FERNANDES,
Raul
*dep. fed. RJ 1909-1917 e 1921-1922;
consult.-ger. Rep. 1932; const. 1934; dep. fed. RJ
1935-1937; min. Rel. Ext. 1946-1951 e 1954-1955.
Raul Fernandes nasceu
na fazenda de São João, em Valença (RJ), em 24 de outubro de 1877, filho de
Antônio José Fernandes, educador, médico, proprietário agrícola e senador
estadual do Rio de Janeiro durante a República Velha, e de Isabel Peregrina
Fernandes, pertencente à família Werneck, tradicional na região. Era neto, pelo
lado materno, de Peregrino José de Américo Pinheiro, visconde de Ipiabas.
Estudou no Colégio Alberto Brandão, em Vassouras (RJ), no Asilo
São Francisco, em São João del Rei (MG), e no Colégio Santa Efigênia, em São Paulo. Completou seus estudos preparatórios em 1894, no curso anexo à Faculdade de
Direito de São Paulo. Matriculou-se nesta faculdade em 1895, bacharelando-se em
ciências sociais em 1897 e em ciências jurídicas em 1898, com distinção em
todas as cadeiras — por esse motivo, receberia em 1912 o título de laureado, o
prêmio de viagem à Europa e o direito de ter seu retrato no panteão da
faculdade. Especializou-se em seguida em direito comercial.
Começou
a advogar em 1898 em Vassouras e em Barra do Piraí (RJ), num escritório montado
com seu irmão, José Avelar Fernandes, atraindo as mais importantes causas da
época. Logo adquiriu fama como orador no Tribunal do Júri. De 1901 a 1906, foi vereador à Câmara Municipal de Vassouras e, de 1903 a 1909, foi deputado à Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro. Nessa condição, fez
parte, em 1903, da chamada Comissão dos Cinco, relatora do projeto de reforma
da constituição estadual.
Depois
da morte do irmão, transferiu em 1906 o escritório de advocacia para o Rio de
Janeiro, então Distrito Federal, onde ocuparia o cargo de promotor até 1934. Em
1907, apoiou a campanha de oposição movida pelo vice-presidente da República,
Nilo Peçanha, ao presidente do estado do Rio de Janeiro, Alfredo Backer.
Em maio de 1909, Raul Fernandes foi eleito deputado federal,
como representante do 3º Distrito Eleitoral, que compreendia, entre outros, os
municípios de Vassouras e Valença. Manteve-se no posto durante três
legislaturas, até 1917. Como deputado federal, foi membro da Comissão dos 21,
que ultimou a elaboração do Código Civil. Integrou as comissões de Finanças e
de Constituição e Justiça e tornou-se um dos principais oradores da Câmara. Foi
relator dos orçamentos da Agricultura e do Exterior, líder de sua bancada e
relator da comissão especial nomeada para dar parecer sobre proposição dos
deputados Carlos Peixoto e Josino de Araújo de reforma do regimento da Câmara
no tocante à verificação de poderes.
Em 1919, com o fim da Primeira Guerra Mundial, Raul Fernandes
foi nomeado delegado plenipotenciário à Conferência de Paz de Versalhes,
integrando a delegação chefiada pelo senador Epitácio Pessoa. De 1919 a 1920, representou o Brasil na Comissão de Reparações da Liga das Nações, com sede em Paris,
que tratou das reparações de guerra. Foi delegado do Brasil nas assembléias da
Liga das Nações em Genebra em 1919, 1920, 1921, 1924 e 1925, tendo sido
designado, em 1920, pelo conselho da Liga, um dos dez membros do conselho de
jurisconsultos, encarregado de elaborar o estatuto da Corte Permanente de
Justiça Internacional, reunida em Haia (Holanda). Nesse conselho, defendeu o
princípio da igualdade jurídica dos Estados e a ampliação da competência da
corte.
Em
maio de 1921, foi novamente eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro,
exercendo o mandato somente até dezembro de 1922.
