FONTOURA,
João Neves da
*dep. fed. RS
1928-1930; rev. 1930; rev. 1932; dep. fed. RS 1935-1937; emb. Bras.
Portugal 1943-1945; min. Rel. Ext. 1946 e 1951-1953.
João Neves da Fontoura nasceu
em Cachoeira do Sul (RS) no dia 16 de novembro de 1889, filho do coronel
Isidoro Neves da Fontoura e de Adalgisa Godói da Fontoura. Seu pai, sobrinho de
José Joaquim de Andrade Neves, barão do Triunfo, era chefe político de
Cachoeira do Sul, tendo fundado em 1901 a seção local do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), em cuja legenda foi eleito em diversas ocasiões intendente
(cargo correspondente ao do atual prefeito) e membro do Conselho Municipal da
cidade.
Após realizar os primeiros estudos em escolas públicas, João
Neves freqüentou o Ginásio Cachoeirense, de seu tio Artur Godói. Em 1898 foi
matriculado, junto com seu primo Jacinto Godói, no Colégio dos Jesuítas de São
Leopoldo (RS), na época denominado Ginásio Nossa Senhora da Conceição. Aí veio
a ser companheiro de turma de Nereu Ramos, que mais tarde se destacaria na
política nacional.
A faculdade de direito e as eleições de 1907
Em 1905, João Neves ingressou na Faculdade de Direito de
Porto Alegre, na época centro de debates políticos e culturais estudantis. Na
capital gaúcha, passou a freqüentar diariamente, após as aulas, a casa de seu
tio, Olavo Godói, então diretor do jornal republicano A Federação.
Nessas visitas, foi adquirindo alguma vivência dos problemas internos do PRR.
De acordo com suas memórias, numa dessas tardes foi apresentado a Antônio
Augusto Borges de Medeiros, que, na época, além de chefe do PRR, exercia também
a presidência do Rio Grande do Sul.
Na faculdade, João Neves participou da chamada “geração 1907”, junto com Getúlio Vargas, Joaquim Maurício Cardoso e Firmino Paim Filho, entre outros, que
ganhariam projeção nacional com as revoluções de 1923 e 1930. A iniciação política desse grupo se deu em 1907, quando da disputa pela sucessão no Rio Grande
do Sul. Decididos a estender a campanha sucessória ao meio estudantil, Maurício
Cardoso, João Neves e seu primo Jacinto Godói empenharam-se em organizar a
mobilização política dos estudantes em apoio a Carlos Barbosa Gonçalves, o
candidato indicado por Borges de Medeiros. Sua intenção era também incorporar
ao PRR uma ala jovem, de modo a renovar um quadro que já vinha apresentando
sinais de desgaste.
Juntos, Neves, Cardoso e Godói, redigiram um manifesto que
resultou na criação do Bloco Acadêmico Castilhista, apoiado ainda por Vargas e
Paim Filho. Desse bloco participaram também alguns estudantes da recém-criada
Escola de Guerra de Porto Alegre, que obteriam mais tarde renome no Exército e
na política, como Eurico Gaspar Dutra, Pedro Aurélio de Góis Monteiro e
Salvador César Obino. Durante a campanha, o PRR organizou para o Bloco
Acadêmico um jornal diário, visando com isso a dar maior solidez ao movimento
estudantil republicano. Paim Filho foi escolhido diretor do novo jornal, O
Debate, cujos redatores seriam João Neves, Maurício Cardoso, Jacinto
Godói e Odon Cavalcanti. Às vésperas do lançamento do jornal, porém, no início
de junho de 1907, João Neves foi acometido de pleurisia, o que forçou seu
afastamento e o retorno a Cachoeira do Sul.
Realizado o pleito em novembro, Carlos Barbosa Gonçalves foi
eleito, e, com o início das férias escolares, os principais componentes do
Bloco Acadêmico se dispersaram, embora O Debate continuasse a ser
publicado por mais alguns meses.
Em março de 1909, ainda quintanista de direito, João Neves
foi convidado a ocupar o cargo de segundo promotor público da capital gaúcha,
em substituição a Getúlio Vargas, que acabara de ser eleito deputado à
Assembléia dos Representantes. Segundo Hélgio Trindade, esse posto, cujos
ocupantes eram designados pelo governo do estado, era um dos estágios de
aprendizado político pelo qual passavam as novas lideranças do PRR, já que as
funções de um promotor “proporcionavam condições de destaque público..., sendo
que o cargo na capital vinha se constituindo um lugar que os governos
republicanos caprichavam em preencher com valores comprovados”.
Antes de sua nomeação, João Neves havia sido escolhido um dos
representantes que a Faculdade de Direito enviaria ao I Congresso de
Estudantes, a ser realizado em São Paulo. Com a publicação, a 4 de maio, do ato governamental nomeando-o para a promotoria, viu-se impossibilitado de
cumprir aquele compromisso. No final de maio passou a exercer as novas funções,
pelas quais responderia nos dez meses seguintes.
Ainda em 1909, João Neves, junto com grande parte de seus antigos
companheiros do Bloco Acadêmico, se recusou a participar da campanha eleitoral
pela candidatura do marechal Hermes da Fonseca à presidência da República, que
tivera o apoio do PRR garantido por Borges de Medeiros, contra a candidatura
civil de Rui Barbosa. Alegando que Hermes nem ao menos pertencia ao PRR, João
Neves se absteve de participar dos trabalhos de propaganda eleitoral, só não
tendo tomado posição contrária em consideração à direção de seu partido.
De volta a Cachoeira do Sul
Em dezembro de 1909, João Neves da Fontoura colou grau de
bacharel em ciências jurídicas e sociais. A decisão que tomou então com
respeito à sua vida profissional foi grandemente influenciada por Borges de
Medeiros, que foi taxativo ao lhe afirmar que seu destino estava em Cachoeira
do Sul. Decidido a voltar à cidade natal, João Neves ainda exerceu a promotoria
por algum tempo, participando dos julgamentos do júri. No dia 16 de março de
1910, apresentou seu pedido de demissão e na semana seguinte partiu para
Cachoeira do Sul. Pouco depois de sua chegada, começou a colaborar nos jornais
locais O Comércio e Rio Grande, do qual mais tarde seria
diretor.
Em
1912, Cachoeira do Sul, tradicionalmente dominada pelo PRR, teve sua vida
política agitada pela renúncia do coronel Isidoro Neves da Fontoura ao novo
mandato de intendente (1912-1916) para o qual fora eleito. Coube a João Neves
substituir o pai que manteve sua decisão de não voltar à política — na
tentativa de reagrupar os republicanos locais. Desde então, passou a conjugar a
liderança política local com a prática forense, o que o obrigava a constantes
viagens pelo estado.
Em
fins de 1917, sua saúde começou a apresentar sinais de debilidade. Aproveitando
a trégua que se estabelecera na política do município, João Neves foi convencido
por seu pai a ir ao Rio de Janeiro, então capital federal, para uma consulta
médica. Viajou nos primeiros dias de janeiro de 1918 em companhia de seu
médico, Baltasar de Bem, que à época já era um dos líderes do PRR em Cachoeira
do Sul, e pouco depois teve confirmado o diagnóstico de tuberculose. A conselho
médico, viajou então para São João del Rei (MG).
Em fins de abril, após nova consulta, ficou decidido que João
Neves deveria passar mais algum tempo em clima de montanha. Transferiu-se então
para Belo Horizonte, onde, em companhia da família, permaneceu até o início de
janeiro de 1919. Em meados de fevereiro, já se achava instalado de volta em
Cachoeira do Sul. Pouco depois, reiniciava as atividades forenses.
Em
meados de 1920, João Neves foi procurado por Baltasar de Bem — que desde a
morte de Horácio Borges vinha exercendo a chefia política efetiva do município
embora não aceitasse a direção oficial do PRR —, o qual lhe propôs a eleição
para a intendência, bem como a designação para a direção local do partido.
Embora tenha recusado tais indicações, João Neves se mostrou disposto a
auxiliá-lo na elaboração de uma fórmula, da qual resultou a nomeação de Aníbal
Loureiro como intendente provisório. A política local passou então a ser
conduzida por uma comissão executiva formada por Neves, Baltasar de Bem e
Loureiro, que foi mantida mesmo depois da eleição deste último para intendente
efetivo da cidade.
Na Assembleia dos Representantes
Em 1921, João Neves da Fontoura teve seu nome incluído na
chapa dos candidatos do PRR à Assembléia dos Representantes, cuja sessão
ordinária se instalaria em Porto Alegre a 20 de setembro para se encerrar dois
meses depois — era essa a prática no Rio Grande do Sul durante a República
Velha. Conseguiu ser eleito e sua estréia como tribuno constou da apresentação,
junto com Baltasar de Bem, de um projeto de lei autorizando um empréstimo a
Cachoeira do Sul no valor de dois mil contos de réis, para a execução dos
serviços de água e esgotos.
Ainda nesse ano, acompanhando a posição do PRR, João Neves
participou da campanha da Reação Republicana, movimento que promoveu a
candidatura de Nilo Peçanha à presidência da República em oposição à de Artur
Bernardes, afinal eleito em março de 1922. Após o pleito, os republicanos
gaúchos cessaram a oposição, atitude reforçada depois que, ainda no governo de
Epitácio Pessoa, o Congresso aprovou a adoção de subsídios aos preços da carne,
uma das medidas econômicas pleiteadas pela chapa derrotada.
Em 1922, a Assembléia dos Representantes só iniciou seus
trabalhos em 17 de outubro. João Neves, como todos os demais deputados mais
chegados aos chefes políticos republicanos, não esteve presente às sessões
transcorridas antes do pleito de novembro, que escolheria o novo presidente do
estado: nessa eleição defrontar-se-iam Borges de Medeiros, que se candidatava
ao quinto mandato consecutivo, e Joaquim Francisco de Assis Brasil, apoiado
pela oposição. Durante a campanha eleitoral, os deputados republicanos
permaneceram em seus municípios, participando dos serviços de alistamento e de
visitas a correligionários. João Neves, por seu lado, não se limitou a
colaborar com a comissão executiva de Cachoeira, tendo percorrido o município e
algumas cidades vizinhas promovendo reuniões e comícios e coordenando a ação
dos cabos eleitorais.
Assim, os trabalhos da Assembléia só foram normalizados no
início de dezembro, ao mesmo tempo que a Comissão de Constituição e Poderes
procedia ao exame das eleições. Em janeiro de 1923, encerrou-se a apuração:
pela quinta vez, Borges de Medeiros conquistava a presidência do estado. Logo
após a divulgação do resultado, Assis Brasil ainda tentou a criação de um
tribunal arbitral, constituído de quatro deputados estaduais de cada facção, um
deputado federal e um senador também de cada lado, sob a presidência de
Bernardes — já empossado na chefia da nação —, para decidir sobre a validade
das eleições. Borges de Medeiros aceitou em parte a proposta, exigindo porém
que Bernardes fosse o único árbitro. A João Neves coube defender tal posição ao
longo dos debates que se travavam. Do convívio com a oposição nesse período,
resultou-lhe a certeza da proximidade de uma revolta, parecer que transmitiu a
Borges pouco antes de sua posse.
Convictos
de que houvera fraude, e procurando provocar a intervenção federal, Assis
Brasil e seus partidários rebelaram-se contra o governo estadual. O movimento
iniciou-se a 25 de janeiro de 1923, dia da posse do presidente estadual eleito,
com uma série de levantes regionais que se espalharam rapidamente pelo estado.
Na Assembléia dos Representantes, João Neves, juntamente com Maurício Cardoso e
Lindolfo Collor, pronunciou diversos discursos destinados a demonstrar que o
PRR estava unido e solidário com Borges de Medeiros.
Em
meados do ano, com a ida de Getúlio Vargas para a Câmara Federal, João Neves
foi indicado por Borges para substituí-lo na coordenação da maioria na
Assembléia. Essa função fora desempenhada pela primeira vez, embora sem diploma
expresso, por Getúlio, pois, até 1921, o PRR vinha elegendo todos os deputados,
o que dispensava a função do coordenador. A escolha de João Neves foi
ratificada em reunião dos deputados republicanos, principalmente porque ele se
destacara auxiliando Vargas durante a crise que se seguira às eleições de
novembro de 1922, num desempenho que muito se aproximava do de um vice-líder.
Quando a luta armada já havia ultrapassado os primeiros seis
meses de duração, os dirigentes republicanos começaram a discutir a
conveniência da realização de um congresso partidário, o que não era feito
desde 1889. Decidida sua convocação, marcou-se o início dos trabalhos para o
dia 12 de outubro de 1923. Durante o congresso, João Neves — a quem coube
pronunciar o discurso inaugural, explicando as razões do encontro —, Maurício
Cardoso e Collor, por seus discursos e manifestos inflamados, tornaram-se
figuras destacadas. Nesse encontro, Borges de Medeiros — que não compareceu às
reuniões — foi autorizado por seus correligionários a fazer algumas concessões
ao general Fernando Setembrino de Carvalho, ministro da Guerra, encarregado
pelo presidente Artur Bernardes de pacificar o estado. A essa altura, contudo,
a mediação de Setembrino já vinha tomando forma definitiva: no início de
dezembro, o fim do conflito foi selado com a assinatura do Pacto de Pedras
Altas, que garantia a permanência de Borges no governo até o final do mandato,
mas impedia nova reeleição.
No
ano de 1924, em quase todos os municípios em que se realizaram eleições, o PRR
conseguiu eleger os seus candidatos. Em Cachoeira do Sul, foram eleitos o major
Francisco Gama, prefeito, e Baltasar de Bem, vice-prefeito. João Neves teve seu
mandato renovado na Assembléia dos Representantes, que só deu início às atividades
em fins de outubro.
Ainda
em outubro, no dia 29, sublevaram-se elementos das guarnições federais sediadas
nas cidades gaúchas de Santo Ângelo, São Luís Gonzaga, São Borja, Uruguaiana e
Alegrete, sob a coordenação do então capitão Luís Carlos Prestes: esse novo
movimento revolucionário, vinculado ao levante paulista de 5 de julho do mesmo
ano, contou ainda com o apoio de diversos políticos da oposição gaúcha. A 10 de
novembro, eclodiu em Cachoeira do Sul a rebelião do 2º Batalhão de Engenharia,
combinada previamente com esses políticos. O levante ocorreu de madrugada sem
que lhe fosse dado combate, já que a cidade não possuía força legal para tanto.
Para impedir o avanço dos rebeldes pela campanha gaúcha, foi necessário o
deslocamento, de Santa Maria (RS), da 2ª Companhia do 1º Regimento da Brigada
Militar. A essa unidade se juntaram inúmeros civis, entre os quais João Neves
da Fontoura, que teve destacada participação nos combates. A derrota das forças
rebeldes ocorreu na localidade de Barro Vermelho.
