LUZ,
Carlos
*dep. fed. MG 1935-1937; min. Just.
1946; dep. fed. MG 1947-1961; pres. Rep. 1955.
Carlos Coimbra da Luz nasceu
em Três Corações (MG) no dia 4 de agosto de 1894, filho de Alberto Gomes
Ribeiro da Luz — juiz de direito e depois desembargador — e de Augusta Coimbra
da Luz. Também seguiram a trajetória política seu sobrinho Américo Gomes
Ribeiro da Luz, deputado federal constituinte em 1891, e seus primos Augusto
Coimbra da Luz, deputado da Assembléia Legislativa de Minas Gerais entre 1927 e
1930, e Gastão de Oliveira Coimbra, deputado da Assembléia Legislativa mineira
de 1935 a 1937.
Carlos Luz concluiu seus estudos básicos em 1910 no Ginásio
Lavras, situado na cidade mineira de mesmo nome. No ano seguinte, transferiu-se
para Belo Horizonte, onde ingressou na Faculdade Livre de Direito de Minas
Gerais e começou a trabalhar como funcionário da Secretaria do Interior do
governo estadual. Entre 1911 e 1915, durante o curso universitário, foi
secretário do Conselho Superior de Instrução Pública de Leopoldina (MG),
passando neste último ano a exercer as mesmas funções no conselho estadual.
Diplomou-se em fins de 1915, sendo nomeado pouco depois delegado de polícia de
Leopoldina e professor de geografia, corografia e cosmografia da Escola Normal
da cidade. Deixou a primeira função em 1918 para tornar-se inspetor escolar e
promotor da comarca local, atividades que abandonou em 1920 para dedicar-se à
advocacia e ao jornalismo. Nesta época, casou-se com Maria José Dantas Luz, que
veio a falecer poucos anos depois, deixando dois filhos pequenos.
Redator e diretor da Gazeta de Leopoldina, apoiou
publicamente no início de 1923 a revolução deflagrada no Rio Grande do Sul sob
a chefia de Joaquim Francisco de Assis Brasil contra o caudilho mais importante
da política gaúcha da época, Antônio Augusto Borges de Medeiros, reeleito pela
quinta vez para o governo estadual. O movimento contava com alguma simpatia de
dirigentes do Partido Republicano Mineiro (PRM), porque, em 1922, Borges de
Medeiros havia apoiado a candidatura de Nilo Peçanha à presidência da
República, derrotada por Artur Bernardes, principal líder do PRM. A luta se
estendeu até novembro de 1923 e foi encerrada no mês seguinte com a assinatura
do Pacto de Pedras Altas, que estipulou a manutenção de Borges no governo, mas
vedou nova reeleição.
Ainda em 1923, Carlos Luz foi eleito vereador em Leopoldina,
assumindo em seguida a presidência da Câmara Municipal e, depois, a prefeitura
da cidade, com mandato de três anos. Em 1924, deixou a Escola Normal. Reeleito,
iniciou em 1927 seu segundo mandato, de quatro anos. Casou-se então em segundas
núpcias com Graciema Junqueira da Luz, pertencente a uma poderosa família do
interior mineiro, detentora de grande influência no PRM. O tio de Graciema, o
deputado federal José Monteiro Ribeiro Junqueira, era o homem mais importante
da cidade, proprietário da Companhia de Força e Luz Cataguases-Leopoldina, da Companhia
Leiteira Leopoldinense, da Companhia Fiação e Tecidos Leopoldina e do Banco
Ribeiro Junqueira, além de fundador do jornal Gazeta de Leopoldina e do Ginásio
Leopoldinense. Com sua segunda esposa, Carlos Luz teve outros dois filhos.
Junto
com a família de sua segunda esposa, Carlos Luz participou da campanha da
Aliança Liberal, coligação oposicionista que lançou as candidaturas de Getúlio
Vargas e João Pessoa à presidência e vice-presidência da República nas eleições
de março de 1930. A vitória do situacionista Júlio Prestes no pleito foi
contestada por importantes setores liberais, que se aliaram aos militares do
movimento tenentista e deflagraram, em 3 de outubro, a Revolução de 1930,
vitoriosa depois de 21 dias de luta com a queda do governo de Washington Luís.
Formou-se logo depois o Governo Provisório chefiado por Vargas, que passou a
nomear interventores federais para todos os estados.
Durante
este período, Carlos Luz chegou a ser exonerado da prefeitura de Leopoldina,
mas retornou ao posto, no qual permaneceu até ser nomeado, em 9 de setembro de
1932, secretário da Agricultura, Viação e Obras Públicas do estado, governado
por Olegário Maciel. Após a morte de Olegário, ocorrida em setembro de 1933,
foi mantido no cargo pelo interventor interino, Gustavo Capanema. Em 15 de
dezembro seguinte, Benedito Valadares assumiu a interventoria e nomeou Carlos
Luz para o cargo de secretário do Interior. Nesta condição, Luz substituiu
Valadares em algumas ocasiões ao longo de 1934, sempre por um dia, em despachos
rotineiros da interventoria.
Em 14 de outubro de 1934, Carlos Luz foi eleito deputado
federal na legenda do Partido Progressista (PP) de Minas Gerais para a primeira
legislatura ordinária posterior à promulgação da nova Constituição. Deixando
seu cargo no governo do estado em 31 de janeiro de 1935, iniciou seu mandato em
3 de maio seguinte e tornou-se membro da Comissão de Finanças e Orçamento, além
de representante da Câmara Federal na junta que investigou as irregularidades
cometidas durante a gestão do presidente Washington Luís.