A sucessão fluminense de 1922
Em
julho de 1922, Raul Fernandes foi eleito presidente do estado do Rio de Janeiro
para o período de 1923 a 1926, recebendo 33 mil votos, contra 16.200 de
Feliciano Sodré. Entretanto, ambas as chapas concorrentes ao pleito se
declararam vencedoras e, alegando fraude na apuração, proclamaram eleitos os
seus candidatos. A situação se repetiu em dezembro, nas eleições legislativas
estaduais, quando se formaram duas assembléias. Já que o reconhecimento do
presidente do estado era da competência da Assembléia, a dualidade de
assembléias ensejou a dualidade de governos.
Seguindo
a orientação política do ex-presidente da República Nilo Peçanha, Raul
Fernandes temia que o novo presidente, Artur Bernardes, eleito em novembro de
1922 e adversário de Nilo, decretasse a intervenção federal no estado do Rio.
Assim, apresentou ao Supremo Tribunal Federal um pedido de habeas-corpus que
assegurasse sua posse. Atendido o pedido, Raul Fernandes foi investido na
presidência do estado, recebendo o cargo de Raul Veiga no palácio do Ingá, em
Niterói, no dia 31 de dezembro de 1922. Entretanto, Feliciano Sodré também foi
empossado por “sua” assembléia no mesmo dia. Logo depois, com a cobertura do
governo federal, os partidários de Feliciano Sodré depuseram prefeitos
adversários e fecharam câmaras municipais sob o controle dos partidários de
Nilo Peçanha. Enquanto isso acontecia, a Polícia Militar se recolheu aos
quartéis, declarando só acatar ordens do governo central. Alegando a
duplicidade de poderes no Rio de Janeiro, Artur Bernardes decretou a
intervenção federal no estado, entregando o Executivo fluminense a Aurelino
Leal. Raul Fernandes não lançou nenhum protesto e o interventor anulou a
eleição de julho de 1922, marcando outra para meses depois. Feliciano Sodré
concorreu novamente e foi eleito com o apoio de Bernardes para o período de 1923 a 1927.
Em
1926, Raul Fernandes foi escolhido consultor jurídico do Tribunal de Justiça
Internacional de Haia. De julho de 1926 a janeiro de 1927, foi embaixador do Brasil em Bruxelas. Em janeiro de 1928, chefiou a delegação brasileira à VI
Conferência Pan-Americana, em Havana.
Como integrante da corrente nilista (ligada a Nilo Peçanha),
Raul Fernandes participou da campanha da Aliança Liberal, por cuja legenda
Getúlio Vargas disputou — e perdeu — em março de 1930 as eleições presidenciais
com Júlio Prestes, candidato da situação. Na época, o grupo nilista, que caíra
no ostracismo, procurava se rearticular politicamente.
Com a vitória da Revolução de 1930, Raul Fernandes foi
nomeado consultor-geral da República, exercendo o cargo de fevereiro de 1932 a novembro do mesmo ano.
Na Constituinte
Convocadas
as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, a corrente nilista fundou
no mês de março de 1933 o Partido Popular Radical (PPR), tendo à frente
elementos da oligarquia tradicional, como Raul Fernandes e José Eduardo de
Macedo Soares. Em maio, Raul Fernandes foi eleito deputado à Constituinte pelo
estado do Rio de Janeiro na legenda do PPR, que elegeu ao todo dez
parlamentares, contra oito dos demais partidos do estado.
Os trabalhos da Assembléia foram abertos no dia 15 de
novembro de 1933. Já no dia seguinte, foi organizada uma Comissão
Constitucional — conhecida como Comissão dos 26 —, formada por um elemento de
cada bancada estadual e dos grupos profissionais, num total de 26 membros. Essa
comissão tinha a incumbência de, após estudar o anteprojeto de Constituição
elaborado pelo Governo Provisório e as emendas a ele apresentadas, formular um
anteprojeto substitutivo a ser apresentado em plenário para discussão e novas
emendas. Raul Fernandes foi escolhido relator-geral da Comissão Constitucional
e integrou também a Comissão Revisora Constitucional, que estudou, em janeiro
de 1934, em fase final, o capítulo da “Declaração de direitos” da futura Carta.