Na intendência de Cachoeira do Sul
A
morte de Baltasar de Bem nesse combate acabou por deixar João Neves, que o
substituiu na vice-intendência, sozinho na direção política de Cachoeira do
Sul, já que Aníbal Loureiro pouco depois se transferiu para Itaqui (RS). Neves,
contudo, só pôde retornar à sua cidade no início de 1925, pois os debates na
Assembléia exigiam constantemente a presença do novo líder da maioria nas
sessões e na tribuna.
Em meados de janeiro de 1925, com a doença de Francisco Gama,
que se licenciou, João Neves assumiu pela primeira vez, por um período de três
meses, a intendência de Cachoeira. Em setembro, tornou a substituí-lo, dessa
vez permanecendo no cargo até o final do período, em julho de 1928. Num
primeiro momento, João Neves esteve propenso a forçar a renúncia de Gama, de
modo a processar novas eleições, já que a sobrecarga de trabalho vinha forçando
seu afastamento do escritório de advocacia. Após consulta a Borges de Medeiros,
no entanto, convenceu-se da necessidade, para o PRR, de sua permanência à
frente da intendência, o que o levou a abandonar o exercício da advocacia ao
longo dos três anos em que ocupou aquele cargo. Nesse período, acumulou a
intendência com a Assembléia de Representantes.
De modo geral, sua administração teve por preocupação
principal a implantação do sistema de água e esgotos, com base no projeto
desenvolvido pelo engenheiro fluminense Saturnino de Brito. Outros trabalhos
realizados foram a pavimentação de ruas, a melhoria das vias de comunicação com
as áreas rurais, a criação de um dispensário público e o aumento do número de
escolas. Do governo estadual, João Neves conseguiu a criação da Escola
Complementar, que, a partir de 1931, por ato do interventor José Antônio Flores
da Cunha, passaria a se chamar Escola Normal João Neves da Fontoura.
Com relação à Assembléia dos Representantes, em 1925 os
trabalhos da legislatura se iniciaram a 21 de setembro. Poucos dias depois, o
caudilho Honório Lemes, até então foragido, invadiu a fronteira do Rio Grande
do Sul, levando o governo de Borges de Medeiros a mobilizar tropas. Cada
combate travado tinha forte repercussão nos debates da Assembléia, obrigando
João Neves a constantes intervenções na tribuna em defesa dos pontos de vista
do governo. Ao diminuírem as possibilidades de êxito de Honório Lemes, o
deputado oposicionista Demétrio Xavier, ligado à Aliança Libertadora,
apresentou à Assembléia uma indicação solicitando que a casa transmitisse ao
governo da República seus votos a favor da decretação da anistia. Como líder da
maioria, João Neves opôs reservas quanto à oportunidade e à forma de tal
mensagem, embora afirmasse que era aos republicanos gaúchos que cabia estender
a mão à oposição libertadora, de modo a buscar a pacificação política do
estado. Ressaltou, contudo, que a anistia só poderia ser decretada pelo
Congresso Nacional.
Em fins de 1926, no dia 15 de novembro, eclodiu no Rio Grande
do Sul novo movimento armado conhecido como Coluna Relâmpago visando a impedir
a posse de Washington Luís na presidência da República: concentrada basicamente
numa unidade do Exército em Santa Maria, essa revolta foi liderada pelos irmãos
Nélson e Alcides Etchegoyen, os quais, sem conseguir controlar a cidade,
acabaram por abandoná-la.
Na
manhã seguinte, João Neves, que então se encontrava em Porto Alegre, telegrafou para o delegado de Cachoeira do Sul, mandando que reunisse trezentos
companheiros e formasse um corpo provisório (tropa irregular, composta de civil
recrutados). Nesse mesmo dia, o próprio líder da maioria embarcou para sua
cidade natal, levando consigo elementos da Brigada Militar, armas e munições
para o corpo provisório. Reunidas as forças, no dia 17 os legalistas rumaram
para Caçapava do Sul, por onde as tropas rebeldes, que então já haviam recebido
a adesão de diversos elementos libertadores, forçosamente passariam em sua
retirada em direção à campanha gaúcha. Após violento combate, os rebeldes se
retiraram até a fronteira.
Dias
depois, João Neves da Fontoura foi chamado a Porto Alegre para reassumir seu
lugar na Assembléia dos Representantes, já que os debates exigiam o
esclarecimento dos fatos pelo porta-voz do governo. Ao término dos trabalhos
legislativos, João Neves, antes de retornar à sua cidade, entrevistou-se com
Borges de Medeiros, que o informou de que o seu nome constaria da chapa a ser
elaborada por ele, em meados de janeiro de 1927, já visando às eleições para a
Câmara Federal. Dias mais tarde, em carta a Borges, João Neves recusou sua
candidatura, alegando ser seu objetivo retornar, após o término do mandado na
intendência, a seu escritório de advocacia.
Em abril de 1927, foi realizada uma assembléia do PRR em
Cachoeira do Sul, durante a qual João Neves da Fontoura foi eleito, por
unanimidade, chefe único do partido no município. Essa escolha foi homologada
logo em seguida por Borges e veio regularizar uma situação de fato vigente
desde 1924.
Também
em 1927, tiveram início as articulações visando à sucessão do presidente
gaúcho. Embora impossibilitado pelo Pacto de Pedras Altas e pela emenda
constitucional de se candidatar à reeleição, Borges de Medeiros havia
conservado a chefia do PRR, o que lhe garantia a escolha de seu substituto. No
início de agosto, o líder republicano comunicou oficialmente a Getúlio Vargas,
então ministro da Fazenda de Washington Luís, e a João Neves a escolha de seus
nomes para compor a chapa que a direção do PRR apresentaria à convenção
estadual.
A
João Neves, o convite foi feito por intermédio de Sinval Saldanha, genro de
Borges, que a 14 de agosto chegou a Cachoeira do Sul. Diante da recusa inicial
de Neves, Sinval transmitiu-lhe a decisão do líder republicano de só aceitar
sua negativa caso concordasse em ocupar uma das vagas de deputado que se
abriria na bancada federal gaúcha com a composição do secretariado de Vargas. E
nesse caso, João Neves seria designado líder da representação republicana
gaúcha na Câmara. Assim pressionado, João Neves escreveu a Borges de Medeiros
aceitando a indicação à vice-presidência.
No
dia 12 de outubro, foi realizada a convenção do PRR que aprovou por unanimidade
a chapa elaborada por Borges. O lançamento da chapa republicana alcançou também
boa receptividade entre os libertadores, apesar de Vargas e João Neves terem
sido líderes da maioria republicana na Assembléia dos Representantes no período
em que as relações do PRR com as oposições atingiram seu nível mais crítico.
No
dia 24 de novembro de 1927, foi realizado o pleito para o governo do estado,
para o qual os libertadores não apresentaram candidato. Nos primeiros dias de
janeiro do ano seguinte, João Neves retornou a Porto Alegre para participar da
apuração das eleições e da posse do novo presidente, a serem realizadas durante
as sessões extraordinárias da Assembléia. Por volta do dia 10, contudo, caiu
doente com pneumonia, o que acabou por afastá-lo da capital, não lhe permitindo
participar das solenidades de posse de Getúlio Vargas, declarado eleito pela
Assembléia no dia 1º de janeiro.
No início do mês seguinte, embora João Neves ainda estivesse
em convalescença numa estância em Tarumã (RS), Getúlio convidou-o para ocupar
uma das cadeiras da Câmara Federal, vagas com a ida de Osvaldo Aranha e Paim
Filho para o secretariado do estado. Vargas alegava que o seu governo vinha-se
ressentindo da falta de um líder que tivesse autoridade tanto na política
estadual quanto na federal. Mais uma vez alegando sua decisão de retornar à
advocacia tão logo terminasse seu mandato, João Neves — que nos últimos anos
havia-se tornado o homem público com maior acesso a Borges de Medeiros —
recusou a indicação. No início de março, contudo, Getúlio voltou a insistir na
questão, motivado principalmente pelo fato de que Otávio Rocha, escolhido para
uma das vagas, acabara de falecer. Assim pressionado, João Neves aceitou a
indicação. No início de abril voltou a Cachoeira do Sul, quando já se
aproximavam as eleições que escolheriam seu sucessor na intendência. Logo após
seu retorno, deu início às articulações junto a Borges de Medeiros e a seus
correligionários para a escolha de seu candidato.
Na Câmara dos Deputados: do Pacto do Hotel Glória à
Revolução de 1930
Em maio de 1928 João Neves foi eleito deputado federal pelo
Rio Grande do Sul, passando a acumular o mandato parlamentar com a
vice-presidência do estado: pela Constituição castilhista de 1891, a opção entre os dois cargos só se faria necessária se o vice-presidente fosse chamado a
assumir o governo. Foi também designado líder da bancada do PRR na Câmara
Federal.
João
Neves só deixou Cachoeira do Sul em julho, após ter inaugurado as obras de
saneamento urbano resultantes de sua administração e ter assistido à vitória de
seu candidato nas eleições para a intendência municipal. Antes de embarcar com
a família para o Rio, passou alguns dias em Porto Alegre, onde procurou acertar com Vargas as linhas básicas da atuação da bancada
republicana gaúcha diante do governo federal e conhecer sua opinião sobre as
questões políticas que em breve deveriam se tornar o centro dos debates — como
a questão da sucessão presidencial — embora a orientação da bancada nesse plano
dependesse basicamente de Borges de Medeiros.
Como
naquele momento já se falasse na possibilidade de Júlio Prestes, presidente de
São Paulo, ser apresentado como candidato de Washington Luís, João Neves — que
via na indicação do paulista uma “quebra da tradicional alternação entre Minas
e São Paulo, só interrompida por motivos excepcionais (Hermes da Fonseca e
Epitácio Pessoa)” — procurou saber de Getúlio qual seria a posição do Rio
Grande do Sul. Para o presidente gaúcho, naquele primeiro momento, a
candidatura do político paulista se apresentava como inevitável, opinião que o
novo líder da bancada não aceitou antes de proceder a um exame geral da
situação. Diante do argumento de Vargas de que o estado não poderia e nem
deveria liderar um movimento destinado a colocar um gaúcho no Catete, João
Neves, segundo suas memórias, decidiu desenvolver na Câmara dos Deputados uma
atuação que visasse ao lançamento, por forças políticas de outros estados, de
uma candidatura gaúcha, de modo que ela pudesse ser aceita pelo governo do Rio
Grande do Sul.
Em 22 de julho João Neves seguiu com a família para o Rio, a
fim de assumir seu mandato na Câmara. Passando por São Paulo, encontrou-se com
Júlio Prestes, que se mostrou vivamente preocupado com a reforma eleitoral
defendida pelo Partido Democrático Nacional (PDN), e com a questão da anistia
aos revoltosos de 1922, 1924 e 1926. João Neves tranqüilizou-o, afirmando que o
governo gaúcho, embora favorável à adoção do voto secreto e à concessão da
anistia, esperaria o amadurecimento dessas questões antes de assumir uma
posição definitiva.
Ao prestar o compromisso regimental, no término da sessão do
dia 30 de julho de 1928, João Neves era um político sem maior projeção
nacional. Contudo, sua ambientação parlamentar foi rápida: alguns meses após
sua estréia na Câmara, foi homenageado por outros parlamentares com um banquete
no Jóquei Clube do Rio. No final do ano, já acompanhava, na Câmara dos
Deputados, as primeiras articulações feitas em torno da sucessão presidencial,
mantendo Borges de Medeiros e Getúlio Vargas permanentemente informados:
iniciava assim sua atividade de articulador político, como elo de ligação entre
a chefia do PRR, o governo gaúcho e seus interlocutores nacionais.
Logo
nos primeiros meses de seu mandato, João Neves observou que o presidente de
Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, vinha se comprometendo cada
vez mais com declarações que traduziam seu desejo de se candidatar, apesar de
não possuir condições objetivas para fazê-lo por não dispor, na máquina
eleitoral dos estados, do apoio de elementos de prestígio para enfrentar o
Catete. Já nesse momento, o novo líder da bancada republicana gaúcha vislumbrou
a oportunidade de Minas vir a patrocinar uma candidatura gaúcha. Assim, no dia
6 de novembro de 1928, ao ser-lhe prestada uma homenagem oficial, pronunciou um
discurso aprovado por Borges e Vargas em que colocava o Rio Grande do Sul numa
posição independente em relação à sucessão presidencial.
Poucos
dias depois, foi realizado outro banquete, dessa vez em São Paulo, reunindo a direção do Partido Republicano Paulista (PRP), ao qual compareceu
também o deputado do PRR José Antônio Flores da Cunha. Em seu discurso Flores
acabou por se solidarizar com a candidatura presidencial de Júlio Prestes,
afirmando ao final que paulistas e gaúchos marchariam “unidos, ombro a ombro”.
Esse discurso provocou o protesto, junto a Borges de Medeiros e a Vargas, de
João Neves, que considerou a presença de Flores no banquete como parte do
esforço paulista para neutralizar a repercussão obtida por seu discurso do dia
6. Motivou-o também o desejo de reforçar sua autoridade como líder de bancada
junto aos demais deputados, já que tal tipo de pronunciamento só deveria ser
feito através da liderança.
Desse incidente, resultou o pedido de renúncia de Flores, que
foi recusado por Getúlio, e a assinatura pela bancada republicana de uma
declaração reconhecendo João Neves como “legítimo líder”. Segundo o historiador
Hélio Silva, o episódio não consistiu num choque entre dois homens, mas sim
entre duas tendências: enquanto Neves só via a possibilidade de uma reação
através da aliança do Rio Grande do Sul com Minas contra o Catete, Flores
acreditava numa solução que conciliasse Washington Luís e Getúlio Vargas.
Ultrapassada a crise, verificou-se na política gaúcha uma predominância da
tendência de oposição a Washington Luís. “Apresentava-se”, escreve Hélgio
Trindade, “a possibilidade, ao Rio Grande do Sul, de participar do jogo de
poder nacional colocando-se não como uma terceira força dependente de Minas
Gerais ou São Paulo, mas de adquirir peso de peça-chave no desencadeamento do
processo.”
Com o término do ano legislativo, João Neves retornou a
Cachoeira do Sul. Em fevereiro de 1929, encontrou-se com Borges de Medeiros e
discutiu a questão da sucessão presidencial com base nas observações feitas
durante sua estada no Rio. Ao término do encontro, ficou decidido que, se
consultados sobre a “solução paulista” — ou seja, a indicação de um paulista,
no caso Júlio Prestes —, os gaúchos deveriam não só condicionar a aceitação ao
voto da maioria real das forças políticas, mas também exigir a apresentação
prévia do programa do candidato, que deveria incluir medidas de apaziguamento e
de anistia. Para Borges, a candidatura de Getúlio era plenamente viável.
