MACHADO,
Cristiano
*rev. 1930; dep. fed. MG
1930; const. 1934; dep. fed. MG 1934-1936; const. 1946;
dep. fed. MG 1946-1951; cand. pres. Rep. 1950.
Cristiano Monteiro Machado
nasceu em Sabará (MG) no dia 5 de novembro de 1893, filho do coronel,
fazendeiro e empresário Virgílio Machado e de Marieta Monteiro Machado, neta de
Lucas Antônio Monteiro de Castro, barão de Congonhas. Um de seus irmãos, Aníbal
Machado (1894-1964), tornou-se escritor conhecido.
Cristiano
Machado realizou seus estudos básicos em Sabará e em Belo Horizonte,
formando-se em farmácia no ano de 1910 pela Escola de Ouro Preto, sempre em seu
estado natal.
Em 1911, foi nomeado oficial recenseador no Rio de Janeiro
(então Distrito Federal), e no ano seguinte casou-se com Celina Magalhães
Gomes, que veio a falecer em 1913, deixando-lhe um filho. Neste período,
trabalhou com o pai em atividades madeireiras, casando-se pela segunda vez com
Hilda von Sperling, cunhada de Raul Soares de Moura, futuro presidente de Minas
Gerais.
Em 1918, bacharelou-se pela Faculdade Livre de Direito do Rio
de Janeiro. Retornando a Belo Horizonte, dividiu de 1919 a 1922 um escritório
de advocacia com Francisco Campos, futuro ministro da Justiça do primeiro
governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e principal redator da Constituição de
1937.
Com
a posse de Raul Soares na presidência do estado em setembro de 1922, foi
nomeado seu oficial-de-gabinete, permanecendo no cargo até 1924, quando assumiu
uma cadeira na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Nesta, participou da
Comissão de Orçamento e Finanças.
Renunciou ao mandato em 1925 para tornar-se diretor do Banco
de Crédito Real de Minas Gerais, exonerando-se em setembro do ano seguinte para
ocupar a prefeitura de Belo Horizonte, a convite do novo presidente do estado,
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (setembro de 1926 a setembro de 1930). Em sua
gestão, foram realizadas obras de ampliação da rede de abastecimento de água,
calçamento, saneamento, e construídos um matadouro-modelo, um mercado
municipal, um estádio esportivo e a vila operária Concórdia.
Em novembro de 1929, afastou-se da prefeitura para se dedicar
à campanha eleitoral com vistas ao pleito de março de 1930, no qual conseguiu
uma cadeira na Câmara dos Deputados na legenda do Partido Republicano Mineiro
(PRM). Entretanto, renunciou ao mandato em setembro do mesmo ano para ocupar a
Secretaria do Interior do governo estadual de Olegário Maciel (setembro de 1930
a setembro de 1933).
Revolução de 1930
Olegário Maciel estava comprometido com o movimento
revolucionário que eclodiria em outubro de 1930, mas a participação de
Cristiano Machado na revolução é controversa. Aurino de Morais afirma em seu
livro Minas na Aliança Liberal e na Revolução que Cristiano Machado tornou-se
revolucionário “pelas circunstâncias”, e foi chamado pelo presidente de Minas
Gerais para compor seu governo com o objetivo de desviar as atenções do governo
federal sobre a preparação do movimento. Cristiano Machado, que, segundo Aurino,
mantinha estreitas relações com o ministro da Justiça, Augusto Viana do
Castelo, e com a Concentração Conservadora (encarregada da campanha de Júlio
Prestes em Minas Gerais), seria, portanto, um dos elementos simpáticos a
Washington Luís que ocuparam algumas secretarias do governo de Olegário Maciel
dentro de uma estratégia de ocultação da conspiração em curso, que tinha em
Minas um de seus principais focos.
Ainda
segundo o mesmo autor, quando da eclosão do movimento armado, o desconhecimento
de Cristiano Machado sobre a sua preparação e modo de execução era tal que
tornou-se necessária a presença de seu antecessor, Odilon Braga, no
estado-maior revolucionário. Como assistente civil, Odilon teria redigido as
ordens militares, os rádios e os telegramas assinados por Cristiano. Este, por
sua vez, teria trabalhado dentro do possível no sentido de impedir o sucesso da
revolução no estado. Aurino de Morais relata duas atitudes que teriam sido
tomadas por Cristiano Machado em plena crise com essa finalidade.
