LIMA,
Cirne
* min. Agric. 1969-1973.
Luís
Fernando Cirne Lima nasceu em Porto Alegre no dia 1º de janeiro
de 1933, filho do jurista Rui Masson Cirne Lima e de Maria Velho Cirne Lima.
Fez
os estudos secundários no Colégio Anchieta, em sua cidade natal, ingressando
depois na Faculdade de Agronomia e Veterinária de Porto Alegre, pela qual se
formou engenheiro agrônomo em 1954. Fez ainda estágio de especialização em
universidades dos Estados Unidos e da Argentina.
Em
1955 passou a lecionar na cadeira de zootecnia da faculdade em que estudara,
obtendo classificação nos concursos para instrutor de ensino e livre-docente.
Mais tarde tornou-se também professor da Faculdade de Zootecnia de Uruguaiana
(RS). Foi membro de júris em diversas exposições pecuárias no Brasil e no
exterior, especialmente na Inglaterra, e redator do suplemento rural do jornal Correio
do Povo, de Porto Alegre. Tornou-se sócio-proprietário de várias
fazendas e assessor de grandes fazendeiros gaúchos, trabalhando ainda para a
Secretaria de Agricultura de seu estado.
Em
julho de 1966, seu pai, tradicional integrante do antigo Partido Libertador
(PL), foi lançado candidato à eleição indireta para o governo do Rio Grande do
Sul pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), obtendo o apoio de uma ala da
Aliança Renovadora Nacional (Arena). Para garantir uma maioria favorável à
candidatura do governista Válter Peracchi Barcelos na Assembléia Legislativa
gaúcha, o presidente Humberto Castelo Branco cassou os mandatos de quatro
deputados estaduais do MDB.
Em
1968, Cirne Lima foi eleito presidente da Federação da Agricultura do Rio
Grande do Sul (Farsul). Nesse cargo, não seguiu a linha tradicional da
entidade, de pronunciamentos radicais contra a reforma agrária, enfatizando a
proposta de industrialização das regiões agrícolas como solução para o
aproveitamento da mão-de-obra excedente.
Com
a posse do general Emílio Garrastazu Médici na presidência da República em 30
de outubro de 1969, Cirne Lima foi nomeado ministro da Agricultura,
afastando-se na ocasião da docência universitária e da presidência da Farsul.
Em dezembro, anunciou a deflagração próxima de uma reforma agrária concebida
“em termos de colonização e divisão de terras”. Foi um dos poucos ministros a
visitarem nessa época a Câmara dos Deputados, reaberta depois de um longo
recesso subseqüente à edição do Ato Institucional nº 5 em 13 de
dezembro de 1968.
Em
abril de 1970 começaram a aparecer divergências – que posteriormente se
transformariam em conflito aberto – entre Cirne Lima e o então ministro da
Fazenda, Antônio Delfim Neto, em torno da taxação que este pretendia impor às
exportações de carne para combater a inflação. Contestando a posição de seu
colega, o ministro da Agricultura alegava que a produção gaúcha desse produto,
exportada em mais de 70%, não entrava no mercado abastecedor do centro do país,
onde se verificavam os aumentos que o governo queria evitar, devendo, portanto,
ficar excluída da taxação. As divergências foram temporariamente sanadas com a
adoção de duas outras medidas de combate à alta dos preços da carne, que não
incluíam a taxação das exportações.
Nesse
mesmo ano, uma grande seca assolou a região Nordeste, cujos problemas passaram
a ser encarados como prioridade pelo governo federal. Durante uma visita que o
presidente Garrastazu Médici fez aos flagelados, Cirne Lima falou da
necessidade de promover um grande fluxo migratório, que seria a estratégia
oficial implementada nessa época: “O Nordeste tem uma área de 1,6 milhão de
quilômetros quadrados e 30 milhões de habitantes. O Pará tem 1,2 milhão de
quilômetros quadrados e 1,2 milhão de habitantes”. Sendo as terras do primeiro
“áridas e inviáveis para a agricultura, de um modo geral”, e as do segundo
férteis, “não é preciso pensar muito para se concluir que a migração de flagelados
nordestinos para o sul do Pará, os vales úmidos do Maranhão e a região norte do
planalto Central seria uma grande solução”. No fim do mês de junho foi
anunciada a decisão governamental de construir a rodovia Transamazônica, na
qual Cirne Lima via “uma possível reedição da epopéia dos pioneiros americanos
em meados do século passado”.