Ao retornar ao Rio, João Neves encontrou a candidatura de
Prestes mais claramente definida — embora ainda não oficializada — o que
provocou a cisão entre São Paulo e Minas. A partir de então, o governo mineiro
se aproximou do Rio Grande do Sul — cujo peso nas eleições seria considerável
—, visando com isso a lançar um candidato de oposição. Como líder da bancada
republicana, coube a João Neves representar o governo gaúcho e a chefia do PRR
durante as negociações, o que intensificou a correspondência trocada com
Getúlio Vargas e Borges de Medeiros.
Em
17 de junho de 1929, João Neves da Fontoura firmou, junto com Francisco Campos
e José Bonifácio de Andrada e Silva, ambos representantes do Partido
Republicano Mineiro (PRM), um pacto — conhecido como o Pacto do Hotel Glória,
documento base da Aliança Liberal — onde ficaram acertados, entre outros
pontos, o veto de Minas ao nome de Prestes, a retirada da candidatura de
Antônio Carlos e o lançamento de um gaúcho, Borges de Medeiros ou Vargas, para
encabeçar a chapa oposicionista. Ficou decidido, também, que o pacto só vigoraria
para o Rio Grande do Sul após a aprovação de Borges. Para tanto, João Neves
confiou aos irmãos João e Filipe Daudt de Oliveira — seus amigos desde os
tempos da Faculdade de Direito — a tarefa de levar o acordo para o líder do PRR
no Rio Grande do Sul.
Para
referendar o pacto, contudo, Borges de Medeiros estabeleceu algumas condições:
1) o lançamento da candidatura oposicionista deveria ser feito por Minas; 2)
Washington Luís deveria ser comunicado oficialmente das articulações (essa
condição seria posteriormente retirada); 3) deveria ser realizada uma convenção
nacional para a homologação da chapa; e 4) o candidato deveria ser Vargas, e
não o próprio Borges. Considerando inoportuna a realização da convenção
nacional, João Neves, juntamente com Antônio Carlos, conseguiu convencer Borges
de Medeiros, que concordou com sua substituição por uma convenção simples do
PRM em Belo Horizonte. Quanto a Getúlio Vargas, Neves recebeu carta datada de
1º de julho de 1929 em que este afirmava não ter objeções ao acordo e tampouco
a uma candidatura gaúcha lançada por Minas, mas declarava também não desejar
ser ele próprio o candidato. Por fim, após muita hesitação, João Neves obteve a
aprovação de Borges e de Vargas para os termos do acordo.
Segundo Hélgio Trindade, a condução das articulações secretas
feitas por João Neves e os políticos mineiros teve de ser desenvolvida de forma
cuidadosa, “especialmente no interior do próprio PRR, em função, de um lado,
das hesitações de Getúlio, que temia as conseqüências econômicas para o estado
no caso de uma ruptura aberta com o governo federal; de outro, da divergência
de orientação com outros líderes do partido (Flores da Cunha e Paim Filho) e
com a própria bancada na Câmara de Deputados”.
Durante o mês de julho, João Neves desenvolveu várias
iniciativas de modo a definir um nome para a vice-presidência da chapa
oposicionista. Após algumas, tentativas, obteve, por intermédio de Epitácio
Pessoa, a concordância do presidente da Paraíba, João Pessoa. Também nesse mês,
convocou a bancada gaúcha, colocando-a a par do pacto.
Em 30 de julho, a comissão executiva do PRM lançou a
candidatura de Getúlio Vargas e de João Pessoa, respectivamente à presidência e
à vice-presidência da República. Vargas, contudo, condicionou sua indicação à
obtenção do apoio do Partido Libertador (PL) gaúcho, o que foi garantido
através da formalização da Frente Única Gaúcha (FUG), integrada pelo PRR e o
PL, a 1º de agosto. No dia seguinte, realizou-se no Distrito Federal a primeira
reunião dos parlamentares de oposição, ocasião em que João Neves apresentou as linhas de atuação a serem adotadas, e propôs com êxito que a
liderança oposicionista na Câmara coubesse ao deputado José Bonifácio. No
encontro foi ainda constituída uma comissão executiva para dirigir a campanha
eleitoral da oposição, tendo surgido aí a designação “Aliança Liberal”, que só
seria lançada oficialmente no dia 21 de setembro.
O
rompimento oficial com o governo ocorreu durante a sessão legislativa da Câmara
de 5 de agosto, ocasião em que os deputados aliancistas procuraram justificar o
rompimento dos mineiros com o argumento da interferência de Washington Luís em
sua própria sucessão. Discursando após a intervenção de José Bonifácio, João
Neves justificou a candidatura de Getúlio Vargas e esclareceu a opinião pública
sobre a luta sucessória. Nessa ocasião, teve de enfrentar — pela primeira vez
desde sua ida para a Câmara dos Deputados — cerrado debate com o líder da
maioria, o paulista Manuel Vilaboim, e outros parlamentares ligados ao
situacionismo. Esse seu pronunciamento tornou-se o marco inicial da campanha da
Aliança Liberal. Ainda em agosto, João Neves renunciou à Comissão de Finanças
da Câmara, na qual era o relator do orçamento da Guerra.
Cerca
de um mês depois do início da campanha liberal — iniciada oficialmente durante
a convenção de 21 de setembro —, Fernando de Melo Viana, vice-presidente da
República e mineiro, rompeu com o PRM por discordar da indicação de Olegário
Maciel para o governo de Minas, indispondo-se em seguida com a Aliança Liberal.
Ainda em outubro, em reunião com João Neves, Paim Filho e Flores da Cunha,
Vargas mostrou-se favorável a uma conciliação, sobretudo diante da cisão que se
verificara na política mineira, reduzindo as possibilidades eleitorais no
estado. O presidente gaúcho afirmou não ver inconveniência em abrir mão de sua
candidatura, desde que Júlio Prestes aceitasse os principais pontos do programa
da Aliança Liberal.
No
início de novembro, enquanto Vargas procurava estabelecer a conciliação com
Washington Luís — já contando para isso com a concordância de Antônio Carlos,
visando à escolha de um tertius —, João Neves viajou para Belo Horizonte
em companhia dos deputados gaúchos Ildefonso Simões Lopes, vice-presidente da
Aliança Liberal, e Lindolfo Collor a fim de discutir com os líderes mineiros as
conseqüências do rompimento de Melo Viana com o PRM. Retornando de Minas, os
três gaúchos mostraram-se decididos a dar novo impulso à campanha, aproveitando
a crise em que se encontrava a cultura do café.
Em dezembro, enquanto Vargas enviava Paim Filho a São Paulo e
ao Rio para negociar o acordo com Júlio Prestes e Washington Luís, a campanha
eleitoral assumia novo ritmo, principalmente porque a maioria governista
decidira não dar quorum às sessões da Câmara, impedindo, assim, o
pronunciamento dos deputados oposicionistas. Em resposta a essa decisão, os
integrantes da Aliança Liberal resolveram promover comícios públicos nas
escadarias do palácio Tiradentes, sede da Câmara dos Deputados.
Já em meados do mês, Paim Filho estabelecia, sigilosamente,
um modus vivendi entre o governo federal e o Rio Grande do Sul, através
do qual Vargas assumia os compromissos de não fazer propaganda eleitoral fora
de seu estado, conformar-se com o resultado das eleições, apoiar o governo
federal, e, caso fosse eleito, manter boas relações com São Paulo. Por sua vez
Washington Luís e Júlio Prestes, entre outros pontos, concordaram em
reconhecer, na apuração das eleições de representantes ao Congresso Nacional,
os candidatos gaúchos diplomados, aceitar a possível eleição de Vargas e, no
caso da vitória de Prestes, restabelecer as relações entre o governo federal e
o Rio Grande do Sul nos termos anteriores à crise sucessória. Segundo João
Neves da Fontoura, esse acordo foi responsável pelo fato de não ter havido
“depuração” na bancada gaúcha eleita em 1930, ao contrário do ocorrido em Minas Gerais e na Paraíba.
Apesar do sigilo em que foram envolvidas as negociações com
Washington Luís e Prestes, a ida de Paim Filho a São Paulo, Minas e Rio logo
despertou em João Neves a certeza de que o objetivo dessa viagem fora entrar em
entendimento com o governo federal. Sendo contrário a qualquer tipo de acordo,
com o líder da bancada republicana gaúcha procurou impedir, de todas as formas,
esse entendimento, tendo mesmo solicitado a Vargas que desmentisse os boatos
que vinham surgindo sobre a natureza da “missão Paim”. O presidente gaúcho,
contudo, se recusou a fazê-lo.
No
entanto, em 30 de dezembro de 1929, rompendo o acordo estabelecido com
Washington Luís, Getúlio Vargas chegou ao Rio de Janeiro, e aí, três dias mais
tarde, leu a plataforma da Aliança Liberal. O início de 1930 foi marcado,
assim, pela intensificação da campanha aliancista, em especial com a
organização de caravanas para percorrer os estados. João Neves da Fontoura
integrou o grupo que, no dia 23 de janeiro, deixou o Rio para percorrer os estados
do Norte e Nordeste. Chefiada por João Pessoa, essa caravana, após passar pelos
estados de Pernambuco e Paraíba, subdividiu-se, tendo o político gaúcho ficado
com o grupo que percorreu ainda Alagoas e Bahia.
No pleito de 1º de março de 1930 João Neves teve seu mandato
renovado. Com a vitória de Júlio Prestes nas eleições presidenciais,
entretanto, ocorreu uma divergência entre os integrantes da Aliança Liberal, em
especial dentro do PRR, que manteve uma posição indefinida: enquanto o grupo
liderado por João Neves e Osvaldo Aranha passou a lutar pela organização de um
levante armado, outros aliancistas, entre eles Borges de Medeiros, deram por
encerrada a tarefa da coalizão. Essa divergência ficou evidenciada ainda em
março, quando Borges declarou, em entrevista publicada pelo jornal A Noite no
dia 19, que “a campanha eleitoral e a FUG foram encerradas em 1º de março”.
Tais declarações provocaram forte reação em alguns aliancistas, que, tendo à
frente João Neves da Fontoura e Osvaldo Aranha, passaram a protestar contra os
resultados eleitorais, tachando-os de fraudulentos. João Neves, que então se
encontrava em Cachoeira do Sul, chegou a desmentir o abandono da luta, ao mesmo
tempo em que Borges, pressionado, voltava a admitir a continuidade da Aliança
Liberal através da ação parlamentar e da pregação doutrinária.
A
crise vivida pelo PRR e a indefinição política do governo gaúcho se refletiram
sobre a FUG e a Aliança Liberal: sem uma posição definida de Vargas, os
aliancistas dificilmente poderiam se manifestar, fechando-se, assim, a única
área de atuação da FUG. A maioria da bancada eleita do PRR à Câmara se mostrava
desorientada, tendendo a aceitar a situação. Borges, por seu lado,
encontrando-se ausente de Porto Alegre, encarregou o presidente gaúcho de
fixar, junto com os deputados e senadores, a linha de conduta a ser adotada
pela bancada.
Durante as articulações para a definição da linha política da
bancada republicana na legislatura que se iniciaria em maio, Osvaldo Aranha,
como representante de Vargas, encontrou-se algumas vezes com Borges. Numa
dessas ocasiões, depois de se mostrar de acordo com o prosseguimento da luta,
condenando mesmo a adesão à política dominante, Borges insistiu em que João Neves fosse à sua fazenda. Assim, no início de abril, Neves dirigiu-se a
Irapuazinho, tendo antes preparado — com base nas conversações que tivera ao
longo do mês anterior com Aranha, Collor e Vargas — um memorando em que fixava
algumas ementas relativas às principais normas pelas quais, no seu entender, a
bancada republicana deveria pautar sua atuação.
Conhecido como Heptálogo do Irapuazinho, esse
documento, que contou com a aprovação de Borges, estabelecia que: 1) o governo
do Rio Grande do Sul deveria manter relações apenas oficiais com o governo de
Washington Luís e com o de Prestes; 2) a bancada republicana gaúcha na Câmara
deveria manter-se em oposição não-sistemática ao governo, defendendo a
plataforma aliancista e apresentando projetos de lei de reforma eleitoral; 3) a
bancada deveria manter estreito contato com outros elementos aliancistas,
visando a constituir o núcleo de um futuro partido; 4) a bancada deveria
defender os parlamentares de Minas Gerais e Paraíba que haviam sido eleitos, mas
não foram reconhecidos pelas juntas apuradoras; 5) a bancada deveria dar
assistência aos governos de Minas e da Paraíba para que resistissem à
intervenção federal, além de fornecer armas para que este último estado
sufocasse a rebelião de Princesa (movimento iniciado em fevereiro de 1930
contra o governo de João Pessoa); 6) reconduzir à sua liderança o antigo
titular do posto, e 7) todos os representantes republicanos na Câmara e no
Senado deveriam observar integral subordinação às determinações vindas da
chefia suprema do partido (Borges) e da presidência do estado (Vargas).
Ao término do encontro, Borges de Medeiros recomendou apenas
que João Neves enviasse o memorando a Getúlio — o que foi feito dois dias
depois, por intermédio de Collor —, para que ele opinasse. Em fins de abril,
João Neves recebeu a resposta do presidente gaúcho, que se mostrou contrariado
com a inversão das praxes até então adotadas pelo partido: no entender de
Vargas, com esse documento a bancada estava determinando a orientação a ser
adotada pelo partido e pelo governo gaúchos.
Enquanto, em Cachoeira do Sul, João Neves preparava um
manifesto de renúncia ao mandato, no Rio de Janeiro o recém-eleito senador Paim
Filho prestava declarações discordando da diretriz adotada pela bancada do PRR
— de continuação da luta da Aliança Liberal —, informando ainda que ela, além
de resultar da interferência de João Neves, não contava com o apoio de Vargas.
Em suas memórias, João Neves afirma que a discordância do presidente gaúcho se
limitava apenas ao aspecto formal da questão, de como fora encaminhada a
decisão, e não dizia respeito à diretriz adotada, tendo sido a divergência
entre os dois eliminada por intermédio de Osvaldo Aranha, que o convenceu a
reassumir a liderança da representação gaúcha.
Em maio, Borges de Medeiros ainda se mantinha numa posição
conciliadora, procurando evitar a cisão no interior do PRR, já que a existência
das duas correntes antagônicas tornava-se cada vez mais visível. Com o
propósito de contornar a crise, Paim Filho sugeriu ao líder republicano a
realização de uma convenção, a que deveriam comparecer senadores, deputados
federais e estaduais, intendentes e chefes locais. Borges, contudo, preferiu
discutir apenas com Vargas a atuação da bancada republicana gaúcha na Câmara
Federal. Desse encontro, ficou decidido que João Neves, que a essa altura já
vinha falando abertamente nos preparativos de um movimento armado, continuaria
como líder da bancada, embora só pudesse agir com o consenso da mesma: em caso
de divergências sobre questões políticas, o consultado seria Borges e, em caso
de dúvida sobre a administração, as consultas seriam feitas a Vargas.
