GEISEL,
Ernesto
*militar; comte. Comdo. Mil. Brasília 1961;
ch. Gab. Mil. Pres. Rep. 1961 e 1964-1967; min. STM 1967-1969; pres. Petrobras
1969-1973; pres. Rep. 1974-1979.
Ernesto Geisel nasceu em Bento Gonçalves (RS) no dia 3 de agosto de 1907, apesar de nos seus assentamentos militares
constar o ano de 1908, alteração necessária para que atingisse a idade limite
máxima para admissão no Colégio Militar. A verdadeira data de nascimento só foi
esclarecida por ocasião das comemorações de seus 80 anos em 1987. Filho de
Augusto Guilherme Geisel e Lídia Beckmann Geisel, seu pai, de nacionalidade
alemã, veio da Baviera para o Brasil em 1890 e fixou residência em Novo Paraíso, no município de Estrela (RS), onde trabalhou em fundição, lecionou na escola da
igreja luterana e desempenhou as funções de juiz de paz. Seu irmão Orlando
Geisel seguiu a carreira militar, alcançando o generalato e sendo ministro do
Exército entre 1969 e 1974, durante o governo do presidente Emílio Garrastazu
Médici.
Ernesto
Geisel fez seus primeiros estudos na Escola General Bento Gonçalves da Silva,
em sua cidade natal, e ingressou em 1921 no Colégio Militar de Porto Alegre,
cujo curso concluiu em 1924 como primeiro aluno da turma. Matriculou-se no ano
seguinte na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito
Federal, sendo declarado aspirante-a-oficial da arma de artilharia em 1928,
novamente como primeiro aluno. Designado para servir no 1º Regimento de
Artilharia Montada, na Vila Militar, passou à condição de segundo-tenente em
agosto de 1928 e, no ano seguinte, foi transferido para o 4º Grupo de
Artilharia a Cavalo, sediado em Santo Ângelo (RS).
Promovido a primeiro-tenente em agosto de 1930, comandou dois
meses depois uma bateria do Destacamento Miguel Costa, que se deslocou do Rio
Grande do Sul para São Paulo na vanguarda das forças revolucionárias gaúchas
hostis ao governo de Washington Luís. Depois da vitória da Revolução de 1930 e
da instalação do Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas, esteve lotado
por pouco tempo no 1º Grupo de Artilharia de Montanha, sediado no Rio. Em
seguida organizou e comandou a transferência de uma bateria dessa unidade para
João Pessoa, na Paraíba.
Entre
março e junho de 1931, ficou à disposição do interventor federal no Rio Grande
do Norte, primeiro-tenente Aluísio de Andrade Moura, sendo nomeado
secretário-geral do governo estadual e chefe do Departamento de Segurança
Pública. De volta à tropa, comandou sua bateria na repressão ao levante do 21º
Batalhão de Caçadores, deflagrado em Recife no mês de outubro de 1931 com o
objetivo de depor o interventor federal em Pernambuco, Carlos de Lima
Cavalcanti. Os oficiais sublevados chegaram a conquistar o quartel-general do
Derby, o quartel da Soledade, a cidade de Olinda e os bairros de Afogados e Boa
Vista, mas foram derrotados com a ajuda de tropas enviadas de Alagoas, Paraíba
e Rio Grande do Norte.
Com a deflagração da Revolução Constitucionalista de São
Paulo em julho de 1932, a unidade em que Geisel servia foi deslocada para o vale do Paraíba, no estado do Rio de Janeiro, onde se integrou ao destacamento
comandado pelo general Manuel Daltro Filho. Com a derrota dos rebeldes em
outubro seguinte, os contingentes foram enviados de volta a seus estados de
origem.
Geisel ocupou a Secretaria da Fazenda e Obras Públicas da
Paraíba de janeiro a maio de 1934 e de agosto seguinte a janeiro de 1935,
durante a interventoria de Gratuliano Brito. Em fevereiro, foi transferido para
o Grupo Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro, sendo promovido em setembro a
capitão. Nessa patente, participou da repressão ao levante da Escola de Aviação
Militar, no Campo dos Afonsos, deflagrado em 27 de novembro de 1935 como parte da
revolta comunista que, na capital federal, envolveu também o 3º Regimento de
Infantaria (3º RI) e foi sufocada depois de algumas horas de combate.
Geisel obteve o primeiro lugar entre os militares da arma que
cursaram a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) em 1938 e, no ano
seguinte, foi designado instrutor de artilharia na Escola Militar do Realengo.
Exerceu essa função até 1941, quando ingressou na Escola de Estado-Maior do
Exército, cujo curso concluiu em 1943. Em maio desse ano, foi promovido a
major.
Em 1945, foi designado para servir na Seção de Operações do
Estado-Maior da 3ª Região Militar (3ª RM) sediada em Porto Alegre. Depois de um rápido estágio no Army Command and General Staff College, em Fort Leavenworth, Estados Unidos — onde muitos oficiais brasileiros se especializaram durante
a Segunda Guerra Mundial —, passou a ocupar a chefia do gabinete do general
Álcio Souto, comandante da Diretoria de Motomecanização, no Rio de Janeiro. Com
a transferência desse oficial para o comando do Núcleo de Divisão Blindada, foi
nomeado chefe do estado-maior dessa unidade, cujos contingentes tiveram
participação destacada na deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945.
Entre maio de 1946 e abril de 1947, durante o governo do
general Eurico Dutra, chefiou a secretaria geral do Conselho de Segurança
Nacional, sendo nomeado em seguida adido militar junto à embaixada brasileira
no Uruguai. Promovido a tenente-coronel em junho de 1948, regressou ao Brasil
em fevereiro de 1950 para exercer a função de adjunto do Estado-Maior das
Forças Armadas (EMFA). Em dezembro de 1952, foi designado membro permanente da
Escola Superior de Guerra (ESG), sendo promovido a coronel em abril do ano
seguinte. Comandou em 1954 o 8º Grupo de Artilharia de Costa Motorizado, no
Rio, sendo nomeado em fevereiro de 1955 subchefe do Gabinete Militar do
presidente João Café Filho em substituição ao coronel Rodrigo Otávio Jordão
Ramos, que passara a ocupar o Ministério da Viação e Obras Públicas. Atuou
então sob a chefia direta de Juarez Távora, titular do gabinete, até assumir em
maio seguinte o comando do Regimento Escola de Artilharia. Colocado à
disposição da Petrobras em setembro, foi nomeado em seguida
superintendente-geral da Refinaria Presidente Bernardes, situada em Cubatão
(SP), onde permaneceu até a posse do presidente Juscelino Kubitschek em 31 de
janeiro de 1956.
Em
março desse ano, Geisel assumiu o comando do 2º Grupo de Canhões Antiaéreos, em
Quitaúna (SP), sendo transferido em abril de 1957 para a chefia da Seção de
Informações do Estado-Maior do Exército (EME). A partir de junho seguinte,
acumulou essa função com a de representante do Ministério da Guerra no Conselho
Nacional do Petróleo (CNP). Nesse órgão, foi relator do processo que dispôs
sobre a instalação de uma fábrica de borracha sintética no país, emitindo
parecer desfavorável às propostas apresentadas por empresas privadas e
defendendo a montagem da fábrica pela própria Petrobras, o que levou à criação
da Fabor, instalada junto à Refinaria Duque de Caixas, no estado do Rio. Geisel
pediu exoneração do CNP em 1958, mas retornou a esse órgão no ano seguinte e
nele permaneceu até 1961, sendo promovido nesse período, em março de 1960, a general-de-brigada. Em fevereiro de 1961, no início do governo Jânio Quadros, tornou-se
oficial-de-gabinete do ministro da Guerra, marechal Odílio Denis, sendo nomeado
em abril seguinte para chefiar o Comando Militar de Brasília e a 11ª RM.
A renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de
1961 provocou uma grave crise política no país, pois os ministros militares
vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, que se encontrava na China em
missão oficial e era considerado elemento de confiança do movimento sindical e
de correntes de esquerda. Durante a crise, o poder de fato foi exercido pelos
chefes militares, mas o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri
Mazzilli, assumiu a presidência da República e nomeou Geisel para a chefia do
seu Gabinete Militar. Este se pronunciou a favor de uma solução negociada e
desempenhou destacado papel nos entendimentos que levaram à adoção do
parlamentarismo como forma de contornar as resistências dos chefes militares à
posse de Goulart, finalmente ocorrida em 7 de setembro de 1961. No dia
seguinte, foi exonerado dos comandos que exercia na capital federal.
Em janeiro de 1962, foi designado para chefiar a Artilharia
Divisionária da 5ª Divisão de Infantaria, sediada em Curitiba, onde exerceu
também, em caráter interino, o comando da 5ª RM. Em novembro de 1963 tornou-se
segundo subchefe do Departamento de Provisão Geral do Exército.
Movimento político-militar de 1964
O governo de João Goulart foi marcado pelo acirramento da luta
entre as forças que defendiam reformas de cunho social e nacionalista,
agrupadas principalmente em torno do programa de reformas de base (urbana,
agrária, constitucional e de disciplina do capital estrangeiro), e as forças de
tendência conservadora, que reagiam às primeiras e enfatizavam a necessidade de
contenção das reivindicações trabalhistas e da busca da estabilização
monetária. Com a evolução da crise e o agravamento dos problemas econômicos do
país, políticos oposicionistas, empresários e militares começaram a organizar
um movimento para depor Goulart. Geisel e os outros oficiais de alta patente
ligados à ESG, conhecidos como integrantes do “grupo da Sorbonne” — em alusão
ao alto nível daquela unidade militar —, desempenharam importante papel na conspiração,
na tomada do poder e na formulação do projeto de reorganização política,
econômica e administrativa do país.
O movimento foi deflagrado no dia 31 de março de 1964 e
obteve completo êxito, transferindo rapidamente o poder de fato para o
auto-intitulado Comando Supremo da Revolução, formado pelo general Artur da
Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Francisco de Assis
Correia de Melo, enquanto Ranieri Mazzilli assumia mais uma vez, formalmente, a
presidência da República. Nos primeiros dias de abril, os generais Geisel,
Osvaldo Cordeiro de Farias, Ademar de Queirós, Golberi do Couto e Silva e
Nélson de Melo trabalharam intensamente junto à oficialidade que se reunia nos
clubes Militar e Naval para que fosse aceito o nome do general Humberto Castelo
Branco, também ligado à ESG, para a presidência da República.
No dia 9 de abril, o Comando Supremo da Revolução editou um
Ato Institucional mais tarde conhecido como AI-1 — regulamentando as primeiras
grandes transformações produzidas pelo movimento na vida política nacional. O
AI-1 permitiu punições extralegais de adversários do novo regime (cassações de
mandatos, suspensão de direitos políticos, demissões etc.), determinou a
realização de eleições indiretas para a presidência da República em 1964 e
transferiu para o Executivo importantes atribuições do Poder Legislativo.
Castelo Branco foi eleito presidente da República pelo
Congresso em 11 de abril, assumindo o cargo quatro dias depois e nomeando
Geisel chefe do seu Gabinete Militar.
No Gabinete Militar da Presidência
A
atuação de Geisel nesse posto foi intensa. Logo no início do novo governo
viajou ao Nordeste a pedido do presidente a fim de verificar a veracidade das
informações sobre torturas a presos políticos nessa região, o que não foi
confirmado por seu relatório. Houve contestação às suas conclusões e críticas à
falta de punição aos supostos envolvidos, mas, mesmo entre os denunciantes, foi
unânime o reconhecimento de que as irregularidades diminuíram depois da viagem.
As denúncias sobre o uso da tortura em outras regiões do país continuaram
intensas na Câmara dos Deputados, levando o presidente a determinar em setembro
novas apurações ao Gabinete Militar. Geisel se ocupou em verificar pessoalmente
as causas da morte do sargento Manuel Alves de Oliveira, ocorrida no Hospital
Central do Exército, e as denúncias sobre torturas na base aérea de Cumbica
(SP).
Nesse período, coordenou também as negociações entre a
Marinha e a Aeronáutica para superar a crise em torno da operação das aeronaves
embarcadas no porta-aviões Minas Gerais, agravada em agosto de
1964 em virtude da realização de manobras conjuntas com forças armadas de
outros países na operação Unitas IV. Essas divergências chegaram a provocar a
exoneração de dois ministros da Aeronáutica (Nélson Lavenère Wanderley e Márcio
de Sousa e Melo) e do da Marinha (Ernesto de Melo Batista), sendo solucionadas
pelo Decreto nº 56.309, de maio de 1965, que concedeu à Aeronáutica o
provimento de pessoal para a aviação embarcada.
