargo
de diretor-geral de Engenharia e Comunicações, no qual permaneceria até 1967.
Ministro do Interior (1967-1969)
Com a aproximação do término do mandato de Castelo Branco,
intensificou-se a luta sucessória e os nomes indicados pelo presidente — dos
marechais Osvaldo Cordeiro de Farias e Juarez Távora — não foram aceitos pela
oficialidade jovem, que, sob a liderança de Albuquerque Lima, impôs a
candidatura do marechal Costa e Silva, eleito afinal pelo Congresso no dia 3 de
outubro de 1966. Albuquerque Lima tomou parte no novo governo, ocupando o
Ministério do Interior, que assumiu juntamente com o novo presidente, em 15 de
março de 1967. Foi o primeiro ministro do Interior, já que a pasta, criada no
governo Castelo Branco, até então fora chamada de Ministério Extraordinário
para Coordenação dos órgãos Regionais, tendo como titular João Gonçalves de
Sousa. A meta principal de sua política como ministro foi o incentivo ao
desenvolvimento regional, sobretudo do Nordeste e da Amazônia, visando atenuar
o crescente desequilíbrio entre essas regiões e os estados industrializados do
Sudeste.
Em
relação ao Nordeste, o principal instrumento dessa política foi a concessão de
incentivos fiscais e a canalização de recursos financeiros para a região, por
intermédio da Sudene. Na Amazônia, foi criada a Zona Franca de Manaus,
destinada a incentivar a instalação de indústrias montadoras na região, por
meio da entrada, livre de impostos, das mercadorias importadas do exterior. As
diretrizes do Ministério do Interior, divulgadas em setembro de 1967,
consistiam basicamente na ocupação, a longo prazo, de espaços vazios da região,
a partir da criação de pólos de desenvolvimento. Esse projeto contaria com o
apoio das forças armadas, numa operação não apenas militar, mas também de ampla
repercussão em termos econômicos, sociais e propagandístico. Em dezembro, o
Projeto Rondon foi criado, em colaboração com o Ministério da Educação, visando
levar estudantes universitários às zonas fronteiriças da Amazônia e
incorporá-los à chamada política de integração nacional.
Como ministro do Interior, Albuquerque Lima manifestou
publicamente em várias ocasiões sua oposição ao projeto do Instituto Hudson,
dos Estados Unidos, que propunha a formação de grandes lagos na Amazônia. Fez
freqüentes referências às pressões internas e externas que, segundo sua
avaliação, comprometiam a segurança nacional e reiterou a necessidade urgente
de promover a ocupação e efetiva incorporação da região amazônica ao território
nacional.
Na região central do país, a atuação do Ministério do
Interior foi coordenada pela Superintendência do Desenvolvimento do
Centro-Oeste (Sudeco), constituída em setembro de 1967. No campo habitacional,
foi criada, em maio de 1968, a Coordenação de Habitações de Interesse Social
(Chisam), órgão encarregado de planejar a erradicação de favelas, a curto e
médio prazos, em toda a área metropolitana do Grande Rio, dando continuidade,
em escala maior, à política iniciada pelo governador Carlos Lacerda. O Serviço
de Proteção aos Índios (SPI) foi transformado em Fundação Nacional do Índio
(Funai).
O
desempenho das funções ministeriais não impediu que Albuquerque Lima
continuasse a atuar nos círculos militares e a influir no conturbado quadro
político que caracterizou o segundo ano do governo Costa e Silva. Ainda em
setembro de 1967, Lacerda assinou, em Montevidéu, um pacto político com João
Goulart, ocasião em que ambos levantaram alguns nomes para a sucessão
presidencial, entre os quais o de Albuquerque Lima. No mês seguinte, no
entanto, em discurso pronunciado no Círculo Militar de Fortaleza, Albuquerque
Lima condenou a Frente Ampla — movimento político formado em outubro de 1966,
que teve Carlos Lacerda como principal articulador e que contou com a adesão
dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, visando restaurar o
regime democrático no país — como “um movimento destinado a reconstituir a
situação anterior à revolução de março de 1964”. Mesmo assim e apesar da
hostilidade manifestada por setores militares à Frente Ampla, os políticos
ligados a esse movimento tudo fizeram para atraí-lo, elogiando, em particular,
suas posições nacionalistas em relação à Amazônia.
Ao longo de 1968, as tensões políticas atingiram seu clímax,
desencadeando maciças manifestações estudantis, que ganharam apoio de amplos
segmentos da população, além das primeiras greves operárias desde 1964. O
pretexto para um novo endurecimento do regime surgiu com o discurso do deputado
oposicionista Márcio Moreira Alves às vésperas de 7 de setembro, conclamando o
povo a boicotar as comemorações militares do dia da Independência. Assim, em 13
de dezembro Costa e Silva baixou o AI-5, instaurando a censura à imprensa,
fechando o Congresso por tempo indeterminado e propiciando outra série de
cassações políticas. As dissidências no âmbito militar alcançaram grande
repercussão com a publicação, nesse mesmo mês, do Manifesto dos capitães —
alunos da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) —, acusando o governo de
ineficiente e denunciando o desgaste da instituição militar.