Com a aprovação do Heptálogo, João Neves retornou
afinal ao Rio de Janeiro e aí, no dia 21 de maio, tomou posse na Câmara dos
Deputados. Assumiu, então, a liderança da luta parlamentar contra o
não-reconhecimento dos deputados aliancistas eleitos pela Paraíba e por Minas,
denunciando fraudes nas eleições. Por outro lado, o prosseguimento do conflito
desencadeado em Princesa levou João Neves e José Bonifácio a concentrarem seus
protestos nas arbitrariedades cometidas na Paraíba, em especial na tentativa de
intervenção feita pelo governo federal.
A situação do PRR complicou-se quando Borges de Medeiros, em
nome da comissão central, enviou aos chefes locais uma carta-circular dando por
extinta a FUG e ameaçando de repressão as manifestações em contrário. Enquanto isso, Luís Aranha era enviado ao Rio e a Belo Horizonte para informar aos
líderes aliancistas que o PRR e o governo gaúcho estavam “decididos à luta até
as últimas conseqüências”, o que incluía o apoio ao movimento armado. Borges
afirmava, por seu lado, que deveriam ser feitos todos os esforços para se
evitar o desencadeamento da revolução. A Getúlio Vargas, Borges aconselhou,
caso fosse inevitável a revolução, a não apoiar o governo federal, mas, ao
mesmo tempo, a não envolver o Rio Grande do Sul no movimento. Sua sugestão, em
resumo, era para que Vargas se mantivesse diante da revolução em “atitude
passiva, mas simpática”.
Em fins de junho, decepcionado com a vacilação de Vargas,
Osvaldo Aranha pediu demissão da Secretaria do Interior, o que motivou a ida de
João Neves a Porto Alegre, visando a intensificar a articulação do movimento armado.
João Neves foi provisoriamente substituído por Lindolfo Collor na liderança dos
republicanos na Câmara.
No
dia 26 de julho, João Pessoa foi assassinado em Recife. Interpretado como um ato político de seus adversários, o assassinato reagrupou as
forças de oposição a Washington Luís em torno da idéia revolucionária,
principalmente depois que o Ministério da Justiça decretou a intervenção
federal na Paraíba a fim de pacificar o estado. No início de agosto, Maurício
Cardoso foi enviado a Porto Alegre para participar dos entendimentos com Borges
de Medeiros visando a conseguir sua adesão ao movimento armado. Até então, João
Neves, Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor — que continuava a substituir o primeiro
na liderança da bancada republicana —, Maurício Cardoso e o tenente João
Alberto Lins de Barros se dispunham a detonar o movimento armado mesmo sem
possibilidade de êxito, de modo a cumprir os compromissos assumidos. Chegaram a
marcar o início do levante para o dia 26 de agosto, mas essa data foi adiada
pelo Rio Grande do Sul, já que a 25 de agosto Borges de Medeiros se decidiu em
favor do movimento, que teve assim sua eclosão marcada para o dia 3 de outubro
simultaneamente no Rio Grande do Sul, em Minas e na Paraíba.
A João Neves da Fontoura coube a organização do movimento em
Cachoeira do Sul. Para tanto, manteve freqüente contato com Borges de Medeiros,
com oficiais do 3º Batalhão de Engenharia e do 3º Grupo Independente de
Artilharia Pesada, além de participar das articulações com elementos de todos
os estados. A partir de meados de setembro, a preparação do movimento aumentou
de intensidade, embora os conspiradores ainda não contassem com o apoio de
muitos oficiais da guarnição federal.
Em Cachoeira do Sul, o levante se desenrolou sem qualquer
contratempo: no entardecer do dia 4 de outubro, as unidades federais da cidade
já se achavam reorganizadas pelos revolucionários, prontas para seguir para o
norte do estado, de onde rumariam para São Paulo e Rio. O sucesso da revolução
do Rio Grande do Sul, contudo, ainda dependia do controle de Porto Alegre, sede
da 3ª Região Militar (3ª RM), onde algumas das guarnições ainda resistiam.
Depois de controlada a situação em todo o estado, as forças revolucionárias
foram reestruturadas em batalhões, formados pelas tropas federais e por
voluntários. Assim já no dia 5 partia o primeiro batalhão gaúcho, sob o comando
de Alcides Etchegoyen.
Decidido
a assumir o comando revolucionário, Getúlio Vargas transferiu o governo do
estado a Osvaldo Aranha e não ao vice-presidente, João Neves. Em carta datada
de 7 de outubro, Vargas informou este último de que, dada a incerteza do
desfecho do movimento, não poderia prescindir do líder da bancada na Câmara, o
que fatalmente ocorreria caso João Neves viesse a substituí-lo. Recomendou,
ainda, que o deputado permanecesse no Rio Grande do Sul e evitasse se
pronunciar sobre o movimento.
Essa
carta provocou o descontentamento de João Neves, que, decidido a embarcar com
as tropas revolucionárias, enviou telegrama a Vargas. Nessa mensagem, após
afirmar que não se oporia às medidas por ele determinadas, João Neves
apresentava seu pedido de renúncia à vice-presidência e informava-o ainda de
que seguiria com as forças gaúchas. Para resolver o problema que se estabelecera
entre Vargas e João Neves, e entre este e Aranha, foram feitas diversas
tentativas, sem que fossem obtidos maiores resultados. O incidente foi dado por
encerrado por João Neves ao receber carta de Vargas afirmando a continuidade da
amizade entre ambos a despeito da divergência política. Quanto a Aranha,
contudo, permaneceu a incompatibilidade. Segundo Afonso Arinos de Melo Franco,
a “latente rivalidade de João Neves com Osvaldo Aranha prejudicou-o mais do que
ele queria admitir”.
Em 12 de outubro, Neves incorporou-se às tropas que,
acompanhadas do estado-maior revolucionário, seguiam rumo ao Distrito Federal. Em Ponta Grossa (PR), o estado-maior decidiu permanecer estacionado, até que a marcha das
operações aconselhasse novo deslocamento. Nessa ocasião, ao ser convidado por
Vargas a permanecer junto ao alto comando, João Neves preferiu seguir com o
restante da tropa para a frente de combate, o que o levou a se integrar à
coluna comandada por Flores da Cunha. Composta pelo 8º Regimento de Cavalaria
do Exército, pelo 1º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar do Rio Grande do
Sul e por voluntários, essa coluna seguiu para Sengés (PR), onde se incorporou
ao destacamento de Miguel Costa, general comissionado pela revolução. Sob o
comando de Miguel Costa se achava o setor militar que preparava o ataque a
Itararé, cidade paulista próxima à fronteira do Paraná onde se situava a mais
importante frente legalista, comandada pelo coronel Arnaldo de Sousa Pais de
Andrade, e que apresentava forte concentração militar, apoiada por canhões e
artilharia.
Em 23 de outubro, foi ordenada a preparação da ofensiva sobre
São Paulo, marcada a princípio para o dia 25, tendo cabido ao destacamento
Flores da Cunha envolver Itararé pelo norte, de modo a impedir a retirada das
forças governistas pela estrada de ferro. Nessa ocasião, João Neves foi
convidado por Miguel Costa a ocupar o posto de conselheiro político de seu
estado-maior. Alegando preferir permanecer afastado de qualquer compromisso, o
político gaúcho escusou-se do convite. Sua colaboração com o comando
restringiu-se a uma participação esporádica no Jornal do Soldado, panfleto
impresso e distribuído pelas diversas colunas militares.
O combate de Itararé, no entanto, não veio a ocorrer, já que
no dia 24 chegou ao acampamento revolucionário a notícia da deposição de
Washington Luís no Rio por uma chamada junta pacificadora, formada pelos
generais Augusto Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto, e pelo almirante
Isaías de Noronha. Confirmada essa informação, o comando revolucionário decidiu
parlamentar com as tropas legalistas de modo a evitar um combate desnecessário.
Coube a João Neves redigir uma mensagem, assinada por Miguel Costa e Flores da
Cunha, propondo o entendimento. Este documento foi levado a ltararé por
Glicério Alves, que retornou em companhia do coronel Pais de Andrade. Durante
as conversações que se seguiram, foi decidido que as tropas legalistas
apresentariam uma convenção militar de capitulação, assinada ainda na tarde do
dia 25.
Nessa
mesma noite, João Neves da Fontoura partiu para São Paulo junto com os
emissários de Vargas. Enquanto isso, a junta militar, num de seus primeiros
atos, nomeava para o governo paulista o general Hastínfilo de Moura, comandante
da 2ª RM e amigo de Júlio Prestes, medida vista com desconfiança pelos
políticos gaúchos. Ainda durante a viagem, Getúlio Vargas enviou a Neves
diversos telegramas, pedindo-lhe que o aguardasse em São Paulo.
Quando João Neves chegou à capital paulista, Hastínfilo de
Moura já havia regressado ao Distrito Federal, e a junta havia indicado o nome
de Francisco Morato, líder do Partido Democrático (PD), de São Paulo, para
substituí-lo. A questão do governo de São Paulo atingiu o impasse com o
telegrama de Vargas a Morato, pedindo-lhe que não tomasse posse antes de se
entender com João Alberto, designado delegado militar da revolução em São Paulo, e com Miguel Costa. João Neves, por seu lado, desde que a questão se colocara,
vinha defendendo a entrega do governo paulista ao PD, principalmente porque
esse partido fora um dos aliados dos gaúchos e mineiros tanto durante a
campanha da Aliança Liberal quanto na revolução.
Por
insistência de Virgílio de Melo Franco e de João Alberto, João Neves, que até
então vinha tentando evitar qualquer pronunciamento sobre a questão,
encontrou-se com Morato. Nessa ocasião, embora não chegasse a pedir-lhe que
desistisse do governo de São Paulo, conseguiu que Morato aguardasse a chegada
de Vargas antes de tomar qualquer decisão. Ainda a pedido de João Alberto, João
Neves reuniu-se também com o secretariado paulista que se havia formado desde a
queda de Washington Luís. Procurando evitar uma segunda crise, Neves conseguiu
desvincular o problema do secretariado do caso Francisco Morato: o secretariado
permaneceria em seu posto, aguardando que Getúlio decidisse o caso, enquanto
João Alberto continuaria a desempenhar a função de delegado militar da
revolução no estado. Após a reunião, foi divulgada nota oficial consignando
aquela deliberação.
Na noite do dia 28, participando das comemorações que se
seguiram à chegada de Vargas, João Neves, em discurso onde justificava o
movimento revolucionário, declarou que as tropas gaúchas que haviam chegado a
São Paulo tinham por lema a entrega do governo do estado aos próprios
paulistas. Pouco mais tarde, em conversa com Vargas, foi indagado sobre quando
partiria para o Rio Grande do Sul para assumir o governo do estado. João Neves informou
a Vargas de que não assumiria o cargo, já que seu pedido de renúncia, feito
quando ainda se encontrava em Cachoeira do Sul, era definitivo. Comunicou-lhe
também sua decisão de seguir para o Rio. A partir desse momento, João Neves
procurou se afastar dos círculos oficiais, vindo a tomar conhecimento da
instauração do Governo Provisório de Vargas em 3 de novembro somente através da
imprensa.
O Governo Provisório e a Revolução Constitucionalista
de 1932
No dia 4 de novembro, já no Rio, João Neves da Fontoura
enviou telegrama ao presidente da Assembléia dos Representantes do Rio Grande
do Sul comunicando sua renúncia à vice-presidência do estado. Nesse mesmo
sentido, redigiu manifesto ao povo gaúcho e enviou comunicado a Borges de
Medeiros e a Assis Brasil, onde afirmava, ainda, que a divergência com Vargas
remontava à época do Heptálogo. Dois dias depois, foi chamado por
Getúlio, que lhe ofereceu, num primeiro momento, o governo do Rio Grande do
Sul, e, em seguida o Ministério da Justiça. Após ter recusado os dois cargos,
Neves da Fontoura acabou por aceitar a consultoria jurídica do Banco do Brasil,
função que acumularia com o escritório de advocacia que instalou no Rio. Poucos
dias depois, em entrevista à imprensa, o ex-vice-presidente gaúcho afirmou que
a revolução de 3 de outubro deveria marcar para o Brasil o início da renovação
política e social, devendo a população participar da “reconstrução nacional”,
cuja orientação estaria no programa da Aliança Liberal.
Após
a vitória da revolução, a atuação dos partidos políticos gaúchos ainda se
mostrou estreitamente ligada à FUG, tendo o governo tentado evitar, a todo
custo, a concretização de um movimento de oposição que viesse a receber apoio
de outros grupos oposicionistas que vinham se articulando nos demais estados.
Dentro do PRR, no entanto, verificaram-se desde logo algumas divergências
quanto ao encaminhamento do processo nacional. Enquanto Borges de Medeiros,
ainda na chefia do partido, se mostrava preocupado em apressar o fim do regime
de exceção que se estabelecera com o Governo Provisório, Flores da Cunha —
nomeado interventor no Rio Grande do Sul em 28 de novembro — e uma parte do
partido encaravam com otimismo os rumos tomados pela revolução e mostravam-se
confiantes na atuação de Getúlio Vargas à frente do governo. Já no início de
dezembro de 1930, João Neves, em carta a Borges, alertava para o que
considerava os dois principais erros do Governo Provisório: por um lado, a
nomeação dos interventores e a instituição do Tribunal Revolucionário e, por
outro, a criação do Vice-Reinado do Norte, tendo à frente Juarez Távora.
Segundo Hélgio Trindade, nos dois anos seguintes à revolução,
João Neves desenvolveria uma ação informal na chamada “política dos
bastidores”, atuando como “articulador das forças políticas estaduais que
apoiaram a Aliança Liberal, e, ao mesmo tempo, interlocutor destes grupos junto
ao chefe do novo governo (...). Sua ação, embora coerente com sua pregação
revolucionária, [entrava] em conflito com a nova ordem na medida em que, contraditoriamente,
[ajustava-se] mais com o estilo dos regionalismos da Velha República do que com
a direção centralizada e nacional infundida pelo Governo Provisório, sob a
inspiração dos ‘tenentes’ e do ministro da Justiça, Osvaldo Aranha”.
No
início de 1931, foram criadas diversas legiões revolucionárias no país. No Rio
Grande do Sul, a idéia de se criar a Legião de Outubro gerou o receio de que a
vida partidária do estado sofresse um desequilíbrio. João Neves foi um dos
políticos do PRR que, juntamente com Borges de Medeiros, se empenhou no combate
à criação de tais agremiações, enquanto Flores da Cunha, ao contrário, as
considerava movimentos destinados à defesa, à fiscalização e à execução dos
princípios da revolução.