Em 1937, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada foi substituído
por Pedro Aleixo na presidência da Câmara. A mudança, apoiada pelo então
governador Benedito Valadares e pelo presidente Vargas, se refletiu na escolha
de Carlos Luz para exercer a função de líder da maioria a partir de maio. No
fim do mês, Luz foi um dos representantes de Minas Gerais na convenção que
escolheu José Américo de Almeida como candidato oficioso à sucessão de Vargas.
Entretanto, as eleições presidenciais que oporiam em janeiro de 1938 José
Américo ao governador paulista Armando de Sales Oliveira não chegaram a se
realizar, pois em 10 de novembro de 1937 o próprio Getúlio liderou o golpe que
implantou o Estado Novo. O Congresso e todos os outros órgãos legislativos do
país foram fechados no mesmo dia e os mandatos parlamentares perderam a
vigência. Carlos Luz não tardou a ser nomeado por Vargas para o conselho
administrativo da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, então Distrito
Federal, cuja Carteira Hipotecária passou a dirigir a partir de 25 de novembro.
Em dezembro de 1938, foi eleito vice-presidente da instituição, tornando-se
pouco depois membro do conselho e diretor da Companhia de Seguros Minas-Brasil,
em cujos cargos permaneceria durante toda a vida.
Em
julho de 1939, foi eleito presidente da Caixa Econômica Federal do Rio de
Janeiro, passando a integrar, nesta qualidade, o Conselho Superior das Caixas
Econômicas Federais. Foi reeleito para o cargo em novembro de 1942, nele
permanecendo até fevereiro de 1946.
No Ministério da Justiça
No início de 1945, o enfraquecimento do Estado Novo levou
Vargas a adotar reformas políticas que visavam responder às pressões internas e
externas pela redemocratização do país e manter sob o controle do governo a
transição em curso na conjuntura nacional. Uma delas foi a reorganização dos
partidos, iniciada oficialmente com a edição do Ato Adicional em fevereiro
deste ano. Na convenção realizada em 8 de abril seguinte para fundar a seção
mineira do Partido Social Democrático (PSD), Carlos Luz foi eleito membro da
comissão executiva estadual da agremiação junto com outros 24 políticos ligados
a Vargas. O mesmo encontro aprovou também o lançamento da candidatura do
ministro da Guerra, general Eurico Dutra, à presidência da República nas
eleições previstas para 2 de dezembro de 1945. Carlos Luz foi um dos dirigentes
pessedistas que mais firmemente apoiaram a candidatura.
O desgaste do regime e a suspeita de que Vargas preparava
manobras continuístas levaram à deflagração do golpe militar que derrubou o
Estado Novo em 29 de outubro de 1945. As eleições presidenciais foram mantidas,
resultando na vitória de Dutra sobre o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da
União Democrática Nacional (UDN). No mesmo dia, Carlos Luz foi eleito deputado
à Assembléia Nacional Constituinte por Minas Gerais, obtendo 24.895 votos, a
quarta votação da bancada pessedista e do estado. Entretanto, não chegou a
assumir sua cadeira, porque foi convidado por Dutra para ocupar a pasta da
Justiça do novo governo, empossado em 31 de janeiro de 1946. Uma das primeiras
medidas de sua gestão foi a proibição à prática dos jogos de azar no país,
sancionada pelo presidente Dutra em 30 de abril seguinte.
Sua
atuação no Ministério da Justiça coincidiu com o desenrolar dos trabalhos da
Constituinte. Neste período, parlamentares dos mais importantes partidos
acusaram o chefe de polícia do Distrito Federal, José Pereira Lira, de
conivência com a violência política e de utilização da violência policial,
responsabilizando também Carlos Luz pela criação de um clima de pressões e
intimidações que repercutiu na atividade da Assembléia. Foi particularmente
criticado o emprego da Lei de Segurança Nacional, herdada do Estado Novo,
contra participantes dos freqüentes movimentos sociais que tiveram curso na
época. As sedes do Partido Comunista Brasileiro — então Partido Comunista do
Brasil (PCB) —, que havia conquistado sua legalidade no ano anterior, foram
fechadas pela polícia em fins de março e, novamente, no início de junho de 1946,
quando o trabalho de elaboração do texto final da Constituição já estava
começando, com a apresentação de emendas ao projeto preparado pela grande
Comissão Constitucional.
O
mês de julho foi marcado por violentos conflitos políticos no Rio, em Santos (SP)
e em outras cidades dos estados de São Paulo, Minas, Bahia, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Norte e Piauí. Em 15 de agosto, dois dias depois do começo da votação
em plenário dos artigos e títulos da Constituição, Carlos Luz mandou apreender
a edição do jornal comunista Tribuna Popular, do Rio, e proibiu sua circulação
até o fim do mês. Parlamentares do PCB, da UDN e dos partidos Trabalhista
Brasileiro (PTB), Republicano (PR) e Social Progressista (PSP) protestaram
contra a medida, assim como o presidente da Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), Herbert Moses, e o escritor católico Alceu Amoroso Lima, conhecido como
Tristão de Ataíde, em nome do Centro Dom Vital.
