PESSOA,
José
*militar; rev. 1930; comte. Zona Mil. Sul 1948-1949.
José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque nasceu em Cabaceiras (PB) no dia 12 de setembro de 1885,
filho de Cândido Clementino Cavalcanti de Albuquerque e de Maria Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque. Era sobrinho de Epitácio Pessoa, presidente da
República de 1919 a 1922, e irmão de João Pessoa, presidente da Paraíba de 1928
a 1930 e candidato à vice-presidência da República pela Aliança Liberal em
1930; de Cândido Pessoa, deputado federal pelo Distrito Federal de 1934 a 1937,
e de Epitácio Pessoa, comandante militar da Revolução de 1930 em Minas Gerais.
Fez
seus primeiros estudos na cidade da Paraíba, hoje João Pessoa. Assentou praça em
1903 no 2º Batalhão de Infantaria, em Recife, seguindo depois para a Escola
Preparatória e de Tática, em Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito
Federal. Transferiu-se em 1909 para a Escola Militar de Porto Alegre, de onde
saiu aspirante-a-oficial. Foi promovido a segundo-tenente em 1913 e, em 1918, a
primeiro-tenente.
Nesse
meio tempo, foi professor de esgrima em diversas corporações militares e
instrutor em academias de tiro na Bahia e em São Paulo, onde contribuiu para
convencer a juventude paulista a aceitar o serviço militar obrigatório. Esteve
à disposição do Ministério da Justiça, servindo na Brigada Policial do Distrito
Federal, foi ajudante-de-ordens e assistente do comando da divisão de operações
enviada a Mato Grosso para pacificar o estado em 1917 e, finalmente, serviu
como ajudante-de-ordens e assistente do inspetor da 10ª Região Militar, na
Bahia.
Em
1918, último ano da Primeira Guerra Mundial, viajou para a França, onde
estagiou na Escola Militar de Saint-Cyr e chegou ainda a participar de combates
na guerra, comandando um pelotão de soldados franceses do 4º Regimento de
Dragões. Pelos serviços prestados nessa ocasião, foi diversas vezes citado em
ordens do dia das forças francesas e promovido a capitão, por atos de bravura,
em janeiro de 1919.
Permanecendo na Europa, fez parte da comissão de compras de
material bélico e freqüentou o curso prático de artilharia de assalto no Centro
de Estudos de Carros de Combate, na França, em 1920. No mesmo ano, foi nomeado
em comissão especial para acompanhar os reis da Bélgica, Alberto e Elisabeth,
em sua viagem ao Brasil e de volta à Bélgica.
Retornando ao Brasil ainda em 1920, aplicou os conhecimentos
adquiridos na França na organização da primeira unidade de tanques do Exército
brasileiro, permanecendo no comando dessa companhia até 1923, quando foi
promovido a major. Em seguida, assumiu o posto de subcomandante da Escola
Militar do Rio de Janeiro.
Foi
ainda fiscal e comandante interino do 1º Regimento de Cavalaria Divisionária
(os Dragões da Independência), além de ter reorganizado e comandado o 3º
Regimento de Cavalaria Independente, no Rio Grande do Sul, antes de ser
promovido a tenente-coronel em 1927.
No ano seguinte, comandou a 2ª Brigada de Cavalaria e, em
1929, cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Cavalaria, sendo promovido ao posto
de coronel.
Em
3 de outubro de 1930, eclodiu no Rio Grande do Sul e em outros estados o
movimento revolucionário chefiado por Getúlio Vargas. No dia 24 do mesmo mês,
quando os revoltosos gaúchos, depois de sucessivas vitórias, se encontravam às
portas do estado de São Paulo, a alta hierarquia militar da capital da
República, antecipando à ação revolucionária, decidiu intimar o presidente
Washington Luís a desistir de qualquer reação e renunciar. Washington Luís recusou-se
a deixar o cargo e a abandonar o palácio Guanabara, mas as tropas legalistas
não apresentaram resistência: o batalhão de polícia que guardava o palácio fez
saber que não reagiria se o Exército mandasse ocupá-lo. Desse modo, o 3º
Regimento de Infantaria e um batalhão de civis, sob o comando do coronel José
Pessoa, tomaram o palácio Guanabara. Finalmente, cedendo às pressões,
Washington Luís foi conduzido, preso, para o forte de Copacabana.
Após
um breve período como comandante do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal,
José Pessoa assumiu, ainda em 1930, o comando da Escola Militar do Realengo. Lá
inspirado em sua experiência européia, operou uma transformação radical do
ensino militar, reformando as instalações da escola e tentando estabelecer uma
doutrina de formação do corpo de oficiais brasileiros. Para tanto, procurou
atrair para a escola instrutores que possuíssem o curso de estado-maior,
introduzido no Exército pela Missão Militar Francesa de 1920, trazida ao Brasil
para fornecer uma instrução profissional mais adequada para a oficialidade.