Ao
longo do ano, essas diferenças de opinião quanto ao papel dos partidos
políticos indicavam que o centro do debate político estava sendo dirigido para
o problema da convocação de uma constituinte. No Rio Grande do Sul, até fins de
1931, tanto o PRR quanto o PL, embora defendendo a constitucionalização, não
chegaram a hostilizar o Governo Provisório. Em novembro, João Neves conseguiu
promover a reaproximação das forças políticas gaúchas, reunindo em sua
residência, em Cachoeira do Sul, Borges de Medeiros, Raul Pilla (líder do PL) e
o interventor Flores da Cunha. Desse encontro, resultou o início de um
movimento de solidariedade aos paulistas do PD, que desde o princípio do ano
haviam entrado em choque com os “tenentes”, favoráveis ao centralismo e à
continuidade do Governo Provisório como meio de garantir e aprofundar as
reformas introduzidas pelo movimento de 1930. Após a reunião, Flores escreveu a
Vargas, informando-o das resoluções adotadas, cujo ponto comum era a defesa da
reconstitucionalização do país, em função do qual deveriam ser tomadas as
providências jurídicas e políticas necessárias. Pouco depois, João Neves
retornou ao Rio de Janeiro.
No
início de 1932, após o rompimento do PD com o governo de Vargas, o PL lançou
uma nota de solidariedade aos democráticos paulistas, sendo imediatamente
seguido pelo PRR. Em fevereiro, no dia seguinte à promulgação do novo Código
Eleitoral, elementos vinculados ao Clube 3 de Outubro empastelaram o jornal Diário
Carioca, um dos órgãos que mais se destacava na luta pela
constitucionalização do país. Maurício Cardoso, então no Ministério da Justiça,
e João Batista Luzardo, chefe de polícia do Distrito Federal, determinaram a
apuração das responsabilidades, sendo entretanto desautorizados pelo Governo
Provisório, que não apoiava integralmente as medidas tomadas pelo ministro a
fim de apressar a constitucionalização. Esse episódio provocou a renúncia
coletiva, apresentada no dia 3 de março de 1932, dos representantes do Rio
Grande do Sul no Governo Provisório, entre os quais estava também Lindolfo
Collor, além de João Neves da Fontoura, Luzardo e Maurício Cardoso.
A partir de então, a liderança gaúcha decidiu assumir
definitivamente uma aliança político-militar com as tradicionais forças
políticas paulistas em torno da defesa da constitucionalização, iniciando os
preparativos para um enfrentamento com o governo federal, sem prejuízo da
continuação das negociações com Vargas. João Neves partiu para o Sul junto com
os outros demissionários. Na escala feita em São Paulo, pediram que a Frente Única Paulista (FUP) — coligação entre o PD e o Partido
Republicano Paulista (PRP), que preparava um levante contra o governo federal —
enviasse emissários ao Rio Grande do Sul para acertarem a participação gaúcha
no movimento. Entretanto, nas reuniões realizadas em Porto Alegre, não chegou a ser definido o compromisso oficial dos líderes da FUG com os
paulistas.
Ainda durante o mês de março, os líderes gaúchos fizeram
tentativas frustradas de conciliação com Vargas através de dois documentos: o
primeiro, conhecido como Heptálogo, por iniciativa de Assis Brasil, e o
outro, o Decálogo, patrocinado por Borges de Medeiros e Raul Pilla.
Ambos os documentos apresentavam as reivindicações da FUG, que foram recusadas
pelo chefe do Governo Provisório. No dia 28 do mesmo mês, João Neves participou
de um encontro realizado em Cachoeira do Sul, com a presença de Borges de
Medeiros, Assis Brasil, Flores da Cunha, Maurício Cardoso, Lindolfo Collor e
Batista Luzardo, entre outros, onde ficou decidido o apoio às reivindicações
contidas no Decálogo, o afastamento do PRR e do PL do governo federal e
a indicação de Flores da Cunha para representar a FUG junto a Vargas.
Diante
do fracasso de todas as tentativas anteriores, João Neves decidiu concretizar
uma aliança entre os partidos do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas e outras
agremiações políticas, de modo a estabelecer uma força de opinião capaz de
pressionar o Governo Provisório. Nesse sentido, no início de junho, como
representante da FUG, assinou com os líderes paulistas um “entendimento
preliminar”, pacto que vigoraria até ser empossado o primeiro presidente
constitucional e pelo qual a FUG e a FUP comprometiam-se a não aceitar qualquer
acordo com o Governo Provisório sem prévia anuência mútua. Esse documento foi
também aceito por Minas Gerais. Por outro lado, as respostas evasivas de Vargas
às exigências até então apresentadas e a radicalização dos constitucionalistas
de São Paulo fizeram com que João Neves, Pilla, Collor e Luzardo lançassem, no
dia 15 de junho, um manifesto reafirmando seus compromissos com os paulistas e
colocando a saída revolucionária como a única capaz de garantir a manutenção e
a autonomia do governo daquele estado.
Ainda em junho, enquanto se ultimava a conspiração paulista,
João Neves, após entendimento com Francisco Morato, deu início, como
representante da FUG e da FUP, a uma última negociação junto ao chefe do
Governo Provisório visando à organização de um “gabinete de concentração”. Em
seus encontros com Vargas — que lhe afirmava ter perdido a confiança nos
“outubristas” —, João Neves procurou convencê-lo da necessidade de realizar a
reforma ministerial, já preparando o governo para uma futura eleição, pois caso
contrário provavelmente eclodiria nova revolução. Num primeiro momento, Getúlio
Vargas mostrou-se favorável à fórmula, chegando mesmo a manifestar seu desejo
de remodelar todo o ministério.
O fracasso dessa tentativa, contudo, ficou evidenciado com a
demissão, a 27 de junho, do ministro da Guerra, general José Fernandes Leite de
Castro, e sua substituição pelo general reformado Augusto Inácio do Espírito
Santo Cardoso: a indicação deste militar desagradou tanto a FUG quanto a FUP,
que pretendia a nomeação do general Tasso Fragoso. Com a escolha de Vargas,
João Neves decidiu consultar a liderança política gaúcha sobre se deveria dar
prosseguimento às negociações com o chefe do Governo Provisório. Tendo sido
negativa a resposta, João Neves, em carta dirigida a Getúlio Vargas no dia 29
de junho, comunicou que os partidos gaúchos, naquele momento, davam por findas
as negociações visando à constituição de um governo de concentração nacional e
que a FUG retirava seu apoio ao governo federal.
A
partir de então, João Neves dedicou-se por completo à conspiração paulista,
procurando articular mais solidariamente os elementos de ação. A 9 de julho,
eclodiu a Revolução Constitucionalista em São Paulo, antes da data pretendida pela liderança política gaúcha, que desejava fins de julho. Surpreendido, João
Neves, cuja viagem para São Paulo — a bordo do Orania, que partiria para
Santos no dia 12 — já havia sido amplamente divulgada, viu-se obrigado a
adiá-la. Retido desse modo no Rio, escreveu, a 20 de julho, uma carta a Borges
de Medeiros explicando as razões de sua adesão ao movimento paulista: já
naquele momento, o interventor Flores da Cunha, rompendo os compromissos
assumidos com os paulistas, havia determinado o deslocamento de tropas da
Brigada Militar para a frente de combate, em apoio ao Governo Provisório.
Escapando do Distrito Federal clandestinamente — a bordo de
um avião teco-teco, que sobrevoava a cidade todas as tardes fazendo propaganda
—, João Neves chegou a São Paulo no anoitecer de 23 de julho, sendo recebido
pelos líderes revolucionários. Já no dia seguinte, enviou telegrama a Borges de
Medeiros e a Raul Pilla concitando-os a apoiarem rapidamente a revolução.
Durante sua permanência em São Paulo, pronunciou diversos discursos que mais
tarde seriam reunidos no livro Por São Paulo e pelo Brasil (1932). Por
sua atuação nesse episódio, acabaria por se tornar o tribuno das oposições.
Poucos dias depois, Vargas solicitou a presença de Maurício
Cardoso no Distrito Federal, a fim de torná-lo intermediário de uma proposta de
pacificação. Desse encontro, resultou a chamada “missão Maurício Cardoso”, que
incluiu duas viagens do político gaúcho a São Paulo, a primeira ainda em julho
(sem resultado) e a segunda em 10 de agosto. Nessa última, Maurício Cardoso
apresentou aos revolucionários em nome de Vargas uma proposta de paz cujos
principais pontos eram a outorga imediata de uma constituição provisória, a
permanência de Vargas no poder, a anistia parcial, o desarmamento da Força
Pública paulista e a convocação de eleições para uma assembléia nacional
constituinte em 3 de maio de 1933. Nessas duas ocasiões, João Neves procurou
auxiliar Maurício Cardoso em sua missão, esforçando-se em diminuir as
dificuldades de modo a facilitar a elaboração de “uma fórmula digna de todos e
útil à nação”. Na segunda tentativa, contudo, os revolucionários, através de
Valdemar Ferreira, responderam que só aceitavam depor as armas caso fosse
constituído um “governo coletivo”, que correspondesse às expectativas do país.
Diante da evolução dos acontecimentos, e discordando do apoio
de Flores da Cunha ao Governo Provisório, Borges de Medeiros e Raul Pilla
articularam a eclosão no Rio Grande do Sul de um movimento solidário com a
causa constitucionalista, visando com isso a diminuir a pressão das tropas
gaúchas sobre São Paulo. No dia 20 de setembro, contudo, o levante gaúcho foi
esmagado.
Poucos dias depois, João Neves da Fontoura foi chamado com
urgência ao quartel-general do coronel Euclides Figueiredo, um dos comandantes
militares do movimento em São Paulo e responsável pelo setor norte das forças
revolucionárias. Um dia antes da chegada de João Neves a Aparecida do Norte, em
28 de setembro, o coronel Euclides participara de uma reunião com o coronel
Herculano de Carvalho e Silva, comandante do setor de Campinas, que defendera,
junto com o tenente-coronel Alexandrino Gaia, comandante de um subsetor da
região norte, o fim da luta. Em seu encontro com João Neves, presenciado por
Eurico de Sousa Leão, Euclides Figueiredo expôs-lhe a gravidade da situação e a
tendência de parte da liderança militar constitucionalista a solicitar o
armistício. Decidido a assegurar a manutenção das tropas em suas posições,
Figueiredo solicitou a João Neves que apressasse os entendimentos que vinham
sendo realizados com as forças gaúchas que então enfrentavam os paulistas na
frente sul, de modo a formar ao menos um pelotão de constitucionalistas
gaúchos, o que já daria novo ânimo na resistência.
Aprovando
a idéia, João Neves, segundo Euclides Figueiredo, acertou seu retorno a São
Paulo, de onde procuraria apressar a vinda das tropas gaúchas. Mostrou-se
disposto também a ir à frente de combate, principalmente nas áreas onde
houvesse elementos da Força Pública, para assegurar-lhes a próxima cooperação
dos gaúchos que adeririam à causa constitucionalista. No dia seguinte, contudo,
o general Bertoldo Klinger, comandante militar das forças constitucionalistas,
telegrafou a Getúlio Vargas, solicitando o armistício. Diante dessa notícia,
João Neves ainda tentou, a 30 de setembro, junto com o coronel Figueiredo,
promover uma reunião com os chefes militares. Logo no início do encontro,
contudo, Klinger apresentou o telegrama que recebera do general João de Deus
Mena Barreto, pelo qual o Governo Provisório aceitava o armistício.
Avisado de que até mesmo os militares legalistas que haviam
sido presos em São Paulo pelos rebeldes estavam sendo postos em liberdade, João
Neves, junto com outros revolucionários, partiu para o Mato Grosso, de onde
seguiu para o exílio na região do Prata. Em outubro, João Neves, Pilla, Collor
e Luzardo divulgaram em Buenos Aires um manifesto “ao Rio Grande do Sul, a São
Paulo e à nação” acusando Flores da Cunha de traição e responsabilizando-o pela
derrota da revolução, consumada com a assinatura do armistício, em São Paulo, no dia 2 daquele mês. Em novembro, Flores da Cunha fundou o Partido Republicano
Liberal (PRL). João Neves permaneceu no exílio durante cerca de dois anos.
O retorno à Câmara dos Deputados: as Oposições
Coligadas
Embora tendo derrotado os paulistas, o Governo Provisório
empenhou-se no processo de constitucionalização do país, confirmando a
convocação de eleições para uma assembléia constituinte. As eleições se
realizaram em maio de 1933, e no Rio Grande do Sul o grande vencedor foi o PRL.
A Assembléia se instalou em 15 de novembro de 1933 e encerrou seus trabalhos em
16 de julho de 1934, elegendo Vargas presidente constitucional no dia seguinte
e convocando para dentro de 90 dias eleições para a legislatura federal
ordinária. Graças à anistia aos revolucionários de 1932 concedida por Vargas em
28 de maio de 1934, João Neves tornou-se elegível.
Retornando à atividade política, João Neves — que desde o
início de agosto de 1934 vinha colaborando com o semanário integralista A
Ofensiva — teve seu nome apresentado como um dos candidatos à Câmara
Federal no manifesto lançado pela FUG no dia 24 de setembro. Realizado o pleito
em outubro, no Rio Grande do Sul a vitória coube novamente ao PRL. Foram ainda
eleitos para a Câmara dos Deputados cinco libertadores e um republicano, e,
para a Assembléia Constituinte estadual, três libertadores e oito republicanos,
não tendo João Neves conseguido assegurar sua vaga. Devido a esse resultado
geral, a FUG decidiu alterar sua representação de modo a manter a igualdade
numérica entre o PRR e o PL. Assim, no dia 9 de maio de 1935, portanto quatro
dias após o início da legislatura, os deputados federais eleitos pelo PL Válter
Jobim, Alberto de Araújo Cunha e Francisco Simões apresentaram suas renúncias.
Para substituí-los, foram indicados, respectivamente, João Neves da Fontoura,
do PRR, Oscar Carneiro da Fontoura, do PL, e Nicolau Vergueiro, do PRR.
A vitória da situação em todo o país nas eleições de 1934
reforçou a aliança entre as oposições, consolidada com a formação, já em
janeiro de 1935, dentro da Câmara dos Deputados, da minoria parlamentar, as
Oposições Coligadas. A união das oposições vinha sendo articulada desde 1934
pelos líderes oposicionistas estaduais Borges de Medeiros e João Neves, da FUG,
Artur Bernardes, do PRM, e Otávio Mangabeira, da Liga de Ação Social e Política
da Bahia (LASP), com o objetivo de criar um partido a nível nacional. Iniciando
seu mandato de deputado federal em 11 de maio de 1935, João Neves foi escolhido
líder da minoria parlamentar na Câmara, enquanto Borges passou a integrar o
diretório nacional das Oposições Coligadas. Poucos dias depois, João Neves
pronunciou seu primeiro discurso — publicado mais tarde no livro A voz
das oposições brasileiras (1935) —, no qual, após demonstrar seu
desencanto com o governo de Vargas, a quem acusava de não ter cumprido os
ideais da Revolução de 1930, propunha uma nova atitude de luta e de
não-acomodação. João Neves iniciou também uma forte campanha contra Flores da
Cunha no governo do Rio Grande do Sul.
