BARRETO,
Mena
*militar; comte. 1ª RM 1924-1926; insp. 1º
Grupo de RMs 1926-1931; junta gov. prov. 1930; interv. RJ 1931; min. STM
1931-1933.
João de Deus Mena Barreto
nasceu em Porto Alegre no dia 30 de junho de 1874, filho do general José Luís
Mena Barreto, então inspetor dos Corpos de Artilharia do Rio Grande do Sul, e
de Rita de Cássia Mena Barreto. Desde o século XVIII, muitos membros da sua
família seguiram a carreira militar e cerca de 15 deles atingiram o generalato.
O iniciador dessa tradição foi o marechal João de Deus Barreto Pereira Pinto
(1769-1849), visconde de São Gabriel, um dos colonizadores do Rio Grande do
Sul.
Mena
Barreto ingressou na Escola Tática e de Tiro de Rio Pardo (RS) em janeiro de
1890. Em maio desse ano, junto com seus colegas, integrou-se à guarda palaciana
que se manteve fiel ao presidente estadual Francisco da Silva Tavares, tentando
debelar o movimento de protesto contra a violenta repressão a um comício
republicano que comemorava o segundo aniversário da abolição da escravatura. Na
seqüência dos acontecimentos, o governo estadual foi derrubado, iniciando-se um
período de instabilidade política em que o poder foi ocupado por vários
presidentes de curto exercício até a ascensão de Júlio de Castilhos em 1892.
Em
janeiro de 1893, Mena Barreto pediu para ser excluído do corpo de alunos da
academia militar. Designado para servir no 4º Batalhão de Infantaria, sediado em São Gabriel (RS), participou do combate à Revolução Federalista, guerra civil que conflagrou
o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná entre fevereiro de 1893 e agosto
de 1895. O conflito envolveu amplas forças militares locais, opondo os
insurretos federalistas (chamados de “maragatos”) ao governo estadual de Júlio
de Castilhos, republicano, o qual contava com o apoio do marechal Floriano
Peixoto, presidente da República. Em setembro de 1893, Mena Barreto foi
integrado à 1ª Brigada de Linha, comandada pelo coronel Tomás Thompson Flores e
vinculada à Divisão do Norte, participando de diversos combates contra os
federalistas em terras gaúchas. Depois da vitória dos republicanos, foi
comissionado no posto de alferes.
Em
março de 1898, ingressou na Escola Militar do Brasil, no Rio de Janeiro (então
Distrito Federal), sendo promovido a tenente em setembro de 1900. Dois meses
depois, casou-se com Ernestina Estela Noronha Mena Barreto, descendente de uma
família com grande tradição na Marinha de Guerra, com quem veio a ter três
filhos. Em junho de 1904, lotado no 32º Batalhão de Infantaria, integrou as
forças expedicionárias enviadas para a Amazônia com a missão de consolidar a
situação militar na região após a resolução, no ano anterior, da chamada
Questão do Acre, disputa fronteiriça que opunha o Brasil à Bolívia desde o
século XVIII. Em novembro de 1904, foi promovido a capitão.
Em novembro de 1910, Mena Barreto participou da repressão à
revolta do Batalhão Naval da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, que ocorreu
dias depois da Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido em
protesto contra os baixos vencimentos e os castigos corporais que, embora
abolidos por lei, ainda eram praticados na Armada. Assim como outras
manifestações ocorridas no mesmo período, a rebelião dos marinheiros e
fuzileiros navais foi duramente reprimida.
Mena
Barreto foi promovido a major por merecimento em agosto de 1911 e, no mês
seguinte, tornou-se adjunto do ministro da Guerra, marechal Antônio Adolfo da
Fontoura Mena Barreto, seu tio. Mesmo depois da substituição do ministro,
ocorrida em março de 1912, permaneceu algum tempo nesse cargo, até ser atendido
o seu pedido de exoneração. Transferiu-se em seguida para o Rio Grande do Sul,
onde foi nomeado professor adjunto de física e química do Colégio Militar de
Porto Alegre. Retornou ao Distrito Federal no ano seguinte, sendo promovido a
tenente-coronel em janeiro de 1915 e nomeado para comandar o 4º Regimento de
Infantaria, sediado em Curitiba.
Em
fevereiro de 1918, Mena Barreto foi encarregado de organizar em Belo Horizonte o 59º Batalhão de Caçadores (futuro 12º Regimento de Infantaria). No mês
seguinte, recebeu a patente de coronel e assumiu o comando do 3º Regimento de
Infantaria, no Rio de Janeiro. Promovido a general-de-brigada em setembro de
1921, foi nomeado dois meses depois inspetor de infantaria da 1ª e 2ª regiões
militares, situadas, respectivamente, no Distrito Federal e em São Paulo.