Sua figura nesta época foi descrita por Nélson Werneck Sodré,
então aluno da Escola Militar e mais tarde seu ajudante-de-ordens: “O coronel
Pessoa era oficial a respeito de quem as opiniões divergiam muito; alguns o
invejavam, afirmando que fizera carreira à sombra do tio... diziam que seus
conhecimentos profissionais eram insuficientes, que impressionava pelo aspecto
exterior. Era, realmente, caprichoso no fardar-se, pince-nez sempre no nariz...
De polidez convencional, enraivecia-se com facilidade... Era vaidoso, fazendo
alto juízo de seus próprios méritos. Mas é fato que os tinha... Na Escola
Militar, foi grande comandante, marcou época.”
José Pessoa foi também o idealizador da Academia Militar das
Agulhas Negras, que só veio a ser fundada em 1944, chegando a pretender o
lançamento de sua pedra fundamental em 1933, o que não ocorreu. Através dela,
pretendia dotar o Exército de uma escola de formação moderna, mas ainda segundo
Nélson Werneck Sodré seu projeto foi desfigurado, restando apenas do que
planejara a localização do novo estabelecimento, em Resende (RJ). Convidado a
participar dos planos de construção recusou-se.
Em 1933, foi promovido a general-de-brigada e enfrentou, em
1934, um movimento de rebeldia dos cadetes do estabelecimento que comandava.
Inconformado com a solução dada para o caso, demitiu-se do comando da escola,
sendo nomeado em seguida inspetor e comandante do Distrito de Artilharia de
Costa da 1ª Região Militar, no Distrito Federal.
No desempenho desse cargo, teve sob suas ordens a primeira
missão norte-americana de artilharia de costa, composta de um general e vários
oficiais superiores. Essa missão operou profunda modificação técnica e
profissional nos quadros dessa arma.
Em dezembro de 1935, no Rio de Janeiro, esteve presente à
reunião dos generais convocada em razão do Levante Comunista ocorrido em
novembro daquele ano. Essa reunião tinha por finalidade o exame da situação do
país em face do levante, bem como a discussão sobre a suficiência das leis
repressivas existentes para punir os insurretos. José Pessoa discordou da
maioria dos presentes, considerando irrelevante a discussão das leis existentes
ou de uma nova legislação para punir os crimes cometidos, uma vez que o assunto
era da competência de juristas, e não dos generais do Exército. A seu ver, a
reunião devia limitar-se a hipotecar o apoio dos generais ao ministro da Guerra
para que este, agindo junto aos poderes competentes, reivindicasse severa
punição aos crimes praticados e a promulgação de uma nova lei, mais repressiva,
para salvaguardar a nação.
Como
os demais participantes da reunião — presidida pelo próprio ministro da Guerra,
general João Gomes Ribeiro Filho —, prestou total apoio ao ministro para que
este conseguisse no menor prazo possível a punição para os implicados no
levante. Ao fim da reunião, o ministro da Guerra encaminhou ao presidente da
República o esboço de um projeto de lei segundo o qual ficava decretado que os
oficiais envolvidos na revolta não só estariam sujeitos às penalidades
previstas como seriam também expulsos das fileiras do Exército.
Em junho de 1937, quando se ampliou o debate sobre a sucessão
presidencial, a corrente militar que se opunha à realização de eleições
procurou cercear os passos dos militares neutros ou favoráveis ao pleito. Em
razão disso, e sob o pretexto de uma reunião “conspiratória” realizada na casa
do general José Pessoa, o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, então
inspetor da Região Sul, acusou de “inimigos do regime” o próprio general Pessoa
e mais o general Valdomiro Castilho de Lima. José Pessoa escreveu diretamente a
Getúlio Vargas, desmentindo Góis Monteiro, e tentou mover um processo contra
seu acusador. Na seqüência dos acontecimentos, porém, a situação acabou
favorecendo os partidários da supressão das eleições, que receberam o apoio do
governo, e os postos-chave de comando acabaram sob o controle dos generais
favoráveis à solução ditatorial.
Em decorrência disso, o general José Pessoa ficou, nas
palavras de Nélson Werneck Sodré, “encostado”, na “situação de homem ao mar”,
sem comissão, adido à Casa Militar na Presidência da República. Só em março de
1938, quatro meses após o advento do Estado Novo, recebeu outra comissão de
comando.
