VIDIGAL,
Gastão
*dep. fed. prof. 1935-1937; min. Faz. 1946.
Gastão de Costa Carvalho Vidigal nasceu na cidade de São Paulo em 15 de março de 1889, filho
de Afrodísio Vidigal e de Luísa Benvinda da Costa Vidigal. Seu tio, Álvaro
Augusto da Costa Carvalho, foi deputado federal por São Paulo em diversas
legislaturas, de 1894 a 1896 e de 1903 a 1920. Seu irmão, Alcides da Costa
Vidigal, foi revolucionário em 1932, deputado federal em 1954 e presidente do
Banco do Brasil em 1955.
Realizou
seus estudos primários na Escola Modelo Prudente de Morais e os secundários no
Colégio São Bento, em sua cidade natal. Aos 15 anos de idade matriculou-se na
Faculdade de Direito de São Paulo, diplomando-se em 1908. Durante o curso
trabalhou no cartório de seu avô, e depois de formado passou a auxiliar o pai
no seu escritório de advocacia, ao mesmo tempo em que se dedicava a estudos de
especialização em direito comercial e financeiro. Posteriormente, graças à
interferência de seu tio, ingressou no Banco do Estado de São Paulo.
No fim da década de 1920 e início da seguinte, ocupou
importantes posições em seu estado. Presidente da Associação Comercial no
biênio 1928-1929, diretor do banco do estado e da Caixa Reguladora de Emissões
após a Revolução de 1930, recebeu do governo federal a incumbência de
regularizar a situação monetária de São Paulo depois da Revolução
Constitucionalista que convulsionou o estado entre julho e outubro de 1932.
Consolidada a vitória sobre os paulistas, o Governo
Provisório chefiado por Getúlio Vargas encetou o processo de
constitucionalização do país, convocando eleições para a Assembléia Nacional
Constituinte que se reuniria em fins de 1933. Abriu-se então um período de
reorganização política em todos os estados, e Gastão Vidigal filiou-se ao
Partido Constitucionalista, resultante da fusão do Partido Democrático com a
Federação dos Voluntários e a Ação Nacional Republicana (dissidência do Partido
Republicano Paulista).
Em julho de 1934, a Constituinte promulgou a nova
Constituição e elegeu Getúlio Vargas para a presidência da República. A exemplo
do que já acontecera com essa assembléia, a Câmara eleita em outubro de 1934
era constituída por dois tipos de representantes: os eleitos através do voto
universal e direto, e os indicados por sindicatos, reconhecidos pelo Ministério
do Trabalho como representantes profissionais. Gastão Vidigal tornou-se um
desses deputados classistas, representando os empregadores do comércio.
Empossado em 1935 teve seu mandato interrompido com o golpe do Estado Novo
(10/11/1937) que suprimiu as câmaras legislativas do país.
Durante
esse período, a atuação do Partido Constitucionalista foi extremamente ambígua.
Defensor do liberalismo político pregado pelos revolucionários paulistas de
1932, votou sistematicamente a favor das leis repressivas de autoria do
ministro da Justiça, Vicente Rao, adotadas depois da fracassada Revolta
Comunista de 1935. Em março de 1936, apoiou também a transformação do estado de
sítio vigente desde a revolta em estado de guerra, o que, entre outras
conseqüências, determinava a suspensão das imunidades parlamentares. Quando, em
1º de março de 1937, o governo federal encaminhou ao Congresso novo pedido de
prorrogação do estado de guerra, Gastão Vidigal foi o intermediário que
transmitiu à bancada constitucionalista a posição favorável do governador de
São Paulo, José Joaquim Cardoso de Melo Neto, à concessão da medida, que foi
finalmente aprovada pelo Congresso.
Com
a implantação do Estado Novo, o governador paulista, transformado em
interventor, foi obrigado a empreender diversas modificações em seu
secretariado. Em 20 de dezembro de 1937 Gastão Vidigal assumiu a Secretaria da
Fazenda, onde permaneceu até 25 de abril do ano seguinte, quando acompanhou o
pedido de demissão do interventor, causado por pressões de remanescentes do
Partido Republicano Paulista e do próprio Getúlio Vargas. Poucos dias depois
desse episódio, o ex-deputado perrepista Ademar de Barros passou a ocupar a
interventoria do estado. Mesmo assim, Gastão Vidigal manteve durante todo o
Estado Novo uma postura simpática ao governo federal.
Em 26 de novembro de 1938, junto com Cardoso de Melo Neto,
fundou e tornou-se superintendente do Banco Mercantil do Estado de São Paulo. No
biênio 1942-1943 ocupou novamente a presidência da Associação Comercial do
Estado de São Paulo, e entre 1942 e 1945 dirigiu a Carteira de Exportação e
Importação do Banco do Brasil e foi membro do Conselho Federal do Comércio
Exterior.