Geisel foi promovido a general-de-divisão em novembro de
1964, ainda na chefia do Gabinete Militar. Nessa época, defendeu a incorporação
da Companhia Telefônica Brasileira (CTB), pertencente a um grupo multinacional,
à Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), combatendo assim a
proposta do ministro do Planejamento, Roberto Campos, de repassa-la à
International Telephone and Telegraph (ITT).
Apesar
de pressionado pela chamada “linha dura” para adotar medidas mais radicais
contra o antigo governo e seus simpatizantes, Castelo Branco manteve
inicialmente em vigor (com pequenas alterações) a Constituição de 1946 e o
calendário eleitoral, que previa para outubro de 1965 a realização de eleições diretas para governador em 11 estados, inclusive Minas Gerais e
Guanabara, considerados de grande importância para o curso do processo político
nacional. A aproximação do pleito produziu um aumento da tensão em virtude da
expectativa de vitória dos candidatos da coligação oposicionista formada pelos
partidos Social Democrático (PSD) e Trabalhista Brasileiro (PTB). Além dos
problemas que enfrentava na área militar, o governo federal passou a sofrer
pressões de grupos de direita organizados principalmente em torno da Liga
Democrática Radical (Lider) e do Movimento Anticomunista (Mac), que
consideravam “uma afronta à revolução” as candidaturas de Hélio de Almeida na
Guanabara e de Sebastião Pais de Almeida em Minas Gerais. As negociações dentro do governo foram difíceis, resultando na impugnação
desses dois candidatos. O primeiro foi atingido pela Lei das Inelegibilidades
(aprovada em julho de 1965) em virtude de sua condição de ex-ministro de
Goulart, e a solução para o segundo caso foi encontrada em reunião de que
participaram Castelo Branco, Geisel, Golberi (chefe do Serviço Nacional de
Informações) e Luís Viana Filho (chefe do Gabinete Civil); acusado de abuso do
poder econômico durante a campanha eleitoral de 1962, Pais de Almeida também
foi impugnado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os
candidatos originais da coligação PSD-PTB em Minas e na Guanabara foram
substituídos, respectivamente, por Israel Pinheiro e Francisco Negrão de Lima,
vitoriosos no pleito de outubro. Com esse resultado, a “linha dura” iniciou uma
conspiração para depor Castelo Branco, mas a intervenção do ministro da Guerra,
general Costa e Silva, impediu esse desfecho. Mesmo assim, a tendência ao
endurecimento do regime se fortaleceu, resultando no envio ao Congresso de um
projeto de lei voltado para garantir a “defesa revolucionária”, ampliando os
casos de intervenção federal nos estados, estendendo aos civis o foro especial
previsto para o julgamento de militares e reabrindo a possibilidade de
suspensão de direitos políticos. Diante de fortes indicações de que o projeto
seria rejeitado pelo Poder Legislativo, Castelo Branco se reuniu no dia 22 de
outubro com Geisel, Golberi, Luís Viana Filho, Juraci Magalhães (ministro da
Justiça) e Osvaldo Cordeiro de Farias (ministro do Interior) e, cinco dias
depois, editou o Ato Institucional nº 2 (AI-2) garantindo a adoção daquelas
medidas, extinguindo os partidos políticos e definindo o princípio de eleições
indiretas para a presidência. No mesmo dia, foi decretado o Ato Complementar nº
1, que estabeleceu a pena de três meses a um ano de reclusão para os cidadãos
que, privados de direitos políticos, participassem de atividades ou
manifestações de natureza política.
Pretendendo
preservar a unidade das forças armadas, Castelo Branco continuou a ceder às
pressões da “linha dura” e passou a aceitar a candidatura do general Costa e
Silva para substituí-lo na presidência, posições que Geisel combateu. Segundo
Luís Viana Filho, em reunião realizada no dia 30 de janeiro de 1966 com a
presença do presidente e dos ministros militares para discutir a edição do Ato
Intitucional nº 3 (AI-3), Geisel se posicionou contra a tentativa de evitar a
qualquer preço o agravamento da crise, afirmando: “Vamos vender o futuro por
uma solução precipitada do presente. Pouco importa que haja crise agora, essa
crise que estão querendo evitar. Prefiro até que haja. Se eles ganharem, que
venham e assumam a responsabilidade do governo.”
O AI-3, editado em 5 de fevereiro de 1966, fixou a realização
de eleições indiretas para os governos estaduais em setembro e para a
presidência em outubro, mas garantiu o pleito direto para o Legislativo em
novembro.
Em
fins de março de 1966, com a aproximação da sucessão presidencial e o início
das consultas de Castelo Branco aos diretórios regionais do novo partido
governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), Cordeiro de Farias, Mem de
Sá (ministro da Justiça desde 14 de janeiro), Golberi e Geisel manifestaram o
desejo de deixar o governo. Segundo Luís Viana Filho, os dois últimos temiam
criar problemas ao presidente devido à notoriedade com que se opunham à
candidatura de Costa e Silva, mas seus pedidos não foram atendidos.
Colaborador assíduo de Castelo Branco, Geisel participou das
reuniões que levaram à cassação do mandato do governador paulista Ademar de
Barros em 4 de junho de 1966, da decisão de decretar o recesso do Congresso e
cassar os mandatos de seis deputados em 20 de outubro seguinte, e da reunião do
Conselho de Segurança Nacional em 29 de dezembro, que definiu o anteprojeto da
nova Constituição, aprovada pelo Congresso em 24 de janeiro de 1967 depois de
calorosos debates.
Promovido a general-de-exército em novembro de 1966, deixou o
Gabinete Militar no final do governo Castelo Branco em 15 de março de 1967 e
foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), onde participou do
julgamento de inúmeros processos referentes a crimes políticos enquadrados na
Lei de Segurança Nacional. De maneira geral, sua posição foi enérgica. Votou a
favor da manutenção da prisão preventiva e do flagrante dos líderes
universitários Luís Travassos e José Dirceu de Oliveira e Silva, presos em
Ibiúna (SP) durante a realização do XXX Congresso da proscrita União Nacional
dos Estudantes (UNE) em outubro de 1968.
Aposentou-se
do STM em 1969, sendo nomeado para a presidência da Petrobras em novembro desse
ano, no início do mandato presidencial do general Emílio Garrastazu Médici.
Na presidência da Petrobras
Durante sua gestão, a Petrobras diminuiu a perfuração
exploratória em território nacional, que vinha apresentando resultados pouco
animadores, incapazes de garantir um crescimento da produção no ritmo do
aumento do consumo. Em contrapartida, a empresa passou a investir mais em
atividades de rentabilidade segura, como a refinação e distribuição de derivados,
e a perfuração em países ricos em óleo, criando para isso uma nova subsidiária,
a Braspetro, Petrobras Internacional S.A. Os resultados mais expressivos
obtidos no período foram a perfuração do primeiro poço na foz do rio Amazonas
(janeiro de 1970); a criação da Disbrás, subsidiária destinada à distribuição
de derivados de petróleo (julho de 1971); a descoberta de petróleo no município
capixaba de São Mateus (janeiro de 1972) e na plataforma continental de
Sergipe, com a criação do campo de Caioba (fevereiro de 1972); a inauguração da
refinaria de Paulínia (SP) e da usina protótipo de Irati, no município
paranaense de São Mateus do Sul (1972); a produção do primeiro barril de óleo
de xisto em escala semi-industrial no Brasil; a construção de um gasoduto de 230km
a partir do campo de Caioba (janeiro de 1973); o início da implantação da
refinaria do Paraná, com capacidade para processar 20.000m3 de petróleo por dia, e a entrada
em operação da unidade de lubrificantes de origem paratínica da Refinaria Duque
de Caxias (junho de 1973).
Em 18 de junho de 1973, Geisel foi oficialmente lançado pelo
general Médici como candidato à sucessão presidencial. A imprensa sabia dessa
escolha desde alguns meses, mas não divulgara a notícia por causa da censura
imposta na época aos meios de comunicação.
Deixando a presidência da Petrobras no dia 11 de julho, em
seu discurso de despedida Geisel afirmou que se opusera às tentativas de
estender o monopólio estatal à distribuição de derivados de petróleo e à
petroquímica, pois este setor, “de acordo com a política governamental
estabelecida, cabe essencialmente ao capital particular... mediante associações
que incluam capitais estrangeiros vinculados, via de regra, com o aporte da
necessária tecnologia, além da proveitosa utilização da poupança externa em
nosso desenvolvimento”. Afirmou ainda que “o monopólio legal atribuído à
Petrobras não constitui uma finalidade, mas é apenas um meio de ação” para
assegurar ao país o necessário abastecimento de petróleo e derivados e que “a
auto-suficiência da produção nacional de petróleo, por mais desejável que seja,
não é missão básica da empresa, porque ela é função de fatores e circunstâncias
aleatórias, independentes da nossa vontade”.
Na presidência da República: a distensão
No
dia 14 de setembro de 1973, a Arena homologou por unanimidade as candidaturas
de Geisel para a presidência e do general Adalberto Pereira dos Santos para a
vice-presidência da República. Ambos foram eleitos pelo Colégio Eleitoral em 15
de janeiro de 1974, recebendo quatocentos votos contra 76 dados ao deputado
Ulisses Guimarães e ao jornalista Alexandre Barbosa Lima Sobrinho,
auto-intitulados “anticandidatos” do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em
protesto contra a forma da eleição. Houve, ainda, 21 abstenções.
Os
editoriais e principais colunas políticas dos grandes jornais do Rio e São
Paulo transmitiram uma expectativa otimista em relação à posse do novo governo,
ocorrida em 15 de março de 1974. Durante o mandato do presidente Emílio Médici,
as restrições às liberdades públicas e as denúncias sobre violação dos direitos
humanos haviam atingido níveis inéditos em relação a seus antecessores, fazendo
com que o projeto liberalizante apresentado por Geisel abrisse novas
oportunidades para o diálogo com a oposição, a Igreja e setores intelectuais.
No dia 19 de março, o presidente se reuniu pela primeira vez
com seu ministério, composto pelo general Golberi do Couto e Silva (Gabinete
Civil), general Hugo Abreu (Gabinete Militar), general Vicente de Paulo Dale
Coutinho (Exército), almirante Geraldo Henning (Marinha), brigadeiro Joelmir de
Araripe Macedo (Aeronáutica), Mário Henrique Simonsen (Fazenda), Armando Falcão
(Justiça), Antônio Francisco Azeredo da Silveira (Relações Exteriores), Arnaldo
Prieto (Trabalho), Nei Braga (Educação e Cultura), Alisson Paulinelli
(Agricultura), Dirceu Nogueira (Transportes), Euclides Quandt de Oliveira
(Comunicações), Shigeaki Ueki (Minas e Energia), Severo Gomes (Indústria e
Comércio), Paulo Machado (Saúde), João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento) e
Maurício Rangel Reis (Interior). Nesse momento ainda não fazia parte do
ministério o general João Batista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de
Informações (SNI), cujo cargo passaria a ser considerado equivalente ao de
ministro somente a partir de 1º de maio seguinte.
Nessa
reunião, referindo-se aos atos institucionais que haviam regulamentado nos anos
anteriores as medidas de exceção, Geisel declarou que “almejava vê-los não
tanto em exercício duradouro ou freqüente, mas como potencial de ação
repressiva ou de contenção mais enérgica, até que se vejam superados pela
imaginação política criadora, capaz de instituir, quando for oportuno,
salvaguardas eficazes e remédios prontos e realmente eficientes do contexto
constitucional”. Dez anos depois, reafirmou, em entrevista à Folha de S.
Paulo, que já assumira o governo com a disposição de revogar os atos
institucionais, principalmente o AI-5, até o final de seu mandato.
Ao
mesmo tempo, a postura centralizadora que marcaria sua relação com seus
auxiliares diretos ficou clara quando lhes comunicou que enviaria ao Congresso
projetos de lei transformando o Ministério do Planejamento em Secretaria do
Planejamento, adjunta à Presidência da República, e criando o Conselho de
Desenvolvimento Econômico (CDE) e o Ministério da Previdência Social.
Pouco
depois, Geisel demonstrou sua disposição de preservar sua autoridade e, ao
mesmo tempo, demarcar a diferença entre seu governo e o anterior, orientando o
procurador-geral da República para denunciar o deputado federal baiano
Francisco Pinto, do MDB, como incurso na Lei de Segurança Nacional por ofensas
ao general Augusto Pinochet, presidente do Chile, que viajara ao Brasil para
assistir à posse do novo governo. Dessa forma, deixou de utilizar as medidas
excepcionais previstas pelo AI-5, ainda em vigor, mas obteve através do Supremo
Tribunal Federal (STF) a condenação do réu a seis meses de prisão.
