FIGUEIREDO,
Euclides
*militar; rev. 1932; const. 1946; dep. fed. DF
1946-1951.
Euclides de Oliveira Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro, então capital do Império, em 12 de
novembro de 1883, filho caçula de João Batista de Oliveira Figueiredo e de
Leopoldina de Oliveira Figueiredo. Seu pai, funcionário do Tesouro Nacional,
participou da Guerra do Paraguai, quando ajudou a organizar o primeiro serviço
de intendência do Exército brasileiro.
Órfão de pai aos seis anos de idade, Euclides Figueiredo
passou a ser educado pela irmã, Emerenciana. Ingressou no Colégio Militar em
1893 e, em seguida, na Escola Militar da Praia Vermelha, em sua cidade natal,
então Distrito Federal. Era alferes-aluno dessa escola quando, em novembro de
1904, tomou parte junto com seus colegas na revolta contra a vacina
obrigatória, medida recém-decretada pelo governo de Rodrigues Alves. Sufocado o
movimento, a escola foi fechada e Euclides Figueiredo foi preso, assim como
seus companheiros, sendo anistiado e reincorporado ao Exército em novembro de
1905.
Promovido a segundo-tenente em 1908, cursou a Escola de
Artilharia e Engenharia do Realengo, tornando-se bacharel em ciências físicas e
matemáticas em 1910. Em 1911, iniciou estágio de dois anos em um regimento de
cavalaria do Exército alemão sediado em Ohlau, na Prússia Oriental, região
atualmente incorporada à Polônia. Passou à condição de primeiro-tenente em maio
de 1912 e, de volta ao Brasil, foi um dos fundadores da revista A Defesa
Nacional, junto com Bertoldo Klinger, Genserico de Vasconcelos, Augusto de
Lima Mendes e outros oficiais que também haviam cumprido estágio semelhante ao
seu. A revista desempenhou importante papel na luta para pôr em prática a lei
que determinava o recrutamento militar através de sorteio (promulgada em 1908
mas inaplicada até 1916), na defesa da ampliação do ensino militar nos estabelecimentos
escolares de nível secundário e superior e na campanha pela modernização do
Exército brasileiro. A influência da doutrina militar alemã nos oficiais
agrupados em torno da revista fez com que fossem chamados por seus adversários
de “jovens turcos”, em alusão aos militares turcos que, depois de estagiarem na
Alemanha, introduziram reformas políticas e militares em seu país.
Euclides
Figueiredo se casou em 1913 com Valentina Bastos da Silva, filha do médico
Guilherme Alves da Silva, que teve destacada atuação no combate à febre amarela
em Campinas (SP). Pouco depois, participou da repressão à Revolta do
Contestado, rebelião camponesa de cunho messiânico ocorrida na região
fronteiriça entre Paraná e Santa Catarina de 1912 a 1915, esmagada com a intervenção de fortes contingentes militares. Nessa campanha, recebeu uma
medalha por ter salvo a vida de um soldado.
Nos
anos seguintes, desempenhou as funções de auxiliar técnico da Diretoria de
Administração do Exército, adjunto do estado-maior da 4ª Região Militar,
sediada em Juiz de Fora (MG), instrutor da Escola Militar do Realengo, no Rio,
e adjunto do Estado-Maior do Exército, sendo promovido a capitão em março de
1919. Estava no comando de um esquadrão de cavalaria quando eclodiu, em 5 de
julho de 1922, uma revolta no forte de Copacabana e na Escola Militar do
Realengo, inaugurando a série de levantes tenentistas que marcou a década de
1920. Figueiredo comandou um grupo de oficiais que controlou a situação na
Escola Militar sem necessidade de usar a força, e, ordenando em seguida a
formatura dos cadetes revoltosos, a eles se dirigiu dizendo: “Vim para
conduzi-los ao caminho do dever.” Promovido a major em setembro de 1922, foi
nomeado em novembro seguinte oficial-de-gabinete do ministro da Guerra, general
Fernando Setembrino de Carvalho. No exercício dessa função, representou o
ministro nas negociações de paz entre republicanos e libertadores no Rio Grande
do Sul, que resultaram no encerramento da guerra civil gaúcha de 1923 através
da assinatura do Pacto de Pedras Altas. Em novembro de 1924 foi promovido a
tenente-coronel. Permaneceu lotado no gabinete do ministro até junho de 1926,
quando foi transferido para o comando do 1º Regimento de Cavalaria
Divisionária, que ocupou até o ano seguinte. Recebeu a patente de coronel em
junho de 1927.