Inicialmente
cogitado para um posto em Belo Horizonte, acabou nomeado comandante da 9ª
Região Militar, em Mato Grosso, ficando assim afastado do centro de decisões
nacionais. Ainda segundo Werneck Sodré, “servir em Mato Grosso era considerado
castigo”.
Promoveu
intenso combate ao banditismo que então grassava em Mato Grosso, iniciando uma
verdadeira campanha militar contra os bandos armados que assolavam o sul do
estado. Nessa campanha, apreenderam-se milhares de armas e munições
pertencentes ao Exército que haviam sido roubadas dos depósitos do governo.
No início de 1939, foi nomeado inspetor da arma de cavalaria,
que tratou de mordenizar, dotando-a de novos regulamentos. Promovido a
general-de-divisão em maio de 1940, ocupou o cargo de inspetor de cavalaria até
1945. Ao mesmo tempo, viajou em 1943 ao Paraguai como embaixador extraordinário
à posse do presidente daquela nação.
Ainda
em 1943, integrou a comissão de comércio que elaborou o anteprojeto de defesa
dos portos do Rio de Janeiro e de Santos, bem como dos portos fluviais de Mato
Grosso e do rio São Francisco, como parte do esforço de guerra brasileiro
previsto nos acordos militares entre o Brasil e os Estados Unidos, e passou a
integrar a Comissão de Promoções do Exército.
Eleito presidente do Clube Militar em maio de 1944, assumiu o
cargo em junho e nele permaneceu até junho de 1946. Sua gestão atravessou o fim
do Estado Novo, e se mostrou adequada à atmosfera política de restauração dos
princípios democráticos. Por ocasião do retorno da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) enviada à Itália, organizou comitês de recepção para os
ex-combatentes e em outubro de 1945 contribuiu para a queda de Vargas ao lançar
uma proclamação contra o continuísmo (queremismo) e contra a nomeação de
Benjamim Vargas, irmão do presidente, para a chefia de polícia do Distrito
Federal.
Adido
militar em Londres de 1946 a 1947, retornou ao Brasil e, em abril de 1948,
participou da fundação do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia
Nacional (CEDPEN), juntamente com Artur Bernardes e os generais Estêvão Leitão
de Carvalho e Júlio Caetano Horta Barbosa. Em torno do CEDPEN se articularam de
modo amplo estudantes, jornalistas, militares, professores e homens públicos, e
em pouco tempo o centro se tornou o núcleo de uma campanha de mobilização da
opinião pública em favor de uma solução nacionalista para a questão do
petróleo. A Campanha do Petróleo como ficou conhecida, desembocou no
estabelecimento do monopólio estatal (1953) e na conseqüente criação da
Petrobras (1954).
Em julho de 1948, foi nomeado para o comando da Zona Militar
Sul (antecedente do III Exército), abrangendo tropas sediadas nos estados do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 12 de setembro de 1949, foi
transferido para a reserva no posto de general-de-exército.
Promovido a marechal em janeiro de 1953, foi convidado em
1954 pelo presidente Café Filho para ocupar a presidência da Comissão de
Localização da Nova Capital Federal, encarregada de examinar as condições
gerais de instalação da cidade a ser construída. José Pessoa criou uma série de
subcomissões técnicas especializadas, que apresentaram em 1955 o resultado de
seus estudos num relatório que foi integralmente aprovado. Em seguida, Café
Filho homologou a escolha do sítio da nova capital e delimitou a área do futuro
Distrito Federal, determinando que a comissão encaminhasse o estudo de todos os
problemas correlatos à mudança. A comissão encerrou seus trabalhos em 1956.
José Pessoa publicou alguns livros técnicos, conferências e
relatórios, destacando-se Os tanques na guerra européia, publicado pouco depois
de seu retorno da Europa, que recebeu parecer extremamente favorável do
Estado-Maior do Exército.
Faleceu no Rio de Janeiro em 16 de agosto de 1959.
O arquivo de José Pessoa encontra-se depositado no Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação
Getulio Vargas.
Robert Pechman
FONTES: Almanaque
da PB; ARQ. MIN. EXÉRC.; BIJOS, G. Clube; BITTENCOURT, A. Dic.; CAFÉ, J.
Sindicato; CARONE, E. República nova; COHN, G. Petróleo; CONSULT. MAGALHÃES,
B.; CORRESP. SECRET. GER. EXÉRC.; Encic. Mirador; ENTREV. ANDRADE, H.; Grande
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M. Petróleo; MIN. GUERRA. Almanaque; PINTO, L. Antologia; SILVA, H. 1937;
SILVA, H. 1942; SODRÉ, N. Memórias; SOUSA, M. Estado.