Outro teste inicial da nova política ocorreu com a
aproximação do dia 10 de abril de 1974, quando terminaria o prazo de suspensão
dos direitos políticos da primeira lista de pessoas cassadas pelo AI-1,
inclusive os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. O clima de
apreensão existente levou o ministro Armando Falcão a anunciar pela televisão
que “quem houvesse sido punido e, na vigência da punição e depois dela
estivesse entregue ao trabalho individual pacífico, sem perturbar o processo
revolucionário, poderia permanecer como se encontrava”.
No dia 17 de maio, Geisel viajou até Foz do Iguaçu (PR) para
encontrar-se com o presidente paraguaio Alfredo Stroessner e empossar a direção
da Companhia Hidrelétrica de Itaipu, empresa binacional voltada para o
aproveitamento do potencial energético do trecho do rio Paraná situado na
fronteira entre Brasil e Paraguai. Nesse mesmo dia, o general Sílvio Frota
assumiu o Ministério do Exército em substituição a Dale Coutinho,
recém-falecido. No dia 30, Luís Gonzaga do Nascimento e Silva assumiu o
recém-criado Ministério da Previdência Social.
Em
discurso pronunciado no dia 29 de agosto e considerado pela imprensa na época
como o mais importante desde o início de seu governo, Geisel definiu de forma
mais clara seu projeto político como de “distensão lenta, gradual e segura”.
Traduzindo o tradicional binômio “desenvolvimento e segurança” formulado pela
ESG, esse projeto defendia “o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo
de segurança indispensável”. Ao aplicá-lo, Geisel iria continuar uma política
de abertura com freqüentes reafirmações de sua autoridade e seu controle sobre
o processo em curso.
A política externa pragmática
Desde
o início do seu governo, Geisel imprimiu nova orientação à política externa
brasileira, privilegiando a abertura de novas oportunidades para o comércio
exterior. O alinhamento automático com os Estados Unidos e a concepção das
“fronteiras ideológicas” que dividiam o mundo em blocos relativamente
monolíticos deram lugar ao chamado “pragmatismo responsável”, com sensível
modificação da política brasileira nos foros internacionais e na importância
atribuída às relações com países da África e da Ásia. Como conseqüência, o
Brasil tornou-se o primeiro país a reconhecer o governo português formado em
seguida à derrubada da ditadura salazarista no dia 25 de abril de 1974,
estabeleceu relações diplomáticas com os Emirados Árabes e o Bahrein em junho
e, em 18 de julho seguinte, apoiou o ingresso de Guiné Bissau na Organização
das Nações Unidas (ONU), reconhecendo assim a independência dessa antiga
colônia portuguesa. Em julho, foram estabelecidas relações diplomáticas com
Omã.
Percebendo a necessidade de “realinhamentos inevitáveis” na
política externa, a Presidência da República e o Itamarati realizaram um
trabalho de preparação junto ao Conselho de Segurança Nacional, à ESG e outras
instituições formuladoras das estratégias nacionais para embasar a principal
decisão do governo nesse período: o reatamento das relações diplomáticas com a
República Popular da China, realizado em 15 de agosto de 1974 durante a visita
de uma missão desse país ao Brasil. Na mesma data, foi firmado um compromisso
comercial entre os dois países, e pouco depois, como já era esperado, a China
Nacionalista (Formosa ou Taiwan) rompeu relações com o Brasil.
Em 4 de setembro seguinte, o chanceler Azeredo da Silveira
recebeu seu colega da Árabia Saudita e, em seguida, anunciou outra modificação
na política externa brasileira, pedindo a retirada de Israel dos territórios
árabes ocupados em 1967 e o reconhecimento dos direitos do povo palestino.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento
As
principais metas da política econômica do governo Geisel foram definidas no II
Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), aprovado pelo Congresso no segundo
semestre de 1974. Pretendendo ajustar o funcionamento da economia nacional ao
impacto da crise do petróleo e ao novo patamar alcançado pela indústria durante
o “milagre brasileiro”, o plano dava ênfase especial à diminuição da
dependência do país das fontes externas de energia e, ao mesmo tempo,
considerava prioritário o desenvolvimento das indústrias básicas, das
comunicações, ferrovias, navegação e portos. Esses setores deveriam ser
cobertos pela ação governamental direta, pois demandavam investimentos
gigantescos, com longo prazo de maturação e baixa rentabilidade relativa,
ficando garantido ao setor privado o fornecimento de equipamentos e
matérias-primas, com ênfase especial nas empresas nacionais. A presença maciça
de capital estrangeiro nas áreas de infra-estrutura devia ser evitada,
estimulando-se em compensação seu crescimento nos setores considerados não
básicos, onde a taxa de lucro era maior.
As
posições defendidas no II PND estimularam o debate sobre o papel do capital
estrangeiro no país. O industrial Severo Gomes, titular da pasta da Indústria e
Comércio e conhecido defensor do capital nacional, chegou a afirmar que o
governo estava “atento para o perigo que representa a vinda das indústrias
estrangeiras melhor equipadas para concorrerem com as empresas aqui estabelecidas”.
As eleições de 1974
A
despeito das eleições indiretas de outubro de 1974, em que as assembléias
legislativas estaduais elegeram governadores indicados pelo governo, todos da
Arena, com a abstenção ou a ausência do MDB, as eleições de novembro para a
renovação das assembléias legislativas, da Câmara dos Deputados e de 1/3 do
Senado foram um marco na evolução da política de distensão. Geisel garantiu uma
dose de liberdade de propaganda inexistente desde a edição do AI-5, inclusive
com a utilização da televisão por todos os candidatos de ambos os partidos
durante os dois meses que antecederam o pleito. Esse fato, aliado ao
esgotamento do chamado “milagre brasileiro” e à opção pela luta eleitoral dos
agrupamentos de esquerda que antes advogaram o voto nulo, conduziu, entre
outros fatores, a uma importante vitória da oposição, que elegeu 16 senadores
contra seis do partido governista. O MDB venceu nos principais estados do país,
como São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco,
surpreendendo o governo e todas as correntes políticas atuantes.
Com esse resultado, a bancada arenista no Senado caiu de 59
para 46 cadeiras, enquanto a do MDB aumentou de sete para 20. Na Câmara, a
Arena diminuiu sua bancada de 223 para 199 deputados e a oposição passou de 87
representantes para 165. No dia 30 de dezembro, Geisel fez um pronunciamento ao
país, afirmando que o governo registrava o resultado eleitoral sem
ressentimentos.
Apesar da política de distensão, os órgãos de segurança continuaram
atuantes nesse período contra as organizações clandestinas, centrando sua ação
principalmente sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que havia sido menos
atingido nos anos anteriores. Houve denúncias, veiculadas pela imprensa, sobre
o desaparecimento de 14 dirigentes desse partido, presos ainda em 1974, mas a
principal ofensiva policial ocorreu em janeiro de 1975, quando foi descoberta a
gráfica clandestina do PCB, instalada no subterrâneo de uma casa no subúrbio de
Campo Grande, no Rio. O ministro Armando Falcão compareceu em seguida à
televisão para reafirmar oficialmente que “o PCB, o comunismo e a subversão não
terão mais vez nesse país”.
Pressionado pelo MDB e por entidades civis, o ministro da
Justiça divulgou em 7 de fevereiro de 1975 a versão oficial sobre a situação de 26 oposicionistas considerados desaparecidos, afirmando que sete estavam em
liberdade, seis foragidos, dois na clandestinidade, um banido, um morto, um
localizado e quatro tinham destino ignorado. Mesmo assim, continuou havendo um
consenso entre a imprensa e outros setores representativos da sociedade de que
essas pessoas haviam sido mortas pelos órgãos de repressão. Pouco depois,
entretanto, a política de distensão deu um passo importante com a suspensão da
censura prévia a O Estado de S. Paulo, medida que só seria estendida
mais tarde aos órgãos da chamada imprensa alternativa, como O Pasquim,
Opinião e Movimento.
As primeiras utilizações do AI-5 por Geisel
Em
abril de 1975, a Assembléia Legislativa do Acre rejeitou, por duas vezes, os
nomes propostos pelo governador para o cargo de prefeito da capital, provocando
violenta reação do governo federal, que utilizou pela primeira vez os poderes
excepcionais previstos pelo AI-5 e decretou intervenção federal no município de
Rio Branco. Na mesma ocasião, o presidente utilizou o AI-5 para punir um juiz,
um escrivão e um tenente da Aeronáutica envolvidos em corrupção no território
de Rondônia.
A intervenção em Rio Branco causou apreensão tanto na Arena quanto no MDB, cujo secretário-geral, deputado Tales Ramalho, divulgou nota
oficial afirmando que essa medida não servia para “o aprimoramento das
instituições democráticas e, muito menos, à política de distensão reiterada em
tantos pronunciamentos pelo presidente da República”. Geisel voltaria a
utilizar o AI-5 mais duas vezes ainda em 1975, para cassar em 1º de julho o
mandato e os direitos políticos do senador pernambucano Wilson Campos, da
Arena, acusado de corrupção, e confiscar os bens do grupo J. J. Abdala em 15 de
setembro, por irregularidades administrativas e acúmulo de dívidas superiores a
seis bilhões de cruzeiros.
O acordo nuclear com a Alemanha
No
dia 29 de maio de 1975, o chanceler Azeredo da Silveira revelou que havia
entendimentos em curso para a construção de reatores nucleares no Brasil com
base em tecnologia alemã. Esta declaração causou grande impacto no país, pois
nem a comunidade científica nem os partidos políticos estavam informados das
negociações. A repercussão no exterior também foi significativa devido à
posição dos Estados Unidos e da União Soviética, contrárias à difusão da
tecnologia nuclear para países, como o Brasil, não signatários do Tratado de
Não-Proliferação de Armas Atômicas.
Apesar dessas resistências, o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha
foi assinado em Bonn no dia 27 de junho de 1975, envolvendo, até 1990, uma
quantia estipulada entre dez bilhões de dólares para a construção de oito
centrais nucleares, uma usina de enriquecimento de urânio e empresas para o
reprocessamento do combustível atômico, além de trabalhos de prospecção de
minérios radioativos. Para a implementação do acordo, foram criadas diversas
empresas binacionais, ligadas, no lado brasileiro, à Nuclebrás.
O
governo Geisel saudou este acontecimento como uma grande vitória diplomática do
Brasil, afirmando que o acordo garantia a autonomia energética do país até as
primeiras décadas do século XXI. Mesmo assim, o projeto foi duramente criticado
por setores da comunidade científica e da oposição principalmente devido à
centralização das decisões, à pequena transferência de tecnologia para o
Brasil, à existência de um vasto potencial hidrelétrico ainda não aproveitado e
ao considerável aumento provocado na dívida externa do país.
A crise econômica e os contratos de risco
A
queda na taxa de crescimento econômico do país, o impacto da crise do petróleo,
o significativo aumento da dívida externa e o desequilíbrio do balanço de
pagamentos compunham nessa época um quadro de dificuldades crescentes e, a
curto prazo, insolúveis na economia brasileira. As metas do II PND tornaram-se
inatingíveis, levando setores do próprio governo a defenderem a adoção de um
plano de emergência capaz de redefinir os rumos da política econômica e
reorientar os investimentos públicos, então comprometidos com pesadas obras de
infra-estrutura que necessitariam de larga maturação.
Nesse
contexto, apareceram divergências entre os ministros Mário Henrique Simonsen
(da Fazenda) e Severo Gomes (da Indústria e Comércio), principalmente em torno
do tratamento a ser dispensado ao capital estrangeiro. Em julho de 1975, Severo
conseguiu impedir que a multinacional Philips adquirisse o controle acionário
da Consul, empresa brasileira de eletrodomésticos. Na reunião do CDE realizada
em 29 de setembro seguinte sob a presidência de Geisel, Simonsen apresentou
suas Notas sobre o problema do capital estrangeiro no Brasil e
defendeu liberdade de ação para as empresas multinacionais, sendo contestado por
Severo, que propunha a adoção de mecanismos capazes de garantir um estilo de
desenvolvimento menos dependente para o Brasil.
Os
problemas do balanço de pagamentos com o exterior tornavam-se cada vez mais
graves diante da dificuldade de reduzir significativamente a pauta de
importações (composta em grande parte por petróleo, máquinas, equipamentos e
insumos básicos) ou aumentar as exportações em um período de crise econômica
internacional. Nesse contexto, uma das medidas estudadas pelo governo foi a adoção
de contratos de risco entre a Petrobras e empresas estrangeiras para a
prospecção de petróleo na plataforma continental do país. Apesar da posição
contrária de Severo Gomes e de Azeredo da Silveira, expressa em reunião do
ministério, Geisel fez um dramático pronunciamento à nação no dia 9 de outubro
para anunciar a autorização àqueles contratos. Enfatizou então que o monopólio
estatal previsto em lei não devia ser entendido como um fim em si mesmo, mas
sim um meio para “assegurar, nas melhores condições possíveis, o abastecimento
nacional de petróleo”. A comissão executiva nacional do MDB divulgou em seguida
nota oficial de repúdio a essa medida, reclamando da rapidez e da forma
centralizada com que fora adotada e reiterando sua crítica a toda a política econômica
em vigor. Pouco depois, o ministro da Justiça enviou circular a todos os
governadores proibindo a realização de manifestações públicas de protesto.