Em fevereiro de 1922 tornou-se comandante da 2ª Brigada de
Infantaria. Nesse posto, enfrentou a revolta deflagrada no Rio de Janeiro e em Mato Grosso em 5 de julho de 1922, primeiro de uma série de levantes promovidos pela jovem
oficialidade do Exército os “tenentes” — na década de 1920. Na capital federal,
a sublevação envolveu o forte de Copacabana, efetivos da Vila Militar e a
Escola Militar, sendo debelada no mesmo dia. Mena Barreto chefiou pessoalmente
um destacamento incumbido de deter o avanço dos cadetes da Escola Militar no
bairro carioca do Méier.
Em
julho de 1924, irrompeu em São Paulo nova revolta tenentista, acompanhada de
sublevações de solidariedade em guarnições de Sergipe e do Amazonas. Mena
Barreto foi então nomeado comandante-em-chefe do chamado Destacamento do Norte,
organizado para combater, em Manaus, a sublevação do 27º Batalhão de Caçadores,
liderada pelos tenentes Joaquim Cardoso de Magalhães Barata e Alfredo Augusto
Ribeiro Júnior. A expedição mobilizou cerca de três mil homens, que partiram do
Rio de Janeiro a bordo do cruzador Barroso, dos couraçados São Paulo e
Floriano e do paquete Poconé, que conduziu Mena Barreto.
No
dia 23 de julho, o 26º Batalhão de Caçadores, de Belém, também se rebelou sob a
liderança do capitão Augusto Assis de Vasconcelos, travando violentos combates
com as forças policiais do estado. Quando a expedição legalista chegou à
cidade, em 11 de agosto, a revolta já havia sido sufocada, mas, mesmo assim,
Mena Barreto assumiu o comando da 8ª Região Militar, ali sediada, e tomou
providências no sentido de consolidar a situação militar local antes de
prosseguir viagem para o Amazonas.
A
caminho de Manaus, ainda em território paraense, as tropas legalistas ocuparam
a cidade de Santarém no dia 23 de agosto, efetuando prisões. Nesse período, os
revoltosos amazonenses haviam deposto o presidente estadual Turiano Meira,
formando uma junta governativa presidida pelo tenente Ribeiro Júnior. O
movimento obteve grande apoio da população local, mas as forças federais,
chegadas em Manaus no dia 28 depois de derrotar os revolucionários em Óbidos
(PA), destituíram a junta e prenderam seus integrantes, sem encontrar
resistência significativa. Como o presidente deposto se recusasse a reassumir,
Mena Barreto designou o coronel Raimundo Barbosa para o cargo de governador
militar do estado.
Em outubro de 1924, Mena Barreto substituiu interinamente o
general Alfredo Ribeiro da Costa no comando da 1ª Região Militar, sediada no
Distrito Federal, sendo efetivado nesse posto em dezembro, logo após receber a
patente de general-de-divisão. No ano seguinte, por sugestão sua, foi
instituído o Dia do Soldado, comemorado anualmente na data de nascimento do
duque de Caxias, 25 de agosto. Mena Barreto exonerou-se do comando da 1ª RM em
março de 1926 para não ter que cumprir a decisão do Supremo — hoje Superior —
Tribunal Militar (STM) que concedeu habeas-corpus ao major José Pessoa,
comandante interino do 1º Regimento de Cavalaria, o qual havia sido punido por
razões disciplinares. Em seu lugar, tomou posse o general Otávio de Azeredo
Coutinho.
Ainda em 1926, foi eleito presidente do Clube Militar, dando
início ao processo de normalização das atividades dessa entidade, que havia
sido fechada em 1922 pelo presidente Epitácio Pessoa. Ao final de seu primeiro
mandato, foi lançada a Revista do Clube Militar. Reeleito no ano
seguinte, patrocinou modificações nos estatutos da entidade que resultaram na
extensão do mandato das diretorias para dois anos, na adoção da eleição direta
em assembléias para o preenchimento desses cargos e na proibição de reeleição
aos membros de diretorias e conselhos.
Na Revolução de 1930
Nomeado inspetor do 1º Grupo de Regiões Militares em novembro
de 1926, Mena Barreto ainda ocupava essa função quando foi deflagrada, em 3 de
outubro de 1930, a revolução que derrubou o presidente Washington Luís. Segundo
seu filho, João de Deus Noronha Mena Barreto, ele não foi informado das
articulações revolucionárias, mas outras fontes afirmam que emissários gaúchos
buscaram com antecedência sua adesão ao movimento, sem obter êxito. Iniciada a
insurreição, Mena Barreto foi procurado pelo chefe do seu estado-maior, coronel
Bertoldo Klinger, que, em nome de um grupo de jovens oficiais, solicitou sua
intervenção no sentido de conseguir a cessação das hostilidades.