No
dia 19 de janeiro de 1934, Raul Fernandes participou de uma reunião no gabinete
do presidente da Assembléia, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, à qual também compareceram Antônio Garcia de Medeiros Neto, líder da maioria, Carlos Maximiliano
e José de Alcântara Machado. Com o objetivo de acelerar os trabalhos, pensou-se
em extrair do anteprojeto constitucional e das emendas um projeto sucinto, que
definisse a organização dos poderes e incluísse meras enunciações de princípios
sobre questões econômicas e sociais, simplificando os debates. No dia 22 de
janeiro, a Comissão Constitucional iniciou a discussão do substitutivo
elaborado por Raul Fernandes e José Pereira Lira, e que acompanhava a linha
geral do anteprojeto governamental. No dia 25, decidiu-se, para maior
eficiência, reduzir a Comissão dos 26 a seis integrantes fixos, entre os quais
o relator-geral, Raul Fernandes. Em 31 de janeiro, a chamada Comissão dos 26
concluiu a parte do projeto referente à eleição do presidente da República.
Essa questão suscitava debates, sobretudo após a apresentação, também no mês de
janeiro, da emenda Medeiros Neto, que propunha a inversão da ordem dos
trabalhos da Assembléia, com a eleição do presidente da República antes da
aprovação definitiva do texto constitucional. Em fevereiro, a Fórmula Simões
Lopes veio propor a aceleração dos trabalhos, com a votação em bloco do
anteprojeto substitutivo, seguida da eleição presidencial.
Embora nenhuma dessas previsões tenha chegado a se
concretizar, a Assembléia estava politicamente dividida, e a maioria seria
definida pelos votos dos representantes classistas, o que Raul Fernandes
desaprovava. Anteriormente, como consultor-geral da República, em parecer
enviado ao Governo Provisório, ele já se manifestara contrário à representação
classista. A eleição presidencial seria influenciada, argumentava, por
deputados que, por definição, não representavam interesses políticos nacionais
e sim interesses profissionais.
No dia 3 de março, uma comissão de operários, em nome de
diversos sindicatos do Distrito Federal, de São Paulo e do estado do Rio,
entregou um memorial ao líder dos representantes profissionais protestando
contra a exclusão do projeto de Constituição elaborado pela Comissão dos 26 de
medidas referentes à legislação social. Nesse mesmo dia, Raul Fernandes
participou de uma conferência no palácio Rio Negro com o presidente Vargas,
Carlos Maximiliano e Levi Carneiro, em que foram tratados assuntos relativos à
eleição presidencial e à votação, na Assembléia, da Constituição e da anistia
ampla. No dia 8 de março, a Comissão de Revisão Constitucional apresentou, com
seu parecer, o substitutivo do anteprojeto de Constituição elaborado por Raul
Fernandes. No dia 14, encerraram-se os trabalhos da Comissão dos 26. O
substitutivo foi assinado por toda a comissão, sendo que a maioria o fez com
restrições. No dia 22 de abril, houve um entendimento entre as principais
bancadas para que se estabelecesse acordo em torno dos pontos que não
apresentassem divergências essenciais. Constituiu-se uma comissão para retomar,
título por título, artigo por artigo, todo o substitutivo. Entre os mais
assíduos membros dessa comissão estavam Raul Fernandes, João Guimarães, Odilon
Braga, Clemente Mariani e Agamenon Magalhães.
Em
16 de junho, foi designada a comissão de redação da Constituinte: Raul Fernandes,
Homero Pires e Godofredo Viana. Onze dias depois, ela apresentou à Assembléia a
redação final da Constituição, acompanhada de uma pormenorizada exposição do
critério seguido. A nova Carta Magna ficou corporificada em 187 artigos e mais
as disposições transitórias.
No
dia 16 de julho de 1934, foi promulgada a nova Constituição. No dia seguinte,
realizou-se a eleição indireta para a presidência da República e Getúlio Vargas
foi eleito com 175 votos. Embora não estivesse disputando o pleito, Raul
Fernandes obteve um voto simbólico.