No dia 23 de agosto, quando a votação do texto final da
Constituição se aproximava, Carlos Luz proibiu a realização de comícios em todo
o território nacional. No fim do mês, os comunistas denunciaram que uma
manifestação de estudantes secundaristas, ocorrida no Rio, havia sido usada
pela polícia e por forças políticas que desejavam criar um clima de terror para
impedir a promulgação da nova Carta. Na noite de 30 de agosto, foram feitas
muitas prisões, na sua quase totalidade de dirigentes comunistas, enquanto
parlamentares do PCB tinham suas residências invadidas. As perturbações do
processo político não impediram o início da votação da última parte da
Constituição, as “Disposições transitórias”, em 7 de setembro, e a promulgação
solene da nova Carta no dia 18 seguinte.
Aprovada
a Constituição, Dutra resolveu modificar seu ministério. No dia 2 de outubro,
Carlos Luz foi substituído na pasta da Justiça por Benedito Costa Neto, do PSD
paulista. Seu nome foi cogitado para concorrer ao governo mineiro nas eleições
marcadas para 19 de janeiro de 1947, mas ele preferiu retirar sua candidatura
para apoiar o ex-presidente da República Venceslau Brás. Entretanto, na
convenção do PSD mineiro, realizada em dezembro de 1946, a candidatura de
Venceslau foi torpedeada por setores ligados a Benedito Valadares, sendo
escolhido o nome de José Francisco Bias Fortes. Inconformado com o resultado, o
ex-presidente transferiu seu apoio para Mílton Campos, candidato da UDN até
então sem maiores possibilidades de vitória, sendo acompanhado no deslocamento
por uma facção denominada “PSD independente”, liderada por Fernando de Melo
Viana e Carlos Luz.
O candidato udenista, que recebeu também o apoio do PR, dos
comunistas, dos integralistas e de outros partidos menores, venceu as eleições
de janeiro de 1947. Nas eleições suplementares para a Câmara dos Deputados
realizadas na mesma data, Carlos Luz foi o único candidato eleito na legenda do
PSD, enquanto a coligação UDN-PR conseguiu eleger dois representantes. Os novos
deputados tomaram posse em 17 de março de 1947, integrando-se à legislatura
ordinária em curso desde dezembro do ano anterior. Ainda em 1947, Carlos Luz
assumiu o cargo de diretor-presidente do Banco Ribeiro Junqueira S.A.
No segundo governo constitucional de Vargas
Durante
o ano de 1947, a política de “união nacional”, patrocinada por Dutra desde fins
de 1946 continuou a prosperar, quebrando parcialmente a resistência da UDN em
colaborar com seu governo. Em janeiro de 1948, o PSD, a UDN e o PR assinaram o
Acordo Interpartidário, que garantia a Dutra folgada maioria para a aprovação
das matérias mais relevantes no Parlamento. Além de buscar o consenso dos
grupos políticos conservadores em torno da política do governo, o acordo
ofereceria a cada um dos três partidos a esperança de ver resolvida a seu favor
— sob a égide de Dutra e das autoridades militares — a questão da sucessão
presidencial, com a indicação de um candidato comum e, assim, virtualmente
imbatível.
O candidato natural do PSD era Nereu Ramos, presidente do
partido, senador por Santa Catarina, vice-presidente da República e ex-presidente
da grande Comissão Constitucional de 1946. Seu nome, porém, não contava com o
apoio de Dutra e das seções mineiras dos três partidos, interessadas em
encontrar um candidato de Minas Gerais para a chefia do governo federal. Em 11
de novembro de 1949, o deputado João Café Filho, do PSP do Rio Grande do Norte,
afirmou na Câmara que a candidatura de Carlos Luz à presidência estava sendo
cogitada por um dos grupos políticos de Minas, o que veio a ser confirmado
cinco dias mais tarde com a divulgação da lista de nomes que não sofreriam
objeção por parte da “ala liberal” do PSD mineiro (nascida do antigo PSD
independente): além de Luz, eram citados Cristiano Machado, Ovídio de Abreu,
Bias Fortes e Israel Pinheiro. Dutra era simpático à candidatura de Bias Fortes
e contrário à de Cristiano Machado.
No dia 21 de novembro, em reunião da comissão diretora
nacional do PSD, Benedito Valadares apresentou a chamada Fórmula Mineira,
nascida do acordo dos três partidos em Minas Gerais: a designação do candidato
comum ficaria a cargo de Dutra, desde que o escolhido fosse de Minas. Valadares
sugeriu ainda que a escolha fosse realizada entre Carlos Luz, Bias Fortes,
Israel Pinheiro e Ovídio de Abreu, eliminando da lista o nome de Cristiano
Machado, simpático à UDN.
No início de dezembro, Otávio Mangabeira afirmou que o
candidato da UDN só poderia ser o brigadeiro Eduardo Gomes, opinião
compartilhada pela comissão executiva do partido. A hipótese da coalizão entre
as principais agremiações do país foi definitivamente afastada em 19 de abril
de 1950, quando a UDN oficializou a candidatura do brigadeiro. No dia seguinte,
Getúlio Vargas foi lançado pelo PTB e, em 17 de maio, o PSD escolheu Cristiano
Machado, que entrou na campanha virtualmente derrotado porque tinha pouca expressão
fora de Minas e não unificava o partido.
Nas
eleições de 3 de outubro de 1950, Vargas foi eleito com mais de um milhão e
quinhentos mil votos de vantagem sobre Eduardo Gomes. Cristiano Machado ficou
em terceiro lugar, com uma diferença de mais de dois milhões e cem mil votos em
relação ao candidato vitorioso. O apoio de muitos setores do PSD a Getúlio,
abandonando o candidato oficial do partido, gerou o neologismo “cristianizar”.
