MANGABEIRA, Francisco
*rev. 1935; pres. Petrobras 1962-1963.
Francisco Mangabeira nasceu
no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 21 de outubro de 1909, filho
de João Mangabeira e de Constança Mangabeira. Seu pai foi deputado federal pela
Bahia em diversas legislaturas, participou da fundação do Partido Socialista
Brasileiro (PSB) em 1947, e ocupou as pastas das Minas e Energia (1962) e da
Justiça (1962-1963) durante o governo de João Goulart. Seu tio, Otávio
Mangabeira, foi eleito também deputado federal pela Bahia várias vezes, chefiou
o Ministério das Relações Exteriores entre 1926 e 1930, participou da
Assembléia Nacional Constituinte de 1946 e governou a Bahia de 1947 a 1951. O nome Mangabeira, árvore típica do sertão nordestino, foi adotado pelo bisavô de
Francisco na época da independência do Brasil, em substituição ao nome Faria,
original de sua família.
Francisco Mangabeira passou a infância na Bahia, onde
realizou com uma tia seus primeiros estudos. Com a eleição de seu pai para a
Câmara dos Deputados, a família transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde
Francisco cursou o secundário no Liceu Francês e fez os estudos preparatórios
no Colégio Andrade Moura. Antes de entrar para a Faculdade de Direito,
ingressou na Juventude Comunista, datando desse período o início do seu
interesse pelos problemas nacionais. Durante o curso superior, afastou-se das
idéias comunistas, continuando entretanto, conforme suas palavras, a adotar
posições “esquerdistas e antiimperialistas”. Diplomou-se em 1932, iniciando
então suas atividades profissionais como advogado da Caixa Econômica Federal.
Participação na Aliança Nacional Libertadora
Em
outubro de 1934, Francisco Mangabeira, Manuel Venâncio Campos da Paz, Aparício
Torelli, Roberto Sisson, Francisco Chicovate e Benjamim Soares Cabello
começaram a discutir a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), definida
como uma frente “pela libertação nacional e social do povo brasileiro”. Esse
grupo recebeu logo novas adesões, especialmente de intelectuais, profissionais
liberais e militares (como Trifino Correia, Herculino Cascardo e Carlos Costa
Leite), além de numerosos sindicatos e correntes políticas de oposição. O
Partido Comunista Brasileiro — então Partido Comunista do Brasil (PCB) — foi um
dos aderentes e obteve rapidamente uma influência predominante no movimento.
Francisco Mangabeira integrou a comissão provisória de
organização da ANL, junto com Herculino Cascardo, Roberto Sisson, Carlos
Amoreti Osório, Benjamim Cabello e Manuel Venâncio Campos da Paz. Em fevereiro
de 1935, essa comissão redigiu o manifesto-programa da organização, que
combatia o latifúndio, o fascismo (representado no Brasil pelo movimento
integralista) e a dependência econômica do país em relação ao capital
estrangeiro, além de defender a implantação de uma indústria pesada nacional.
A
fundação oficial da ANL ocorreu em 12 de março de 1935 data da primeira reunião
de seu diretório nacional, composto pelos membros da antiga comissão provisória
e mais Trifino Correia, Carlos Costa Leite, Valfredo Caldas, Horácio Valadares,
o deputado Abguar Bastos e Herculino Cascardo. Este último foi escolhido para a
presidência do movimento, cuja ata de fundação foi assinada por Francisco
Mangabeira, entre outros, no dia 23 de março. Uma semana depois, durante o ato
de lançamento da ANL realizado no teatro João Caetano, no Rio, o estudante de
direito Carlos Lacerda propôs o nome do líder comunista Luís Carlos Prestes
para a presidência de honra da organização. Essa proposta foi aprovada por
aclamação, apesar de não ter sido apoiada por vários organizadores do ato.
Francisco
Mangabeira passou em seguida à condição de secretário do diretório nacional da
ANL, colaborando também com o jornal A Manhã, porta-voz do movimento,
fundado e dirigido por Pedro Mota Lima. Na redação desse órgão trabalhavam
também, entre outros, Jorge Amado, Maurício de Lacerda, Anísio Teixeira, Josué
de Castro, Caio Prado Júnior, Hermes Lima, Álvaro Moreira e Rubem Braga.
A ANL transformou-se rapidamente em um amplo movimento de
massas de âmbito nacional, mas passou a sofrer uma forte repressão a partir da
promulgação, em 4 de abril de 1935, da primeira Lei de Segurança Nacional da
história brasileira. Nesse período, aumentou o número de choques de rua entre
aliancistas e integralistas, um dos aspectos do processo de radicalização
política em curso. Segundo Robert Levine, as autoridades não molestavam
significativamente os integralistas, enquanto que, com a cobertura legal
oferecida pela Lei de Segurança, tornaram-se freqüentes as intervenções da polícia
nos comícios e órgãos de imprensa da ANL, bem como a prisão de seus militantes.