Em 1945, com a deterioração do Estado Novo e a formação de
novos partidos, Gastão Vidigal filiou-se ao Partido Social Democrático (PSD),
passando a integrar até 1948 o diretório paulista dessa agremiação, organizada
pelo então interventor Fernando Costa. Junto com Sílvio de Campos, foi um dos
principais articuladores no estado da candidatura vitoriosa do general Eurico
Gaspar Dutra à presidência da República, que não contava com a adesão calorosa
de Fernando Costa.
Ministro da Fazenda
Eleito
em 2 de dezembro de 1945 para a Assembléia Nacional Constituinte convocada
depois da queda do Estado Novo, Gastão Vidigal não chegou a iniciar o mandato
por ter sido convidado por Dutra para assumir o Ministério da Fazenda, o que se
efetivou em 1º de fevereiro de 1946, um dia depois da posse do novo presidente.
Sucedeu nesse cargo a José Pires do Rio.
As
novas condições internacionais criadas pelo fim da Segunda Guerra Mundial
favoreciam a aplicação de uma política liberal que concentrasse suas atenções
no comércio exterior. Os Estados Unidos emergiam como potência hegemônica no
mundo ocidental, credores de países economicamente debilitados pela guerra e
dispostos a criar as condições para a expansão do comércio internacional. Já em
1944 a Conferência de Bretton Woods definira uma reformulação da estrutura
financeira mundial com o objetivo de promover a estabilidade cambial e
monetária, eliminando barreiras que pudessem antepor-se a essa expansão. Como
expressão dessa política, foi criado o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Nesse contexto, fortaleceu-se no Brasil um grupo de
economistas que, como Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões, colocavam como
tarefas prioritárias da política econômica a liberdade no comércio externo e o
combate à inflação, crescente desde 1940. Ao assumir o ministério, Gastão
Vidigal aproximou-se desse grupo, concordando com as críticas à política
econômica de Vargas, principalmente em seus aspectos protecionistas,
considerados prejudiciais ao livre comércio e contraproducentes para as
empresas. Defendiam a liberdade cambial, o fim dos entraves à entrada e saída
de capital estrangeiro no país, o revigoramento do setor agroexportador, e a
supressão gradual dos mecanismos de intervenção do Estado na economia a fim de
garantir a primazia da iniciativa privada e do livre jogo das forças no
mercado.
Assim, desde o início de sua gestão, Gastão Vidigal teve no
déficit orçamentário — orçado na época em três bilhões de cruzeiros — sua
principal preocupação, propugnando uma drástica redução das despesas públicas,
que ele considerava a maior fonte da inflação. Com esse objetivo, buscou conter
a atividade administrativa dentro das possibilidades orçamentárias, evitar a
abertura de créditos especiais ou suplementares e não aumentar os quadros do
funcionalismo público.
Tomou
ainda uma série de medidas destinadas a fortalecer o Tesouro Nacional, entre as
quais a fixação de um critério uniforme para a concessão de vencimentos e
demais vantagens devidas a funcionários civis e militares, a determinação para
que todos os órgãos públicos depositassem suas disponibilidades exclusivamente
no Banco do Brasil, a elevação da taxa de retenção na fonte sobre os sorteios e
prêmios de qualquer espécie, a retenção, em troca de letras do Tesouro
Nacional, de 20% do valor em cruzeiros das exportações, e finalmente a criação
de um depósito obrigatório de um milhão de cruzeiros que os estabelecimentos
bancários autorizados a operar com câmbio teriam que fazer no Tesouro Nacional
ou nas delegacias fiscais, em troca de títulos da dívida pública federal.
Vidigal instituiu ainda o imposto sobre lucros apurados pelas pessoas físicas
na venda de propriedades imobiliárias.
Como
parte da política antiinflacionária adotada, o salário mínimo permaneceu
congelado durante todo o governo Dutra (1951-1954) nos níveis estabelecidos em
1943, só voltando a ser reajustado no segundo ano do novo mandato presidencial
de Getúlio Vargas (1951-1954). Por outro lado, Gastão Vidigal procurou absorver
o excesso de meios de pagamento criando um imposto adicional de renda sobre os
lucros, determinando que parte deles ficaria depositada na Superintendência da
Moeda e do Crédito (Sumoc). Otávio Gouveia de Bulhões elogiou este mecanismo,
mas, analisando as aplicações desses recursos do Banco do Brasil, concluiu que
sua utilização principal foi socorrer os bancos que enfrentavam falta de
liquidez, permanecendo dessa forma na órbita da especulação imobiliária
desenvolvida pelo capital financeiro. Além disso, esses recursos não retornaram
ao Banco do Brasil que, em 1948, quando da devolução dos depósitos
compulsórios, foi obrigado a recorrer a emissões de papel-moeda.