O ano de 1935 foi marcado pelo desenvolvimento no país de
movimentos de direita, com a Ação Integralista Brasileira (AIB), e de esquerda,
com a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que teve seu fechamento decretado
pelo governo no dia 11 de julho. Essa medida provocou o protesto da minoria
parlamentar, através de João Neves. A decretação do estado de sítio em 26 de
novembro, logo após a deflagração da Revolta Comunista em Natal e Recife,
também provocou a imediata reação das Oposições Coligadas, que denunciaram o
perigo do poder indiscriminado concedido ao Executivo: isto não impediu,
contudo, que o governo acrescentasse em dezembro novos dispositivos à Lei de
Segurança Nacional.
No Rio Grande do Sul, o medo do comunismo, do integralismo e
do governo central forte fez com que, em fins de 1935, a FUG e Flores da Cunha — que vinha reagindo à ação centralizadora do governo federal —
iniciassem um movimento de pacificação política no estado que resultou na
formação de um gabinete misto de governo, responsável pelo estabelecimento do modus
vivendi gaúcho. Entretanto, nessa época, já existia uma corrente política,
formada por elementos do PRR, do PL e do PRL, que pretendia apoiar o governo
federal contra Flores. Principalmente a partir de março de 1936, João Neves,
forte opositor do acordo entre a FUG e Flores, passou a atuar em consonância
com a orientação de Vargas, sendo incumbido de desenvolver, junto com Maurício
Cardoso, planos para a “pacificação da política nacional” — cujo objetivo
principal era conseguir a submissão de Flores ao governo federal e para a
reformulação do ministério, no qual a FUG deveria ter papel preponderante.
Ainda em março de 1936, João Neves foi eleito para ocupar a cadeira nº 2 da
Academia Brasileira de Letras.
A prisão de quatro deputados e um senador, também em março de
1936, acusados de ligação com o levante comunista deflagrado pela ANL no ano
anterior, provocou forte reação entre os membros da minoria parlamentar.
Tentando obter apoio para sua atuação no episódio, o governo enviou à sessão de
abertura do Congresso, no dia 3 de maio, um projeto em que propunha a suspensão
das imunidades daqueles parlamentares. Buscando demonstrar a incongruência
dessa medida, a minoria propôs reunião com Vargas, à qual compareceram, como
seus representantes, João Neves, Maurício Cardoso, Batista Luzardo e Paim
Filho, que apresentaram um documento reivindicando, entre outros pontos, uma
trégua política até janeiro de 1937, o respeito às imunidades parlamentares e o
direito de as oposições fiscalizarem as eleições municipais. Depois da recusa
de Vargas, a oposição apresentou novo documento, também rechaçado pelo
presidente, o que provocou o aprofundamento de suas divergências com o governo:
em junho, Vargas obteve aprovação da prorrogação do estado de guerra decretado
em março, e em julho a Câmara aprovou a suspensão das imunidades parlamentares
por 190 votos contra 59.
Já nesse momento, os partidos que compunham a minoria
parlamentar divergiam entre si: enquanto a FUG continuava a defender a
aproximação com Vargas, a Concentração Autonomista da Bahia e o PRP se opunham
a qualquer acordo com o governo central. A divergência só diminuiu quando, em
fins de julho, João Neves, Maurício Cardoso e Pilla interromperam o processo de
negociações com Vargas. Bernardes conseguiu então restabelecer a harmonia entre
as oposições, garantindo a liderança de Neves.
A articulação de interesses em torno das eleições para a
presidência da República prevista para 1938 levou, contudo, à retomada das
negociações entre a FUG e o governo central, embora os demais partidos que
compunham a minoria parlamentar continuassem a discordar do projeto de
pacificação nacional. No Rio Grande do Sul, enquanto Flores da Cunha atuava de
modo a influir decisivamente na escolha do sucessor de Vargas, este incentivava
as dissidências na política estadual a fim de enfraquecer o governador, ao
mesmo tempo em que tentava se aproximar das oposições gaúchas, principalmente
através de João Neves, Maurício Cardoso e Batista Luzardo, contrários ao acordo
entre a FUG e Flores e partidários da pacificação a nível nacional.
A
fórmula proposta pela FUG — conhecida como Octólogo — para a pacificação
nacional consistia basicamente na criação de uma comissão mista, presidida por
Vargas, que teria direito a voto, e composta pela maioria e a minoria
parlamentares, com o objetivo de examinar e organizar um programa político,
administrativo e de reformas constitucionais. Esse programa seria a plataforma
em que as forças políticas fundamentariam a escolha de um nome para a
presidência da República. O Octólogo foi aceito por Flores, embora com
restrições, mas a minoria parlamentar fez algumas contrapropostas, sugerindo
que a escolha do candidato precedesse à elaboração do programa de governo em
torno do qual seria firmada a pacificação política, o que acabou por dificultar
a tarefa de João Neves. Essa contraproposta foi no entanto recusada por Vargas.
No dia 12 de setembro de 1936 João Neves apresentou sua
renúncia ao cargo de líder da minoria parlamentar. Apesar da recusa das
oposições em aceitar seu pedido, o político gaúcho o manteve. Para solucionar o
impasse, as Oposições Coligadas aceitaram o Octólogo, e, no dia 19,
escolheram seu novo líder, Batista Luzardo. Nessa ocasião, João Neves foi
indicado para desempenhar as funções de representante da FUG na comissão mista,
que, no entanto, não chegou a funcionar.
Os
sucessivos desentendimentos ocorridos entre a FUG e Flores da Cunha, ligados
não só aos problemas internos gaúchos, mas também à disputa entre o governo
central e o do Rio Grande do Sul levaram, em outubro, ao rompimento do modus
vivendi: alguns membros do PL e do PRL se alinharam com Flores, e parte do
PRL se aliou à FUG. As discussões sobre a sucessão presidencial, contudo,
prosseguiam. No dia 11 de novembro, a direção da minoria parlamentar reiterou
suas restrições ao Octólogo — exigindo, entre outras coisas, que Vargas
não participasse da comissão mista —, acabando por vetar, mais tarde, a própria
organização da comissão por seus vícios de origem. Por essa razão, a FUG, a
despeito das tentativas de acordo de João Neves, decidiu se desligar das
Oposições Coligadas, o que foi anunciado por ele no dia 27 de novembro.
No ano de 1937, o problema da sucessão presidencial foi o
catalisador de todos os debates, alianças e crises políticas no país. A
candidatura de Armando Sales, lançada pelo Partido Constitucionalista de São
Paulo, reuniu as oposições a Vargas, enquanto a candidatura de João Américo de
Almeida — de cuja convenção de lançamento, realizada em 26 de maio de 1937,
João Neves participou como representante do PRR — recebeu o apoio das correntes
situacionistas. No Rio Grande do Sul, a campanha sucessória encontrou o modus
vivendi rompido e os três partidos cindidos. Durante o ano, o PRR votou na
Câmara Federal ao lado dos partidos situacionistas, tendo ainda apoiado as
medidas tomadas por Vargas contra Flores, que em meados de outubro, ante a
pressão federal, renunciou ao governo gaúcho e partiu para o exílio.
A
10 de novembro de 1937, um golpe de Estado liderado pelo próprio Vargas
instaurou o Estado Novo, suspendendo as eleições previstas para o ano seguinte
e suprimindo todos os órgãos legislativos do país. Nessa ocasião, o PRR
hipotecou solidariedade a Getúlio, e, em dezembro, quando foi proibido o
funcionamento dos partidos políticos, recomendou a todos os seus membros que se
abstivessem de quaisquer atividades político-partidárias até a promulgação do
novo código eleitoral.
Atuação durante o Estado Novo
Com a extinção dos partidos políticos decretada pelo Estado
Novo, João Neves da Fontoura retornou a seu escritório de advocacia no Rio e
reassumiu a consultoria jurídica do Banco do Brasil.
Em
1940, foi nomeado membro da delegação brasileira que participou, em fins de
julho, da II Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores
Americanos, realizada em Havana. Nessa ocasião, por impedimento do chanceler
Osvaldo Aranha, a missão brasileira foi chefiada pelo embaixador Maurício
Nabuco. Ainda em 1940, como embaixador em missão especial, João Neves
representou o governo brasileiro na posse dos presidentes do Panamá (Arnulfo
Arias) e de Cuba (Fulgencio Batista).
Em novembro de 1942, João Neves foi designado para integrar o
conselho consultivo da Coordenação da Mobilização Econômica, então dirigida por
João Alberto Lins de Barros. Esse órgão fora criado em setembro anterior para
suceder às comissões de Defesa da Economia Nacional e do Abastecimento, já que
a declaração de guerra ao Eixo, medida que representou na realidade a entrada
do Brasil na Segunda Guerra Mundial, exigia um controle mais amplo do Estado
sobre a economia. Assim, a principal tarefa confiada à Coordenação, em cujo
conselho consultivo João Neves permaneceu até meados de 1943, foi mobilizar a economia
do país em função da emergência provocada pela guerra.
A queda de Vargas e a eleição de Dutra
Em fins de maio de 1943, João Neves da Fontoura foi nomeado
embaixador do Brasil junto ao governo português, função que exerceu até
fevereiro de 1945, embora ainda permanecesse oficialmente vinculado ao posto
até outubro desse ano, quando foi substituído por Henrique Dodsworth.
Em fevereiro de 1945, após receber telegrama informando da
gravidade do estado de saúde de sua mãe, João Neves viajou para o Brasil, tendo
chegado ao Rio de Janeiro no dia 26 desse mês, quando já se falava no movimento
que vinha sendo articulado nos quartéis para depor Vargas. Assim que chegou ao
Rio, João Neves, em companhia de Batista Luzardo, foi para Petrópolis (RJ) e
entrevistou-se com Getúlio Vargas. Nesse encontro, após o presidente ter
exposto a situação política do país, Neves mostrou-lhe que, no seu entender, a
única solução seria acelerar os preparativos para a convocação da Constituinte,
e, paralelamente, escolher um nome para concorrer com o brigadeiro Eduardo
Gomes nas eleições para a presidência da República. Afirmou ainda que no seu
entender, dadas as condições, a escolha só poderia recair sobre o general
Eurico Gaspar Dutra. Concordando com sua exposição, Vargas solicitou-lhe que ao
chegar ao Rio Grande do Sul consultasse Borges de Medeiros e os antigos
dirigentes do PRR. Ao fazê-lo, contudo, João Neves teve a impressão de que a
situação já se acalmara, principalmente após a decretação do Ato Adicional nº
9, marcando o calendário eleitoral e constituindo legalmente os partidos.
De
volta ao Distrito Federal, João Neves informou Vargas de que retornaria a
Lisboa, já que o estado de saúde de sua mãe melhorara e a situação política não
mais se apresentava tão tensa. O presidente, contudo, se recusou a autorizar
sua partida, pretextando a necessidade de se concluírem os acertos relativos ao
projeto do Estatuto dos Portugueses no Brasil, iniciado por Neves, e suspenso
devido a algumas restrições impostas pelo ministro da Justiça, Alexandre
Marcondes Filho. Poucos dias depois, João Neves voltou a solicitar a Vargas
permissão para retornar a Portugal, onde haviam ficado suas filhas. Devido à
resistência do presidente, chegou a apresentar-lhe seu pedido de renúncia,
recusado por Vargas, que insistia em sua permanência no país.
Permanecendo
no Distrito Federal, João Neves passou a freqüentar diariamente o palácio
Guanabara, onde, junto com o presidente da República, analisava cada novo dado
que se apresentava. A certa altura, quando a candidatura de Dutra já havia sido
lançada (em fins de março), João Neves, segundo seu depoimento publicado no
jornal O Globo em 1960, propôs a Vargas que entregasse o
governo ao ministro da Guerra, o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, para
que este presidisse as eleições de modo a acabar com a certeza da oposição de
que Vargas estaria manobrando para permanecer no poder. Com a criação de novos
partidos nesse período, João Neves ingressou no Partido Social Democrático (PSD).
Com
a concordância de Vargas e mais tarde de Góis Monteiro, João Neves, devidamente
credenciado por ambos, procurou Raul Fernandes, amigo pessoal de Eduardo Gomes,
para tentar obter apoio para seu projeto. Nesse encontro, Fernandes afirmou que
dificilmente a presença de Góis Monteiro à frente do governo daria maior
confiança às oposições, já que ele havia sido um dos responsáveis pela
implantação do Estado Novo. Neves, por seu lado, contra-argumentou afirmando
que naquele momento Góis representava as forças armadas, que se mostravam
confiantes na realização do pleito. Ao término do encontro, Raul Fernandes se
comprometeu a levar a proposta ao brigadeiro e à liderança da União Democrática
Nacional (UDN), que não aceitaram.
Em
29 de outubro de 1945, quando os partidos se achavam em plena campanha
eleitoral, um movimento militar chefiado por Góis Monteiro depôs Getúlio Vargas
e entregou o governo ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
José Linhares. Logo em seguida à queda do presidente, João Neves apresentou seu
pedido de demissão do cargo de embaixador do Brasil em Portugal, que só foi
aceito 15 dias depois. Nesse momento, contudo, João Neves já estava empenhado
na candidatura Dutra: a 2 de novembro, ao chegar a Porto Alegre, fizera com os líderes
pessedistas um demorado exame da situação, que levara o PSD gaúcho a se decidir
a apoiar a candidatura Dutra e a entregar a liderança da campanha ao político
cachoeirense.
Segundo Hélio Silva, a candidatura de Dutra, ao contrário da
de Eduardo Gomes, não lucrou com a deposição de Vargas: a impressão dominante
era de que a deposição havia representado o enfraquecimento das forças que
apoiavam Getúlio, ou seja, o PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Conseqüentemente, a UDN e o brigadeiro teriam ampliado sua esfera de ação,
passando a basear sua campanha no combate à continuidade do sistema de Vargas,
que tivera em Dutra seu principal apoio. Se, por um lado, alguns setores
pessedistas já pensavam na substituição de Dutra — em determinado momento
chegaram mesmo a cogitar a indicação de João Neves, o que foi lançado
inicialmente pelo próprio Vargas —, dentro do PSD predominava outra orientação,
no sentido de obter o pronunciamento de Vargas a favor de Dutra.
Como um dos líderes do PSD, João Neves da Fontoura, após
examinar a situação política do país, concluiu ser impossível o partido apoiar
outro nome que não o de Dutra. Assim sendo, tornava-se necessário um impulso
ainda maior à sua candidatura. Nesse sentido, empenhou-se em obter de Vargas,
por intermédio de Hugo Borghi e José Junqueira, uma carta de apoio a Dutra:
apesar de pressionado por pessedistas e trabalhistas, o ex-ditador ainda
evitava pronunciar-se sobre qualquer uma das candidaturas, alegando não ter
liberdade para se manifestar publicamente.