No
início do movimento, às cinco horas do dia 3 de outubro, quando os contingentes
da Força Pública já estavam em suas posições de ataque ao 12º Regimento de
Infantaria (12º RI), Cristiano teria ordenado ao chefe das forças rebeldes que
não atacasse, no que foi acatado. Em conseqüência, houve um retardamento na
deflagração das operações em Belo Horizonte, o que permitiu ao 12º RI
comunicar-se com o Ministério da Guerra e preparar a resistência. Ele teria
ainda tentado impedir as comunicações feitas ao ex-presidente estadual Antônio
Carlos a partir da estação de rádio do palácio da Liberdade (sede do governo
mineiro), a fim de que este fosse preso pelas forças federais estacionadas em
Juiz de Fora, onde se encontrava.
Entretanto,
Virgílio de Melo Franco afirma em seu livro Outubro, 1930 que Cristiano Machado
participou da conspiração revolucionária desde meados do ano, e narra um
episódio para comprovar a versão. Segundo Virgílio, em junho de 1930, Antônio
Carlos (revolucionário e então presidente de Minas Gerais), temendo o fracasso
do movimento armado, propôs que os três estados-membros da Aliança Liberal
(Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba) se limitassem a uma oposição
política ao governo federal, só deflagrando a revolta armada caso este
interviesse na Paraíba. Com o recuo de Antônio Carlos e a conseqüente
desmobilização de Minas, o movimento ficaria a tal ponto enfraquecido que se
tornaria inviável. Diante disso, Osvaldo Aranha, um dos líderes
revolucionários, telegrafou ao presidente mineiro responsabilizando-o pelo
malogro. Tentando fugir à responsabilidade de tal recuo, Antônio Carlos alegou
que para comprometer-se com o movimento armado necessitaria da aprovação de
Olegário Maciel, que assumiria o governo estadual em setembro e durante cujo
mandato eclodiria provavelmente a revolta. Para saber a opinião de Olegário
Maciel, Antônio Carlos enviou Odilon Braga ao seu encontro.
Virgílio
de Melo Franco conta que, ciente destes fatos, pediu a Cristiano Machado que
escrevesse a Olegário Maciel sugerindo-lhe que respondesse à consulta de
Antônio Carlos apoiando o movimento armado. Cristiano cumpriu essa missão com
sucesso, o que garantiu o prosseguimento dos preparativos para a revolta.
Minas depois da Revolução
Em
novembro de 1930, o movimento já era vitorioso: os combates em Minas, que se
prolongaram durante todo o mês de outubro, haviam cessado e Washington Luís
fora deposto no dia 24 de outubro no Distrito Federal. Iniciou-se então um
período de conflitos entre Olegário Maciel e seu secretariado — basicamente
composto de elementos ligados a Artur Bernardes e empenhado em conseguir que
Olegário renunciasse à presidência do estado.
Entretanto, Olegário recebeu em meados de novembro um
telegrama da capital federal em que vários ministros lhe propunham a formação
de uma agremiação política, a futura Legião de Outubro, que visaria sustentar o
movimento revolucionário. No dia 25 do mesmo mês, foi procurado em Belo
Horizonte por Francisco Campos, então ministro da Educação e Saúde, com quem
conversou sobre o estabelecimento em Minas da Legião, a qual lhe daria apoio
político. Respaldando-se nessa perspectiva, no dia 26 Olegário aceitou a
demissão de três membros de seu gabinete: Cristiano Machado (Interior), José
Carneiro Resende (Finanças) e Alaor Prata (Agricultura), que foram substituídos
respectivamente por Gustavo Capanema, Amaro Lanari e Cincinato Noronha Guarani.
O
PRM foi alijado do poder, e seus atritos com Olegário Maciel aumentaram com a
criação em 1931 da Legião de Outubro (ou Legião Mineira), organização política
de inspiração fascista que, apoiada por Olegário, destinava-se a sustentar e
aprofundar o programa da Revolução de 1930. Em agosto de 1931, a situação
política agravou-se com a realização da convenção do PRM que visava reativar o
partido. No dia 18, houve uma tentativa de deposição de Olegário Maciel, da
qual Cristiano Machado participou, tentando, em vão, sublevar o 5º Batalhão da
Força Pública. Osvaldo Aranha (então ministro da Justiça) já havia trabalhado
junto a Cristiano Machado no sentido de procurar uma solução para Minas que
excluísse Olegário Maciel do poder, mas a responsabilidade pela Intentona
recaiu somente sobre o PRM. Depois disto, acentuaram-se as divergências entre
esse partido e o governo mineiro, e entre este e o governo federal.