Na oposição ao Governo Provisório
No início de 1930, a campanha eleitoral para a presidência da
República dominou o cenário político nacional, opondo o candidato da situação
Júlio Prestes a Getúlio Vargas, apoiado pela coligação oposicionista da Aliança
Liberal. A vitória do candidato situacionista em março desse ano foi contestada
por importantes setores da oposição, que aderiram à pregação revolucionária dos
segmentos mais radicais e se aproximaram dos “tenentes”. De fato, desde o final
de 1929, Luís Carlos Prestes, então exilado na Argentina, fora convidado a
assumir o comando militar de um movimento revolucionário no Brasil destinado a
derrubar o governo de Washington Luís. Após as eleições, intensificaram-se as
articulações com vistas a um movimento armado de âmbito nacional, mas, com a
recusa de Prestes em chefiá-lo, João Neves da Fontoura sugeriu o nome de
Euclides Figueiredo, que comandava a 2ª Divisão de Cavalaria, sediada em
Alegrete (RS). Contatado pelo velho líder político gaúcho Antônio Augusto
Borges de Medeiros, Euclides reafirmou, em carta datada de 21 de julho, sua
fidelidade ao governo. A escolha final para o comando militar da revolução
recaiu então sobre o tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
Ao irromper a revolução em 3 de outubro de 1930, Euclides foi
preso pelos revoltosos na cidade de Santana do Livramento (RS), onde estava
realizando uma inspeção. Foi libertado ainda durante o período de lutas, que
durou até o dia 24 seguinte, quando autoridades militares do Distrito Federal
depuseram o presidente Washington Luís e constituíram uma junta que, em 3 de
novembro, entregou o poder a Getúlio Vargas. Para Euclides Figueiredo, a
vitória da revolução foi “um tormentoso acontecimento na vida nacional…,
simplesmente um verdadeiro desastre, uma catástrofe, incentivando os
aventureiros audaciosos e decepcionando todos que para ela colaboraram com
sadias intenções patrióticas”. Considerou ilegítimo e indigno de respeito o
Governo Provisório então constituído sob a chefia de Vargas, iniciando uma
oposição cerrada e duradoura ao novo presidente da República.
Voltando
para o Rio de Janeiro, Euclides Figueiredo se recolheu à sua residência, sem
procurar ninguém, evitando inclusive sair à rua. Não se apresentou ao
quartel-general do Exército, contrariando assim as normas militares e
tornando-se passível de incorrer em crime de deserção. Entretanto, graças à
intervenção de amigos, sua apresentação regular foi dispensada pelo general
Constâncio Deschamps Cavalcanti, chefe do Departamento do Pessoal da Guerra. Em
1931, ainda sem função definida, Euclides solicitou reforma do serviço ativo,
indeferida pelo ministro da Guerra, general José Leite de Castro, que alegou
necessitar dos seus serviços para o programa de restabelecimento da disciplina
do Exército.
Ainda
em 1931, recebeu a visita do seu irmão Leopoldo, residente em Santos (SP) e
ligado ao Partido Democrático (PD), que lhe expôs a situação de São Paulo, onde
crescia o antagonismo entre as correntes políticas tradicionais e as forças
tenentistas apoiadas pelo Governo Provisório. A partir de então, passou a
articular o descontentamento existente entre alguns setores militares com a
luta das forças paulistas que reivindicavam a devolução da autonomia estadual e
a imediata reconstitucionalização do país. Depois da unificação do PD e do
Partido Republicano Paulista (PRP) na Frente Única Paulista (FUP) em fevereiro
de 1932, Euclides começou a planejar um levante armado, realizando diversas
viagens para São Paulo e intensos contatos com políticos e militares desse
estado. Com a perspectiva de promover um movimento nacional, esteve também em Minas Gerais, onde negociou a participação do ex-presidente Artur Bernardes e de seus
correligionários Mário Brant, Djalma Pinheiro de Chagas, Teodomiro Santiago e
outros. No Rio, conseguiu a adesão do general João Gomes Ribeiro e deixou o
trabalho de aliciamento no meio militar a cargo dos coronéis Basílio Taborda e
Lima e Silva, ambos lotados no Estado-Maior do Exército, e dos capitães Nestor
Penha Brasil e Joaquim Alves Bastos.
A
força do movimento contra o Governo Provisório cresceu depois da renúncia dos
gaúchos João Batista Luzardo (chefe de polícia do Distrito Federal), Maurício
Cardoso (ministro da Justiça), Lindolfo Collor (ministro do Trabalho) e João
Neves da Fontoura (advogado do Banco do Brasil), ocorrida em 3 de março de 1932
em protesto contra a impunidade dos elementos vinculados à organização
tenentista Clube 3 de Outubro, acusados do empastelamento do jornal Diário
Carioca, defensor da constitucionalização do país. Essa renúncia coletiva
fortaleceu a Frente Única Gaúcha (FUG), liderada por Borges de Medeiros e Raul
Pilla, e já então contrária ao governo federal.