Novos passos da política externa pragmática
Na segunda quinzena de outubro e nos primeiros dias de
novembro de 1975, Geisel tomou uma série de decisões aprofundando a linha
pragmática de sua política externa, algumas das quais contestadas pelos setores
mais conservadores do próprio governo. Em 17 de outubro, a Companhia Brasileira
de Entrepostos e Comércio fechou um contrato de exportação de trezentas mil
toneladas de soja para a União Soviética e, no dia seguinte, a delegação
brasileira na ONU votou a favor de uma moção que condenava o sionismo como uma
forma de discriminação racial, provocando uma nota oficial de desaprovação
enviada ao Itamarati pelo governo norte-americano. Nessa ocasião, foi
amplamente divulgado que a mudança da posição brasileira em relação ao Oriente
Médio estava ligada à necessidade de aproximação com os países árabes
exportadores de petróleo, inimigos de Israel. Segundo o Jornal do Brasil de
14 de março de 1976, o chanceler Azeredo da Silveira teria declarado a Henry
Kissinger, seu colega norte-americano, que “se vocês tivessem um milhão de
barris de petróleo para nos fornecer diariamente, talvez essa mudança não fosse
tão brusca”.
No dia 5 de novembro de 1975, o Brasil votou a favor de um
projeto de resolução da ONU que condenava o regime racista da África do Sul e
recomendava a suspensão do fornecimento de matérias-primas estratégicas para
esse país. A decisão mais controversa desse período, entretanto, foi o
reconhecimento, em 10 de novembro, do governo angolano em fase de implantação
pelo pró-comunista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), cujas
forças militares, apoiadas por tropas cubanas, estavam derrotando no campo de
batalha os outros dois grupos rivais, a Frente Nacional de Libertação de Angola
(FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), as
quais, por sua vez, lutavam ao lado de contingentes da África do Sul e recebiam
apoio material dos Estados Unidos, de outras nações ocidentais e da China.
Adotando de forma quase imediata o parecer de seu representante em Luanda,
ministro Ovídio de Andrade Melo, o governo brasileiro tornou-se o primeiro a
reconhecer a República Popular de Angola, proclamada pelo MPLA pouco depois de
consolidar seu controle sobre a capital do país. Apesar de duramente criticada
na ocasião, essa decisão foi fortalecida pela evolução da guerra civil,
favorável ao MPLA, e o posterior reconhecimento do novo governo angolano pela
maioria dos países do mundo. Em 14 de novembro, o Itamarati anunciou o
estabelecimento de relações diplomáticas a nível de embaixada com Moçambique,
outra antiga colônia portuguesa na África e também governada nessa época pelos
líderes da guerrilha de tendência marxista.
Em relação à América Latina, Geisel assinou um tratado de
amizade e cooperação com o Paraguai, abrindo linhas especiais de crédito para
esse país comprar bens de capital no Brasil e conferindo às empresas paraguaias
o direito de pesca no mar territorial brasileiro.
Os primeiros confrontos com a “linha dura” militar
A
ofensiva dos órgãos de repressão contra o PCB continuou durante todo o segundo
semestre de 1975, produzindo centenas de prisões, principalmente em São Paulo. No dia 26 de outubro de 1975, o general Ednardo Dávila Melo, comandante do II
Exército, distribuiu nota oficial comunicando que o jornalista Vladimir Herzog
fora encontrado morto por enforcamento em uma das celas do Centro de Operações
para a Defesa Interna, ligado ao Departamento de Operações Internas e conhecido
pela sigla DOI-CODI, organismo militar responsável pela coordenação dos
diversos centros de polícia política em cada região. Herzog era
diretor-responsável do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo e
editor de cultura da revista Visão. Sua morte causou grande
impacto na opinião pública, que colocou sob suspeição a versão oficial.
Segundo
os jornalistas André Gustavo Stumpf e Merval Pereira Filho, Geisel designou
imediatamente o coronel Gustavo de Morais Rego, seu assessor, para apurar a
verdade e cuidar para que os outros jornalistas convocados pelo DOI-CODI só se
apresentassem com garantias. De acordo com as fontes citadas, o secretário de
Imprensa da Presidência da República, Humberto Barreto, revelou então pela
primeira vez o clima de confrontação existente entre o presidente e os órgãos
de repressão política, especialmente os de São Paulo, contestadores da
distensão e ligados ao ministro do Exército, general Sílvio Frota. Barreto
chegara a pedir demissão de seu cargo, mas fora convencido a permanecer pelo
próprio Geisel, que revelara necessitar de pessoas fiéis para desarticular o
esquema adversário.
Com a aproximação da missa de sétimo dia por Vladimir Herzog,
o ministro Golberi do Couto e Silva transmitiu recomendações aos jornalistas
paulistas para que não aceitassem provocações capazes de radicalizar ainda mais
a situação. A missa, rezada pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo
Evaristo Arns, reuniu milhares de pessoas na catedral da Sé em um ambiente de
grande tensão, acabando por tornar-se a primeira manifestação política de
envergadura contra o governo. No Rio, o cardeal-arcebispo dom Eugênio Sales
proibiu a realização do culto que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
pretendia promover na igreja de Santa Luzia.
Apesar
desse episódio, a ofensiva contra o PCB continuou. No dia 15 de novembro, a
imprensa publicou um relatório da 5ª RM sobre a prisão de 67 membros desse
partido no Paraná e, oito dias depois, foi a vez do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS) paulista divulgar um extenso documento sobre as
atividades dos comunistas nesse estado, envolvendo 105 nomes de militantes e
simpatizantes, entre os quais os deputados Marcelo Gato, federal, e Alberto
Goldman e Nélson Fabiano Sobrinho, estaduais, eleitos na legenda do MDB.
Em fins de 1975, Geisel foi homenageado com um almoço no
quartel-general do Exército, ao qual compareceram 117 oficiais-generais das
três armas. Na ocasião, o ministro Sílvio Frota discursou afirmando o apoio
“franco e irrestrito” dos militares ao presidente e a impossibilidade de que
“intrigas ou pessimismos... possam dividir-nos ou abalar nossa lealdade ao
chefe do governo”. Entretanto, essa harmonia foi quebrada logo no mês seguinte,
em 19 de janeiro de 1976, com o anúncio da repetição do “caso Herzog”. Dessa
vez, a vítima foi o operário José Manuel Fiel Filho, também encontrado morto
por enforcamento — “com suas próprias meias”, segundo a versão oficial — nas
dependências do DOI-CODI do II Exército. O laudo pericial do Instituto
Médico-Legal, atestando suicídio, foi mais uma vez assinado pelo médico Harry
Shibata, mais tarde punido pelo Conselho de Medicina de São Paulo por falsidade
ideológica.
Eclodiu
então o segundo confronto aberto entre Geisel e a chamada “linha dura” militar.
O presidente viajou imediatamente para São Paulo e, com inusitada rapidez,
exonerou o general Ednardo Dávila do comando do II Exército, nomeando o general
Dilermando Gomes Monteiro para substituí-lo. Essa alteração foi seguida de uma
profunda mudança nos escalões intermediários, com a designação para comandos de
regimentos, brigadas e divisões sediadas na área do II Exército de oficiais
inteiramente ligados ao presidente, como o general José Fragomeni (que assumiu
o comando da 2ª Divisão de Exército), o general Fernando Guimarães de Cerqueira Lima (designado para a 12ª Brigada de Infantaria, sediada em
Caçapava), e o general Gustavo de Morais Rego (que passou a chefiar a 11ª
Brigada de Infantaria Blindada, com sede em Campinas). O general Ednardo Dávila
foi remanejado para o Departamento de Ensino e Pesquisa, mas se recusou a
assumir suas novas funções, pedindo transferência para a reserva.
As eleições de 1976 e a Lei Falcão
Apesar das dificuldades no campo econômico, o produto interno
bruto brasileiro cresceu 4,2% em 1975. Entretanto, o saldo negativo no balanço
de pagamentos e na balança comercial, junto com o aumento da dívida externa
para 28 bilhões de dólares e da taxa de inflação para 38% indicavam que a crise
estava em curso. Também no terreno político Geisel enfrentava adversidades.
Paralelamente aos confrontos com a extrema direita, a política de distensão
enfrentava também contradições com a oposição ao regime militar. O AI-5
voltou a ser utilizado em janeiro de 1976 para cassar o mandato e suspender por
dez anos os direitos políticos dos deputados Marcelo Gato e Nélson Fabiano
Sobrinho, acusados pelos órgãos de repressão de pertencerem ao PCB. Mesmo
assim, em discurso pronunciado por ocasião da abertura do ano legislativo em 1º
de março seguinte, Geisel reafirmou seu projeto de abertura e garantiu a
realização das eleições municipais previstas para o dia 15 de novembro desse
ano. Mas as cassações de mandatos continuaram, tendo atingido em 29 de março os
deputados federais gaúchos Nadir Rosseti e Amauri Müller, e três dias depois o
carioca Lisânias Maciel, que protestara contra aquelas medidas.
No
dia 1º de maio, Geisel participou em Volta Redonda (RJ) da cerimônia de início das obras da Ferrovia do Aço, prevista no II PND. Nos meses seguintes, entretanto,
ficou clara a impossibilidade de cumprir os objetivos definidos nesse plano, o
que causou a paralisação da construção da ferrovia e de outros investimentos e
fortaleceu a autonomia do ministro da Fazenda para redefinir os rumos da
política econômica, visando principalmente controlar a inflação e equilibrar o
balanço de pagamentos.
Em
6 de maio, o ex-presidente João Goulart morreu na Argentina. Geisel autorizou o
traslado do corpo para São Borja (RS), terra natal de Goulart, onde 30 mil
pessoas se reuniram para o enterro e ouviram discursos do deputado estadual
Pedro Simon, presidente da seção gaúcha do MDB, e do deputado federal mineiro
Tancredo Neves, representante do diretório nacional desse partido, pregando a
união nacional e a reconciliação “sem represálias”.
De posse de relatórios dos serviços de informação sobre a
influência dos meios de comunicação de massa na vitória eleitoral do MDB em
1974, o governo federal elaborou a chamada Lei Falcão, batizada com o nome do
ministro da Justiça e sancionada por Geisel em 24 de junho de 1976, reduzindo a
propaganda política no rádio e na televisão a níveis mínimos. Os candidatos não
poderiam aparecer ao vivo nesses veículos, que mostrariam apenas suas
fotografias enquanto um locutor lia o currículo de cada um.
No início de agosto, o jornal O Estado de S. Paulo iniciou
uma série de reportagens que obteve grande repercussão, tratando das regalias
colocadas à disposição dos altos funcionários da administração federal, como o
uso de aviões particulares, casas com piscina, verba de representação etc.
Esses artigos, popularizaram o termo “mordomia” para caracterizar vantagens
extraordinárias e desproporcionais ao trabalho realizado, e levaram o governo a
definir novas normas para seus funcionários de alta graduação. Pouco depois, o
presidente voltou a lançar mão do AI-5 para suspender por dez anos os direitos
políticos de cinco pessoas ligadas à administração estadual do Rio Grande do
Norte, acusadas de irregularidades administrativas, entre elas o
ex-governador José Cortez Pereira, e o deputado federal arenista Nei Lopes de
Sousa.
A morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ocorrida em
acidente automobilístico no dia 22 de agosto de 1976, desencadeou forte emoção
no país e levou Geisel a decretar luto oficial por três dias, na primeira
homenagem feita por um governo do ciclo pós-1964 a um político cassado. O corpo de Kubitschek foi velado no Rio por três mil pessoas e trasladado
a Brasília, onde cem mil pessoas acompanharam seu enterro cantando o Hino
Nacional e o Peixe Vivo, canção do folclore mineiro.
As relações entre o governo e a Igreja, problemáticas havia
vários anos, se tornaram mais tensas a partir do seqüestro, em 2 de setembro de
1976, de dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu (RJ), conhecido por seu
apoio às comunidades eclesiais de base (CEBA) e sua participação nos movimentos
populares da região. Dom Adriano e setores da oposição acusaram grupos ligados
aos órgãos de repressão pela autoria do crime e o jornal Movimento chegou
a divulgar em primeira página notícia nunca contestada que identificava o major
Zamith como chefe da operação, cujos autores permaneceram oficialmente
desconhecidos. No dia 12 de outubro seguinte, o padre João Bosco Penido Burnier
foi assassinado por um membro da guarnição da Polícia Militar de Ribeirão
Bonito (MT), o que provocou a destruição da cadeia local pela população e levou
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a divulgar nota exigindo a
apuração dos fatos. Em fins de outubro, Geisel conversou em Juiz de Fora (MG)
com dom Geraldo Penido, arcebispo local e primo do padre assassinado, que
afirmou depois a disposição demonstrada pelo presidente de acabar com torturas
e assassinatos praticados pelos órgãos de repressão.