Nas semanas seguintes à eclosão do levante, a situação
militar evoluiu em diversas regiões do país de forma claramente favorável aos
revolucionários. Nesse contexto, oficiais de alta patente lotados no Distrito
Federal passaram a articular, sob a liderança de Mena Barreto, um golpe militar
contra o governo. Com o objetivo de preservar a hierarquia, decidiu-se que a
chefia do movimento deveria ser entregue ao oficial mais graduado do Exército,
general Augusto Tasso Fragoso, que, entretanto, declinou do convite. Em seguida,
o general Alexandre Henrique Vieira Leal também se negou a aderir, colocando
Mena Barreto na condição de detentor de mais alta patente entre os que
concordavam com o movimento, cabendo a ele, dessa forma, chefiar as operações.
Os
tenentes Valdemar e João de Deus, filhos e ajudantes-de-ordens de Mena Barreto,
efetivaram os contatos com a oficialidade, ao mesmo tempo em que começaram a
ser colhidas assinaturas para um manifesto que seria apresentado ao presidente
da República, intimando-o a renunciar. A ligação com a Marinha foi feita pelo
próprio Mena Barreto, através do contra-almirante José Isaías de Noronha,
parente de sua mulher. Na manhã do dia 23, acompanhado de seu filho Paulo
Emílio, Mena Barreto procurou o general Tasso Fragoso, reiterando o convite
para liderar o ato da deposição de Washington Luís. Dessa vez, Tasso Fragoso
concordou, ficando encarregado dos entendimentos com outros generais em serviço
no Distrito Federal.
Na
noite de 23 de outubro, depois de passadas as senhas para o início do levante,
Mena Barreto e Tasso Fragoso se encontraram no forte de Copacabana e
coordenaram os preparativos finais, recebendo as primeiras adesões ao
movimento. Na manhã seguinte se dirigiram para o palácio Guanabara, residência
oficial do presidente, a fim de intimá-lo a renunciar, apresentando-lhe
garantias de respeito à sua integridade. Washington Luís se recusou a deixar o
governo. Formou-se então uma junta governativa provisória, que, presidida por
Tasso Fragoso e composta por Mena Barreto e Isaías de Noronha, entrou em
contato com o cardeal Sebastião Leme, o qual se dispôs a servir de
intermediário e a conceder asilo em seu palácio para o presidente. Às cinco
horas da tarde do dia 24 de outubro, Washington Luís consentiu em se retirar,
sendo conduzido para o forte de Copacabana.
No
mesmo dia, a junta enviou o primeiro de uma série de telegramas a Getúlio
Vargas, líder nacional das forças revolucionárias, propondo a suspensão das
hostilidades. O estado-maior revolucionário, pouco seguro das intenções da
junta, enviou Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor e Herculino Cascardo para
negociarem as condições da transferência do poder a Vargas e ordenou que os
destacamentos rebeldes continuassem avançando em direção ao Rio de Janeiro com
o objetivo de garantir a vitória da revolução. No dia 3 de novembro, Vargas
assumiu a chefia do Governo Provisório.
Durante
o curto período em que esteve no poder, a junta governativa nomeou um
ministério provisório, dispensou os reservistas convocados nos últimos dias do
governo de Washington Luís, desmilitarizou a Rede Ferroviária Sul Mineira,
autorizou o reinício das operações bancárias, abriu uma linha de crédito para o
combate à febre amarela e renovou parte dos comandos militares, entre outras
medidas.
Depois da posse de Vargas, Mena Barreto foi mantido como
inspetor do 1º Grupo de Regiões Militares e, a partir de maio de 1931, acumulou
esse cargo com o de interventor federal no Rio de Janeiro, substituindo Plínio
Casado. Entretanto, suas divergências em relação ao Código dos Interventores,
publicado em agosto, levaram-no a pedir exoneração três meses depois, sendo
substituído pelo coronel Pantaleão da Silva Pessoa e, em seguida, nomeado
ministro do STM.
Mena Barreto manteve posição de neutralidade diante da
Revolução Constitucionalista de São Paulo deflagrada em julho de 1932, embora
seus dois filhos e seu amigo Bertoldo Klinger estivessem envolvidos no levante.
No mês de setembro, interveio nas negociações para a cessação das hostilidades
que resultaram no armistício assinado no dia 2 de outubro, com a rendição das
forças paulistas.
Faleceu no Rio de Janeiro em 25 de março de 1933, em pleno
exercício de suas funções no STM.
Sua biografia está incluída nas obras redigidas por seu filho
João de Deus Noronha Mena Barreto, intituladas Os Mena Barreto, seis gerações
de soldados — 1769-1950 (1950) e Ainda os Mena Barreto 1919-1969 (1971).
Renato Lemos
FONTES: ALMEIDA, A.
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