CAPISTRANO,
Davi
*militar; mov. Comunista
Davi Capistrano da Costa
nasceu no lugarejo de Jacampari, distrito do município de Boa Viagem (CE), no
dia 16 de novembro de 1913, filho de José Capistrano da Costa, pequeno
proprietário rural, e de Cristina Cirila de Araújo. Sua avó pertencia à família
rival da de Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) no Ceará.
Foi a violenta luta entre as duas famílias, em meados do
século XIX, que motivou a ida de Antônio Conselheiro para o interior da Bahia,
onde o líder religioso comandou o movimento camponês de Canudos.
Com 13 anos de idade, veio para o Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, aos cuidados de um tio materno. Sem meios para prosseguir os
estudos, trabalhou em bares e botequins até sentar praça no Exército, em 1931.
Era cabo-aluno da Escola de Aviação Militar, no subúrbio carioca de
Realengo, quando começou a receber do tenente Ivan Ramos Ribeiro propaganda do
movimento comunista e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), por cujo
presidente de honra, o ex-capitão Luís Carlos Prestes, nutria, como diversos
militares da época, grande admiração.
Ingressou
no Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB), pelas
mãos de Ivan Ramos Ribeiro, a quem auxiliou, durante a Revolta Comunista de
1935, no ataque ao Regimento de Aviação de Realengo, comandando um grupo de
combate cujo alvo era o pavilhão de comando. Sufocada a revolta, foi detido,
processado e condenado a sete anos de prisão por sua participação no movimento.
A resistência antifascista na Europa
Davi
Capistrano não cumpriu a pena e, pouco tempo depois, já estava fora da prisão.
Exilou-se no Uruguai, onde passou a ganhar a vida como mecânico de automóveis.
Após o início da Guerra Civil Espanhola e a formação, em meados de 1936, de
brigadas internacionais para combater ao lado dos republicanos, foi com um
grupo de latino-americanos e de norte-americanos para a Espanha,
incorporando-se à Brigada Garibaldi, cujo comandante era o dirigente comunista
italiano Luigi Longo.
Lutou na batalha do Ebro (julho-outubro de 1938), a que maior
número de mortes ocasionou dentre todas as da guerra da Espanha, sendo ele
próprio dado inicialmente como morto. Em outubro de 1938, quando o governo
republicano espanhol dispensou as brigadas internacionais, deslocou-se para a
França, onde seria depois recrutado para a resistência aos ocupantes nazistas
pelo dirigente comunista André Marty. Radicado em Marselha, onde atuava também
Apolônio de Carvalho, ex-militar comunista e participante da Revolta de 1935,
era acobertado pelo cônsul brasileiro nessa cidade do sul da França. Preso com
um grupo de partisans foi poupado da execução imediata, destino de seus
companheiros franceses, por não ser francês. Enviado para o campo de
concentração de Gurs, na fronteira entre a França e a Alemanha, foi
posteriormente libertado e regressou ao Uruguai.
Em
1944, junto com vários companheiros, tomou um trem no Uruguai para regressar ao
Rio de Janeiro e inscrever-se na Força Expedicionária Brasileira (FEB), que
estava sendo formada por Getúlio Vargas para combater na Europa, ao lado dos
Aliados, contra as tropas do Eixo. Entretanto, os ocupantes do comboio foram
detidos em São Paulo. Davi Capistrano ficou preso na ilha Grande, no litoral
fluminense, sendo anistiado e libertado em 18 de abril de 1945, pouco antes da
extinção do Estado Novo.
Na direção do PCB
Guindado à direção do recém-legalizado PCB, em dezembro de
1946 Davi Capistrano passou a integrá-la formal e publicamente como um dos 26
membros de seu comitê central e um dos três suplentes de sua comissão
executiva. Ainda em 1945 transferiu-se para Recife, onde se engajou na
atividade do partido. Em janeiro de 1947 foi o mais votado (3.117 votos) dos
nove deputados estaduais eleitos em Pernambuco na legenda do PCB.
O registro do PCB foi cancelado pela Justiça Eleitoral em
maio de 1947 e, em janeiro do ano seguinte, por decisão do Congresso Nacional,
foram cassados os mandatos de todos os parlamentares comunistas. Capistrano foi
deslocado para a atividade partidária clandestina em São Paulo, fixando-se inicialmente em Sorocaba, a fim de organizar o núcleo comunista da
fábrica de tecidos Votorantim. Removido mais tarde para Santos (SP), foi preso
e processado durante as intensas agitações sindicais de 1953. Absolvido,
transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde decidiu permanecer na clandestinidade
até ser enviado para a “escola de quadros” do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS), em Moscou, onde ficaria por dois anos. Entrementes, em
novembro de 1954, foi reeleito para o comitê central no IV Congresso do PCB.