Com a aproximação das eleições municipais de novembro, Geisel
se lançou pessoalmente no apoio à campanha arenista, visitando 45 municípios
espalhados por 16 estados. Embora o MDB tenha vencido o pleito nas
concentrações urbanas de maior parte, o partido governista compensou esse
resultado no interior e nas cidades pequenas, obtendo 53,58% dos votos válidos
no cômputo geral. No início de dezembro, o AI-5 foi acionado mais uma vez para
cassar o mandato do presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado
Leonel Júlio, da Arena, acusado de corrupção.
A abertura para a Europa e o Japão
Além
do estreitamento das relações com países da África negra — que resultou na
abertura de embaixadas em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné
Equatorial, Alto Volta, Lesoto —, em 1976 o Itamarati desenvolveu o intercâmbio
com a Europa e o Japão, buscando diversificar as fontes de capital e tecnologia
avançada para o Brasil. Em 25 de abril desse ano, Geisel tornou-se o primeiro
presidente brasileiro a visitar oficialmente a França. O comunicado conjunto
assinado pelos dois países anunciou um pacote de investimentos no Brasil da
ordem de dois bilhões e meio de dólares, com a previsão de que 2/3 dos
equipamentos necessários seriam adquiridos na própria indústria brasileira.
Além disso, o governo francês se comprometeu a liberar quinhentos milhões de
dólares para serem aplicados nas regiões Norte e Nordeste.
No dia 4 de maio de 1976, Geisel viajou à Inglaterra. Durante
sua visita, mais de 120 representantes de instituições financeiras de todo o
mundo assistiram a um seminário organizado pelo Banco Europeu sobre
investimentos no Brasil, com a participação de Ângelo Calmon de Sá (presidente
do Banco do Brasil), Paulo Lira (presidente do Banco Central) e Marcos Pereira Viana
(presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico). Como resultado
dessa visita, foram assinados diversos acordos de financiamento e transferência
de tecnologia, principalmente nos setores de siderurgia e metalurgia,
totalizando quase dois bilhões de dólares.
A viagem seguinte de Geisel, realizada em setembro de 1976,
foi ao Japão e resultou na criação de uma empresa de desenvolvimento agrícola
para promover culturas agrícolas na região do cerrado mineiro, contando com
recursos iniciais de 623 milhões de dólares, 49% dos quais de origem japonesa.
Além disso, a Companhia Vale do Rio Doce assinou contratos que elevaram as
exportações brasileiras de 17 milhões para 31 milhões de toneladas de minério
de ferro e asseguraram a venda de seis milhões de toneladas de minério
semi-industrializado ao Japão durante 15 anos. Ficou acertada também a
participação de 49% de capital japonês na implantação de uma fábrica de
alumínio (a Albrás) em Belém, o financiamento para a construção de um terminal
portuário para a exportação de minério e do primeiro estágio da usina
siderúrgica de Tubarão (ES), além da venda anual, também durante 15 anos, de
105 mil toneladas de polpa de celulose brasileira àquele país.
Durante
esta última viagem, Geisel conversou com jornalistas brasileiros e admitiu que
o país não vivia uma democracia plena. Ressaltou a necessidade de preencher
“certos requisitos econômicos para uma maior liberalização do regime” e
reconheceu que não podia garantir que essa transformação fosse completada durante
seu mandato ou mesmo no do seu sucessor.
Ainda em 1976, o Brasil participou da Conferência
Internacional de Apoio aos Povos do Zimbábue e da Namíbia, realizada em
Moçambique, e da Conferência Mundial de Ação contra o Apartheid,
realizada na Nigéria.
O acirramento de divergências no governo
Em
29 de dezembro de 1976, Geisel falou pela primeira vez a jornalistas
brasileiros sobre a política econômica do seu governo, admitindo que nesse
momento o país necessitava desenvolver uma agressiva política de exportação que
contrariava parcialmente as metas de crescimento do mercado interno
anteriormente definidas. Os investimentos públicos previstos pelo II PND para
1977 teriam que ser reduzidos em 25% para evitar a escalada da inflação
(estacionada em torno de 40%) e da dívida externa (cerca de 31 bilhões de
dólares), e controlar o déficit do balanço de pagamentos.
As
dificuldades econômicas e o prosseguimento da política de distensão
contribuíram para o acirramento das divergências dentro do primeiro escalão do governo.
No plano político, começaram a aparecer publicamente os problemas existentes
entre o presidente e o ministro do Exército, que em visita a guarnições de
Minas Gerais chegou a afirmar que os caminhos traçados pela revolução de 1964
estavam sendo esquecidos. Houve especulação em torno do afastamento do ministro
e da ligação desse fato com a sucessão presidencial, objeto de articulações nos
meios militares desde essa época. A candidatura do general Frota estava sendo
trabalhada principalmente pelos generais Ênio dos Santos Pinheiro
(secretário-geral do Ministério do Exército) e Jaime Portela (ex-chefe do
Gabinete Militar durante o governo Costa e Silva), causando atritos com Geisel.
Segundo Válder de Góis, no dia 2 de janeiro de 1977 o presidente foi advertido
pelo general Hugo Abreu de que importantes parcelas do Exército faziam
restrições à eventual indicação do general João Batista Figueiredo, colocando
em risco a unidade militar.
Nessa
mesma época, aumentaram os rumores sobre a demissão do ministro Severo Gomes,
publicamente identificado com o aprofundamento da abertura política e com a
mudança do modelo econômico vigente. Pouco antes, Severo havia pronunciado uma
conferência na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul propondo a
formação de “um pacto entre as pequenas e médias empresas e o governo... (para)
fortalecer politicamente a vida nacional e... controlar a atuação da empresa
estatal e estrangeira”. A atuação de Severo foi importante também na decisão de
enviar no início de fevereiro de 1977 a primeira delegação oficial do Brasil a
Cuba desde 1964, para participar de uma reunião do Grupo Executivo de Países
Latino-Americanos e do Caribe Exportadores de Açúcar. Dias depois, durante uma
recepção, Severo discutiu asperamente com o empresário Carlos Lousada, ligado
ao esquema dominante nos dois governos anteriores, que o acusara de “ministro
esquerdista”. O episódio foi levado à apreciação do governo através de Roberto
Médici, filho do ex-presidente Emílio Médici, e, pressionado através do general
Golberi do Couto e Silva, Severo pediu demissão no dia 8 de fevereiro, sendo
substituído por Ângelo Calmon de Sá.
Ainda na primeira quinzena de fevereiro de 1977, Geisel
voltou a utilizar o AI-5 duas vezes para cassar os mandatos dos vereadores
porto-alegrenses Glênio Peres e Antônio da Silva Klassmann, ambos do MDB, que
haviam protestado contra violações de direitos humanos e ausência de liberdades
no país.
No início de março, as relações entre o Brasil e os Estados
Unidos foram afetadas pela reação do governo Geisel às pressões de Washington
contra o Acordo Nuclear com a Alemanha e à leitura no Congresso norte-americano
de um relatório denunciando torturas e desaparecimento de cidadãos brasileiros.
Em resposta, o Brasil, através de seu embaixador João Batista Pinheiro,
denunciou o acordo militar assinado entre os dois países em 1952.
Discursando em comemoração aos seus três anos de governo,
Geisel reafirmou em meados de março sua fidelidade “aos princípios que
constituem a base doutrinária da Revolução” e advertiu que o progresso da
abertura política tinha que ser paulatino, gradual e lento, dando margem a
rumores de que o governo se preparava para introduzir modificações na
legislação eleitoral a fim de garantir a vitória da Arena no pleito parlamentar
de novembro do ano seguinte.
O “pacote de abril” de 1977
Em 30 de março, o anteprojeto elaborado pelo governo sobre a
reforma do Poder Judiciário foi levado à votação no Congresso e não obteve os
2/3 de votos necessários à sua aprovação. Geisel reuniu imediatamente o
Conselho de Segurança Nacional e, dois dias depois, anunciou ao país a decisão
de decretar o recesso do Congresso pelo Ato Complementar nº 102, acusando o MDB
de “minoria ditatorial”. Segundo os jornalistas André Gustavo Stumpf e Merval
Pereira Filho, o presidente sofreu nesse intervalo fortes pressões militares
para cassar os mandatos de 20 parlamentares, mas negou-se a fazê-lo sem
apresentação de motivos concretos. No dia 2 de abril, a comissão executiva do
MDB divulgou nota oficial repelindo as acusações do presidente e afirmando que
“em nenhum país democrático a rejeição de projeto de governo pelo parlamento
constitui razão para a decretação do recesso do Poder Legislativo”. No dia 6, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou oficialmente que resolvera “considerar-se em sessão
permanente a fim de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos que provocaram o
recesso do Congresso Nacional”.
Durante
os 14 dias em que o Congresso esteve fechado, o presidente decretou a reforma
do Judiciário pretendida pelo governo e baixou uma série de medidas de grande
alcance político, voltadas principalmente para garantir a preservação da
maioria governista no Legislativo e o controle sobre os cargos executivos em
todos os níveis. De acordo com esse conjunto de medidas, conhecido como “pacote
de abril”, o mandato presidencial passou a ter duração de seis anos a partir do
sucessor de Geisel, a eleição de governadores permaneceu indireta, os mandatos
de prefeitos e vereadores a serem eleitos em 1980 seriam de apenas dois anos,
para permitir a coincidência geral das eleições em 1982, 1/3 dos senadores
passou a ser eleito de forma indireta, as bancadas dos estados menos
desenvolvidos (onde a Arena obtinha melhores resultados) foram aumentadas, as
emendas constitucionais passaram a depender de maioria simples no Congresso
para serem aprovadas e as limitações à propaganda eleitoral previstas na Lei
Falcão foram estendidas às eleições gerais. Foram introduzidas ainda alterações
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com o objetivo de estender para 30
dias o período de férias dos empregados, além de outras medidas sobre aluguel,
impostos e concursos públicos.
No
dia 1º de maio, Geisel anunciou a criação do Conselho Nacional de Política do
Emprego, subordinado ao Ministério do Trabalho, e a concessão de um abono de um
salário mínimo para os trabalhadores que recebiam até cinco vezes esse valor e
estavam cadastrados há mais de cinco anos no Plano de Integração Social (PIS)
ou no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Em
entrevista concedida a jornalistas franceses pouco depois, o presidente usou
pela primeira vez a expressão “democracia relativa” para se referir ao regime
vigente no Brasil e, justificando as medidas adotadas em abril, afirmou que a
democracia brasileira não podia ser igual à francesa ou à inglesa, pois os
níveis de desenvolvimento econômico e social eram diferentes.
Em
junho, Geisel voltou a acionar o AI-5 para cassar os mandatos dos deputados
Marcos Tito, de Minas Gerais, e José Alencar Furtado, do Paraná, ambos do MDB.
O primeiro havia lido em fins de maio na câmara, sem citar a fonte, uma
adaptação de um editorial do jornal clandestino Voz Operária, órgão
oficial do PCB, e o segundo, líder da bancada oposicionista, criticava os
órgãos de repressão durante programa transmitido em cadeia nacional de rádio e
televisão. A repercussão deste programa levou Geisel a assinar posteriormente
(26/7) o Ato Complementar nº 104, suspendendo “em caráter provisório” o
dispositivo da Lei Orgânica dos Partidos que assegurava o acesso anual dos
partidos aos meios de comunicação.
Durante
todo o primeiro semestre de 1977, entidades civis e setores sociais —
especialmente o movimento estudantil — ampliaram sua atuação a favor da anistia
e de outras reivindicações democráticas. Os conflitos mais graves desse período
ocorreram na Universidade de Brasília, cujo campus foi ocupado por
contingentes militares a pedido do reitor José Carlos Azeredo, que expulsou 31
alunos e suspendeu 34 no dia 18 de julho. Com o reinício das aulas em 4 de
agosto, 938 estudantes impetraram habeas-corpus contra a presença de
tropas na universidade, apontando o reitor como autoridade coatora. Nesse
episódio Geisel teve que usar toda a sua força para desautorizar a linha
adotada pelos generais Hugo Abreu e Sílvio Frota, que apoiavam a ação de
caráter repressivo proposta pelo reitor e estavam de posse de uma lista de 30
estudantes que deveriam ser presos. Segundo os dois jornalistas anteriormente
citados, o presidente ouviu as ponderações do ministro da Educação, Nei Braga,
e pediu esse desdobramento, chegando a mandar através de Hugo Abreu um recado
para que o general Frota ficasse “fora disso de uma vez”.