No dia 5 de julho, a ANL programou manifestações públicas em
todo o país para comemorar o aniversário dos levantes tenentistas de 1922 e
1924. Nessa ocasião, foi divulgado um manifesto escrito por Luís Carlos Prestes
conclamando, em tom insurrecional, à luta pelo poder. O documento, que segundo
Francisco Mangabeira foi elaborado à revelia do diretório nacional da ANL, foi
o estopim da crise que provocou, em 11 de julho, o fechamento da entidade pelo
governo de Getúlio Vargas. Melhor preparados para a clandestinidade, os
comunistas consolidaram então sua hegemonia sobre a ANL. Alguns membros do
movimento se desligaram, enquanto outros procuravam dar continuidade ao trabalho
através de novas entidades, como a Aliança Popular por Pão, Terra e Liberdade,
fundada em 22 de agosto sob a presidência de Maurício de Lacerda, com a
participação de Francisco Mangabeira, Abguar Bastos, Otávio da Silveira, Filipe
Moreira Lima, Manuel Venâncio Campos da Paz, Roberto Sisson e outros. Em
outubro seguinte, Mangabeira fundou o semanário Marcha para divulgar as
idéias do movimento e combater o integralismo.
Pressionados pelo fechamento da ANL e entendendo que as
condições gerais do país eram favoráveis, os comunistas passaram a defender e
preparar a deflagração de um levante armado para derrubar o governo de Vargas.
Os líderes aliancistas contrários a ações dessa natureza foram mantidos à
margem dos preparativos, que resultaram na eclosão de levantes em Natal, Recife
e Rio de Janeiro nos dias 23, 24 e 27 de novembro, respectivamente. O movimento
foi rapidamente sufocado, dando lugar a uma violenta onda de repressão em todo
o país, com a decretação do estado de sítio e a prisão de milhares de oposicionistas
de todos os matizes políticos, inclusive Francisco Mangabeira.
Em seu depoimento à polícia do Distrito Federal, ele negou
ser militante comunista, afirmando sua condição de socialista. Declarou-se
inocente de qualquer tipo de participação no levante e ressaltou que, embora a
ANL contasse com o apoio do PCB, não se tratava de um movimento de caráter
comunista. Muitos anos depois, em seu livro João Mangabeira: república e
socialismo no Brasil, Francisco declarou que no momento de sua prisão, em
27 de novembro, não estava informado sequer dos acontecimentos de Natal,
ocorridos quatro dias antes, desconhecendo portanto os motivos da ação
policial.
Em fevereiro de 1936, seu pai, deputado João Mangabeira,
impetrou habeas-corpus em favor de Francisco e outros intelectuais
presos a bordo do navio Pedro I alegando que a prorrogação do estado de
sítio era ilegal, mas o pedido foi recusado por maioria de votos no Supremo
Tribunal Federal (STF). No mês seguinte, o próprio João Mangabeira foi preso
junto com o senador Abel Chermont e os deputados Domingos Velasco, Abguar
Bastos e Otávio da Silveira, sob a acusação de formarem um comitê parlamentar
vinculado às atividades clandestinas do PCB.
No dia 7 de maio de 1937, depois de permanecer detido durante
um ano e quatro meses, Francisco Mangabeira foi julgado pelo Tribunal de
Segurança Nacional e condenado a seis meses de prisão, sendo libertado em seguida. Demitido da Caixa Econômica Federal, passou a exercer a advocacia liberal
permanecendo afastado de qualquer atividade política. Em 13 de setembro
seguinte, o Supremo — hoje Superior — Tribunal Militar (STM) confirmou o
resultado do julgamento realizado na primeira instância.
As medidas repressivas adotadas pelo governo a partir de 1935
e renovadas nos dois anos seguintes culminaram com o golpe de Estado chefiado
pelo próprio presidente Vargas que, em 10 de novembro de 1937, implantou o
Estado Novo.
Na presidência da Petrobras
Em maio de 1945, Francisco Mangabeira defendeu tese na
Universidade do Brasil, no Rio, obtendo o título de doutor em direito. Nessa época, já estava adiantado o processo de enfraquecimento do Estado Novo, que
prosseguiu até a derrubada de Vargas em 29 de outubro seguinte por um golpe
militar chefiado pelos generais Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis
Monteiro. Em dezembro, Dutra foi eleito presidente da República e, com a
formação do novo governo, Francisco Mangabeira passou a integrar a Comissão
Nacional de Abastecimento e Preços.
Em
1947, Francisco Mangabeira considerou prematura a formação do PSB, que contou
com a adesão de seu pai, por considerar que, no lugar de um partido, cabia a
organização de uma “frente popular”. A partir de novembro desse ano, tornou-se
por concurso livre-docente de direito internacional público da Universidade do
Brasil, permanecendo sem filiação partidária até 1950, quando aderiu ao PSB
durante a campanha de seu pai para a presidência da República. Nesse período,
foi um dos fundadores e delegado-geral da Juventude Operária Católica (JOC),
segmento da Ação Católica Brasileira, trabalhando em contato direto com dom
José Távora, bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Em abril de 1953, prestou com
êxito novo concurso de livre-docência para a cadeira de economia política da
Universidade do Brasil.