Com o objetivo de superar o impasse, foi articulado o Acordo
Mineiro, para o qual Cristiano Machado muito contribuiu. O acordo propunha a
fusão da Legião de Outubro com o PRM em um único partido, que apoiaria os
governos estadual e federal. Desta forma, em fevereiro de 1932, foi fundado o
Partido Social Nacionalista (PSN), que se dissolveu com a eclosão da Revolução
Constitucionalista em julho do mesmo ano.
Ainda
em fevereiro de 1932, Cristiano foi eleito para o conselho consultivo do Clube
3 de Outubro, organização que congregava nacionalmente as correntes tenentistas
partidárias do aprofundamento das reformas instituídas pela Revolução de 1930.
Entretanto, desligou-se do Clube pouco depois. Diante da Revolução
Constitucionalista, não teve uma posição ostensiva. Apesar de simpático ao
movimento, limitou-se a conspirar em Minas Gerais e a apoiar algumas ações
isoladas no estado, e desse modo não foi atingido pelas punições que se
seguiram à derrota das forças constitucionalistas.
No início de 1933, visando às eleições para a Assembléia
Nacional Constituinte, o PRM reorganizou-se como força de oposição, enquanto
era fundado o Partido Progressista Mineiro (PPM), situacionista. Cristiano
Machado foi eleito para a nova comissão executiva do PRM e no pleito de 3 de
maio conseguiu uma cadeira na Constituinte que se reuniria em novembro.
Com
a morte de Olegário Maciel em setembro de 1933, os grupos políticos do estado
se dividiram entre as candidaturas de Gustavo Capanema e Virgílio de Melo
Franco, sendo esse último o candidato de Cristiano Machado. Entretanto, Getúlio
Vargas, procurando não fortalecer nenhuma das correntes políticas locais,
nomeou Benedito Valadares para a chefia do Executivo estadual. Desvinculado dos
grupos tradicionais, Valadares conduziu a política mineira de acordo com os
desígnios de Vargas.
Na Constituinte, Cristiano Machado apresentou diversas
emendas ao anteprojeto governamental de Constituição e, em abril de 1934,
lançou o nome do general Góis Monteiro à presidência da República. Em 14 de
outubro do mesmo ano, foi eleito deputado federal pelo PRM.
Em 1936, Benedito Valadares, a fim de diminuir o prestígio
político de Antônio Carlos, procurou um entendimento com o PRM, foco de
oposição a seu governo. Dos 11 componentes da bancada federal deste partido,
seis aceitaram o acordo, entre eles Cristiano Machado. Pouco depois, como
conseqüência desse acordo, Cristiano renunciou a seu mandato legislativo para
ocupar a Secretaria de Educação e Saúde Pública de Minas Gerais a partir do dia
2 de setembro de 1936.
Em sua gestão, foi incentivada a criação de escolas e a
reorganização do ensino elementar, introduziu-se o ensino religioso no
currículo escolar, promoveram-se congressos e reformulou-se o sistema de caixas
escolares, entre outras iniciativas. No que diz respeito à saúde, foram
construídos leprosários e foi regulamentado o serviço de assistência aos
leprosos. Cristiano Machado deixou a secretaria do governo mineiro apenas em 5
de novembro de 1945, em decorrência da deposição de Getúlio Vargas (29/10/1945)
e do conseqüente término do governo Valadares.
Ainda em 1945, filiou-se ao Partido Social Democrático (PSD),
em cuja legenda foi eleito deputado à Constituinte de 1946. Entretanto, nas
eleições para o governo estadual, Cristiano Machado, Venceslau Brás, Fernando
de Melo Viana e outras lideranças do PSD em Minas apoiaram o candidato da União
Democrática Nacional (UDN), Mílton Campos, que saiu vitorioso na disputa contra
José Francisco Bias Fortes do PSD. A dissidência teve origem na convenção
partidária que, em vez de homologar o nome de Venceslau Brás, que era apoiado
pelo presidente Eurico Dutra e conciliava as alas chefiadas por Melo Viana e
Bias Fortes, escolheu esse último.