Para a vice-presidência foi eleito Café Filho, derrotando por menos de duzentos
mil votos o candidato udenista Odilon Braga.
Carlos Luz foi reeleito na mesma data para a Câmara dos
Deputados com 17.663 votos, situando-se bastante abaixo da média da bancada
pessedista. Durante a legislatura iniciada em 1º de fevereiro de 1951, exerceu
a função de relator do orçamento da Fazenda na Comissão de Finanças da Câmara.
Em seu segundo governo constitucional, iniciado no dia 31 de
janeiro de 1951, Getúlio Vargas não hesitou em realçar os conflitos entre o que
percebia como interesses nacionais e a presença estrangeira na economia do
país. Sua política de desenvolvimento do capitalismo brasileiro reconhecia a
existência de um movimento popular em ascensão, que ele procurava controlar, e
pressupunha o estabelecimento de um sistema de alianças em que os movimentos
sociais, principalmente através do PTB e dos sindicatos, podiam dispor de
espaços para barganhar com os centros de decisão do Estado.
Esta
orientação foi combatida por um grupo heterogêneo de forças em que figuravam os
segmentos udenistas liberais, uma parte do pessedismo de extração oligárquica,
os comunistas e, sobretudo, os setores udenistas favoráveis a uma solução
ditatorial transitória aliados a correntes militares conservadoras. O principal
porta-voz desta última corrente era o jornalista Carlos Lacerda, proprietário
da Tribuna da Imprensa. Nos primeiros anos do governo Vargas, aumentou
gradativamente a polarização nos diferentes setores da vida pública brasileira,
que se cindiram entre getulistas e antigetulistas. O eixo das divergências foi
a política nacionalista empreendida por Vargas, cujas medidas — como a
instituição do monopólio estatal de petróleo através da criação da Petrobrás —
provocaram cerrada oposição nos meios empresariais e no interior das forças
armadas. A política trabalhista do governo também foi alvo de numerosas
críticas, sobretudo com a decretação de um aumento de 100% no salário mínimo em
1º de maio de 1954.
O confronto entre os dois campos se tornou dramático depois
do atentado perpetrado contra Carlos Lacerda na madrugada de 5 de agosto deste
ano, que resultou em ferimentos leves no jornalista e na morte do major-aviador
Rubens Vaz, seu acompanhante na ocasião. As investigações comprovaram
rapidamente o envolvimento de membros da guarda do presidente nesse crime,
acirrando os ânimos da oposição civil e militar. No dia 24, quando estava
virtualmente deposto, Getúlio se suicidou. O impacto da notícia, a divulgação
da sua carta-testamento e a grande mobilização popular em todo o país —
especialmente no Rio, em São Paulo e em Porto Alegre — inviabilizaram a
intervenção militar que se esboçava. Café Filho assumiu a presidência no
próprio dia 24 de agosto, convocando para formar seu ministério personalidades
antigetulistas, como Eduardo Gomes (Aeronáutica), Raul Fernandes (Relações
Exteriores) e Eugênio Gudin (Fazenda). Para o Ministério da Guerra, nomeou o
general Henrique Lott, considerado neutro na disputa entre as duas alas em que
estavam divididas as forças armadas — os “nacionalistas” e os “entreguistas”.
O novo presidente não concordou em adiar as eleições marcadas
para 3 de outubro de 1954, como desejavam setores da UDN, do PSD, do PR e do
Partido Libertador (PL). Estes argumentavam que, realizado sob o impacto do
suicídio de Vargas, o pleito poderia levar a uma votação em massa nos
candidatos petebistas, gerando uma reação militar. A expectativa, contudo, não
se confirmou. As eleições se realizaram normalmente e os resultados não foram
significativamente alterados pelo clima criado com o desenlace da crise de
agosto, embora a UDN tenha visto sua bancada na Câmara dos Deputados reduzir-se
de 84 para 74 cadeiras.
Carlos
Luz foi eleito mais uma vez para a Câmara, com 29.280 votos, mas o aumento de
votação não alterou sua discreta posição relativa na bancada do PSD mineiro. A
normalidade do processo eleitoral animou o governador de Minas Gerais,
Juscelino Kubitschek, a manter seu projeto de disputar as eleições para a
presidência da República marcadas para 3 de outubro de 1955. A indicação de
Juscelino, lançada extra-oficialmente pelo PSD em novembro, não foi apoiada
pelos pessedistas de Pernambuco (liderados pelo governador Etelvino Lins), de
Santa Catarina (tendo à frente Nereu Ramos) e do Rio Grande do Sul. Etelvino e
Nereu alimentavam esperanças de virem a ser candidatos. Na seção mineira do PSD
também surgiram fortes resistências a Kubitschek, quer por parte dos que temiam
uma intervenção militar, como Benedito Valadares, quer entre os que
compartilhavam dos sentimentos antigetulistas e antitrabalhistas, como Carlos
Luz. No início de 1955, ficou patente a oposição dos chefes militares a
Juscelino que, mesmo assim, continuou articulando sua candidatura com o apoio
do presidente do PSD, Ernâni Amaral Peixoto.