A situação em São Paulo se radicalizou com a realização de
grandes manifestações populares em 22 e 23 de maio contra a presença do
ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, no estado. Em seguida, o interventor
federal Pedro de Toledo reorganizou seu secretariado, que passou a ser composto
integralmente por elementos escolhidos pela FUP, e o “tenente” Miguel Costa foi
substituído por Júlio Marcondes Salgado no comando da Força Pública. Com essa
mudança o movimento constitucionalista passou a contar com o apoio do novo
governo e da quase totalidade da força estadual, provocando modificações no
plano original de Euclides Figueiredo. Em 26 de maio, ele preparou um relatório
sobre a situação político-militar de São Paulo, encomendado por João Neves da
Fontoura e enviado para Borges de Medeiros, afirmando que o movimento teria 75%
de possibilidade de êxito.
Em junho, os entendimentos com as frentes únicas gaúcha e
mineira foram intensificados, os contatos com o comandante da Circunscrição
Militar de Mato Grosso, general Bertoldo Klinger, se estreitaram e diversas
guarnições militares do Rio de Janeiro se comprometeram a apoiar o movimento.
Entretanto, ao mesmo tempo que os compromissos militares dos constitucionalistas
aumentavam, Vargas negociava com Francisco Morato, presidente do PD, uma
recomposição ministerial que levasse em conta os interesses das frentes únicas
gaúcha e paulista. Esses entendimentos levaram Morato a acreditar numa solução
pacífica para o antagonismo entre São Paulo e o Governo Provisório, pois,
segundo ele, “o ditador entregara os pontos”. O ministério seria modificado com
a admissão de um paulista, provavelmente Paulo de Morais e Barros, cabendo ao
gaúcho José Antônio Flores da Cunha a pasta da Justiça e ficando a cargo de
Minas Gerais substituir ou não os ministros da Educação e do Exterior. Além
disso, haveria modificações no âmbito militar.
Em paralelo às negociações de Morato, contudo, a conspiração
prosseguia. Em 19 de junho, Euclides Figueiredo se reuniu com o general Isidoro
Dias Lopes, que pretendia retirar das mãos de João Gomes o comando das
operações no Rio de Janeiro e colocar à frente da 2ª Região Militar (2ª RM),
sediada em São Paulo, um oficial simpático aos constitucionalistas. Ambas as
sugestões foram combatidas por Figueiredo. A primeira, por criar dificuldades
nos contatos militares, e a segunda, porque contrariava o plano, já traçado, de
conquista da 2ª RM. Além disso, o comando supremo das forças
constitucionalistas estava prometido ao general Klinger, que não havia sido
consultado sobre essas mudanças.
Essas divergências com Isidoro Dias Lopes e a evolução dos
entendimentos entre Morato e Vargas levaram Euclides Figueiredo a escrever uma carta
a Paulo de Morais e Barros anunciando a intenção de se desligar dos
compromissos assumidos, medida que se estenderia aos militares por ele
contatados. No dia 26 de junho, Figueiredo recebeu das mãos de Júlio de
Mesquita Filho cartas de Francisco Morato e de Morais e Barros, nas quais os
dois líderes paulistas solicitavam que reconsiderasse a decisão. A protelação
das promessas de Vargas dissolvia as expectativas dos chefes políticos de São
Paulo, que voltavam a colocar em primeiro plano a preparação da luta armada.
Nesse contexto, Euclides Figueiredo comunicou ao ministro da Guerra, general
José Leite de Castro, que estava “irredutivelmente desligado de qualquer
compromisso, mesmo tácito, com o governo”. No dia 28 de junho, o general
Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, identificado com as correntes
tenentistas, assumiu a chefia desse ministério. Na entrevista que teve com o
novo ministro nos primeiros dias de julho, Euclides Figueiredo reafirmou sua
posição antagônica ao governo, ao qual não devia mais obediência. A partir de
então, passou a viver na clandestinidade.
Os
acontecimentos se precipitaram com a carta escrita pelo general Klinger ao novo
ministro da Guerra, acusando-o de inapto para o exercício do cargo. Euclides
Figueiredo e o coronel Palimércio Resende tentaram, sem êxito, demover Klinger
dessa atitude, pois sua exoneração do comando das tropas estacionadas em Mato Grosso traria sérias conseqüências para o movimento constitucionalista. A carta chegou
ao destinatário no dia 6 de julho, provocando a imediata reforma administrativa
de Klinger, que deixou seu posto e exortou seus comandados a se manterem dentro
da ordem. Euclides escreveu: “Era assim o chefe que íamos ter à frente da nossa
grande revolução. Antes de entrar em luta, já se considerava vencido.”