Em janeiro de 1969, Albuquerque Lima demitiu-se do Ministério
do Interior, por discordar frontalmente da política econômica defendida pelos
ministros da Fazenda, Antônio Delfim Neto, e do Planejamento, Hélio Beltrão. No
discurso em que expôs as razões de sua exoneração e cuja divulgação foi
proibida na época, denunciou a situação política que “propicia e coonesta uma
verdadeira escalada dos grupos econômicos poderosos, em detrimento mesmo das
empresas nacionais, sobre as áreas de influência e decisão na formulação da
política econômico-financeira do país. Essa escalada..., em última análise,
compromete e nega a pureza dos princípios revolucionários, doravante
irremediavelmente enredados em impenetrável teia de equívocos”. Substituído
pelo coronel José Costa Cavalcanti, que ocupava a pasta das Minas e Energia, em
abril seguinte Albuquerque Lima assumiu a chefia da Diretoria Geral de Material
Bélico.
A sucessão de Costa e Silva
Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva caiu doente,
precipitando, no interior das forças armadas, a crise sucessória que se
prolongaria até outubro. No dia 30 de agosto, foi divulgado o AI-12, que
revelou oficialmente à nação a doença de Costa e Silva e transferiu as funções
presidenciais para uma junta constituída pelos três ministros militares —
general Aurélio de Lira Tavares (Exército), brigadeiro Márcio de Sousa e Melo
(Aeronáutica) e almirante Augusto Rademaker (Marinha) — e não para o
vice-presidente Pedro Aleixo, conforme previa a Constituição. Repetindo a crise
de outubro de 1965, a dissidência militar também se refletiu na questão da
sucessão presidencial. Capitalizando a crescente insatisfação das camadas
inferiores da oficialidade através de um programa autoritário formulado na
Doutrina nacionalista da revolução brasileira, Albuquerque Lima se impôs como
candidato desses setores das forças armadas.
Segundo
Alfred Stepan, sua plataforma “oferecia a possibilidade de solucionar dois
problemas principais ao mesmo tempo, ou seja, a falta de um vigoroso programa
de ação e a falta de apoio popular. Seu antiamericanismo nacionalista e a
promessa de expropriar grandes propriedades para distribuir aos camponeses
poderiam ter o efeito político de conseguir algum apoio da esquerda (no estilo
peruano) e talvez apoio dos camponeses não mobilizados”. Desde 1968, com a
subida ao poder do general Juan Velasco Alvarado, o Peru vivia uma experiência
de reformismo nacionalista-autoritário, sob a tutela das forças armadas.
Em seguida desencadeou-se uma intensa campanha política entre
os oficiais, com a publicação de numerosos manifestos, e foi realizada uma
consulta a cerca de 240 oficiais-generais das três armas, com base em uma lista
elaborada pelo Alto Comando do Exército. Nela figuravam os generais-de-exército
Emílio Garrastazu Médici (ex-chefe do Serviço Nacional de Informações — SNI —,
do governo Costa e Silva, e então comandante do III Exército, sediado em Porto
Alegre), Orlando Geisel e Antônio Carlos Murici.
Os militares dividiam-se entre a candidatura de Albuquerque
Lima, que tinha a seu favor um documento assinado por duzentos oficiais da Vila
Militar, e a tendência dos oficiais mais antigos, preocupados com a
possibilidade de que a vitória da ala nacionalista e radical destruísse a
hierarquia de comando e afastasse o apoio das comunidades financeiras paulista
e internacional, que temiam a adoção de uma linha peruana no país. A primeira
questão que se colocou consistiu em definir, se o novo governante apenas completaria
o mandato de Costa e Silva ou inauguraria um outro período presidencial. Para
os seguidores de Albuquerque Lima, o mandato-tampão até 1971 constituía a
melhor alternativa, porque possibilitaria que ele obtivesse nesse interregno a
quarta estrela, com sua promoção a general-de-exército. Derrotada essa tese,
Albuquerque Lima teve que disputar o cargo com seus superiores.
Segundo
a imprensa, o principal erro dos articuladores de sua campanha foi a divulgação
antecipada dos nomes que comporiam seu governo. A vice-presidência caberia ao
brigadeiro José Vicente Faria Lima, ex-prefeito de São Paulo, mas sua morte,
ainda no início de setembro, levou à escolha do almirante Ernesto de Melo
Batista. Carlos Lacerda seria o ministro do Planejamento e o Ministério do
Exército ficaria entregue ao general Siseno Sarmento. O general Rodrigo Otávio
Jordão Ramos ocuparia a pasta dos Transportes e o coronel Francisco Boaventura
Cavalcanti, um dos principais nomes da ala radical do Exército, a do Interior.