Os parlamentares eleitos em outubro de 1954 tomaram posse em
1º de fevereiro. No dia seguinte, Carlos Luz foi eleito presidente da Câmara,
derrotando o deputado paulista Pascoal Ranieri Mazzilli, também pessedista e
apoiado por Juscelino. O resultado, que colocou Carlos Luz na condição de
substituto legal do presidente Café Filho, foi considerado como a primeira
grande derrota do governador mineiro em sua marcha para a presidência. Para a
vice-presidência do Senado (a presidência, segundo a Constituição de 1946, era
ocupada automaticamente pelo vice-presidente da República) foi eleito Nereu
Ramos, que tornou-se assim o segundo na ordem de sucessão presidencial.
A
convenção nacional do PSD reunida no dia 10 de fevereiro de 1955 homologou a
candidatura de Kubitschek, que recebeu 1.646 dos 1.925 votos dos convencionais.
Confirmando a posição adotada desde novembro, as seções estaduais de
Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de representantes da Bahia
e do Distrito Federal, recusaram-se a apoiar a candidatura ratificada e
formaram uma dissidência, que lançou quatro nomes como possíveis candidatos
alternativos do partido: Etelvino Lins, Nereu Ramos, Carlos Luz e Lucas Lopes.
A movimentação contra as eleições e a favor da intervenção
dos militares se tornou mais evidente após o lançamento oficial da candidatura
de Juscelino, apresentada como um retorno ao período anterior ao suicídio de
Getúlio. O principal porta-voz da solução golpista era mais uma vez Carlos
Lacerda, eleito deputado federal pela UDN carioca com a maior votação de 1954.
Nos dois meses seguintes, as candidaturas se definiram. O
veterano chefe integralista Plínio Salgado foi lançado em março pelo Partido de
Representação Popular (PRP). No início de abril, o governador recém-empossado
de São Paulo, Jânio Quadros, desistiu de ser candidato para apoiar Juarez
Távora, cujo lançamento como candidato pelo Partido Democrata Cristão (PDC) era
esperado desde o início do ano. Ao mesmo tempo, o acordo PSD-PTB ficou
configurado com a escolha de João Goulart, presidente do PTB, para compor a
chapa com Kubitschek. Pouco depois, o PSP lançou Ademar de Barros e o PDC
oficializou a candidatura de Juarez Távora, que teve como companheiro de chapa
o presidente nacional da UDN, Mílton Campos.
Em agosto, a tensão nos meios militares cresceu em função de
dois episódios. Primeiro, a divulgação de um manifesto do PCB, assinado por
Luís Carlos Prestes, apoiando a chapa Juscelino-Goulart e fazendo severas
acusações a oficiais das forças armadas. Segundo, o discurso pronunciado pelo
general Canrobert Pereira da Costa no Clube de Aeronáutica por ocasião do
aniversário do assassinato do major Rubens Vaz. Lamentando o insucesso da
política de “união nacional”, que garantiria uma única candidatura forte à
presidência, o general denunciou a corrupção e chamou o regime vigente de
“falsidade democrática” e de “pseudolegalidade”.
Juscelino e Goulart foram eleitos com, respectivamente, 35,6%
e 44,3% dos votos dados aos candidatos a presidente e vice-presidente da
República. Logo após a proclamação dos resultados, a UDN deflagrou uma
campanha, liderada pelo deputado Aliomar Baleeiro, contra a posse dos eleitos,
alegando que eles não haviam obtido a maioria absoluta dos sufrágios. Por outro
lado, o brigadeiro Eduardo Gomes também passou a defender o não reconhecimento
dos vencedores devido ao apoio que haviam recebido do PCB. Neste contexto,
alguns setores udenistas liderados por Lacerda recomeçaram a pregar abertamente
a implantação de um estado de exceção.
O ministro da Guerra, general Lott, reiterou então sua
posição favorável à posse dos eleitos, mas a crise não foi solucionada. A
situação se agravou consideravelmente depois do discurso pronunciado pelo
coronel Jurandir de Bizarria Mamede em 1º de novembro, durante o enterro do
general Canrobert, falecido na véspera. Destacado integrante da corrente
udenista das forças armadas, o coronel Mamede falou como representante da
diretoria do Clube Militar, elogiando Canrobert por ter liderado o movimento
contra Vargas em 1954 e afirmando que seria uma “indiscutível mentira
democrática” se o regime presidencial permitisse a “vitória da minoria”, isto
é, a posse de Juscelino e Goulart.
Lott considerou o discurso uma demonstração de indisciplina e
julgou imprescindível a punição de Mamede, opinião contrária à do ministro da
Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes. Na época, Mamede estava temporariamente
afastado dos quadros do Ministério da Guerra, lecionando na Escola Superior de
Guerra (ESG), ligada ao Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), o qual se
subordina, por sua vez, à Presidência da República. Por este motivo, Lott
dependia do consentimento de Café Filho para punir o coronel. Na manhã do dia 3
de novembro, antes de emitir sua opinião, o presidente foi acometido de um
distúrbio cardiovascular, tendo sido internado no Hospital dos Servidores do
Estado.
Diante da situação imprevista, Lott enviou no dia 5 um ofício
ao brigadeiro Gervásio Duncan, chefe interino do EMFA, pedindo o retorno de
Mamede às fileiras do Exército sob o argumento de que já se esgotara o
prazo-limite de três anos permitido para um oficial servir na ESG. Baseado em
informações do comandante desta instituição, almirante Ernesto Araújo, Duncan
respondeu que Mamede ainda era necessário à escola.