Na Revolução de 1932
Convencido de que a destituição de Klinger precipitaria a
deflagração do levante em virtude da necessidade de contar com o apoio das
tropas estacionadas em Mato Grosso, Euclides Figueiredo reuniu-se no dia 8 de
julho com Palimércio Resende, Basílio Taborda e outros companheiros que atuavam
no Distrito Federal. Em seguida, encontrou-se com João Neves da Fontoura, que
havia recebido telegrama de Lindolfo Collor garantindo a participação do Rio
Grande do Sul no movimento, pois, segundo ele, as últimas dificuldades ainda
interpostas pelo interventor Flores da Cunha seriam superadas pelo contato
deste com Borges de Medeiros. De posse dessas notícias, Figueiredo e João Neves
combinaram que, em princípio, o movimento seria deflagrado no dia 14, de modo a
dar tempo aos gaúchos de superarem as suas dificuldades.
Na noite do dia 8, Euclides Figueiredo viajou de automóvel
para São Paulo junto com seis companheiros. Em Lorena (SP), obteve a adesão dos
chefes militares locais para o levante. Chegou à capital paulista no dia
seguinte, sendo levado por Júlio de Mesquita Filho para uma reunião no
quartel-general revolucionário, onde se encontravam o general Isidoro Dias
Lopes, um oficial lotado na circunscrição militar de Mato Grosso e
representantes de unidades sediadas na capital e adjacências. Nessa ocasião,
decidiu-se deflagrar imediatamente o levante, cabendo ao general Isidoro
comandar as operações em São Paulo e assumir a chefia da 2ª RM.
As ações militares foram iniciadas ainda no dia 9, com a
ocupação da Companhia Telefônica, do prédio dos Correios e Telégrafos, e das
rádios Record e Educadora. Durante a noite, a sede da 2ª RM foi cercada e,
horas depois, ocupada, ao mesmo tempo que a mobilização civil crescia de forma
notável e Euclides Figueiredo telefonava a Bertoldo Klinger para informá-lo de
que todas as forças militares de São Paulo estavam sob seu comando. No dia seguinte,
Euclides e Isidoro lançaram nota conjunta dirigida ao povo paulista, afirmando
“a inteira responsabilidade do comando das forças revolucionárias empenhadas na
luta pela imediata constitucionalização do país”. Pouco depois, uma grande
manifestação popular aclamou o interventor Pedro de Toledo como chefe do
governo revolucionário de São Paulo.
No
dia 12 de julho, quando os revoltosos já detinham completo controle sobre o
território paulista, o general Klinger chegou à capital do estado e recebeu de
Figueiredo o comando da 2ª RM. Questionado sobre a ausência do contingente
mato-grossense, Klinger se limitou a responder que seu deslocamento não era
necessário. Depois da solenidade de passagem do comando, Euclides Figueiredo e
o coronel Palimércio Resende, chefe do seu estado-maior, partiram para o vale
do rio Paraíba, onde o primeiro assumiu o comando da 2ª Divisão de Infantaria
em Operações (2ª DIO), encarregada de liderar o avanço rumo ao Rio de Janeiro.
Na madrugada do dia 13, Euclides instalou o quartel-general da sua unidade em
Lorena e decidiu aguardar os reforços prometidos pelo Rio Grande do Sul e por
Minas Gerais. Através de João Neves, os gaúchos pediram um prazo de dez dias
para mobilizar suas forças, período que Euclides resolveu utilizar no trabalho
de consolidação das posições da 2ª DIO no vale do Paraíba.
Entretanto,
os reforços de outros estados nunca chegaram. No Sul, Flores da Cunha
permaneceu fiel ao Governo Provisório e neutralizou as tentativas de
mobilização patrocinadas por Borges de Medeiros e Raul Pilla em favor dos
rebeldes. Em Minas, o 8º Regimento de Artilharia Montada, sediado em Pouso Alegre, e o 4º Batalhão de Engenharia de Itajubá, que estavam comprometidos com os
constitucionalistas, nada puderam fazer diante da rápida mobilização do 4º
Regimento de Cavalaria Divisionária, sediado em Três Corações sob o comando do general Eurico Gaspar Dutra, fiel a Vargas. Dessa forma, ao
invés de contar com aliados no sul de Minas, os paulistas tiveram que enfrentar
nova frente de combates nessa região, arcando sozinhos com todo o peso da
guerra civil. Incapazes de avançar para além das fronteiras de seu estado,
assumiram uma posição fundamentalmente defensiva durante o conflito. Apesar de
todo o esforço de guerra, marcado pela conversão de fábricas à produção bélica
e pela intensa mobilização popular, as dificuldades dos revoltosos foram se
avolumando diante de um inimigo que em todas as frentes se mostrava muito mais
numeroso e melhor provido tecnicamente.