De 1934 a 1946
Em outubro de 1934, Raul Fernandes foi eleito deputado
federal pelo Rio de Janeiro para a legislatura ordinária, que se iniciaria no
ano seguinte. Nesse momento foram também eleitas em todo o país as assembléias
constituintes estaduais, que deveriam eleger em cada estado o governador e dois
senadores. No estado do Rio, a União Progressista Fluminense (UPF), liderada
pelo general Cristóvão Barcelos e por José Eduardo Prado Kelly, elegeu 19
deputados estaduais, enquanto a coligação formada pelo PPR e o Partido
Socialista Fluminense (PSF), liderada por Raul Fernandes e José Eduardo de
Macedo Soares, conseguiu fazer 23 representantes.
Na definição do candidato ao governo estadual, o PPR indicou
ao PSF cinco nomes, entre os quais um deveria ser escolhido. Eram eles João
Guimarães, Levi Carneiro, José Eduardo de Macedo Soares, Oscar Weinschenk e
Raul Fernandes. O PSF não aceitou a lista, alegando já ter um candidato
próprio, o deputado Alípio Costallat. O PPR vetou Costallat e, com o
prosseguimento das negociações, os nomes de Raul Fernandes e Macedo Soares
ganharam força, continuando todavia a ser recusados pelo PSF. Finalmente, a
Coligação Radical Socialista chegou a um acordo em torno da indicação do
almirante Protógenes Guimarães, então ministro da Marinha.
Enquanto isso, Raul Fernandes, escolhido líder da maioria no
Congresso, promoveu em março de 1935 a aprovação da Lei de Segurança Nacional,
dando ao governo federal poderes especiais para reprimir atividades políticas
consideradas subversivas. Em agosto, atuou como advogado do chefe de polícia do
Distrito Federal, Filinto Müller, num processo de calúnia movido pela Aliança
Nacional Libertadora (ANL), por iniciativa do presidente da organização,
Herculino Cascardo.
Em outubro de 1935, realizaram-se as eleições para o governo
do estado do Rio, marcadas por atos de violência, que chegaram a provocar
ferimento a bala em um deputado do PSF e no general Cristóvão Barcelos,
candidato da UPF. Protógenes Guimarães venceu o pleito, mas a UPF entrou com
recurso, alegando falta de segurança durante a votação, e conseguiu que a
Justiça Eleitoral anulasse o resultado e convocasse novas eleições. Realizadas
estas em novembro de 1935, Protógenes Guimarães foi novamente eleito por
maioria de um voto.
Em 1936, Raul Fernandes foi o candidato oficial do governo à
presidência da Câmara dos Deputados, concorrendo com Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que foi eleito. Apoiou a seguir a candidatura de Armando Sales à
presidência da República nas eleições que deveriam realizar-se em 1938 e foram
suspensas pelo golpe que implantou o Estado Novo, em novembro de 1937.
Raul
Fernandes tomou posição contrária ao novo regime. De 1944 a 1946, foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Em 1945, integrou-se à campanha pela
redemocratização do país, convocando uma reunião de seus antigos
correligionários do PPR para promover a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes
à presidência da República. Como um dos fundadores da União Democrática
Nacional (UDN), participou da comissão executiva de partido. Em fevereiro, foi
consultado por João Neves da Fontoura, embaixador do Brasil em Portugal, sobre
a atitude das oposições, reunidas sob a bandeira da UDN, ante a possível
renúncia de Vargas e sua substituição pelo general Pedro Aurélio de Góis
Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército. Raul Fernandes respondeu a João
Neves que a entrega do governo a Góis Monteiro “não se lhe afigurava de modo a
inspirar confiança às oposições”, já que o general fora um dos co-autores do
golpe do Estado Novo. Mesmo assim, ficou de discutir a proposta com Eduardo
Gomes e outros dirigentes da UDN. Dois dias depois, em novo encontro com João
Neves, respondeu negativamente à consulta do embaixador.