Em 12 de novembro, João Neves, em companhia de Dutra, de José
de Segadas Viana, secretário-geral da comissão executiva nacional do PTB e
líder da ala que em determinado momento se mostrou favorável ao apoio à
candidatura de Eduardo Gomes sem qualquer consulta prévia a Vargas, e de Paulo
Baeta Neves, presidente da comissão executiva nacional do PTB, entre outros,
dirigiu-se à casa do petebista Napoleão Alencastro Guimarães, que vinha também
procurando obter a definição de Vargas em favor da candidatura de Dutra. Nesse
encontro, pressionados pelo tempo — já que naquele mesmo dia o PTB se reuniria
para decidir o registro da candidatura presidencial —, discutiram a
possibilidade do apoio do PTB a Dutra. Durante a reunião, segundo a carta
enviada por Alencastro Guimarães a Vargas, foi proposto que, em troca da adesão
do PTB ao general Dutra, este asseguraria ao partido a pasta do Trabalho em seu
ministério, mais um número de pastas proporcional ao número de votos obtidos em
comparação com o PSD; e garantiria também o direito de escolha, pelo PTB, dos
prefeitos e interventores nas áreas em que obtivesse maioria. Essa proposta,
defendida por João Neves e Alencastro Guimarães, não encontrou receptividade
entre os demais líderes petebistas, que preferiram deixar a decisão para a
convenção do partido. Esta deliberou, por fim, não registrar candidato próprio.
Durante toda a primeira metade de novembro, portanto, João
Neves procurou articular o PSD e o PTB em torno da candidatura de Dutra. Nesse
período, também, através de diversas cartas, tentou obter o apoio de Vargas
para o candidato do PSD, alegando que, para a vitória deste, tornava-se
necessária uma votação maciça no Rio Grande do Sul, o que não ocorreria sem seu
pronunciamento.
Ainda em novembro, cedendo às pressões, Getúlio Vargas
divulgou um manifesto determinando a seus correligionários o apoio à
candidatura de Dutra, finalmente eleito em 2 de dezembro de 1945. Também nesse
pleito, João Neves foi eleito deputado pelo Rio Grande do Sul à Assembléia
Nacional Constituinte na legenda do PSD, tendo recebido 20.176 votos. Antes,
contudo, que os trabalhos da Constituinte se iniciassem, o que estava previsto
para o início de fevereiro de 1946, João Neves renunciou ao mandato, pois foi
convidado por Dutra para ocupar a pasta das Relações Exteriores de seu governo.
Tendo tomado posse no ministério no dia 31 de janeiro de 1946, poucos meses
depois chefiou a delegação brasileira que participou da Conferência das 21
Nações relativa aos tratados de paz. Realizada em Paris, essa conferência
estendeu-se de 29 de julho a 15 de outubro de 1946, quando João Neves retornou
ao Brasil. Durante o período em que permaneceu no exterior, foi substituído
interinamente pelo secretário-geral do ministério, embaixador Samuel de Sousa
Leão Gracie.
Sua chegada ao Brasil coincidiu com as articulações iniciadas
logo após a promulgação da nova Constituição em setembro de 1946, por Dutra, o
PSD, a UDN e o Partido Republicano (PR), para a concretização de um acordo que
garantisse o apoio ao governo no Congresso. Em decorrência desses
entendimentos, João Neves apresentou em novembro seu pedido de exoneração. As
negociações prosseguiram com êxito e em janeiro de 1948 foi homologado o Acordo
Interpartidário, que reuniu aqueles partidos em apoio a Dutra.
A sucessão de Dutra
A discussão da sucessão de Dutra começou em 1948, ano em que João Neves chefiou a delegação brasileira à IX Conferência Internacional Americana,
reunida em Bogotá. Nesse momento, em Minas, o PSD e a UDN procuraram
estabelecer um acordo em torno de candidaturas únicas no plano federal (para o
PSD) e no plano estadual (para a UDN). Em janeiro do ano seguinte, em cartas a
Getúlio Vargas, João Neves analisava a situação política, afirmando que no seu
entender só se apresentavam, em potencial, três candidatos à presidência da
República: Nereu Ramos (presidente nacional do PSD), Eduardo Gomes e Getúlio
Vargas, sendo esta última a única que não se apresentava como uma candidatura
partidária, e sim pessoal.
Durante
o ano de 1949, enquanto Benedito Valadares, devidamente credenciado pelo
Catete, começou a coordenar a candidatura de José Francisco Bias Fortes, as
discussões entre os representantes dos partidos integrantes do Acordo
Interpartidário chegaram a um impasse, já que Nereu Ramos pleiteava sua própria
candidatura e as possibilidades de acordo limitavam-se ao nome de Bias Fortes.
Nessas condições, as seções mineiras do PSD, da UDN e do PR resolveram deixar a
solução do problema a cargo do presidente da República, desde que o escolhido
fosse de Minas Gerais. Essa posição constituiu a chamada “fórmula mineira”,
que, além de representar o ressurgimento do Acordo Interpartidário — já que
somente seriam consultados o PSD, a UDN e o PR —, ainda submetia a escolha do
candidato a Dutra.
De
fins de setembro a fins de outubro, Nereu Ramos procurou articular sua
candidatura, enfrentando contudo a oposição de Dutra. Dentro do PSD gaúcho,
esse período foi marcado pela decomposição da unidade interna e o surgimento de
duas correntes. A primeira delas, liderada pelo governador Válter Jobim e
Marcial Terra, e apoiada por João Neves propunha uma fórmula conciliadora, a
chamada “fórmula Jobim”, que pregava a consulta a todos os partidos para a
escolha do candidato à sucessão presidencial. A segunda corrente, orientada por
Paim Filho, desejava antecipar a reunião da executiva estadual para se decidir
o apoio à “fórmula mineira” ou à “fórmula Jobim”. A reunião foi realizada em
meados de novembro e nela foi derrotado o ponto de vista de Neves, Jobim e
Luzardo, entre outros, prevalecendo a “fórmula mineira”, sob a condição de que
na lista de candidatos a ser submetida ao conselho nacional do PSD e à
apreciação da UDN e do PR — da qual constavam os nomes de Israel Pinheiro,
Ovídio de Abreu, Bias Fortes e Carlos Luz — fossem incluídos os nomes de Nereu
Ramos, Carlos Cirilo Júnior, Góis Monteiro, Renato Pinto Aleixo e Alexandre
José Barbosa Lima Sobrinho.
No
dia 26 de novembro, a comissão diretora do PSD se reuniu novamente e aprovou a
“fórmula mineira”, levando Nereu Ramos a renunciar à presidência do partido.
João Neves, um dos principais denunciadores dessa fórmula e amigo pessoal de
Nereu, declarou em entrevista ao Correio da Manhã no dia seguinte que
por muito menos em 1929 se formara a Aliança Liberal. Para o político gaúcho, o
fato de a direção do PSD ter apoiado essa fórmula — que para ele consistia numa
proposta alternativa do Acordo Interpartidário — representava uma ingerência do
presidente Dutra, que não correspondia à vontade popular. Em seguida, João
Neves, que renunciara à comissão executiva do PSD, passou a articular a
organização, dentro do partido, de uma ala antidutrista.
Em dezembro de 1949, enquanto Ernâni Amaral Peixoto
conversava com Getúlio no sentido de formar uma coligação PTB-PSD que pudesse
levar à presidência um “grande nome nacional” e o PSD se aproximava mais uma
vez da “fórmula Jobim”, a comissão executiva da UDN apresentou Eduardo Gomes
como candidato natural do partido. Ao mesmo tempo, Ademar de Barros, governador
de São Paulo e presidente do Partido Social Progressista (PSP), num primeiro
encontro com Getúlio, insistiu para que este se candidatasse. Em fevereiro de
1950, João Neves, em carta ao ex-presidente ressaltou a importância de um
acordo com o governador de São Paulo, diante do qual a vitória de seus
adversários (basicamente a da UDN) se tornaria impossível. Enfatizou, ainda,
que o aspecto mais importante era o fato de Ademar não se apresentar como
candidato, mas, sim, apoiar Vargas ou o nome por ele indicado.
Por
seu lado, o PSD ainda não descartara a possibilidade de um acordo com o PTB,
prosseguindo os entendimentos. Não obstante essa nova diretriz do partido, João
Neves da Fontoura e Fausto de Freitas e Castro, como representantes gaúchos
junto ao diretório nacional do PSD, continuaram insistindo na indicação do nome
de Nereu Ramos. Segundo Maria Celina Soares d’Araújo, o diretório regional do
PSD do Rio Grande do Sul, ao longo do debate sucessório, se manteve sempre em
“postura crítica e independente” em relação às orientações ditadas pelo Catete,
pelo que recebeu a designação de “ala autonomista”.
Ao ser assinado em março de 1950 o acordo entre Vargas e
Ademar de Barros, a candidatura de Eduardo Gomes já era uma realidade, ao passo
que o PSD ainda se mostrava indeciso. No início do mês seguinte, os jornais de
Porto Alegre publicaram um telegrama de Carlos Cirilo Júnior, presidente
interino do PSD, nomeado por Dutra coordenador das negociações visando à
solução do problema sucessório, indicando o nome de João Neves da Fontoura para
a presidência da República. Já nesse momento, dentro do PSD, uma ponderável
corrente preparava o lançamento da candidatura do político cachoeirense.
Segundo Hélio Silva, “esta candidatura... tida como de hostilidade ao chefe do
governo, implicava duas conseqüências: união com elementos populistas e a
possível entrega do estado [Rio Grande do Sul] a uma direção trabalhista como
compensação ao apoio de Vargas”.
Em
maio de 1950, a reunião do conselho nacional do PSD marcada para o dia 2 foi
adiada pela ausência de Freitas e Castro, que viajara ao Rio Grande do Sul para
consultas ao diretório local, que no momento se encontrava dividido em várias
facções: a de João Neves da Fontoura, liderada por ele próprio e por Freitas e
Castro, que defendia a candidatura de Nereu Ramos e a autonomia dos partidos, a
de Gastão Englert, favorável a um acordo com o Catete, e a de Válter Jobim,
que, dependendo do momento, flutuava entre as outras duas. No dia 7 de maio, o
PSD gaúcho se reuniu, enquanto a direção nacional do partido continuava a
aguardar seu representante.
Em
meados do mês, o conselho nacional do PSD decidiu-se pela indicação do mineiro
Cristiano Machado, para a qual ainda tentaria obter o apoio de Vargas. Em
entrevista ao Correio da Manhã do dia 25, João Neves criticou a escolha,
por ter tido a influência direta do Catete, que se opunha ao nome de Nereu
Ramos, e afirmou que, de acordo com a reunião em que fora decidida a indicação,
a candidatura de Cristiano só deveria ser oficializada após obter o apoio de
Vargas. Essas afirmações deixaram a situação interna do país ainda mais
instável, dando origem no Sul a um movimento contra Cristiano Machado e a favor
de Nereu, liderado por João Neves, Batista Luzardo e Francisco Brochado da
Rocha, entre outros.
No mês seguinte, João Neves da Fontoura e José Soares Maciel
Filho, que até então se mostravam reticentes quanto à candidatura de Getúlio
Vargas, decidiram encampá-la, de modo a impedir a vitória da UDN, perspectiva
cada vez mais provável já que o PSD vinha-se enfraquecendo ao longo do processo
de definição de seu candidato. Em 15 de junho, o político cachoeirense
oficializou seu apoio a Vargas, no mesmo dia em que Ademar de Barros também aderia publicamente a essa candidatura. A partir de então, João
Neves assumiu a coordenação da campanha.
No
início de agosto, quando mal se iniciava sua campanha, Vargas enviou vários
emissários — entre os quais João Neves — a Góis Monteiro, na época senador do
PSD por Alagoas, para saber qual seria a reação militar à sua candidatura.
Desses encontros, resultou a garantia de que as forças armadas não se oporiam a
ela, desde que o candidato respeitasse a Constituição e os militares. As
negociações com Góis tornaram-se em determinado momento tão freqüentes, que
chegou-se a cogitar em sua indicação para a vice-presidência da chapa. João
Neves, contudo, se colocou contra a candidatura de Góis, por não considerá-la
uma boa tática: no seu entender, a indicação do militar desagradaria tanto à
opinião pública em geral quanto aos adversários de Vargas dentro das forças
armadas, em especial no Exército.
Às
vésperas do encerramento do prazo para o registro das candidaturas, o PTB
desistiu de apresentar candidato próprio para a vice-presidência da chapa de
Vargas, decidindo apoiar a indicação de João Café Filho, do PSP. Realizado o
pleito no dia 3 de outubro de 1950, Getúlio Vargas foi declarado eleito, com
3.849.040 votos, contra 2.342.384 recebidos por Eduardo Gomes e os 1.697.193 de
Cristiano Machado. Para a vice-presidência, foi eleito Café Filho. O refluxo do
setor getulista do PSD (incluindo-se aí João Neves) em relação à candidatura de
Cristiano Machado e a transferência de seus votos para Vargas configurou um
processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como
“cristianização”.
No Ministério das Relações Exteriores do segundo
governo Vargas
Iniciadas
logo após a divulgação dos resultados eleitorais, as articulações para a
escolha do ministério de Vargas foram apressadas no tocante à pasta das
Relações Exteriores, já que no primeiro ano do governo seria formada a Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos e realizada a IV Reunião de Consulta dos
Chanceleres Americanos, através das quais o Brasil teria a oportunidade de
negociar seus interesses junto aos EUA. Convidado a chefiar o Itamarati e a
formular a política externa a ser adotada, João Neves da Fontoura desde o final
de 1950 entrou em entendimentos com Dutra e seu ministro do Exterior Raul
Fernandes, entre outras autoridades competentes em questões de política
externa, de modo a delinear os pontos que interessariam ao governo brasileiro
defender nos encontros previstos. Já em dezembro, João Neves se reuniu com o
embaixador norte-americano, Herschell Johnson, para discutir os termos da
cooperação entre os dois países e abordar a questão referente às nações
produtoras de minérios estratégicos. Em janeiro de 1951, com a delegação brasileira
já definida, foram intensificados os trabalhos visando a estabelecer os pontos
que seriam defendidos na IV Reunião dos Chanceleres.
Ainda
em janeiro de 1951, no dia 12, João Neves foi eleito presidente da Companhia
Ultragás, associada à Standard Oil. No dia 31, Vargas assumiu o governo e
empossou oficialmente seu ministério. Devido a seu empenho em adotar um esquema
conciliatório, predominaram na formação ministerial, segundo Maria Celina
d’Araújo, “elementos cujas políticas [estavam] bastante próximas do
antinacionalismo e do antitrabalhismo”, o que acabaria por gerar focos de
instabilidade. A nomeação de João Neves para o Ministério das Relações
Exteriores acabaria por se chocar, por exemplo, com a presença na pasta da
Guerra do general Newton Estillac Leal, conhecido por sua ligação com os
setores nacionalistas. Ainda segundo a mesma fonte, a atuação de João Neves no
Ministério das Relações Exteriores, bem como a de Horácio Lafer na pasta da
Fazenda, iria enquadrar de forma definitiva, através da “colaboração recíproca,
o Brasil no âmbito dos interesses considerados fundamentais aos EUA”.