Na
frente do vale do Paraíba, as forças comandadas por Euclides Figueiredo não
chegavam a dez mil homens e contavam com 24 canhões e nove outras peças de
artilharia, uma das quais de 150mm. Os destacamentos federais que operavam
nessa região sob o comando do general Góis Monteiro somavam cerca de 20 mil
soldados, apoiados por uma artilharia composta de aproximadamente cem peças de
canhão de 155mm, 127mm e 105mm. Além disso, os paulistas dispunham de uma arma
automática para cada grupo de cerca de 50 homens, enquanto as tropas de
infantaria de Góis Monteiro estavam equipadas com uma arma automática para cada
três homens.
Em fins de agosto, a derrota dos constitucionalistas já se
configurava. As tropas federais comandadas pelo general Valdomiro Lima haviam
avançado pelo sul e ocupado as cidades paulistas de Itararé, Faxina, Buri,
Ribeira e Apraí, e se preparavam para uma invasão maciça do estado. Em
setembro, as tropas mineiras ocuparam Itapira, Mojimirim e Amparo, e pouco depois
Campinas sofreu um bombardeio aéreo. Na frente leste, forças federais
desembarcaram em Parati (RJ), subiram a serra do Mar e também penetraram em São Paulo. Nesse contexto, Bertoldo Klinger enviou uma carta a Vargas no dia 14 de setembro,
propondo a discussão de um armistício. O intermediário desse contato entre o
comandante geral das forças constitucionalistas e o chefe do Governo Provisório
foi o ministro da Marinha, almirante Protógenes Guimarães, portador também da
resposta em que Vargas reafirmava as bases de sua proposta de paz: deposição
das armas pelos revolucionários, reorganização do governo estadual com a
nomeação de um interventor federal civil e paulista, afastamento dos líderes do
movimento constitucionalista e anistia para os efeitos criminais, sem prejuízo
das sanções administrativas que o Governo Provisório aplicaria aos responsáveis
pela revolta.
No
dia 27 de setembro, o comandante da Força Pública paulista, coronel Herculano
de Carvalho e Silva, promoveu uma reunião da alta oficialidade dessa
corporação, com a presença também do major Alexandrino Gaia, representante de
vários comandos militares. Esses oficiais consideraram que a derrota militar de
São Paulo estava configurada e delegaram poderes ao coronel Herculano para
desenvolver os entendimentos necessários à cessação dos combates. Informados em
seguida dessa decisão, Euclides Figueiredo e Palimércio Resende começaram a
articular uma reunião de urgência com o governador Pedro de Toledo, membros do
governo estadual e todos os chefes militares paulistas, a fim de convencê-los a
prosseguir a luta. Entretanto, no dia seguinte, Klinger enviou telegrama aos
comandantes de tropas constitucionalistas comunicando a iminência de um pedido
de armistício. Euclides e Palimércio viajaram então para a capital do estado e
conseguiram que Klinger não divulgasse essa intenção e os autorizasse a apelar
para que o coronel Herculano não iniciasse negociações de paz em separado.
A reunião com o governador Pedro de Toledo foi realizada
ainda no dia 28 de setembro, com a presença de todos os membros do governo,
políticos, militares e um representante do general Klinger, que se recusara a
comparecer. No decorrer da reunião, o coronel Herculano informou por telefone
que não era possível sustar os entendimentos com as forças governistas e, pouco
depois, o quartel-general avisou que Klinger já tinha redigido o telegrama de
armistício e aguardaria a assinatura de Pedro de Toledo até uma hora da madrugada
do dia seguinte. Numa tentativa de barrar essas iniciativas, o secretário de
Justiça do governo revolucionário, Valdemar Ferreira, redigiu a demissão de
Herculano do comando do setor de Campinas, nomeando para seu lugar o major
Romão Gomes, então promovido a tenente-coronel. Cogitou-se também passar o
comando da Força Pública para o tenente-coronel Teófilo Ramos, que se recusou a
assumir, sendo seguido nessa atitude pelo tenente-coronel Romão Gomes.