Em abril, Raul Fernandes participou da primeira reunião do
diretório nacional da UDN, que lançou oficialmente a candidatura Eduardo Gomes
à presidência e nomeou diversas comissões, como a de redação do projeto dos
estatutos do partido e a comissão política, da qual fez parte. No dia 8 de
julho, assumiu a presidência da seção fluminense da UDN.
No ministério de Dutra
Em 1946, no governo de Eurico Dutra, Raul Fernandes foi delegado
do Brasil à Conferência de Paz, em Paris. Em dezembro daquele ano, Dutra, que
fora eleito pelo Partido Social Democrático (PSD), convidou Raul Fernandes —
embora prócer e fundador da UDN — para a chefia do Ministério das Relações
Exteriores. Raul Fernandes justificou a colaboração, explicando que nada tinha
de pessoal contra Vargas e seus seguidores do PSD, já que sua oposição era ao
Estado Novo. Na medida em que este desaparecera, terminavam as discordâncias
básicas, porque o PSD pouco diferia da UDN no conteúdo ideológico. Segundo o
senador Ernâni Amaral Peixoto, um dos fundadores do PSD, Raul Fernandes manteve
entendimentos com ele até a última hora para ingressar no PSD, só não o fazendo
devido ao prenúncio de uma conspiração de militares ligados a Góis Monteiro.
No dia 9 de dezembro de 1946, o secretário da embaixada do
Brasil em Moscou, Soares de Pina, envolveu-se numa discussão num restaurante
daquela capital e acabou sendo preso. O incidente provocou um atrito entre os
dois países, com troca de notas que resultaram num desgaste de suas relações.
Em 10 de maio de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral cancelou
o registro do Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil
(PCB), e o embaixador soviético no Rio foi chamado a seu país. Antes de partir,
enviou carta ao ministro Raul Fernandes, lamentando o fechamento do PCB.
Em agosto de 1947, Raul Fernandes presidiu a Conferência
Interamericana de Manutenção da Paz e Segurança, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis
(RJ), em que os países do continente discutiram a assistência que todos
deveriam prestar em caso de ataque armado a qualquer uma das nações irmãs. A
atuação do chanceler brasileiro nessa conferência foi fundamental para o acordo
firmado, que influenciaria depois a elaboração do Pacto do Atlântico Norte, na
Europa.
No dia 8 de outubro, o Itamarati informou ao governo
norte-americano que uma onda de protestos se levantara no Brasil devido a um
artigo publicado na Gazeta Literária de Moscou contra o presidente
Dutra. O governo brasileiro instruíra seu embaixador em Moscou no sentido de
que exigisse uma retratação; se o governo soviético se negasse a satisfazer às
exigências, o Brasil romperia relações diplomáticas com a URSS. Seis dias mais
tarde, o governo brasileiro encaminhou nota confidencial a Washington,
informando que, desde que o governo soviético “se recusara a dar qualquer
satisfação pelos insultos publicados em Moscou contra as forças armadas
brasileiras e o governo Dutra”, estavam sendo tomadas as primeiras providências
para o rompimento, que se consumaria, provavelmente, em dois dias. A nota pedia
também que os Estados Unidos se encarregassem dos interesses do Brasil na União
Soviética e, especialmente, ajudassem os membros da missão diplomática
brasileira a deixarem o território russo sem dificuldades. Poucos dias depois,
ainda em outubro, o rompimento das relações diplomáticas foi consumado.
Raul Fernandes viajou para a Argentina e o Uruguai em missão
oficial por ocasião do encontro entre os presidentes Dutra, Perón e Berreta
ainda em 1947. No Uruguai, recebeu o título de doutor honoris causa da
Universidade de Montevidéu.
Ainda
durante o governo Dutra, foi designada uma comissão especial para a elaboração
de um anteprojeto de lei sobre o petróleo. Constituída por Raul Fernandes,
Clóvis Pestana, ministro da Viação, Morvan Dias Figueiredo, ministro do
Trabalho, e Salvador César Obino, chefe do Estado-Maior Geral, essa comissão
desenvolveu estudos, tendo por base o anteprojeto do Estatuto do Petróleo.