Em
9 de julho de 1970, foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), com a função primordial de comandar o processo de colonização
da Amazônia, parte importante da chamada “política de integração nacional”. Um
ano mais tarde era criado o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo
à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), com o objetivo de solucionar
o problema do latifúndio nordestino.
Membro
em 1972 do Board of Trustees do Centro Internacional de Melhoramentos de Milho
e Trigo, sediado no México, cargo que ocuparia até 1978, Cirne Lima continuou
divergindo do principal condutor da política econômica do governo, Delfim Neto.
O ministro da Agricultura era favorável a uma redução da média anual de
crescimento econômico do país “com uma distribuição mais bem feita” da renda
nacional, o que, segundo ele, causaria mais impacto do que a manutenção de um
crescimento muito acelerado que não se traduzia em nenhuma melhoria social
sensível. Sem conseguir modificar a orientação oficial, Cirne Lima apresentou
em janeiro de 1973 seu primeiro pedido de demissão, que não foi aceito pelo
presidente.
Mas
as divergências continuaram. Com o objetivo de conter a inflação em 12% no ano
de 1973, o ministro Delfim Neto determinou, entre outras medidas, o
contingenciamento das exportações de carne, o confisco de 15% das receitas
cambiais arrecadadas por elas e a aplicação de um rígido tabelamento para as operações
dos frigoríficos no mercado interno. Discordando dessas medidas, no dia 9 de
maio Cirne Lima encaminhou ao presidente uma nova carta de demissão, enviando-a
simultaneamente aos serviços de telex do governo federal e às agências de
notícias.
A
carta elogiava os três primeiros anos do governo Médici, durante os quais
“colocaram-se a agricultura, o bem-estar e os interesses do homem rural em uma
posição incomparável em nossa história republicana”, e afirmava que isso
ocorrera graças à colonização da Amazônia (através do INCRA), ao Proterra – “o
mais válido esforço de distribuição de terras já feito no Brasil” – e à
implantação de centrais de abastecimento. Assinalava, porém, que o combate à
inflação havia produzido distorções “no sistema e nos métodos governamentais”,
já que “não se distribuíram igualmente os ônus e as responsabilidades dessa
tarefa”. Como conseqüência, a agricultura, “que nunca desejou nem foi
beneficiária da inflação, recebeu uma carga incomparavelmente mais pesada”.
A
carta ainda fazia críticas à atuação do capital estrangeiro, especialmente das
“corporações multinacionais”: “Infelizmente os mecanismos governamentais
visando o abastecimento interno, sem atingirem a estabilidade desejada pelo
consumidor urbano, mais têm favorecido o setor industrial e comercial da
exportação, crescentemente estrangeiro, e tornado cada vez menos brasileiros os
resultados da prosperidade do país”.
Cirne
Lima afirmava também que “o maior problema advém da debilidade das nossas
instituições, desproporcional ao crescimento de alguns poucos interesses dentro
do país”. O trecho mais conhecido da carta fazia referência ao ministro Delfim
Neto: “Reiterou-me, mais uma vez, um colega, também ministro de Vossa
Excelência, que o governo é um ente essencialmente aético, e como tal são
válidos todos os meios para atingir os fins desejados... Há entre essa
afirmativa e minhas convicções um grande abismo, não posso atravessá-lo. Sempre
acreditei que a verdade é melhor que a falsidade, e a coragem melhor que a
covardia. Hoje, confronto-me com meus próprios princípios”.
O
episódio da renúncia de Cirne Lima marcou um dos momentos culminantes da
censura à imprensa no Brasil. Além da publicação da carta pelos órgãos não
submetidos à censura prévia, como o Jornal do Brasil26 , pouco se
escreveu na época sobre o assunto. O jornal O Estado de São Paulo, que
adotara a prática de assinalar a intervenção da censura mediante a publicação,
no lugar das matérias vetadas, de versos de Camões, cartas de leitores e
receitas culinárias, publicou no dia seguinte, abaixo da manchete referente à
demissão, uma publicidade de estação de rádio onde se lia: “Agora é samba”. A
revista Veja, em vez de comentar o fato em matéria de seus
próprios redatores, citou o jornal Guaru News, de Guarulhos (SP),
para dar a entender que a demissão de Cirne Lima decorrera de
divergências com Delfim Neto. A Presidência da República divulgou apenas uma
nota de seis linhas, três das quais usadas para anunciar o nome do novo
ministro da Agricultura, José de Moura Cavalcanti.