Na madrugada do dia 29, Klinger enviou ao general Góis
Monteiro a proposta de armistício, sem a assinatura do governador Pedro de
Toledo. Seu emissário voltou sem ter aceitado as condições de Góis Monteiro, o
que levou Klinger a nova proposta a ser apresentada no dia 1º de outubro. Por
outro lado, com o início das negociações de paz, Euclides e Palimércio
resolveram retornar ao comando de suas tropas para continuar a resistência. No
dia 30, realizaram uma reunião com oficiais e civis vinculados à 2ª DIO que,
mesmo informados do que se passava, concordaram em prosseguir a luta. Durante
toda a madrugada do dia 1º de outubro, a artilharia federal bombardeou as
posições das tropas de Euclides, que combateram até a noite seguinte, quando o
número de deserções se tornou incontrolável. Horas antes, dois emissários de Klinger
e dois emissários da Força Pública haviam concordado com os termos da paz
proposta por Góis Monteiro.
Segundo o armistício, a Força Pública se comprometia a recuar
para a capital do estado com a missão de manter a ordem, passando a reconhecer
unicamente a autoridade do Governo Provisório. Em contrapartida, os oficiais
dessa corporação manteriam todas as vantagens e regalias correspondentes aos
postos que ocupavam antes do início dos combates. No dia 2 de outubro, o alto
comando da Força Pública aceitou os termos do armistício, o general Klinger
ordenou a cessação de qualquer resistência armada às tropas federais e o
governador Pedro de Toledo foi substituído pelo coronel Herculano. No dia 6 de
outubro, Herculano viria a passar o governo ao general Valdomiro Lima.
Diante
das grandes defecções de tropas sob o seu comando, Euclides Figueiredo
organizou uma coluna de cerca de dois mil homens com o objetivo de atingir o
estado de Mato Grosso. Todavia, emissários seus constataram a impossibilidade
de realizar essa marcha, pois todos os pontos de passagem já estavam sob
controle das forças federais. Euclides dissolveu então a coluna e, junto com
seis oficiais, embarcou em um barco de pesca numa praia ao sul de Santos (SP)
com destino ao Rio Grande do Sul, onde esperava encontrar forças
constitucionalistas em luta e se incorporar a elas. Obrigado pelo mau tempo,
aportou na praia de Caieira, na ilha de Santa Catarina, sendo preso.
Euclides
Figueiredo foi um dos líderes da Revolução Constitucionalista enviados para o
exílio em Lisboa, onde um grupo de 34 oficiais criou um conselho de generais
para dirigir a continuação do movimento e planejou a criação de um comitê de
apoio sediado em Buenos Aires. Pouco depois, Euclides se transferiu para essa
capital, de onde pretendia organizar um movimento armado no Rio Grande do Sul.
Na oposição ao Estado Novo
Depois da vitória sobre os paulistas, Vargas convocou para
maio de 1933 eleições para a formação de uma assembléia nacional
constituinte, que se reuniria a partir de 15 de novembro seguinte com a
incumbência de promulgar a nova Constituição, julgar os atos do Governo
Provisório e eleger o novo presidente da República. Nesse ano, Euclides
Figueiredo integrou a Ação Nacional Constituinte, organização que pretendia
assegurar a instalação da Constituinte e impedir a eleição de Vargas para a
presidência.
Em 29 de maio de 1934, durante os trabalhos constituintes,
Vargas decretou anistia para os revoltosos de 1932, propiciando assim o retorno
dos exilados. De volta ao Brasil, Euclides concorreu, sem êxito, a uma cadeira
de deputado federal na legenda do Partido Republicano Paulista (PRP) nas
eleições legislativas realizadas em outubro desse ano.
Em
1936, integrou o Partido Libertador Carioca, ingressando em junho do ano
seguinte na recém-fundada União Democrática Brasileira, que passou a articular
nacionalmente a candidatura de Armando de Sales Oliveira para a presidência da
República nas eleições previstas para janeiro de 1938. No entanto, esse pleito
foi suspenso em virtude do golpe militar que, sob a liderança do próprio
presidente Vargas, instalou o Estado Novo em 10 de novembro de 1937.
A implantação do Estado Novo provocou a extinção dos partidos
políticos e o fechamento de todos os órgãos legislativos do país. A Ação
Integralista Brasileira (AIB), partido de inspiração fascista, inicialmente
apoiou o golpe, na expectativa de obter um relevante papel no novo regime.
Frustradas suas esperanças, os integralistas adotaram uma política de confronto
com Vargas, passando a articular um levante com o apoio de políticos e
militares liberais. Euclides Figueiredo aderiu à conspiração, junto com Otávio
Mangabeira, Júlio de Mesquita Filho e os generais João Cândido Pereira de
Castro Júnior, João Guedes da Fontoura e Basílio Taborda. Foi então planejado
para maio de 1938 um assalto ao palácio Guanabara, residência oficial de
Getúlio Vargas, a fim de prender o chefe do governo.