Enfrentamento decisivo com a “linha dura”
A
candidatura do ministro do Exército à presidência da República continuou sendo
articulada durante o ano de 1977, chegando a obter o apoio de um grupo de
parlamentares, inclusive alguns integrantes do MDB. Os oficiais favoráveis a
Frota pretendiam tomar a dianteira no debate sucessório e, através da ameaça de
quebra da unidade militar, criar um fato consumado ao presidente, que
continuava a favor da escolha do general Figueiredo mas proibira qualquer
discussão sobre o assunto.
Ao mesmo tempo, a atuação de Frota à frente do
Ministério do Exército tornava-se mais autônoma em relação às diretrizes de
Geisel, como ficou demonstrado em fins de setembro de 1977 no episódio da
expulsão do ex-governador gaúcho Leonel Brizola do Uruguai, onde se encontrava
exilado desde 1964. Contatado por familiares de Brizola, Geisel chegou a
admitir sua volta ao Brasil, desde que o líder cassado permanecesse confinado
em algum lugar do território nacional. Sem consultar o presidente, Frota
decidiu o contrário e determinou que o III Exército deslocasse tropas para a
fronteira com o Uruguai a fim de impedir a entrada de Brizola no país. Essa
divergência de orientações causou grande irritação no presidente, mas na
reunião seguinte do Alto Comando do Exército o ministro obteve apoio da maioria
dos generais de quatro estrelas.
No início de outubro, a candidatura de Frota parecia ganhar
força e deter a iniciativa, levando seus articuladores a preparar para o dia 16
seguinte uma entrevista conjunta do marechal Odílio Denis, do almirante Augusto
Rademaker e do brigadeiro Márcio de Sousa e Melo, ex-ministros então na
reserva, que manifestariam publicamente seu apoio a Frota. Ao mesmo tempo,
corriam rumores em Brasília de que Geisel receberia um ultimato no dia 14 para
aderir a essa candidatura, cuja base de apoio político estava sendo
intensamente trabalhada pelos parlamentares que apoiavam. Frota contava ainda
com um relatório do Centro de Informações do Exército (CIEx) denunciando a
presença de 97 pessoas consideradas subversivas em cargos de confiança da
administração pública, que ele pretendia divulgar para comprovar seu ponto de
vista sobre os perigos de distensão.
De
posse destas informações, o presidente resolveu demitir o ministro do Exército
sem demora. O encontro dos dois ocorreu no dia 12 de outubro, ocasião em que os
principais chefes militares do país também foram chamados à capital federal e
recebidos no aeroporto por oficiais da confiança de Geisel. O presidente
conseguiu frustrar dessa forma a tentativa de Frota de reunir o Alto Comando
para resistir à demissão. Depois de algumas horas de grande tensão, a situação
militar se definiu a favor do presidente, que nomeou para o ministério o
general Fernando Bethlem, comandante do III Exército e considerado também
integrante da “linha dura”. No mesmo dia, o Gabinete Militar da Presidência da
República divulgou informações de que o novo ministro era o mais forte
candidato à sucessão presidencial.
Em
discurso pronunciado para as principais lideranças da Arena no dia 1º de
dezembro de 1977, Geisel reafirmou a continuidade do seu projeto político e
admitiu inclusive a substituição dos mecanismos excepcionais do AI-5 por
“salvaguardas constitucionais” capazes de garantir a segurança do Estado. Na
ocasião, o presidente oficializou a chamada missão Portela, encarregada de
negociar com setores representativos da sociedade a adoção de reformas
político-institucionais no sentido da liberalização do regime. Com esse
objetivo, o presidente do Senado, Petrônio Portela, estabeleceu entendimentos
inicialmente com a CNBB, a OAB, a ABI e entidades sindicais de empregados e
empregadores para, mais tarde, negociar com o MDB.
A definição do quadro sucessório
No
dia 31 de dezembro de 1977, Geisel comunicou formalmente ao general Figueiredo
que o indicaria como seu sucessor. Havia, entretanto, diversos problemas
políticos tanto no meio civil quanto no militar a serem resolvidos para
consolidar essa escolha. O senador mineiro José de Magalhães Pinto trabalhava
abertamente para obter maioria na convenção da Arena para sua própria
indicação. No início de janeiro de 1978, o general Hugo Abreu entregou ao
presidente um documento criticando duramente o grupo que articulava a
candidatura do chefe do SNI, incapaz, a seu ver, de unir o Exército. Na lista
de oito nomes apresentados no documento, Figueiredo ocupava o último lugar,
precedido dos generais Bethlem, Samuel Alves Correia, Dilermando Monteiro,
Reinaldo Melo de Almeida e Euler Bentes Monteiro, do ex-governador do Paraná
Nei Braga e do governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves.
No
dia 4 de janeiro, o presidente criticou o relatório e reafirmou sua escolha
perante o general Hugo Abreu, que, por sua vez, ampliou suas críticas ao grupo
pró-Figueiredo (citando nominalmente o ministro Golberi e os secretários Heitor
Ferreira e Humberto Barreto) e pediu demissão do Gabinete Militar, sendo
substituído pelo general Gustavo de Morais Rego. No dia seguinte, o presidente
formalizou a indicação da chapa Figueiredo-Aureliano Chaves, afirmando que buscara
pessoas capazes de “levar adiante o processo de institucionalização e eliminar
as leis de exceção vigentes no país” definindo “a trajetória que nossa
revolução vai seguir daqui por diante”. Preocupado em consolidar essa
indicação, Geisel teve que usar toda a sua autoridade para que o Alto Comando
do Exército incluísse o nome de Figueiredo em primeiro lugar na lista de
generais-de-divisão que poderiam receber a quarta estrela em março de 1978,
condição importante para aumentar o respaldo militar do candidato, que ocupava
nessa época o quinto lugar na ordem normal de promoções ao posto máximo da
hierarquia. Vitorioso por seis votos contra quatro, o presidente promoveu
Figueiredo a general-de-exército em 31 de março, data do 14º aniversário do
movimento político-militar de 1964, preterindo nessa mesma ocasião o general
Hugo Abreu, segundo na ordem normal prevista pelo Almanaque do Exército.
Pouco depois, Magalhães Pinto desistiu de concorrer à
indicação na convenção da Arena, que homologou no dia 8 de abril as
candidaturas indicadas pelo palácio do Planalto.
Ao lado das contradições internas ao próprio regime, o
governo enfrentava também o crescimento da luta pela anistia, apoiada por
importantes setores da sociedade, e os primeiros sinais de reanimação do
movimento operário depois de uma paralisia de muitos anos. Em maio, os
metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) realizaram com êxito a primeira
greve dessa categoria desde 1964, projetando o presidente do seu sindicato,
Luís Inácio da Silva, o Lula, como uma nova liderança no cenário nacional.
No
terreno político, o governo respondeu a esse conjunto de pressões com o envio
ao Congresso, em junho, de um pacote de medidas que buscavam garantir a
continuação da política de abertura dentro dos limites definidos pelo próprio
regime. A proposta incluía a revogação do AI-5 e do Decreto-Lei nº 477 (que
previa a expulsão de estudantes por motivos políticos); a inserção de novas
medidas de emergência na Constituição; a transferência para o STF da
responsabilidade de cassar mandatos parlamentares, com base em denúncias
enviadas pelo Executivo; a permissão para o reinício das atividades políticas
dos cidadãos cassados havia mais de dez anos; o restabelecimento do habeas-corpus
para crimes políticos; a abolição das penas de morte, prisão perpétua e
banimento; o abrandamento das penas previstas na Lei de Segurança Nacional; a
diminuição das exigências para a criação de novos partidos e a restauração do
voto em separado do Senado e da Câmara na apreciação das emendas constitucionais.
Geisel usou de grande energia para conseguir a aprovação desse conjunto de
medidas, exigindo sua votação em bloco sem a apresentação de emendas. Segundo o
Jornal do Brasil, o presidente chegou a comunicar aos líderes da
maioria no Congresso sua disposição de outorgar as reformas e realizar novas
cassações de mandatos caso o Legislativo rejeitasse o projeto.
No dia 4 de agosto, o governo sancionou o Decreto-Lei nº
1.632, transferindo da Lei de Segurança Nacional para a legislação trabalhista
o julgamento de movimentos grevistas. Em 3 de setembro, como era
previsto, a Arena elegeu por via indireta 20 governadores estaduais, cabendo ao
MDB apenas o governo da Guanabara, onde a oposição era majoritária no Colégio
Eleitoral. O único caso em que a Arena escolheu seu candidato contra os desejos
do palácio do Planalto foi o de São Paulo, onde Lauro Natel foi preterido por
Paulo Salim Maluf. No dia 20 de setembro, o Congresso aprovou por 241 a 145 as reformas políticas apresentadas em junho pelo governo. Apesar das pressões, o senador
paranaense Acióli Filho, da Arena, apresentou uma emenda propondo a extinção da
figura dos senadores eleitos por via indireta (os “biônicos”), mas foi
derrotado por 178 a 131.
Depois
de vencer as etapas da adoção das primeiras reformas político-institucionais
básicas, da oficialização da candidatura do general Figueiredo e do
equacionamento da sucessão nos estados — tudo isso sem utilizar medidas de
exceção —, a política de Geisel estava fortalecida para enfrentar a oposição
articulada em torno da Frente Nacional pela Redemocratização, que buscou
agrupar no segundo semestre de 1978, além do MDB, setores militares
descontentes e políticos arenistas dissidentes em torno das candidaturas do
general Euler Bentes e do senador gaúcho Paulo Brossard para a presidência e
vice-presidência da República. No dia 15 de outubro, a chapa oficial foi eleita
por 355 votos contra 226 dados à oposição garantindo assim mais um mandato presidencial
para o grupo que, dentro do próprio regime, patrocinava a política de distensão
gradual.
O desafio seguinte enfrentado por essa política foram as
eleições de 15 de novembro para a renovação das assembléias
legislativas, da Câmara dos Deputados e de 1/3 do Senado já que outro 1/3 foi
eleito indiretamente, garantindo assim a maioria governista). Geisel participou
intensamente da campanha da Arena, que elegeu 15 senadores e 228 deputados
federais contra 8 senadores e 196 deputados do MDB. Entretanto, a oposição
venceu na soma total de votos para o Senado (17 milhões e quatrocentos mil
contra 13 milhões e cem mil dados à Arena) e permaneceu majoritária nos
principais estados do país, levando o vice-presidente eleito, Aureliano Chaves,
a pedir para o governo “não tapar o sol com a peneira”, ou seja, admitir a nova
correlação de forças no Congresso.
No
dia 29 de dezembro de 1978, Geisel instruiu o Itamarati para facilitar a
concessão de passaportes e títulos de nacionalidade a brasileiros que viviam
fora do país por motivos políticos e revogou os atos de banimento de mais de
cem exilados que haviam saído das prisões em troca de embaixadores estrangeiros
seqüestrados nos anos anteriores. A lista de nomes indesejáveis elaborada pelo
SNI foi substancialmente reduzida, mas o governo continuou se negando a
conceder a anistia reclamada pela oposição e importantes entidades civis.
Atuação na política externa em 1978
Em
janeiro de 1978, Geisel passou quatro dias no México em visita oficial que
resultou em um comunicado conjunto em defesa de uma nova ordem econômica
internacional, do desarmamento e da soberania plena de cada país sobre seus
recursos econômicos. Nessa viagem, o presidente brasileiro se referiu às
divergências com os Estados Unidos, afirmando que se devia procurar aumentar a
integração deste país com o conjunto da América. Pouco depois, Geisel visitou o
Uruguai e, no início de março, foi à Alemanha, reafirmando a disposição de
levar à frente o programa nuclear.
No final desse mês, o presidente dos Estados Unidos, Jimmy
Carter, visitou o Brasil, onde se encontrou com religiosos, jornalistas,
advogados e outros representantes de setores que lutavam pelos direitos humanos
no país. A recepção oficial ao visitante foi fria e o comunicado conjunto
aprovado deixava clara a existência de divergências entre os dois governos em
relação à política de direitos humanos e ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha.
Carter reafirmou seu compromisso “com a promoção dos direitos humanos e das
liberdades democráticas como fundamento do processo de construção de um mundo
melhor”, enquanto Geisel defendeu “o papel essencial do desenvolvimento
econômico, social e político para que se alcance progresso nessa área”.
O
último contato direto de Geisel com chefes de Estado estrangeiros ocorreu
durante a visita ao Brasil do presidente da França, Valéry Giscard d’Estaing,
em 5 de outubro de 1978. Na ocasião, foram assinados vários acordos, inclusive
o de cooperação no projeto de construção da usina termoelétrica de Candiota
(RS).