Apesar de inicialmente manifestar-se a favor das proposições básicas do
estatuto, a comissão definiu uma série de limitações às concessões contidas no
anteprojeto, manifestando ainda a preocupação de que fossem dadas maiores garantias
aos proprietários dos solos onde se encontrassem as jazidas.
Em setembro de 1948, Raul Fernandes chefiou a delegação
brasileira à III Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Paris. Nesse mesmo ano, foi presidente da Comissão Nacional do Trigo. Ainda em 1948,
falando em nome do chanceler brasileiro, o deputado Heitor Collet apresentou
parecer na Câmara, pedindo a aprovação do tratado de paz com a Itália.
Raul
Fernandes defendeu o estabelecimento de relações diplomáticas com o governo
espanhol do generalíssimo Francisco Franco, assinou na IX Conferência
Pan-Americana, em Bogotá, juntamente com os Estados Unidos e o Chile, um
projeto de resolução anticomunista, e acompanhou o presidente Dutra em sua
visita aos Estados Unidos, em maio de 1949.
Em abril de 1950, durante a reunião dos embaixadores
dos países americanos realizada no Rio de Janeiro, o governo brasileiro
reivindicou um financiamento norte-americano para um vasto programa de
reequipamento dos setores de infra-estrutura. Os entendimentos entre os dois
governos se processaram na ocasião por intermédio do embaixador norte-americano
Herschell Johnson e do ministro Raul Fernandes. A proposta brasileira só viria
a ser aceita em dezembro, quando já ocorrera a eleição de Vargas para a
presidência e os EUA preparavam a IV Reunião Consultiva de Chanceleres
Americanos, convocada para março de 1951 em Washington, com o objetivo básico
de coordenar o apoio latino-americano à intervenção norte-americana na guerra
da Coréia. Para implementar o acordo então realizado, foi criada a Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos, formada por técnicos dos dois países, com o
objetivo de elaborar projetos específicos, favoráveis ao desenvolvimento do
potencial econômico brasileiro.
Raul Fernandes deixou o Ministério das Relações Exteriores ao
final do governo Dutra, em janeiro de 1951. No ano seguinte, recebeu o título
de doutor honoris causa da Universidade de São Paulo.
No ministério de Café Filho
Em agosto de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio
Vargas, o vice-presidente João Café Filho assumiu o governo e chamou Raul
Fernandes para ocupar novamente o Ministério das Relações Exteriores. Na
qualidade de chanceler, Raul Fernandes presidiu, de agosto de 1954 a agosto de 1955, a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos.
O
novo governo, aproveitando a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI),
procurou obter novos créditos nos Estados Unidos, já que os recursos do
empréstimo de 80 milhões de dólares feito pela administração anterior no
Federal Reserve Bank estavam praticamente esgotados. Em carta ao embaixador
brasileiro nos EUA, João Carlos Muniz, Raul Fernandes dizia que a demora no
atendimento do pedido era sintoma de que os Estados Unidos não avaliavam a
extensão real dos problemas enfrentados pelo governo brasileiro, já que sua
ótica era puramente econômico-financeira.
Em
janeiro de 1955, Café Filho encontrou-se com o presidente da Bolívia, Victor
Paz Estensoro, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), para discutirem o tratado
que os dois países haviam firmado em 1938 para a prospecção e a exploração de
petróleo em território boliviano. Segundo esse tratado, ficava reservada ampla
faixa de terra para a atuação de empresas mistas dos dois países. Alegando que
se haviam passado 17 anos desde a sua assinatura sem que tivesse sido tomada
qualquer medida, Estensoro sugeriu o reexame do tratado, de modo a possibilitar
a exploração também por empresas exclusivamente bolivianas. Café Filho pediu ao
presidente boliviano que mandasse através de sua embaixada uma nota sobre o
assunto, de modo que o governo brasileiro, após estudar o caso, pudesse se
manifestar.