Em
17 de janeiro de 1962, Francisco Mangabeira foi nomeado pelo presidente João
Goulart para dirigir a Petrobras. Nesse mesmo ano, foi acusado por um deputado
de promover irregularidades na compra de gás argentino, mas refutou
essas afirmações, produzidas, segundo ele, a partir de engenheiros que haviam
sido afastados do quadro de funcionários da empresa. Segundo Isaltino Pereira
(encarregado por Mangabeira das ligações da Petrobras com o movimento
sindical), os responsáveis pela documentação fornecida ao deputado teriam sido
alguns dirigentes do Sindicato dos Petroleiros, mas mesmo assim a campanha
contra Mangabeira teria sido suspensa graças ao apoio prestado pelos
trabalhadores à sua gestão.
Mangabeira convocou o general Carlos Pacheco Dávila e o
estudante Válter Gomes, do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO), para
efetuarem uma ligação permanente entre a Petrobras e os setores nacionalistas
que a defendiam, especialmente nos meios militar e estudantil. Promoveu também
a criação da Assessoria Geral de Contratos e o início das atividades no setor
de distribuição de derivados de petróleo, através da formação de um
departamento especializado.
Segundo Carlos Castelo Branco, em janeiro de 1963, logo após
o retorno ao regime presidencialista, o presidente João Goulart manifestou o
desejo de afastar Francisco Mangabeira de suas funções, o que provocou uma
reação por parte de seu pai, então ministro da Justiça, que encarava essa
possibilidade como resultado de pressões norte-americanas “para sacrificar os
altos funcionários acusados de hostis aos Estados Unidos”. Para ele, a demissão
do presidente da Petrobras representaria uma primeira capitulação à qual se
seguiriam outras, especialmente graves na época em que o governo estava
examinando a encampação das refinariais particulares de petróleo. João Goulart,
entretanto, considerava que Francisco Mangabeira não possuía “a visão e a
autoridade do pai”, terminando por exonerá-lo do cargo em 6 de agosto de 1963. A encampação das refinarias, tese defendida, entre outros, pelo governador gaúcho Leonel
Brizola, foi efetivada durante o Comício da Central do Brasil, em 13 de março
de 1964.
Em
31 de março desse ano o governo foi deposto por um movimento político-militar
que levou o general Humberto Castelo Branco ao poder. Dez dias depois,
Francisco Mangabeira teve seus direitos políticos cassados e foi aposentado de
sua cátedra na Universidade do Brasil com base no Ato Institucional nº 1, que
inaugurou o processo de punições extralegais aos adversários do novo regime.
Novamente demitido por motivos políticos de suas funções como procurador da
Caixa Econômica Federal, nos anos seguintes Mangabeira permaneceu afastado de
atividades políticas, sendo reintegrado a essa instituição depois da anistia
decretada em 28 de agosto de 1979 pelo presidente João Batista Figueiredo.
Em abril de 1980, viajou para Salvador a fim de organizar as
comemorações pelo centenário do nascimento de seu pai. Nessa ocasião, afirmou
que os socialistas deviam participar do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) porque a reforma da legislação partidária promovida pouco
antes pelo governo não era suficientemente ampla para permitir a reorganização
do Partido Socialista. Considerou “uma ilusão” a idéia de alguns socialistas
solicitarem o registro desse partido na Justiça Eleitoral.
Francisco Mangabeira foi também professor catedrático de
economia política da Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro e
professor do Instituto Rio Branco. Diplomou-se pela Escola Superior de Guerra
(ESG) e ingressou em seguida na Associação dos Diplomados desse estabelecimento
de ensino.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 19 de março de 1993.
Era casado com Aurora Gonçalves Mangabeira, com quem teve
quatro filhos.
Publicou O progresso econômico e a questão social (tese
para o concurso de cátedra de economia política, 1959), Imperialismo,
petróleo, Petrobras (1964) e João Mangabeira: república e
socialismo no Brasil (1979).
Sônia
Dias
FONTES: ARQ. DEP.
PESQ. JORNAL DO BRASIL; CARNEIRO, G. História; CASTELO BRANCO, C.
Introdução; CORRESP. PETROBRAS; DULLES, J. Anarquistas; ENTREV.
BIOG; Globo (20/3/93); Jornal do Brasil (7/4/74, 27/2/78, 11 e
12/4 e 3/8/80); LEVINE, R. Vargas; MACEDO, R. Efemérides;
MANGABEIRA, F. João; MENESES, R. Dic.; PORTO, E. Insurreição;
SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; TAVARES, J. Radicalização.