Aspectos sociais e econômicos do governo Geisel
Petróleo, energia e insumos básicos foram os setores que
receberam maiores somas de investimento estatal durante o governo Geisel. A
potência instalada de energia elétrica cresceu 65%, as reservas conhecidas de
petróleo aumentaram 44%, a capacidade nacional de refino aumentou 73%. No campo
dos insumos básicos, a produção de lingotes de ferro cresceu 70%, a de alumínio
78%, a de zinco 111%, a de chumbo 38%, a de produtos petroquímicos 117%, a de
fertilizantes fosfatados 305%, a de soda cáustica 174%, a de ácido sulfúrico
77%, a de cloro 176% e a de celulose 83%. Mesmo assim, o país continuou
dependendo de importar parte significativa dos insumos básicos necessários.
O produto agropecuário cresceu 26% entre 1973 e 1978, contra um
incremento de 46% no produto industrial no mesmo período. Segundo a revista Visão
em março de 1979, os principais problemas apresentados pelo setor agrícola
ao fim do governo Geisel eram o endividamento excessivo e a incapacidade de
responder simultaneamente às necessidades dos mercados interno e externo. No
setor de transportes, foram implantados 7.950km de rodovias e 1.140km de
ferrovias, permanecendo portanto a tradicional ênfase no transporte rodoviário.
Os principais problemas de economia em fins de 1978
continuavam sendo o crescimento da taxa de inflação, então situada em 42%, e da
dívida externa de 42 bilhões de dólares. Prosseguiu também o processo de
concentração de renda verificado pelo censo de 1970, com um aumento de 14% na
participação do decil mais rico da população na renda nacional. Apesar de
investir mais recursos em educação do que os governos anteriores, a
administração de Geisel não conseguiu universalizar o ensino de primeiro grau,
implantar em escala suficiente o ensino profissional no segundo grau e resolver
as graves deficiências na qualidade da educação ministrada.
A última medida política de grande impacto do seu governo foi
a extinção do AI-5, decretada em 31 de dezembro de 1978, confirmando a
disposição de Geisel, declarada em entrevista à Folha de S. Paulo ao se
completarem os dez anos do início de seu mandato, em revogar todos os atos
institucionais até o final de seu mandato.
Em 15 de março de 1979, o general Figueiredo assumiu a
presidência, dando continuidade à política de “distensão lenta, gradual e
segura” inaugurada por seu antecessor.
Geisel e a transição democrática
No período seguinte, Geisel passou a evitar pronunciamentos
públicos. Após um período de descanso em seu sítio de Teresópolis (RJ) durante
o período que passou na presidência, dedicou-se a atividades na iniciativa
privada, mantendo discreta atuação política junto com seus antigos
colaboradores. Seu nome foi inicialmente incluído na lista de convocados para
prestar depoimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que
averiguava as atividades da Petrobras, sendo em seguida retirado por iniciativa
do deputado Prisco Viana, secretário-geral da Arena. Com a extinção do
bipartidarismo e a reorganização partidária subseqüente, Geisel tornou-se
fundador do Partido Democrático Social (PDS), nova agremiação governista.
Em
junho de 1980, assumiu a presidência de uma empresa privada na área de química
fina, a Norquisa, criada por um grupo de seus antigos colaboradores e
funcionários na Petrobras. O capital principal da Norquisa resultara de ações
da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), conglomerado de empresas
estatais e privadas nacionais e estrangeiras, cujo conselho de administração
também presidiu.
Pouco
depois, começou a romper seu isolamento e até o final da década de 1980
ocuparia um papel importante no cenário político, com suas opiniões e
posicionamentos em torno dos principais temas suscitados pelo processo de
transição democrática, deflagrado em seu governo.
Uma de suas primeiras aparições públicas neste período deu-se
em fevereiro de 1983, quando compareceu à inauguração do pólo petroquímico do
Rio Grande do Sul, cuja implantação foi decidida durante o seu governo. Na
ocasião, concedeu entrevista a O Estado de S. Paulo e ao Jornal da
Tarde, responsabilizando as altas taxas de juros cobradas internamente pela
crise econômica do país.
Em maio desse ano, como o primeiro ex-presidente do regime
militar a prestar depoimento à Justiça, foi arrolado como testemunha de defesa
do advogado Valter Amaral, que estava sendo processado pelo então deputado
Paulo Maluf, a quem acusara de enriquecimento ilícito por intermediar, quando
governador de São Paulo, empréstimos do BNDE à Fiação e Tecelagem Lutfalla,
pertencente à família de sua esposa, Sílvia Lutfalla Maluf. Em seu depoimento,
Geisel afirmou ignorar que Maluf tivesse usado seu prestígio político ou
pessoal para obter os empréstimos do governo, apesar de, como presidente da
República, ter tido conhecimento das irregularidades que levaram ao seqüestro
de bens da empresa e de seus diretores para ressarcimento de dívidas com o
Tesouro Nacional, culminando com a morte do sogro de Maluf, Fuad Lutfalla, sete
dias depois do confisco.
Ainda
em maio desse ano, Geisel foi tema de reportagem de capa do caderno especial do
Jornal do Brasil sobre os caminhos da sucessão presidencial de 1985, que
ainda seriam decididos indiretamente pelo Colégio Eleitoral. O título da
reportagem, “Geisel, um eleitor de respeito”, dava a dimensão da importância de
quem, “sem assento no governo, na Câmara, no Senado, nas assembléias
legislativas ou no diretório nacional de qualquer partido”, teria influência
marcante sobre a escolha do futuro presidente da República. O Jornal do
Brasil demonstrou o poder multiplicador das idéias do ex-presidente, que
recebia regularmente no sítio de Teresópolis, onde passara a residir, ou no Rio
de Janeiro, em seu gabinete da Norquisa, “uma seleta relação de personagens” da
vida política nacional, composta de políticos, militares, governadores e
ex-governadores, ministros de Estado, empresários. Geisel também conversava e
tinha ascendência sobre “uma boa penca de presidenciáveis”, como Aureliano
Chaves, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, Hélio Beltrão e José Costa
Cavalcanti, sendo procurado até pelos postulantes já declarados ao cargo, como
Paulo Maluf e Mário Andreazza, cujas candidaturas não apoiava nem estimulava.
Ainda
segundo a reportagem, Geisel já conversara sobre a sucessão com o próprio
Figueiredo, recusando-se, no entanto, a assumir o apoio a qualquer candidato,
papel que atribuía exclusivamente ao presidente. Apesar disso, várias fontes
consideravam não haver dúvidas de que o candidato que Geisel preferia ver
lançado pelo PDS era Aureliano Chaves, que tinha governado o estado de Minas
Gerais durante seu mandato na presidência da República e assumido a
vice-presidência no governo Figueiredo, também por sua indicação. A preferência
pela candidatura de Aureliano foi confirmada por Geisel em depoimento prestado
em 1994 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil da Fundação Getulio Vargas (Cpdoc-FGV).
No ano seguinte, em 1984, o mesmo Jornal do Brasil
revelaria que o ministro da Justiça de Geisel, Armando Falcão, teria sido
portador de carta do ex-presidente apoiando a pré-candidatura de Aureliano à
sucessão presidencial pelo PDS. Segundo declarações do próprio Armando Falcão,
o presidente Figueiredo o autorizara a comunicar a Geisel estar convencido de
que a melhor solução para o país era a candidatura de Aureliano, mas acabou se
mostrando infenso à candidatura de seu vice. O apoio de Geisel, porém, não foi
suficiente sequer para levar o nome de Aureliano à convenção do PDS, realizada
em agosto de 1985. Derrotando Mário Andreazza, Paulo Maluf acabou sendo o
candidato do partido governista no Colégio Eleitoral.
O desinteresse de Figueiredo em torno da candidatura de
Aureliano evidenciava seu distanciamento em relação a Geisel, que vinha se
acentuando desde a saída do general Golberi do Couto e Silva do governo em
1981, atribuída pela Folha de S. Paulo e pelo próprio Geisel, no
depoimento mencionado anteriormente, principalmente a discordâncias em torno da
disposição de Figueiredo em apurar o atentado ocorrido no dia 30 de abril,
quando duas bombas explodiram no estacionamento do Riocentro, um espaço para
eventos localizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, durante um show de
música popular brasileira promovido pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade) em
comemoração ao Dia do Trabalho, com a presença de cerca de 20 mil pessoas. Uma
das explosões ocorreu no interior de um veículo particular que manobrava no
pátio de estacionamento, matando um dos seus ocupantes, o sargento Guilherme
Pereira do Rosário, e ferindo gravemente o motorista, capitão Wilson Luís
Chaves Machado, ambos lotados no CODI do I Exército. Rapidamente, a imprensa e
a opinião pública se convenceram de que as vítimas eram os próprios
terroristas, mas o general Gentil Marcondes, comandante do I Exército, divulgou
a versão de que ambos cumpriam “missão de rotina” no local e determinou que o
sepultamento do sargento fosse realizado com honras militares.
A crise subseqüente chegou a ameaçar a estabilidade do
governo de Figueiredo e foi solucionada à base de mútuas concessões. Não houve
nenhuma punição ostensiva aos militares integrantes da “linha dura” e o I
Exército pôde realizar seu próprio inquérito para concluir que os dois
militares haviam sido “vítimas de uma armadilha ardilosamente colocada no carro
do capitão”. Em compensação, não ocorreu a partir daí nenhum outro atentado
terrorista significativo. Essa solução, entretanto, não agradou a todos os
membros do governo. No dia 6 de agosto, alegando “divergências
irreconciliáveis”, o general Golberi do Couto e Silva pediu demissão da chefia
do Gabinete Civil, cargo que exercia desde o início do governo Geisel e que o
projetava como principal articulador do processo de distensão política. Para
explicar essa atitude, a imprensa mencionou sua divergência em relação ao
resultado do inquérito sobre o atentado do Riocentro e sua discordância quanto
aos aumentos dos descontos salariais em favor da Previdência Social, solução
adotada pelo governo para cobrir os déficits do sistema. Golberi foi
substituído por João Leitão de Abreu, que exercera o cargo no governo Médici.
Outro
episódio que distanciou o ex-presidente Ernesto Geisel do PDS foi a formação da
Frente Liberal, integrada por dissidentes do partido governista e que em
seguida passou a compor, juntamente com o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), a Aliança Democrática. Essa coligação oposicionista lançou a
candidatura vitoriosa de Tancredo Neves nas eleições indiretas para a
presidência da República, via Colégio Eleitoral reunido em 15 de janeiro de
1985. Contudo, Tancredo, acometido por súbita doença, não pôde tomar posse,
vindo a falecer em 21 de abril, ocasião em que o vice José Sarney, presidente
em exercício desde 15 de março, foi confirmado no cargo.
Geisel apoiou a criação do Partido da Frente Liberal (PFL),
concretizada ainda em janeiro de 1985. Evitando, no entanto, qualquer
compromisso com filiação partidária, estimulou Aureliano Chaves, segundo
reportagem da Folha de S. Paulo, a assumir a liderança da nova
agremiação política, que estava sendo disputada por outros dissidentes
pedessistas, como Antônio Carlos Magalhães, o ministro das Comunicações do
presidente Sarney. Aureliano era um dos membros do chamado “grupo Geisel”
alojado no governo Sarney, tendo em vista a influência do ex-presidente sobre o
governo e a presença de vários de seus amigos considerados fiéis no ministério
e em cargos do segundo e terceiro escalão, como o próprio Aureliano no
Ministério das Minas e Energia. Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo
incluiu também o deputado federal Prisco Viana (PMDB-BA), que fora do PDS
malufista e assumiria em 1987 o Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio
Ambiente, além do ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, e do
ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general Ivan de Sousa
Mendes, que haviam trabalhado com Geisel no Gabinete Militar do governo Castelo
Branco.
Em agosto de 1985, de acordo com reportagem publicada pelo O
Estado de S. Paulo, Geisel foi denunciado pelo empresário gaúcho Boris
Gorentzvaig, presidente do conselho administrativo da Petroquímica Triunfo, na
CPI do Senado que investigava a situação das empresas estatais, de impedir a
democratização do capital e das oportunidades, impondo uma política pessoal no
setor petroquímico. Segundo o empresário, Geisel havia descumprido frontalmente
a lei que instituiu o II PND, favorecendo empresários e políticos como Paulo
Egídio Martins, Norberto Odebrecht, Ângelo Calmon de Sá, Celso Rocha Miranda,
Hélio Beltrão e Shigeaki Ueki, entre outros, para compor o esquema tripartite
de gestão do setor petroquímico, liderado pela Petroquisa e com a participação
dos empresariados nacional e estrangeiro.