Euclides Figueiredo participou de diversas reuniões e foi encarregado
da direção militar do movimento no Rio de Janeiro. Entretanto, suas atividades
conspirativas foram descobertas, o que provocou sua prisão em um hospital
militar junto com Otávio Mangabeira. Foi com surpresa que os dois prisioneiros
receberam em sua cela uma mensagem do tenente Severo Fournier, amigo e
ex-auxiliar de Figueiredo na Revolução Constitucionalista de 1932, avisando que
chefiaria as operações do planejado assalto ao palácio e solicitando que seu
antigo comandante corrigisse o minucioso plano da ação, enviado em anexo. Figueiredo fez as correções com sua própria letra no esquema que, mais tarde, seria
descoberto pela polícia em um automóvel abandonado.
Os dois presos receberam em seguida mensagem do general
Castro Júnior avisando que seriam libertados no dia 10 de maio, véspera do
ataque ao palácio. Com efeito, às 23:00h desse dia o médico militar de plantão,
doutor Quaresma, pediu que se preparassem para sair. Segundo depoimento
posterior de Otávio Mangabeira, “logo entrou alguém fardado de coronel do
Exército, em quem reconhecemos a pessoa amiga de João Daré, acompanhado de um
investigador que era também um integralista disfarçado”. Graças a esse
estratagema, os prisioneiros conseguiram sair do hospital, mas o embuste foi
descoberto quando caminhavam em busca de uma condução. Alcançados por uma
patrulha de cavalaria, foram novamente recolhidos à prisão.
O
fracasso do golpe deflagrado no dia seguinte provocou uma violenta onda de
repressão sobre os integralistas e demais envolvidos no movimento. Euclides
Figueiredo foi condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional a quatro anos de
prisão, cumpridos inicialmente na Casa de Correção e, em seguida, na fortaleza
de Santa Cruz, no Rio. Sua patente de coronel foi cassada e, para efeitos
administrativos, passou a ser considerado “morto”, cabendo à sua esposa uma
pensão de “viúva” e aos seus filhos Diogo e Euclides a condição de
“alunos-órfãos” do Colégio Militar. Nesse período, sob o pseudônimo de “Um
observador militar”, o “morto” passou a escrever comentários sobre a Segunda
Guerra Mundial, publicados em O Jornal e no Jornal do
Comércio, do Rio. Em 1942, recusou-se a assinar uma petição de livramento
condicional que, mesmo assim, foi encaminhada e obteve aprovação das
autoridades.
Na Assembléia Constituinte
Com a reorganização partidária ocorrida em 1945, Euclides
Figueiredo ingressou na União Democrática Nacional (UDN), fundada em 7 de
abril, passando em seguida à condição de presidente da sua seção no Distrito
Federal. Depois da queda de Vargas (29/10/1945), concorreu a uma cadeira na
Assembléia Nacional Constituinte, eleita em 2 de dezembro seguinte, tornando-se
o segundo deputado mais votado do seu partido no Distrito Federal, com 11.846
votos. Na Constituinte, que se reuniu a partir de 5 de fevereiro de 1946,
apresentou dois importantes projetos de lei: o que propôs a extinção da Polícia
Especial, órgão remanescente do Estado Novo, e o que encaminhou a Lei de
Direitos Autorais, elaborada pela Associação Brasileira de Escritores.
Na
sessão do dia 15 de março de 1946, Euclides Figueiredo apresentou um
requerimento de urgência para a votação de uma indicação de sua autoria,
solicitando que a Constituinte sugerisse ao Poder Executivo a supressão dos
artigos segundo e terceiro do decreto de anistia promulgado em 1945 por Getúlio
Vargas, de modo que os cidadãos beneficiados fossem imediatamente reintegrados
nas suas antigas posições. Essa proposta foi neutralizada por outra, elaborada
por José Eduardo Prado Kelly e Otávio Mangabeira, também udenistas, que pedia
informações ao governo sobre as providências que haviam sido tomadas “para a
efetivação da anistia concedida pelo Decreto-Lei nº 7.474”. Na sessão de 18 de março, Euclides voltou a discursar sobre esse tema, intercedendo em favor
de um médico da Marinha que fora reformado por decreto antes do Estado Novo sob
a acusação de envolvimento com os comunistas. Nessa ocasião, afirmou que “para
a felicidade do Brasil, porque isso significa que as portas da libertação
começam a ser abertas para todos, para a felicidade do Brasil, os comunistas e
não-comunistas já não sofrem restrições”.