Após ter sido objeto de estudo pelo Itamarati, a nota foi
devolvida por Raul Fernandes com seu parecer: manifestava-se favorável à
manutenção do acordo, desde que a exploração da reserva fosse imediata. Caso
não houvesse condições para tal, tornava-se irrecusável a revisão do tratado, embora
o Brasil decidisse manter o privilégio de fiscalização e a prioridade no
recebimento do petróleo.
No
dia 4 de março de 1955, o Conselho de Segurança Nacional debateu a revisão do
tratado firmado entre Brasil e Bolívia. O chefe da Casa Militar, Juarez Távora,
sustentou que antes de se tomar qualquer decisão era preciso avaliar se o país
possuía condições financeiras para iniciar os trabalhos. O ministro da Fazenda,
Eugênio Gudin, declarou então ser praticamente impossível desviar recursos para
o setor, já que as emissões de dinheiro tinham sido restringidas e as reservas
cambiais eram insuficientes. Em vista disso, o ministro da Guerra, Henrique
Lott, manifestou-se a favor da desistência da garantia geográfica obtida com o
tratado, estabelecendo-se outro, que assegurasse a compra do petróleo excedente
ao preço do mercado internacional. Posta a questão em votação, Raul Fernandes
votou a favor da revisão, sendo esta a opinião vitoriosa. Em vista disso, o
Itamarati iniciou gestões junto ao governo boliviano, após as quais o Conselho
de Segurança Nacional voltaria a se reunir. Quando o governo Café Filho caiu,
em novembro de 1955, o exame do assunto ainda não havia sido concluído. Na
verdade, só em 1958 seria assinado o chamado Acordo de Roboré, atualizando o tratado
de 1938. No entanto, por abrir espaço à atuação de empresas privadas na
exploração do petróleo boliviano, o novo acordo suscitaria controvérsias nos
meios políticos do país e jamais seria implementado.
A crise que resultou na queda do governo Café Filho foi
precipitada no dia 8 de novembro de 1955, quando o presidente da República,
alegando enfermidade grave, transmitiu o governo ao presidente da Câmara dos
Deputados, Carlos Luz. Este, na tarde do mesmo dia, reuniu o ministério e
informou ser sua intenção manter todos os ministros em seus postos. Entretanto,
o governo Carlos Luz foi deposto três dias depois pelo movimento militar
liderado pelo general Henrique Lott, que o acusava de manter ligações com a
corrente golpista que planejava impedir a posse do presidente eleito em
outubro, Juscelino Kubitschek. Com isso, Raul Fernandes foi destituído do
Ministério das Relações Exteriores.
Entre 1956 e 1958, Raul Fernandes foi chamado a depor na
comissão parlamentar de inquérito da Câmara sobre energia atômica, Presidiu, de
1958 a 1968, a Comissão Jurídica Interamericana.
Foi
também presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, membro da
Comissão Internacional de Jurisconsultos para Codificação do Direito
Internacional Público, membro honorário do Institut de Droit International,
membro da Academia de Legislação e Jurisprudência de Madri e membro do
Instituto para Unificação do Direito Privado, em Roma.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 6 de janeiro de 1968.
Foi casado com Lúcia Fernandes.
Publicou, entre outros estudos e conferências, Estudo
sobre a municipalização dos serviços públicos no Brasil: relatório do II
Congresso Jurídico, La comission des reparations et le droit du Brésil aux
bateaux allemands saisis dans ses ports (1920), L’Amérique du Sud et la
Société des Nations (1924) e O problema do café.
A seu respeito foram publicadas as obras A política
exterior do Brasil na gestão do chanceler Raul Fernandes (1951) e Raul
Fernandes — homenagens oficiais prestadas pelo seu 90º aniversário (1967),
além dos trabalhos de Antônio Gontijo de Carvalho, Raul Fernandes, um
servidor do Brasil (1956) e de Ilmar Pena Marinho, Contribuição de Raul
Fernandes para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema interamericano.
Robert
Pechman
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