Em
agosto de 1987, Geisel comemorou seus 80 anos com a revelação, segundo a Folha
de S. Paulo, de ter alterado para 1908 o ano de seu nascimento quando, em
1921, ao prestar exames para ingressar no segundo ano do Colégio Militar,
esbarrara no limite de idade de 13 anos para fazer a prova. Segundo a reportagem,
esta informação fora passada ao jornal pela própria filha de Geisel, Amália
Luci. O octogésimo aniversário foi festejado durante todo um fim de semana no
sítio de Teresópolis, onde compareceram grande número de amigos e políticos,
como seus ex-ministros Armando Falcão — um dos organizadores da homenagem —,
Mário Henrique Simonsen, Paulo de Almeida Machado, Nei Braga, Luís Gonzaga do
Nascimento e Silva, João Paulo dos Reis Veloso, Geraldo de Azevedo Henning,
Arnaldo Prieto, Euclides Quandt de Oliveira, Azeredo da Silveira e Alisson
Paulinelli, o ex-chefe do Gabinete Militar, general Gustavo Morais Rego, além
dos então ministros Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, da Educação, o
senador e presidente do PFL, Marco Maciel, os senadores Edson Lobão (PFL-MA),
Divaldo Suruagi e Guilherme Palmeira (PFL-AL), o deputado federal Antônio
Carlos Konder Reis (PDS-SC), o ex-governador do Rio de Janeiro, almirante
Floriano Peixoto Faria Lima, e o ex-prefeito de Curitiba, Saul Raiz. Geisel
demonstrou estar afinado com o presidente José Sarney, defendendo a realização
de eleições diretas para a presidência da República apenas após estarem
asseguradas a estabilização política e econômica e elogiando, segundo
declarações de seu ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen ao Jornal
do Brasil, as medidas recentemente adotadas pelo Plano Bresser para atenuar
a crise econômica. Na mesma ocasião, o jornal O Globo noticiou sua
disposição em escrever suas memórias ou uma autobiografia, projeto até então
rechaçado veementemente pelo ex-presidente.
Ainda
por ocasião das comemorações dos 80 anos do general, a Folha de S. Paulo,
apesar de apontar as controvérsias em torno do papel de Geisel e seu governo
para o país, ressaltou a imagem positiva deixada por ele mesmo nos setores que
foram perseguidos durante o seu governo. Para o deputado José Genoíno, do
Partido dos Trabalhadores (PT) de São Paulo, se não fosse por Geisel, “teríamos
aqui uma Argentina com seus desatinos e aberrações”. As críticas mais ferozes
ao seu governo vieram de representantes da direita, como o deputado José Wilson
Siqueira Campos, do Partido Democrata Cristão (PDC) de Goiás, um dos
porta-vozes da “linha dura” militar, que tinha no general Sílvio Frota,
demitido por Geisel do Ministério do Exército, seu principal expoente, e que se
referiu ao ex-presidente com palavrões e ataques pessoais. Para o cientista
político Bolívar Lamounier, a tarefa de contabilizar os erros e acertos do
governo Geisel era facilitada “pela evidência de uma opção inicial, desenvolvida
com seriedade e competência inegáveis: a decisão de colocar em marcha o
processo de descompressão política”.
Pouco depois, diante da divulgação de um documento de
Figueiredo pela Associação Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD) que,
segundo a Folha de S. Paulo, congregava a “linha dura” dos
militares contra o governo Sarney, Geisel defendeu abertamente a união do PFL
em torno do presidente da República. Em reportagem publicada pelo Jornal do
Brasil, declarou ser o apoio ao governo “fundamental para uma transição
democrática sem sobressaltos”.
Em
contatos com interlocutores mais íntimos, como Aureliano Chaves, Marco Maciel,
Armando Falcão, e outros menos próximos, como Guilherme Palmeira e Antônio
Carlos Magalhães, Geisel ponderou, segundo reportagem do Jornal do Brasil,
que o PFL não poderia fugir de sua responsabilidade histórica em apoiar Sarney na transição política. Caso contrário, estaria deixando o governo nas mãos de
um PMDB dividido e inclinado a partir para as eleições diretas para a
presidência da República no próximo ano, abrindo caminho para a candidatura de
Leonel Brizola, o que fortaleceria as articulações da direita militar, já
presentes no momento em que Figueiredo começara a agir às claras através da
ABDD. Segundo o Jornal do Brasil, Geisel não deixou escapar a
ocasião para responsabilizar Figueiredo pela difícil situação política criada
com a sua sucessão. Para Geisel, o rompimento do PFL com Sarney só interessava ao
PMDB.
A Folha de S. Paulo, em reportagem publicada em
novembro de 1987, também atribuiu a Geisel toda a responsabilidade pelas
articulações que impediram o PFL de romper com o governo de Sarney, além de ter
demovido um grupo de militares de levar adiante um projeto de desestabilização
do governo federal. De acordo com esse jornal, em meados de setembro do ano
anterior, Geisel teria sido procurado por um grupo de coronéis da reserva para
consultá-lo sobre a viabilidade de um complô contra Sarney. Na ocasião, segundo
a mesma reportagem, Geisel teria argumentado que a idéia contava com a repulsa
das forças armadas e que a única maneira de evitar uma convulsão social no país
era o apoio a Sarney e ao processo de transição democrática, que só terminaria
após a promulgação da nova Constituição.
O próprio Sarney, segundo o Jornal do Brasil, havia se
socorrido dos conselhos de Geisel, na fase mais aguda da crise, pedindo-lhe que
mantivesse uma linha quase direta com Aureliano Chaves e Antônio Carlos
Magalhães e com o senador Marco Maciel, que ameaçava deixar o PFL.
Apesar de ter defendido o mandato de cinco anos para Sarney e
a instauração do presidencialismo pela Assembléia Nacional Constituinte (ANC),
Geisel demonstrou descontentamento com os rumos da transição democrática
manifestando, por ocasião da comemoração do 91º aniversário da Sociedade
Nacional de Agricultura, em janeiro de 1988, preocupação com a redução dos
investimentos provocada pela falta de recursos e pela ausência de estímulos
para o setor privado, na condução da política econômica do governo.
Em abril de 1988, por ocasião dos 50 anos de criação do
Conselho Nacional do Petróleo (CNP), foi recebido em Brasília para conversas
com ministros e com o próprio presidente Sarney, que o recebeu no palácio da
Alvorada para um encontro de avaliação das conjunturas política e econômica, da
dívida externa, do trabalho da Constituinte e a CPI da corrupção no governo
federal. Geisel havia preconizado vida curta para a nova Constituição a ser
promulgada em outubro, criticando a Assembléia Nacional Constituinte (ANC) pelo
detalhismo das propostas apresentadas.
Em junho, encerrando o Seminário Internacional da Indústria
Petroquímica realizado em Salvador, defendeu a retirada progressiva e gradual
do Estado em áreas que, segundo ele, deveriam ser naturalmente reservadas à
iniciativa privada.
Em agosto, Geisel concedeu a João Paulo dos Reis Veloso sua
primeira entrevista para a televisão desde que deixara o governo, para uma
série de programas comandados pelo seu ex-ministro do Planejamento para a
Televisão Educativa (TV-E), veiculados com o título de O último trem para
Paris. Na entrevista, que tinha como tema central a crise do petróleo e
seus reflexos na economia brasileira durante seu governo, Geisel combateu o
pessimismo em torno da situação econômica do país, reafirmando sua crença de
que, apesar das dificuldades econômicas, a democracia seria consolidada no
governo Sarney. Disse também que seu governo rejeitara a recessão em resposta à
crise do petróleo, optando pela promoção de um programa de desenvolvimento, com
resultados bastante favoráveis.
Ainda
durante o governo Sarney, Geisel também concedeu entrevista a Paul Boeker sobre
a estratégia da política de abertura de seu governo e das dificuldades do
Brasil sob a direção de presidentes civis, para um livro que o ex-embaixador
norte-americano na Bolívia e Jordânia lançaria em 1990 nos Estados Unidos sob o
título Ilusões perdidas; a luta da América Latina pela democracia, contada
por seus líderes. Outros políticos civis latino-americanos, como o
argentino Raúl Alfonsin e o costa-riquenho Oscar Arias, além de generais como o
peruano Morales Bermudez e o uruguaio Hugo Medina, também foram entrevistados.
Na entrevista, Geisel disse não acreditar na possibilidade de uma nova
interferência dos militares na política, mas não garantia a hipótese de que
isso não viesse a acontecer algum dia.
Em
1989, o nome de Geisel surgiu mais uma vez como um dos principais fiadores de
uma candidatura de centro-direita para a sucessão do presidente José Sarney. De
acordo com O Estado de S. Paulo, seu nome havia sido incluído, ainda no
ano anterior, em um “conselho de anciãos” nomeado pelo ex-presidente Jânio
Quadros para a regência de um pacto nacional em torno de sua candidatura. No
entanto, no final de agosto, às vésperas das eleições, de acordo com
declarações prestadas por Nei Braga à Folha de S. Paulo, Geisel
desvinculou-se de qualquer candidatura, inclusive de Aureliano Chaves, que
concorreria pelo PFL, liberando seu grupo político para apoiar outros
candidatos excetuando, evidentemente, Leonel Brizola, do Partido Democrático
Trabalhista (PDT), e Luís Inácio Lula da Silva, do PT.
A ida de Lula para disputar o segundo turno das eleições
presidenciais com Fernando Collor de Melo preocupou Geisel, que acreditava ser
prematura a vitória de um partido pertencente à “ala mais radical da esquerda”
e antevia problemas de governabilidade em caso de vitória do candidato petista.
Em
abril de 1990, foi anunciada sua saída da presidência da Norquisa, indicando
como substituto Paulo Vieira Belotti, a quem colocara na diretoria financeira
da Petrobras durante o governo Sarney. No entanto, apenas em agosto de 1991,
Geisel afastou-se efetivamente da empresa, confirmando sua aposentadoria.
Por
ocasião do plebiscito realizado em abril de 1993 sobre forma e sistema de
governo, defendeu o presidencialismo como o melhor para o país, por sua
coerência com o sistema federativo brasileiro. Ainda em 1993, Geisel confirmou
as declarações de Armando Falcão de ter interferido, quando ministro da Justiça
de Geisel, para evitar que o ex-governador de São Paulo e candidato do PMDB à
presidência da República, Orestes Quércia, fosse investigado por uma CPI em
processo por enriquecimento ilícito e sonegação fiscal. Na ocasião, o senador
Wilson Campos (PMDB-PE), que teve o mandato de senador cassado pelo
ex-presidente Ernesto Geisel em decorrência do mesmo processo, também confirmou
as acusações de Falcão contra Quércia. Segundo O Estado de S. Paulo, o
relatório final da comissão sobre o processo em que Quércia figurava como indiciado deixava claro que havia um acordo político para salvá-lo,
apesar da discordância da comissão. Em processo movido por Quércia contra o
diretor responsável do Jornal da Tarde, Rui Mesquita, que veiculara a
acusação, Falcão afirmou em juízo, como testemunha de defesa do jornalista, que
Quércia só se salvara da cassação política e do seqüestro de bens porque “era
peça importante na política do governo Geisel”.
A
partir de 1994, o estado de saúde do ex-presidente foi ficando cada vez mais
delicado. Apesar disto, concordou em conceder, neste ano, um longo depoimento
aos pesquisadores Maria Celina Soares d’Araújo e Celso Castro, do Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação
Getulio Vargas, publicado em 1997 sob o título Ernesto Geisel.
Antes disto, em dezembro de 1995, o ex-ministro Armando Falcão também
publicara a biografia do ex-presidente, lançada com o título Geisel, do
tenente ao presidente.
Em
1975 e 1976, foram editados dois volumes de discursos e mensagens de sua
autoria ao Congresso. Anteriormente, já haviam sido publicados a seu respeito
as obras Geisel e a revolução (1976), de Adirson de Barros, O Brasil
do general Geisel (1977), de Válder de Góis, e A segunda
guerra, sucessão de Geisel (1979), de André Gustavo Stumpf e Merval Pereira
Filho.
Ernesto Geisel faleceu no Rio de Janeiro no dia 12 de
setembro de 1996.
Era casado com Luci Markus Geisel, com quem teve dois filhos.
O arquivo de Ernesto Geisel encontra-se depositado no Cpdoc.
Amélia
Coutinho/Maria Cristina Guido
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19/13, 26/4, 2, 6, 8, 11 e 22/5, 24/6, 12, 13, 17 e 20/9, 4/11, 16, 30 e
31/12/76, 13 e 14/1, 2, 6, 12, 15 e 16/3, 2, 4, 12 e 14/4, 2, 3 e 4/5, 30/6,
6/7, 5, 16 e 25/8, 12, 13 e 20/11, 23, 30 e 31/12/77, 6, 14, 19 e 26/1 e
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