Em 26 de março, iniciou-se afinal em Washington a IV Reunião
dos Chanceleres. A delegação brasileira compareceu preparada para ressaltar a
diferença entre auxílio econômico para o desenvolvimento e auxílio para a
compra de material bélico, defender a competência nacional em matéria de
segurança interna e solicitar o auxílio imediato dos EUA para o desenvolvimento
econômico do Brasil. Essa proposta pretendia ser uma doutrina continental,
cujos princípios seriam ajustados e concretizados através de negociações
bilaterais a serem mantidas com o governo dos EUA.
Em seu discurso na abertura do encontro — quando, em nome dos
demais ministros, respondeu ao discurso do presidente americano Harry Truman —,
o chanceler João Neves da Fontoura alertou inicialmente para o “perigo
comunista”, revigorado após a guerra, o que impunha um combate mais intenso às
“ideologias subversivas”. Abordou ainda a situação econômica crítica da América
Latina, cuja saída estaria numa ajuda de emergência, e, principalmente, na
criação de um plano de “colaboração econômica recíproca”. O desenrolar da
conferência foi importante para marcar nitidamente a necessidade de o governo
norte-americano alterar sua política para o continente. Ficou patente, também,
a prioridade dada pelos EUA à defesa militar.
Para
o governo brasileiro, a IV Reunião, encerrada em 7 de abril, favoreceu a
concretização das negociações bilaterais que seriam desenvolvidas pela Comissão
Mista Brasil-EUA, cuja formação João Neves procurou agilizar desde os primeiros
dias do encontro. De modo geral, o ponto principal do interesse norte-americano
no Brasil concentrava-se nos minérios estratégicos. Já em fevereiro de 1951, o
chanceler brasileiro, em documento posteriormente aprovado por Vargas e
apresentado aos norte-americanos, propusera que o Brasil contribuísse com as
matérias-primas nacionais para a economia de emergência dos EUA, que em
contrapartida deveriam conceder “prioridades de fabricação e de créditos
bancários” para auxiliar na execução de um plano nacional de industrialização.
O documento apresentava, ainda, uma série de projetos considerados básicos. Com
a aprovação desses projetos pelos representantes norte-americanos, foi estabelecida
a concessão de um financiamento para o Brasil no valor de 250 milhões de
dólares, a serem empregados na recuperação econômica do país. Por um lado, o
governo brasileiro facilitaria a remessa do manganês in natura e de
minérios estratégicos, desde que os norte-americanos montassem aqui fábricas
para a sua industrialização.
Paralelamente a essas negociações, ao longo do primeiro
semestre de 1951 os norte-americanos pressionaram o governo brasileiro para que
este concordasse em enviar uma divisão militar à Coréia, onde os EUA estavam
empenhados numa guerra contra o regime comunista da Coréia do Norte. O Brasil,
por seu lado, insistia no aumento do empréstimo em 50 milhões de dólares. Esta
última exigência representava uma divergência dentro do próprio governo:
enquanto Vargas considerava trezentos milhões de dólares a quantia mínima a ser
negociada, João Neves da Fontoura a considerava a quantia máxima, não só a ser
obtida mas também possível de ser paga pelo Brasil. O prosseguimento da
discussão acabaria por separar, na prática, a ajuda para o desenvolvimento
econômico da cooperação militar. A Comissão Mista foi oficialmente instalada em
17 de junho e seus trabalhos foram formalmente desvinculados da questão militar
da Coréia, que no entanto continuou a ser discutida pelos representantes dos
dois países. Do lado brasileiro, João Neves foi um dos principais defensores do
envio de tropas.
Também em junho de 1951, João Neves insistiu junto a Vargas
para que este fizesse um pronunciamento público abordando a questão da Coréia e
se declarasse “ao lado do mundo ocidental e contra a ameaça externa e interna
do comunismo”. Com esse pronunciamento, o ministro das Relações Exteriores
esperava melhorar as perspectivas dos auxílios financeiros que vinham sendo
negociados na Comissão Mista, já que tal tipo de manifestação por parte do
chefe do governo brasileiro teria ótima repercussão nos EUA. Já nesse momento,
a Revista do Centro Militar, dirigida por oficiais nacionalistas, vinha
fazendo intensa campanha contra a intervenção norte-americana na Coréia e
principalmente contra a participação brasileira no conflito. Esse grupo recebia
violentas críticas por parte da grande imprensa e da ala das forças armadas
favorável a uma maior cooperação com os EUA, sendo acusado de simpatias para
com o regime comunista da Coréia do Norte.
Ainda antes do final do mês, a Presidência da República
recebeu nota da Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
solicitando o envio de tropas brasileiras para a Coréia. Convocada uma reunião
do Conselho de Segurança Nacional para o dia 30 de junho, pronunciaram-se, no
encontro, Vargas, João Neves, o general Ciro do Espírito Santo Cardoso, chefe
do Gabinete Militar, e Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas
(EMFA). Ao ministro das Relações Exteriores coube expor o conteúdo dos
documentos enviados pela ONU. Após a discussão da questão, foram fixadas
diretrizes para a política externa brasileira e estabelecidas algumas medidas
mais imediatas, entre as quais o envio de mensagem ao Congresso Nacional
expondo os compromissos do Brasil com a ONU, a preparação psicológica da
população e a propaganda anticomunista. Ficou também decidido o envio à
embaixada norte-americana de uma nota oficial a ser redigida por João Neves,
comunicando a decisão do Brasil de participar do conflito. O tom enfático da
redação, contudo, foi suprimido por Getúlio, que preferiu eliminar as
afirmações categóricas de ajuda empregadas pelo chanceler, achando melhor
demonstrar apenas que seriam necessárias novas negociações para a definição do
tipo de colaboração a ser prestada. Apesar do tom mais ameno, a nota foi bem
recebida pelo governo norte-americano, o que, segundo Neves, permitiu o
prosseguimento do programa de colaboração econômica e financeira.
Em
meio às conversações sobre questões puramente militares, o governo dos EUA
propôs um acordo militar secreto nos moldes do que fora assinado entre os dois
países em 1942, dando prioridade à defesa continental e à preparação de tropas
que ficariam à disposição da ONU para interferir não só na Coréia, mas onde se
fizesse necessário. No início de 1952, para prosseguirem as negociações, foi
nomeada uma comissão presidida por João Neves e composta pelos chefes do EMFA e
dos estados-maiores das três armas. Nos meios políticos brasileiros, criou-se
forte expectativa e polêmica quanto ao andamento das negociações.
Com
o ministro da Guerra, general Estillac Leal, tendo uma participação secundária
durante as negociações sobre o acordo militar, coube a João Neves da Fontoura,
auxiliado por Góis Monteiro, não apenas preparar o início das conversações, mas
também negociar diretamente com os norte-americanos a exportação de minérios
estratégicos. Assim, o processo de negociação do acordo militar acabou por
provocar nas forças armadas um forte sentimento de desconfiança quanto ao
comprometimento do governo. A assinatura do acordo, em 15 de março de 1952,
provocou o pedido de demissão de Estillac Leal, que alegava ter sido
marginalizado das negociações e não ter tido acesso ao acordo, apesar de os
chefes do EMFA e dos estados-maiores das três armas terem aprovado seu texto
final. Assim, o acordo militar negociado por João Neves acabou por atuar
decisivamente para a deterioração das relações entre o governo e os militares.
Embora tenha sido enviado por Vargas ao Congresso em abril de
1952, o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos só foi referendado no ano
seguinte, tal a obstrução que lhe foi feita. Até sua aprovação, João Neves se
queixou por diversas vezes das pressões e manobras políticas contrárias. Assim,
procurando apressar o andamento da votação, entrou pessoalmente em contato com
parlamentares, enfatizando que a urgência era necessária para que o país
pudesse receber logo a ajuda norte-americana. Solicitou ainda que o presidente
orientasse seu líder na Câmara dos Deputados, Gustavo Capanema, de modo a
evitar qualquer retardamento. Segundo Maria Celina d’Araújo, “esta foi a luta
parlamentar mais séria que João Neves teve que enfrentar, na qual não lhe
faltaram acusações de ser advogado dos interesses estrangeiros. Na realidade,
durante os debates, chocavam-se duas visões distintas: enquanto para a oposição
tratava-se da subordinação do Brasil aos interesses dos EUA, para Neves da
Fontoura o Acordo Militar nada mais era senão à atualização de compromissos de
cooperação entre dois países do chamado mundo livre”.
No primeiro semestre de 1953, o prestígio político do governo
Vargas apresentava sinais de acentuado declínio, o que tornava indispensável o
estabelecimento de uma nova estratégia política para reconquistar o apoio
popular. Nos meses de junho e julho, Vargas dedicou-se à renovação de seu
ministério, numa tentativa de obter uma coesão até então inexistente. Desse
modo, no dia 19 de junho de 1953, João Neves da Fontoura apresentou seu pedido
de demissão, tendo sido substituído então por Vicente Rao. Durante o período em
que permaneceu à frente do Itamarati, o político gaúcho chefiou ainda as
delegações brasileiras ao I Congresso da União Latina e à Conferência da ONU,
em 1951, e à VII Assembléia Geral das Nações Unidas em 1952. Foi também, entre
1952 e 1953, presidente da Comissão de Exportações de Minerais Estratégicos. Ao
se afastar do ministério, João Neves colocou-se em oposição ao governo,
principalmente em função da falta de apoio político que recebera em sua gestão,
e por discordar das restrições feitas ao capital estrangeiro. A partir desse
momento, passou a articular-se com os setores oposicionistas.
Nesse sentido, em abril de 1954, quando a crise de confiança
no governo, motivada pelo temor de que Vargas não fosse capaz de manter a ordem
constitucional e de resistir ao comunismo, atingia o momento de maior tensão,
João Neves anunciou à imprensa estar ciente da existência de um acordo secreto
estabelecido entre Vargas e Juan Perón, presidente argentino. Esse acordo teria
por objetivo a formação de um bloco continental denominado ABC, formado pela
Argentina, Brasil e Chile, para se opor à hegemonia norte-americana no
continente. Esse pronunciamento do ex-ministro foi explorado pela imprensa e
pela oposição, numa tentativa de provar que Vargas, a exemplo do que Perón
realizara na Argentina, pretendia implantar uma república sindicalista no país.
Segundo
as declarações de João Neves, o “Acordo ABC” teria sido negociado por Batista
Luzardo, embaixador brasileiro em Buenos Aires, diretamente com Perón, o que foi desmentido pela representação argentina. Apesar dos desmentidos oficiais e
da falta de provas, as acusações de João Neves da Fontoura teriam tido por base
evidências observadas ao longo de sua permanência no ministério, conforme
afirma em seu livro Depoimento de um ex-ministro (1957). De toda forma,
suas declarações, ao lado dos freqüentes encontros mantidos por Perón e João
Goulart, ministro do Trabalho até fevereiro de 1954 e admirador do governo
argentino, dividiram a opinião pública e desestabilizaram ainda mais o governo
de Vargas, que veio a se suicidar em agosto de 1954, quando a crise política
chegou ao auge.
A campanha presidencial de 1955
No início de 1955, diante da proximidade das eleições
presidenciais marcadas para outubro, instalou-se nova crise sucessória. No
início de abril, os representantes da UDN, do Partido Democrata Cristão (PDC),
do Partido Libertador (PL) e do PSD dissidente (formado pelos diretórios do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco, contrários à candidatura oficial do
partido, de Juscelino Kubitschek) se reuniram para debater o “Acordo Jânio
Quadros-Café Filho”, segundo o qual o primeiro abria mão de sua candidatura à
presidência em prol de Juarez Távora em troca da indicação do candidato à
vice-presidência e de uma maior participação de São Paulo no ministério.
Juarez, entretanto, desistiu de sua candidatura, e, após novos encontros entre
esses partidos, ficou decidido o lançamento da candidatura de Etelvino Lins,
governador de Pernambuco.
No
dia 11 de maio, João Neves da Fontoura participou de reunião realizada na
residência de Etelvino, à qual compareceram também Nereu Ramos, Juarez Távora,
Franco Montoro, Mílton Campos, Raul Pilla e Cori Fernandes. Ao término do
encontro, ficou decidido o lançamento da candidatura de Távora pelo PDC, embora
no dia seguinte o Clube da Lanterna — organização civil, fundada em agosto de
1953, para congregar parlamentares, sobretudo da UDN, no combate ao governo de
Getúlio Vargas — insistisse no apoio ao nome de Etelvino Lins. Poucos dias
depois, entretanto, Etelvino retirou oficialmente sua candidatura e Juarez
Távora enalteceu essa decisão, pedindo para si o suporte dos setores que haviam
apoiado o governador de Pernambuco.
Nesse sentido, em 11 de julho, os pessedistas dissidentes do
Rio Grande do Sul e Pernambuco voltaram a se reunir com os líderes udenistas.
Do encontro, além de João Neves, participaram, entre outros, Peracchi Barcelos,
Clóvis Pestana, Etelvino Lins e o general Osvaldo Cordeiro de Farias, que
decidiram apoiar a candidatura de Juarez Távora: caberia à convenção nacional
da UDN homologar a chapa Távora-Mílton Campos, o que foi feito ainda nesse mês.
Realizado o pleito, contudo, saíram vitoriosos Juscelino Kubitschek, do PSD, e
João Goulart, do PTB.
Embora afastando-se da atividade política, João Neves ainda
manteve certo vínculo com o mundo político através dos editoriais e artigos que
redigia para o jornal carioca O Globo, nos quais transmitia um
conservadorismo cada vez mais intransigente.
João Neves participou de diversas entidades, entre as quais a
Academia Rio-Grandense de Letras, a Academia de Letras do Uruguai, a Academia
de Ciências de Lisboa (como sócio-correspondente) e a Academia Portuguesa de
História.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 31 de março de 1963.
Era casado com Iracema Barcelos de Araújo, com quem teve três
filhos. Seu sobrinho, o general Carlos Alberto Fontoura, foi chefe do Serviço
Nacional de Informações entre 1969 e 1974, e embaixador brasileiro em Portugal
no período de 1974-1978.
Além dos livros já citados, de pareceres para o Banco do
Brasil, de diversas conferências e exposições de motivos, João Neves deixou
publicados A jornada liberal (1930, 2v.), Acuso! (libelo
político, 1933), Dois perfis: Silveira Martins e Coelho Neto (ensaio,
1938), A serviço do Itamarati (1948), Feitos e figuras (ensaios,
1959), Uma figura da República: Serzedelo Correia (1959), Memórias,
1º v.; Borges de Medeiros e seu tempo (1958), 2º v.: A Aliança
Liberal e a Revolução de 1930 (1963), João Neves: discursos
parlamentares (org. Hélgio Trindade, 1978).
Regina
da Luz Moreira
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