Em 11 de abril de 1946, Euclides Figueiredo voltou ao serviço
ativo do Exército no posto de general-de-brigada e, na mesma data, passou para
a reserva como general-de-divisão. Em 4 de junho seguinte, votou a favor da
moção apresentada por Otávio Mangabeira, elogiando as forças armadas pelo seu
papel na deposição de Vargas e na redemocratização do país. Foi também um dos
signatários do requerimento para que a Constituinte enviasse congratulações à
Conferência de Paz, realizada em Paris.
Com
a promulgação da Constituição em setembro de 1946, a Constituinte foi convertida em Congresso ordinário. Em 7 de maio de 1947, o registro do
Partido Comunista Brasileiro — então Partido Comunista do Brasil (PCB) — foi
cancelado pela Justiça Eleitoral e, pouco depois, o senador catarinense Ivo
d’Aquino, do Partido Social Democrático (PSD), apresentou um projeto de lei
propondo a cassação dos mandatos dos parlamentares eleitos na legenda do PCB. O
projeto foi aprovado no Senado em outubro seguinte, passando à apreciação da
Câmara Federal, que também se definiu a seu favor em 7 de janeiro de 1948.
Nesse dia, Euclides Figueiredo estava em São Paulo, de onde enviou telegrama (lido em plenário pelo deputado Prado Kelly) esclarecendo sua posição contrária à
cassação dos mandatos. Nesse mesmo ano, proferiu o discurso de saudação ao
ex-presidente Washington Luís, derrubado pela Revolução de 1930, que retornava
ao Brasil depois de 17 anos de exílio.
Nas eleições de 3 de outubro de 1950, candidatou-se, sem
êxito, ao Senado pelo Distrito Federal na legenda da UDN. Em seguida, aceitou a
direção da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) da capital, mas
deixou rapidamente o cargo denunciando a existência de irregularidades na
empresa. Em 1954, retirou-se da vida pública depois de concorrer, novamente sem
êxito, a uma cadeira de deputado federal na legenda da Aliança Popular,
coligação da UDN com pequenos partidos. Teve apenas 1.156 votos, obtendo a nova
suplência da bancada de seu partido.
Euclides
Figueiredo foi presidente da Rádio Guanabara, vice-presidente do conselho
deliberativo do América Futebol Clube e do conselho consultivo da Cruz Vermelha
Brasileira, e membro fundador da Assistência Beneficente do Clube Militar e da
Associação Beneficente dos Ex-Alunos do Colégio Militar. Foi também sócio da
firma Euclides Figueiredo e Cia. Limitada, com sede em São Paulo, e co-proprietário de uma fazenda no município de Avaré (SP).
Faleceu em Campinas no dia 20 de dezembro de 1963.
Era
casado com Valentina Silva de Oliveira Figueiredo, com quem teve seis filhos.
Entre eles, destacaram-se o general João Batista de Oliveira Figueiredo, chefe
do Gabinete Militar da Presidência da República de 1969 a 1974, chefe do Serviço Nacional de Informações de 1974 a 1978 e presidente da República a partir de 1979; o general Euclides de Oliveira Figueiredo Filho, que comandou a
1ª Divisão de Exército, sediada na Vila Militar do Rio de Janeiro, a partir de
agosto de 1979; o general Diogo de Oliveira Figueiredo, que, durante o governo
de seu irmão, foi comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, e
o escritor Guilherme de Figueiredo.
Euclides Figueiredo escreveu o livro Contribuição para a
história da Revolução Constitucionalista de 1932, publicado em 1954 e
reeditado em 1977. A obra foi revista por seu filho Guilherme e teve sua parte
militar examinada pelo então major João Batista Figueiredo, responsável também
pela elaboração dos esquemas que acompanham o texto.
Jorge
Miguel Mayer
FONTES: CÂM. DEP. Deputados;
CARNEIRO, G. História; CHACON, V. Estado (4); CONSULT.
MAGALHÃES, B.; Correio da Manhã (22/12/63); COSTA, M. Cronologia; COUTINHO,
A. Brasil; Diário do Congresso Nacional; DULLES, J. Getúlio; Encic.
Mirador; Estado de S. Paulo (13/6/80 e 24/9/81); FIGUEIREDO, E. Contribuição;
FONTOURA, J. Memórias; Grande encic. Delta; IstoÉ (27/7/77 e
26/7/78); Jornal do Brasil (13/9/77); KLINGER, B. Narrativas; LEITE,
A. Páginas; LEVINE, R. Vargas; SILVA, H. 1932; SILVA, H. 1938;
SOC. BRAS. EXPANSÃO COMERCIAL. Quem; Tribuna da Imprensa (18/3 e
16/7/54).