Candidato à presidência da República
Em
15 de maio de 1950, os dirigentes do PSD, reunidos na casa de Cirilo Júnior
(presidente do partido), definiram a candidatura de Cristiano Machado à
presidência da República nas eleições que se realizariam em outubro. Decidiram
que o general Góis Monteiro transmitiria essa escolha ao presidente Dutra,
enquanto o próprio Cristiano procuraria Getúlio Vargas e Ademar de Barros,
oferecendo ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a vice-presidência.
Dois
dias depois, o conselho nacional do PSD ratificou oficialmente essa política, que
entretanto ainda dependia de confirmação na convenção nacional do partido, que
se realizaria nos dias 9 e 10 de junho. Apesar de Vargas nada ter obstado à
escolha de Cristiano, a ala getulista do PSD do Rio Grande do Sul (favorável à
indicação de Nereu Ramos) recusou-se a aceitar sua candidatura. Ainda em maio,
membros do Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, comunicaram
que também não apoiariam o nome de Cristiano, já que a candidatura de Vargas,
apoiada por Ademar, seria lançada em 17 de junho.
Em
junho, Vargas propôs a Cirilo Júnior o adiamento da convenção nacional do PSD,
no que não foi atendido. Segundo o jornal Correio da Manhã, a proposta tinha
dois objetivos: possibilitar a aliança com o PSP e/ou ganhar tempo, diminuindo
as possibilidades eleitorais de Cristiano. Embora o PSD ficasse dividido, o
nome de Cristiano Machado foi aclamado no dia 9 de junho, na convenção nacional
do partido, que não contou com a presença de grande parte dos representantes
gaúchos.
Em julho, a maioria do Partido Republicano (PR) manifestou-se
favorável ao candidato oficial do PSD, desde que um de seus membros ocupasse a
vice-presidência na chapa, e, no dia 11 deste mês, a convenção nacional do PR
homologou o nome de Cristiano, indicando Altino Arantes para a
vice-presidência. A indicação foi aprovada três dias depois pelo conselho
nacional do PSD.
Cristiano fez ainda uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao
governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), enquanto Nereu
Ramos permanecia indeciso entre apoiar sua candidatura ou a de Vargas.
Nas
eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes
(PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes-Odilon Braga (UDN) e Getúlio
Vargas-Café Filho (PTB-PSP), entre as mais importantes. Vargas saiu vitorioso,
contando, inclusive, com votos de vários redutos do PSD. O refluxo do setor
getulista desse partido em relação à candidatura de Cristiano Machado e a
transferência de seus votos para Vargas configuraram um processo de
esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como
“cristianização”. Cristiano Machado recebeu 1.697.193 votos, e Altino Arantes
1.649.309.
Em 1953, foi nomeado embaixador do Brasil junto à Santa Sé,
substituindo Frederico Castelo Branco Clark. Tendo entregue suas credenciais em
outubro, faleceu em sua residência oficial em Roma no dia 26 de dezembro,
vítima de enfarte.
Como empresário, havia iniciado suas atividades em 1940,
mantendo relações com o grupo Itaú, de São Paulo. Em março de 1946, foi eleito
para a diretoria da Companhia de Cimento Portland Itaú. Como jornalista,
colaborou com o jornal A Noite, do Rio de Janeiro (então Distrito Federal),
logo após a Revolução de 1930, sob o pseudônimo de Kerenski.
Seu arquivo pessoal encontra-se depositado no Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação
Getulio Vargas.
Helena Faria
FONTES: ARQ. CLUBE
3 DE OUTUBRO; ARQ. CRISTIANO MACHADO; ASSEMB. NAC. CONST. 1934. Anais; Boletim
Min. Trab. (5/36); CÂM. DEP. Deputados; CÂM. DEP. Relação dos dep.; Câm. Dep.
seus componentes; CHAGAS, P. Esse; COUTINHO, L. General; Diário do Congresso
Nacional; DULLES, J. Getúlio; Encic. Mirador; FUND. GETULIO VARGAS. Cronologia
da Assembléia; GODINHO, V. Constituintes; Grande encic. Delta; HIPÓLITO, L.
Campanha; HORTA, C. Famílias; LEITE, A. História; LEITE, A. Páginas; MAGALHÃES,
B. Artur; MORAIS, A. Minas; NOGUEIRA FILHO, P. Ideais; Personalidades; Rev.
Arq. Públ. Mineiro (12/76).