De volta ao Brasil, foi enviado para os estados do Amazonas e
do Pará, regressando legalmente a Pernambuco em 1957, quando foi recebido com
grande manifestação popular no aeroporto local. Nomeado dirigente do comitê estadual
pernambucano do PCB pelo comitê central, defendeu contra companheiros mais
“ortodoxos” uma ampla política de alianças que permitisse aos comunistas uma
efetiva participação na vida política do estado. Viu suas posições triunfarem
no pleito de outubro de 1958, quando o PCB apoiou o candidato udenista Cid
Sampaio para o governo do estado, indicando em contrapartida o candidato a
vice-governador Pelópidas Silveira. Concorrendo por uma coligação de cinco
partidos liderada pela União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), foram ambos os candidatos eleitos.
Durante o governo de Cid Sampaio (1959-1963), desenvolveu
intensa atividade política e dedicou-se à expansão do semanário comunista A
Hora. No V Congresso do PCB, em 1960, foi mais uma vez reeleito para o comitê
central. Todavia, logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto
do ano seguinte, foi preso e enviado à ilha de Fernando de Noronha, onde chegou
a ser submetido a fuzilamento simulado. Pouco depois, quando o governador Cid
Sampaio e o PCB romperam sua aliança e entraram em conflito, foi mais uma vez
preso em Recife.
Em
1962 defendeu a articulação de uma aliança com o Partido Social Democrático
(PSD) com vista à sucessão estadual. Vitoriosa sua posição, veio ao Rio de
Janeiro articular com o ex-governador Etelvino Lins o acordo que, nas eleições
de outubro daquele ano, permitiu a vitória de Miguel Arrais, lançado pelo
Partido Social Trabalhista (PST) e apoiado pelo PTB e pela dissidência
pessedista encabeçada por Paulo Guerra, eleito vice-governador.
O grande derrotado nessa eleição foi João Cleofas, candidato
do Partido Republicano (PR) que contou com o apoio da UDN e do governador Cid
Sampaio. Parte do potencial eleitoral pessedista foi desviada para a candidatura
de Armando Monteiro Filho, que concorreu na legenda do Partido Republicano
Trabalhista (PRT). Davi Capistrano chegou a candidatar-se a deputado estadual,
mas, pouco depois de iniciar a campanha, teve seu registro impugnado pelo
Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Durante o governo de Miguel Arrais,
a quem se ligara por laços de amizade, intensificou sua atividade de dirigente
comunista em Pernambuco e continuou à frente de A Hora.
Depois de 1964
Após
a vitória do movimento político-militar de 31 de março de 1964,
perseguido — em 13 de junho teve seus direitos políticos cassados pelo
presidente Humberto Castelo Branco com base no Ato Institucional nº 1
(9/4/1964) —, escondeu-se com os remanescentes do comitê pernambucano do
PCB num sítio, onde dirigiu a edição de um jornal clandestino mimeografado, o
Combater. O sítio acabou sendo descoberto pelas autoridades policiais-militares
em 1965, mas seus ocupantes conseguiram escapar à prisão e, no fim do ano, Davi
Capistrano regressou ao Rio de Janeiro.
Destacado
para a atividade de solidariedade internacional do PCB, participou do VI
Congresso da organização, em dezembro de 1967, encampando as teses vitoriosas
do comitê central, para o qual foi novamente reeleito. Após o conclave, foi deslocado
para integrar uma comissão encarregada de estudar os problemas rurais
brasileiros. Em 1972, contra sua própria vontade, aceitou a decisão partidária
de enviá-lo a Praga, Tchecoslováquia, como representante do PCB na revista
Problemas da Paz e do Socialismo (PPS), que também circulou sob o nome de
Revista Internacional. Substituído em 1974 por outro representante do PCB na
capital tcheca, voltou clandestinamente ao Brasil, mas, no dia 15 de março,
desapareceu ao longo do percurso entre Uruguaiana (RS) e São Paulo, quando
viajava de carro em companhia de José Roman.
Em agosto de 1974, o general Golberi do Couto e Silva, chefe
do Gabinete Civil do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), recebeu uma
comissão de familiares de desaparecidos na presença do presidente da Comissão
de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, cardeal Paulo Evaristo Arns, e
do professor Cândido Mendes de Almeida. Na ocasião, a esposa de Davi, Maria
Augusta de Oliveira, fez o relato das circunstâncias conhecidas do desaparecimento
do marido e ouviu a promessa de que dentro de um mês teria uma resposta para
esclarecimento do caso. No entanto, este canal de comunicação oficial foi
interrompido logo a seguir. Desde então foi unanimemente considerado pelos
setores oposicionistas brasileiros como seqüestrado e morto pelas forças
militares de repressão política sediadas em São Paulo, no início de uma onda de prisões de dirigentes e militantes comunistas que se
prolongaria até o começo de 1976, abrangendo vários estados, e que deixaria um
saldo de 13 vítimas fatais, das quais dez dirigentes dados pelas autoridades
como desaparecidos.