Na presidência da República
No dia 5 de novembro, Carlos Luz visitou o Ministério da
Guerra para se inteirar da situação do Exército. Na ocasião, Lott mostrou
algumas soluções tecnicamente possíveis para punir Mamede e acrescentou que, se
nenhuma delas fosse adotada pelo presidente da República, pediria demissão do
ministério. Enquanto isso, Lacerda continuava exigindo a intervenção dos
militares e a UDN prosseguiu na tentativa de impugnar a eleição de Kubitschek e
Goulart. Com o agravamento da tensão, começou a circular em diversas unidades
militares um boletim assinado pelo Movimento Militar Constitucionalista (MMC)
denunciando a iminência de um golpe de Estado, que seria deflagrado
provavelmente até o dia 20 de novembro pelos setores antigetulistas, sob a
chefia do coronel Mamede. O MMC traçou então uma linha de ação para neutralizar
a tentativa golpista.
No dia 8, um dado novo agravou ainda mais a situação: Café
Filho, informado pelos médicos de que deveria ficar inativo por mais alguns
dias, comunicou aos ministros sua decisão de transmitir imediatamente o governo
a Carlos Luz, seu sucessor legal. Na tarde do mesmo dia, Luz foi empossado na
presidência da República, enquanto o deputado José Antônio Flores da Cunha, da
UDN gaúcha, assumiu a presidência da Câmara dos Deputados.
Carlos Luz reuniu o gabinete no dia 9, comunicando aos
ministros de Café Filho sua intenção de mantê-los nos cargos. Depois da
reunião, em audiência particular, Lott pediu ao novo presidente uma solução
rápida para o caso Mamede. Luz afirmou ser conveniente ouvir o consultor-geral
da República, Temístocles Cavalcanti, mas Lott insistiu que se tratava de um
assunto interno do Exército, e não de natureza jurídica. Prevaleceu a opinião
do presidente, ficando marcada nova audiência entre ambos para o dia 10 às 18
horas. Nessa data, Lott só foi recebido com uma hora e meia de atraso, e sua
longa e inusitada espera foi acompanhada por repórteres radiofônicos, em
flashes diretos do palácio, o que acentuou o caráter crítico da situação.
Iniciada
a audiência, o presidente interino comunicou a Lott o parecer de Temístocles
Cavalcanti, contrário à punição do coronel Mamede, acrescentando que este
permaneceria lotado no EMFA, o que o resguardava de qualquer sanção. Lott
colocou imediatamente a pasta da Guerra à disposição de Luz, o qual não só
aceitou seu pedido de demissão como informou que já havia pensado num
substituto para o posto. O novo titular do ministério seria o general Álvaro
Fiúza de Castro, reformado havia alguns meses e primeiro signatário do
manifesto dos generais exigindo o afastamento de Vargas da presidência em 22 de
agosto de 1954. Fiúza, que já se encontrava no palácio, foi chamado à sala de
reunião. Ele e Luz desejavam que a passagem do cargo fosse imediata, mas Lott
argumentou que precisava “esvaziar as gavetas” do ministério. Assim, a
transmissão foi marcada para as 15 horas do dia 11.
Independente do resultado da reunião, Carlos Luz tinha a
intenção prévia de afastar Lott, pois o Diário Oficial do dia 11, impresso na
tarde do dia 10 — antes portanto do encontro entre os dois —, trazia publicada
a notícia da indicação de Fiúza. O noticiário radiofônico Repórter Esso, levado
ao ar às 20 horas do dia 10, informou também minutos após a reunião que Fiúza
havia escolhido para a chefia do seu gabinete o general Ademar de Queirós,
sabidamente contrário à posse de Juscelino e Goulart.
Ao
chegar em casa, às 21 horas do dia 10, Lott foi procurado pelo general Odílio
Denis, comandante da Zona Militar Leste (atual I Exército), com sede no Rio.
Denis mostrou-se preocupado com as verdadeiras intenções do governo e com o
agravamento da crise no interior do Exército em decorrência da demissão de
Lott, acrescentando que ele e os generais sob seu comando estavam dispostos a
deixar seus cargos em solidariedade ao ministro. Informou ainda que a Marinha e
a Aeronáutica estavam de prontidão, sugerindo que a guarnição do Exército
estacionada no Distrito Federal fosse colocada na mesma situação. Entretanto,
no primeiro momento Lott não julgou conveniente tomar a medida para não alarmar
a população.
A
notícia da demissão de Lott provocou intensa atividade nos círculos políticos e
militares ligados a Juscelino. O comando central do MMC reuniu-se na casa do
general Euclides Zenóbio da Costa, em Vila Isabel, ao mesmo tempo que diversos
parlamentares favoráveis à posse dos eleitos discutiam a situação no anexo do
hotel Copacabana Palace, liderados pelo deputado José Maria Alkmin, do PSD
mineiro.
Voltando atrás em sua decisão anterior, Lott telefonou para o
general Denis à uma hora da madrugada do dia 11 de novembro, afirmando sua
disposição de agir. Em seguida, Lott, Denis, o general Olímpio Falconière da
Cunha (comandante da Zona Militar Centro, atual II Exército, sediada em São
Paulo) e outros oficiais seguiram para o Ministério da Guerra, onde foi
centralizado o comando das operações. Desde o início, o movimento ganhou
numerosas adesões. Alkmin, Flores da Cunha e Nereu Ramos foram chamados pouco
depois ao encontro de Lott, que lhes garantiu que o Exército não pretendia
interferir nas atribuições do poder civil mas ressaltou a necessidade de buscar
rapidamente uma solução institucional para o impasse, promovendo a substituição
do presidente Carlos Luz. Alkmin redigiu uma petição formal a Flores da Cunha,
que foi assinada por ele e pelos líderes dos quatro partidos que apoiavam a
coligação PSD-PTB, solicitando a convocação de uma sessão especial da Câmara
dos Deputados para as dez horas do próprio dia 11.