Ao
desembarcar em Porto Alegre, Cirne Lima foi recebido por representantes das
classes empresariais gaúchas. Nos dias seguintes, Delfim Neto e outros
ministros refutaram suas críticas, e cerca de um mês depois foi a vez do
presidente Garrastazu Médici fazê-lo, durante pronunciamento à nação através de
uma cadeia de rádio e televisão.
Em
agosto de 1977, em depoimento prestado na Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) sobre o Sistema Fundiário, Cirne Lima afirmou que a dívida externa do
país, na época em torno de 30 bilhões de dólares, demonstrava que “o modelo se
esgotou e é hora de partir para mudanças mais profundas”. Denunciou o
distanciamento entre o povo e o poder e disse que “a institucionalização
política, o modelo econômico e a política agrária são hoje no Brasil três
pontos básicos e interdependentes”.
No
mesmo depoimento, qualificou a tentativa de solucionar o problema do latifúndio
nordestino pelo Proterra como “frustrante”. Segundo ele, o programa fora
concebido “como de natureza predominantemente social e distributivista e
destinado a promover mais fácil acesso do homem à terra na zona crítica do
Norte e do Nordeste”. Entretanto, transformara-se “em apenas mais uma linha de
crédito”, adquirindo assim um caráter “economicamente concentrador”.
Na
mesma época, Cirne Lima afirmou que “parece existir uma unanimidade, até mesmo
entre setores militares, de que é chegado o momento de se iniciar o processo de
institucionalização da revolução”, embora se manifestasse contrário à
convocação de uma assembléia constituinte. No final do ano, declarou ser
impossível pensar um Brasil democrático “se um terço de sua população, vivendo
no Nordeste, desfruta de apenas 13% da renda nacional”, e que a seca de 1970
havia sido “a experiência mais dolorosa e forte” de sua vida.
No
campo empresarial, passou a integrar, ainda em 1977, o conselho de
administração do jornal Gazeta Mercantil, no qual permaneceria até 1993,
e a diretoria da Empresa Agropecuária Plantel, cargo que ocuparia até
novembro de 1985, pertencentes ao grupo do deputado federal paulista Herbert
Levy.
Com
o fim do bipartidarismo, Cirne Lima tornou-se no início de 1980 membro da
direção nacional e o principal responsável pela organização da seção gaúcha do
Partido Popular (PP), agremiação liderada pelo deputado Jos
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de Magalhães Pinto e o senador Tancredo Neves. Com a incorporação do PP ao
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em fevereiro de 1982,
filiou-se a essa legenda.
Depois
de ter seu nome cogitado, em janeiro de 1986, para ocupar a pasta da
Agricultura no governo José Sarney (1985-1990), em substituição ao seu
correligionário do PMDB gaúcho Pedro Simon, em maio ingressou no Partido da
Frente Liberal (PFL). Na ocasião, admitiu estar trabalhando em prol de uma
ampla coligação ao governo gaúcho no pleito de novembro de 1986, mas negou ser
candidato a vice-governador numa chapa tripartidária, envolvendo o PMDB, o PFL
e o Partido Democrático Social (PDS). O pleito acabou sendo vencido por Pedro
Simon, que teve Sinval Guazelli como candidato a vice-governador.
Tornou-se
membro do conselho superior de orientação política e social da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e, em dezembro de 1993, da diretoria
da Companhia Petroquímica do Sul (Copesul). Empresário, constituiu a firma L.
F. Assessoria, Planejamento Rural e Comércio Ltda. Na condição de especialista
em pecuária, foi por diversas vezes juiz em concursos de bovinos e eqüinos em
exposições nacionais e internacionais.
Foi
casado com Míriam Obino Cirne Lima, com quem teve quatro filhos. Casou-se pela
segunda vez com Eunice Nequete.
Publicou
Contribuição ao estudo da raça Devon no Rio Grande do Sul (1956).
Mauro Malin
FONTES:
CASTELO BRANCO, C. Militares (2); CURRIC.BIOG.; FIECHTER, G. Regime;
Folha de São Paulo (28/11/85); Globo (9/5 e 9/9/86); Jornal do
Brasil (24/6 e 1/7/70; 10 e 16/5/73; 9/2, 13/6, 3 e 28/8 e 20/11/77 e
10/1/80); NÉRI, S. 16; Veja (24/12/69; 22/4 e 17/6/70); Who's
who in Brazil.