Apenas em fevereiro de 1975, respondendo a solicitações de
esclarecimento sobre seu paradeiro, inclusive por organismos e órgãos de
imprensa internacionais, o ministro da Justiça, Armando Falcão, informou que
ele estava foragido na Tchecoslováquia. Em 19 e 20 de setembro de 1978, por
ocasião do julgamento de 63 acusados pela reorganização do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), o Conselho de Segurança negou pedido de abertura de inquérito
para apurar o desaparecimento de oito acusados revéis, entre os quais Davi
Capistrano.
Em
setembro de 1979, Maria Augusta de Oliveira veio a público manifestar a
intenção de acionar o governo federal como responsável pelo desaparecimento de
seu companheiro. Desenvolvendo intensa atividade de busca e denúncia, ela
participou da formação do movimento de familiares de desaparecidos que deu
origem ao Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e, mais tarde, ao grupo Tortura
Nunca Mais.
Em
entrevista à revista IstoÉ, na edição de 1º de abril de 1987, o médico Amílcar
Lobo, que servia no quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita,
no Rio de Janeiro, onde funcionou o DOI-CODI, declarou que dera assistência a
diversos presos, nas dependências de uma casa situada na rua Artur Barbosa,
668, em Petrópolis (RJ). Procurado por Maria Carolina Capistrano, filha mais
nova de Davi, contou que ele havia sido torturado naquela casa, vindo a falecer
em decorrência das torturas.
Em outubro de 1988, o advogado Luís Eduardo Greenhalgh
apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de habeas data, como último
recurso para exigir do Serviço Nacional de Informações (SNI) esclarecimentos
sobre o desaparecimento de 18 presos políticos, entre eles Davi Capistrano, mas
o tribunal considerou-se incompetente para julgar o pedido. Segundo o general
Ivan de Sousa Mendes, chefe do SNI, não poderiam ser divulgadas informações ou
fichas que pudessem ameaçar a segurança do Estado. No final de 1992, Marival
Dias Chaves do Canto, ex-sargento e agente do Departamento de Operações
Internas-Centro de Operações para a Defesa Interna (DOI-CODI), confirmando a
informação de Amílcar Lobo, declarou em entrevista à revista Veja, na edição de
18 de novembro daquele ano, que Davi Capistrano estivera preso no DOI-CODI do
Rio de Janeiro e fora levado a uma casa em Petrópolis, juntamente com José
Roman. Ali foi executado e esquartejado, tendo seus restos mortais sido
ensacados e jogados em rio próximo.
Ainda
em novembro de 1992, iniciado o processo de abertura dos arquivos dos órgãos de
repressão do regime militar, foi fornecida certidão — emitida pela Divisão de
Documentação Permanente do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, órgão
da Secretaria de Justiça — informando sobre a existência, nos arquivos do
extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de prontuário (nº
3.579) no qual estava textualmente escrito “que, em 16 de setembro de 1974,
Davi Capistrano encontrava-se preso há quatro meses...”.
O
reconhecimento oficial da responsabilidade pela sua prisão e morte pelos órgãos
de repressão da ditadura militar deu-se através da aprovação de requerimento de
sua esposa Maria Augusta de Oliveira como beneficiária de indenização do
Estado, através da Lei nº 9.140, de 1995.
Davi Capistrano e Maria Augusta viviam juntos desde 1947,
depois que esta, dirigente estadual do PCB na Paraíba, concorreu sem êxito à
Assembléia Legislativa de seu estado. O filho Davi Capistrano da Costa Filho,
líder universitário no Rio de Janeiro entre 1967 e 1972, foi preso nove vezes
por suas atividades políticas. No curso de suas atividades profissionais e
políticas, ocupou as secretarias de Saúde dos municípios de Bauru e Santos, em São Paulo, elegendo-se, em 1992, prefeito de Santos na legenda do Partido dos Trabalhadores
(PT). Exerceu o mandato entre 1993 e 1996. Maria Cristina Capistrano da Costa,
a mais velha das duas filhas, também foi presa em 1971 por atividades oposicionistas.
FONTES: ARQ. DEP.
PESQ. JORNAL DO BRASIL; CHILCOTE, R. Brazilian; ENTREV. BIOG.; INF.
MARIA CAROLINA CAPISTRANO; PORTO, E. Insurreição.