Na
prévia eleitoral realizada junto às forças armadas, Albuquerque Lima recebeu
expressiva votação entre os almirantes da Marinha e foi bem votado também na
Aeronáutica. No Exército a consulta foi diferente: alegando-se impossibilidade
de reunir os 104 generais, foram estabelecidas 11 seções eleitorais. No I e no
IV exércitos, seu nome apareceu com destaque, o mesmo acontecendo no
Departamento de Provisões e na ESG. Todavia, no cômputo geral, obteve o quarto
lugar, sendo suplantado por Médici, Orlando Geisel e Murici, e ficando na
frente apenas de Ernesto Geisel.
Seus
correligionários contestaram abertamente a validade da consulta, por não ter
sido estendida a toda a oficialidade. Após sua derrota, escreveu ao ministro do
Exército, general Lira Tavares: “Observei um sentimento de repúdio profundo e
generalizado de contestação aos métodos adotados... Caso os responsáveis pela
decisão final não se disponham a ouvir e a atender com realismo e patriotismo
aos anseios da maioria das forças armadas, não sabemos avaliar os riscos em que
a nação estará incorrendo, quando outros líderes, talvez mais audaciosos e
menos precavidos contra as tentações do poder, ousarem ultrapassar os chefes
militares.” A controvérsia prolongou-se ainda por algum tempo, mas acabou
prevalecendo a escolha, com base na antigüidade, do general Médici, que assumiu
a presidência em 30 de outubro de 1969, juntamente com o almirante Augusto
Rademaker, primeiro militar a ocupar a vice-presidência após 1964.
Em
8 de março de 1971, Albuquerque Lima foi transferido para a reserva no posto de
general-de-divisão, deixando a chefia do Departamento de Material Bélico do
Exército — designação dada à Diretoria Geral de Material Bélico do Exército em
outubro de 1970 —, que foi ocupada pelo general José Canavarro Pereira. Dedicou-se
a partir de então à iniciativa privada, tornando-se diretor-presidente da
Confecções Sparta e Sparta Nordeste e vice-presidente da União de Empresas
Brasileiras, que em maio de 1977 sofreria intervenções do Banco Central e teria
decretada sua liquidação.
Mesmo
afastado da vida pública, continuou a manifestar-se em relação aos grandes
temas políticos e econômicos do país. Prefaciando em 1975 o livro O petróleo é
nosso?, do jornalista Peri Cota, em declarações à imprensa ao longo de 1976 e
no artigo intitulado “Petróleo — contrato de risco”, que seria publicado, em
junho desse ano na Revista de Administração Pública, da Fundação Getulio
Vargas, defendeu os contratos de risco com empresas estrangeiras para a
exploração do petróleo no Brasil. Ainda em maio de 1976, discursando na
inauguração do Centro de Estudos do Nordeste, presidido pelo sociólogo Gilberto
Freire e do qual era sócio honorário, defendeu a representação política na
Câmara dos Deputados proporcional ao número de habitantes, e não ao número de
eleitores de cada estado, como a única forma de o Nordeste neutralizar os
grupos de pressão contrários ao desenvolvimento regional e à atuação da Sudene.
Em agosto de 1977, manifestando-se sobre o início do processo
de institucionalização do regime promovido pelo então presidente da República
Ernesto Geisel, expressou sua convicção de que o chefe do governo saberia
“conduzir o processo político a seu termo normal, de modo gradual e seguro,
pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas, encontrando a fórmula
política ideal de, preservando os interesses da segurança nacional contra
eventuais investidas de grupos de esquerda e de direita, inscrever os
postulados da revolução de março de 1964 num verdadeiro estado de direito”.
Declarou ainda que a fórmula política ideal consistia num presidencialismo
forte, a exemplo da França, capaz de tomar decisões rápidas e eficazes em
situações de emergência nacional. Em seu depoimento à Comissão Parlamentar de
Inquérito do Índio, em setembro, defendeu a participação dos militares nos
quadros administrativos da Funai, refutando as críticas do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi) — órgão ligado à Igreja — à política indigenista oficial.
Em sucessivas declarações à imprensa em 1978, apoiou o
candidato à presidência indicado por Geisel, o general João Batista Figueiredo,
então chefe do SNI. Ao mesmo tempo, qualificou o general Euler Bentes, que
havia sido superintendente da Sudene durante sua gestão no Ministério do
Interior e era o candidato à presidência apoiado pelo Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), o partido de oposição, como “um dos homens mais capazes da
atualidade brasileira”.
Faleceu a bordo de um avião, de Recife para o Rio de Janeiro,
no dia 26 de abril de 1981.
Foi casado com Maria Helena de Sousa Albuquerque Lima, com
quem teve três filhos.
FONTES: ARQ. CLUBE
3 DE OUTUBRO; CHAGAS, C. 113; Cidadão; Estado de S. Paulo (13/12/78 e 28/4/81);
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23/9/77, 23/3, 3/7 e 13/12/78, 14/6 e 27/4/79); KLEIN, L. Cronologia;
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