Informado
da movimentação de tropas às duas horas da madrugada, Carlos Luz se dirigiu
para o palácio do Catete em companhia de alguns membros do governo e, por volta
das quatro horas, antes que os soldados de Lott chegassem até lá, rumou para o
Ministério da Marinha junto com os ministros Otávio Marcondes Ferraz (dos
Transportes) e José Eduardo Prado Kelly (da Justiça). Os ministros Eduardo
Gomes (da Aeronáutica) e Edmundo Amorim do Vale (da Marinha), que se
encontravam no local, emitiram nota afirmando que as forças sob seu comando
estavam ao lado do presidente Luz. A seguir, Eduardo Gomes seguiu de avião para
São Paulo, enquanto o almirante Carlos Pena Boto, comandante-em-chefe da
Esquadra, colocou seus navios de prontidão e ordenou que o cruzador Tamandaré,
comandado pelo capitão-de-mar-e-guerra Sílvio Heck, se preparasse para zarpar
em caso de necessidade.
Os
contingentes fiéis a Lott chegaram ao palácio do Catete a tempo de prender os
generais Fiúza de Castro e Alcides Etchegoyen, que foram conduzidos para o
Ministério da Guerra e declarados prisioneiros pelo marechal João Batista
Mascarenhas de Morais. Em seguida, a prisão do coronel Geraldo Meneses Cortes,
chefe de polícia do Distrito Federal e elemento de confiança dos partidários de
Carlos Luz, debilitou ainda mais a posição dos governistas.
Às
seis horas do dia 11 de novembro, Lott expediu uma declaração aos chefes dos
estados-maiores dos principais comandos do país, afirmando que os chefes do
Exército, “tendo em vista a solução dada pelo presidente Carlos Luz no caso do
coronel Mamede, decidiram credenciar-nos como intérpretes dos anseios do
Exército, objetivando o retorno da situação aos quadros normais do regime
constitucional vigente”. Todas as unidades do Exército aderiram ao movimento,
que recebeu também a solidariedade dos governadores de Minas Gerais, Bahia, Rio
de Janeiro e do território do Amapá.
Na manhã do dia 11, o almirantado decidiu acatar a decisão
que o Congresso viesse a tomar quanto ao problema presidencial, revelando assim
a existência de divisão no interior da Marinha. Com a situação no Rio definida
a favor de Lott, o almirante Pena Boto sugeriu ao presidente Luz que embarcasse
no Tamandaré e transferisse a sede do seu governo para Santos (SP). A sugestão
foi aceita, mas, antes de partir, Carlos Luz assinou várias cópias de uma
declaração dirigida ao deputado Flores da Cunha, na qual afirmava que, “tendo
em vista os graves acontecimentos desta madrugada, que ferem de frente a nossa
Constituição”, mantinha-se na presidência do país a bordo de um navio de guerra
em águas territoriais brasileiras. O cruzador zarpou às nove horas, conduzindo
27 passageiros, entre os quais Carlos Luz, Prado Kelly, Bento Munhoz da Rocha
(ministro da Agricultura), José Monteiro de Castro (chefe do Gabinete Civil),
José Canavarro Pereira (chefe do Gabinete Militar), Carlos Lacerda e o coronel
Mamede, além de vários oficiais da Aeronáutica e do Exército ligados a Lacerda.
Os canhões dos fortes de Santa Cruz (em Niterói), Duque de Caixas e Copacabana
(no Rio) dispararam contra o navio quando este deixava a baía de Guanabara, mas
não o atingiram.
Ainda
na manhã do dia 11, os ministros da Marinha e da Aeronáutica tentaram organizar
a resistência ao movimento militar chefiado por Lott. O primeiro permaneceu no
Rio para organizar a Esquadra, que partiria na noite seguinte, enquanto o
segundo pretendia garantir em São Paulo uma forte base de apoio ao presidente
Luz, contando com a Força Pública estadual, a 2ª Divisão de Infantaria (2ª DI)
e a IV Zona Aérea, que seria reforçada com o deslocamento para a base de
Cumbica de todos os aviões de caça e bombardeio normalmente estacionados no
Rio. Entretanto, quando o avião que conduzia o brigadeiro Eduardo Gomes
aterrissou em Cumbica, no início da tarde do dia 11, a situação já estava
praticamente sob controle do general Falconière, que chegara a Caçapava (SP)
horas antes, reassumira pessoalmente o comando das suas tropas e enviara um
contingente de quinhentos homens para Santos a fim de impedir o desembarque de
Carlos Luz e sua comitiva.
Paralelamente às operações militares, os políticos favoráveis
ao movimento tomavam a iniciativa no terreno institucional. Às 11 horas da
manhã, a Câmara começou a discutir uma moção apresentada pela coligação PSD-PTB
e seus aliados. Com base no artigo 79 da Constituição, a moção declarava Carlos
Luz impedido para o exercício da chefia do governo e designava o
vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, para o cargo. Aprovada por 185 votos
contra 72, a resolução passou a ser debatida no Senado, onde também foi
vitoriosa por 43 votos contra nove.