Seguindo a orientação de diminuir a intervenção do Estado na
economia, e atendendo a antiga reivindicação dos cafeicultores, Gastão Vidigal
criou uma comissão encarregada de desativar o Departamento Nacional do Café,
tarefa que seria concluída em 1948. Extinguiu ainda a taxa de 15%, o que
incidia sobre o café exportado e suspendeu a subscrição compulsória das
obrigações de guerra, garantindo aos que já as haviam subscrito o direito de
reaverem as quantias pagas.
A política adotada em relação às importações, ao câmbio e ao
capital estrangeiro também foi marcada pelo liberalismo e baseou-se na grande
quantidade de divisas acumuladas pelo Brasil durante a Segunda Guerra Mundial.
Como conseqüência, entre 1946 e 1947 as importações cresceram em 90% e as
exportações em apenas 15%, o que, junto com a evolução desfavorável dos preços
relativos, causou enorme deterioração nas relações internacionais de troca do
Brasil. A manutenção da taxa cambial nos níveis vigentes durante a guerra
impediu que os cafeicultores obtivessem uma margem de lucro proporcional ao
aumento dos preços internacionais do café. Por outro lado, a liberdade de
compra e venda de moedas estrangeiras anulou os efeitos do decreto presidencial
que em 27 de fevereiro de 1946 limitou em 20% ao ano o retorno do capital
estrangeiro registrado no Banco do Brasil e em 8% a remessa de lucros, juros e
dividendos desse capital para o exterior.
Em
15 de outubro de 1946 Gastão Vidigal se demitiu do ministério para disputar a
candidatura ao governo de São Paulo na convenção do Partido Social Democrático
(PSD). Em sua gestão, conseguira reduzir o déficit orçamentário de 3.123
milhões de cruzeiros para 2.632 milhões. Depois de exercido interinamente por
Osvaldo Brancante Machado, o cargo foi preenchido em 20 de outubro por Pedro
Luís Correia e Castro, que introduziu importantes modificações na política
financeira do país.
Na convenção estadual do PSD realizada em 1947, Gastão
Vidigal, Carlos Cirilo Júnior e Gabriel Monteiro foram derrotados por Mário
Tavares, que disputou nesse ano as eleições para o governo paulista. Esse
pleito, entretanto, foi vencido por Ademar de Barros, do Partido Social
Progressista (PSP). A partir dessa data Vidigal não ocupou mais nenhum cargo
público até seu falecimento, ocorrido em São Paulo, no dia 14 de novembro de
1950.
Gastão Vidigal foi um homem profundamente ligado ao mundo
empresarial. Além de superintendente do Banco Mercantil de São Paulo, foi
fundador da Cia. Brasileira de Material Ferroviário, membro do conselho
consultivo da Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira e da Bolsa de Mercadorias de São
Paulo, diretor da Cia. Mojiana de Estradas de Ferro, da Kosmos Capitalização,
da Cia. Paulista de Seguros, do Cotonifício Rodolfo Crespo S.A. e da Cia. Santa
Cruz de Armazéns Gerais. Foi também oficial do Registro Geral de Hipotecas da
Primeira Circunscrição e diretor-presidente da Construtora de Imóveis e
Financiamento São Paulo S.A., e integrou ainda as comissões de estudos dos
projetos da Caixa de Mobilização Bancária e do Banco de Crédito Rural.
Além dessas atividades empresariais, foi ainda irmão mesário
e membro da mesa dos definidores da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia,
diretor-tesoureiro da Associação de Educação Profissional de São Paulo,
diretor-presidente da Associação dos Serventuários da Justiça, membro do
conselho deliberativo da Associação dos Sanatórios Populares de Campos do
Jordão, vice-presidente de honra da Sociedade Brasileira de Geografia,
vice-presidente do Instituto de Organização Racional do Trabalho, membro do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e do Instituto dos Advogados de
São Paulo, presidente do Sindicato e diretor da Associação de Bancos de São
Paulo. Foi ainda presidente da Comissão de Controle dos Acordos de Washington
(1946).
Foi
casado com Maria Amélia de Bueno Vidigal, com quem teve seis filhos. Um deles,
Gastão Eduardo Bueno Vidigal, foi secretário da Fazenda do governo paulista na
gestão de Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (1959-1963), e tornou-se
diretor do Banco Mercantil de São Paulo e maior acionista de um grande grupo de
empresas que congrega, entre outras, o Banco Finasa de Investimentos, a Finasa
Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. e a Cia. Brasileira de
Metalurgia (Brasmetal). Outro filho, Luís Eulálio Bueno Vidigal, foi diretor da
Cobrasma S.A. Indústria e Comércio, Braseixos S.A., Fornasa S.A. Indústria e
Comércio e da Brasprensas S.A. Seu neto, Luís Eulálio Bueno Vidigal Filho,
manteve-se à frente de diversas indústrias, como a Cobrasma e a Braseixos, e
assumiu em 1974 a presidência do Sindicato Nacional de Autopeças. Em setembro
de 1980, foi eleito presidente da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP).
Jorge Miguel Mayer
FONTES: ARAÚJO, A.
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