Às
18:30h, o general Lott, na qualidade de chefe do movimento militar vitorioso,
empossou Nereu Ramos na presidência da República até a saída de Café Filho do
hospital. Em seguida, o novo presidente nomeou os ministros do seu gabinete,
reconduzindo Lott à pasta da Guerra e designando o brigadeiro Vasco Alves Seco
e o almirante Antônio Alves Câmara Júnior para os ministérios da Aeronáutica e
da Marinha.
A notícia do impedimento de Carlos Luz, divulgada pelo rádio
às 17 horas do dia 11, deixou os passageiros do Tamandaré sem perspectivas de
resolver a crise a seu favor, Luz decidiu então enviar uma mensagem pelo rádio
a Amorim do Vale, pedindo-lhe que não saísse do porto do Rio com a Esquadra.
Mais tarde, depois de conferenciar com seus companheiros de viagem, enviou
mensagem a Eduardo Gomes e Amorim do Vale recomendando a suspensão de qualquer
resistência a Lott a fim de evitar derramamento de sangue.
Às 4:30h da madrugada do dia 12, o Tamandaré se encontrava a
cem milhas do porto de Santos, que estava ocupado por tropas de Falconière.
Pena Boto recebeu uma mensagem de terra avisando que os aviões da base aérea
desta cidade poderiam ser utilizados para bombardear o cruzador, sugerindo
então uma mudança de rumo em direção a Salvador. Carlos Luz não concordou,
ordenando que o navio retornasse ao Rio.
Por volta das 12 horas do dia 13, o Tamandaré ancorou na baía
de Guanabara. O deputado Ovídio de Abreu, do PSD mineiro, foi enviado a bordo
pelo presidente Nereu Ramos para pedir a renúncia de Carlos Luz à presidência
da Câmara dos Deputados, cargo que legalmente lhe cabia, uma vez que não estava
mais à frente do governo. Em troca, receberia permissão para desembarcar. Luz
afirmou que estava pensando em renunciar, mas que não assinaria nenhuma
declaração nesse sentido a bordo do Tamandaré. A resposta não tranqüilizou Lott
e outros membros do ministério, que temiam alguma iniciativa legal de Luz
contra a decisão do Congresso. Dizia-se que a UDN havia impetrado um mandado de
segurança para que o presidente deposto reassumisse. Mílton Campos, presidente
do partido, foi então chamado a bordo e desmentiu a informação, mostrando-se
surpreso. Carlos Luz também negou que tivesse intenção de recorrer, sendo
liberado para desembarcar.
No dia 14 de novembro, Luz compareceu à Câmara e, em longo
discurso, apresentou sua visão sobre o caso Mamede, a substituição do ministro
da Guerra, a eclosão do movimento militar e a viagem para Santos a bordo do
Tamandaré. Afirmou que, antes de assumir a presidência da República em 8 de
novembro, conversara com Lott, que afirmara não desejar a punição do coronel
Mamede. Leu em seguida um documento do brigadeiro Gervásio Duncan em que o
chefe do EMFA opinava no sentido de que o discurso de Mamede não colidia com
dispositivos disciplinares. Procurou explicar na ante-sala do palácio do Catete
no fim da tarde de 10 de novembro, e disse que não promovera a substituição de
Lott por Fiúza de Castro naquela mesma ocasião porque este último não desejava
e nem o julgava necessário. Luz deixou clara sua estreita ligação com os
militares derrotados no 11 de Novembro, e garantiu que o movimento liderado por
Lott havia sido um golpe preparado com “riqueza de minúcias”. Finalmente,
afirmou ter recebido, naquela mesma tarde de 14 de novembro, a visita de dom
Jaime de Barros Câmara, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, e de dom Hélder
Câmara, bispo auxiliar, que lhe haviam pedido para não comparecer à Câmara,
pois o governo não teria como resguardá-lo de eventuais agressões.
No
dia 20, Lott entrevistou-se com Café Filho e, em nome do esquema militar
vitorioso, desaconselhou sua volta à chefia do governo, contrariando assim a
posição expressa por Nereu Ramos em dois encontros anteriores com o presidente
licenciado. Café insistiu em reassumir o cargo, mas no dia 21 o Congresso
aprovou seu impedimento por 208 votos contra 109. O ex-presidente ficou então confinado
em seu apartamento, em Copacabana, cercado por tropas e blindados do Exército.
No
dia 24, atendendo a uma solicitação oriunda dos ministros militares, o
Congresso decretou o estado de sítio, prorrogado em 1º de janeiro de 1956 até
21 de fevereiro seguinte. Nesse intervalo, em 31 de janeiro, Nereu Ramos passou
o governo a Juscelino Kubitschek.
Depois do 11 de Novembro de 1955, Carlos Luz teve uma atuação
política apagada, menos vinculada à contemporaneidade dos fatos do que à
polêmica retrospectiva em torno do movimento que, impedindo sua permanência e a
volta de Café Filho à presidência, garantira a posse de Juscelino e Goulart. Em
3 de outubro de 1958, foi mais uma vez eleito para a Câmara dos Deputados com
24.471 votos, que lhe propiciaram o 15º lugar numa bancada de 18 deputados
federais eleitos na legenda do PSD em Minas Gerais. Entre 1951 e 1957, integrou
a diretoria da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Faleceu no Rio de Janeiro em 9 de fevereiro de 1961.
Escreveu Viação rodoviária na Zona da Mata (tese apresentada
no I Congresso de Municipalidades, em 1927) e Em defesa da Constituição (1956),
além de trabalhos jurídicos, relatórios administrativos e discursos.
Mauro Malin
FONTES: Almanaque
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