MANGABEIRA,
João
*dep. fed. BA 1909-1911 e 1915-1929; sen. BA
1930; dep. fed. BA 1935-1937 e 1947-1950; cand. pres. Rep. 1950; min. Minas
e En. 1962; min. Just. 1962-1963.
João Mangabeira nasceu
em Salvador no dia 26 de junho de 1880, filho do farmacêutico Francisco
Cavalcanti Mangabeira e de Augusta Cavalcanti Mangabeira. Seu irmão Otávio foi
deputado federal pela Bahia em diversas legislaturas, ministro das Relações
Exteriores de 1926 a 1930, constituinte em 1946 e governador da Bahia entre
1947 e 1951. O nome Mangabeira — árvore típica do sertão nordestino — foi
adotado pelo avô de João na época da independência do Brasil, no lugar do nome
Faria.
Realizou seus primeiros estudos na capital baiana. Em 1891,
durante o curso preparatório, organizou junto com Gustavo de Viana Kelsh e
outros estudantes secundários o grêmio literário A Evolução, em cujas reuniões
se discutia o problema da evolução social e do progresso. Durante o curso
superior realizado na Faculdade de Direito de Salvador, ingressou na redação do
jornal A Bahia, defendendo soluções republicanas e democráticas para os
problemas do país. Em 1896, seu penúltimo ano na faculdade, eclodiu a Guerra de
Canudos, rebelião popular de cunho messiânico ocorrida no sertão baiano sob a
liderança de Antônio Conselheiro, que resistiu a diversas expedições militares
governamentais. Seus irmãos mais velhos, Francisco e Carlos (estudantes de
medicina e farmácia, respectivamente), alistaram-se como voluntários para os
serviços de assistência médica às tropas legalistas. A prática de degolamento
de sertanejos capturados levou-o a redigir um violento manifesto junto com seu
colega de turma Bernardino Madureira de Pinho, condenando, em nome dos acadêmicos
baianos, esse “barbarismo indigno de um povo civilizado e afrontoso às
tradições da Bahia”. O documento exigia que o governo encontrasse uma forma de
reparar o morticínio, posição semelhante à que Rui Barbosa defendia no Senado
Federal.
Formado em ciências jurídicas e sociais em 1897, com 17 anos
transferiu-se para Ilhéus (BA), região de grandes fazendas de cacau, onde
começou a praticar a advocacia, atividade a que se dedicou durante toda a vida.
Obtendo rápida projeção por sua atuação profissional, tornou-se amigo de alguns
fazendeiros importantes na política estadual como Henrique Alves, Antônio
Bonfim, Pedro Catalão, Eusínio Lavigne e João Amado de Faria (pai do escritor
Jorge Amado). Esse relacionamento propiciou seu ingresso na política de Ilhéus,
onde fundou o jornal A Luta, que dirigiu até 1907, fazendo oposição às forças
dominantes no município.
Em 1906, quando o governador baiano José Marcelino de Sousa
(1904-1908) passou por Ilhéus, Mangabeira foi escolhido por seus
correligionários para falar em nome da cidade. Segundo seu filho e biógrafo
Francisco Mangabeira, esse episódio foi decisivo para seu futuro político, pois
foi convidado a integrar a comitiva que acompanhou o governador até o Rio de
Janeiro, então Distrito Federal. Tornou-se assim amigo de José Marcelino, cujo
apoio favoreceu sua rápida ascensão política, iniciada ainda em 1906, quando
foi eleito deputado estadual.
A sucessão baiana de 1907
A
tradição segundo a qual o governador em exercício indicava seu sucessor ainda
não estava plenamente estabelecida na Bahia em 1907, principalmente porque o
Partido Republicano desse estado (PRB), dominante na política local, tinha dois
chefes de grande peso, o governador José Marcelino e o senador Severino Vieira.
Ambos consideravam que a indicação do próximo chefe do governo seria o
principal teste de sua futura liderança. Por outro lado, a situação se
complicara com o ingresso de políticos novos, que iniciaram sua atividade
depois de 1899 e, de modo geral, eram mais leais a personalidades do que ao PRB
em si, como os irmãos Miguel e Antônio Calmon, Pedro Lago e o próprio
Mangabeira. A maioria dos chefes políticos do interior se inclinava a apoiar o
nome indicado pelo governador, que durante seu mandato servira de intermediário
para a obtenção de ajuda federal, participara da articulação de acordos
eleitorais e estabelecera contatos com os partidos republicanos do Sul do país.
Os “coronéis” dos municípios litorâneos, entretanto, estavam divididos.
Nessa época, João Mangabeira foi nomeado prefeito de Ilhéus
(cargo que acumulou com o de deputado estadual), passando a apoiar João
Ferreira de Araújo Pinho, candidato ao governo estadual ligado à facção de José
Marcelino e do “coronel” Antônio Pessoa, ex-prefeito da cidade. Os adversários
locais de Pessoa definiram-se favoravelmente à candidatura de Joaquim Inácio
Tosta, lançado pela convenção estadual do PRB que havia sido convocada por
Severino Vieira. A eleição de 1907 foi disputada arduamente, rompendo o
relativo equilíbrio existente entre as elites políticas estaduais desde 1895 e
conduzindo à destruição do partido governamental. Segundo Eul-Soo Pang, a
expansão das plantações de cacau “em Ilhéus havia criado um ambiente de rápido
crescimento”, radicalizando a disputa entre as duas facções locais do PRB, cujos
conflitos provocaram a morte de soldados da polícia e de muitos lavradores. Em
28 de março de 1908, Araújo Pinho foi declarado vencedor do pleito.
A gestão de Mangabeira na prefeitura de Ilhéus, entre 1907 e
1911, foi marcada por uma série de melhoramentos na cidade, como a instalação
do sistema de água e esgoto, o início da construção dos serviços de iluminação
e energia elétrica, o calçamento das principais vias públicas com
paralelepípedos, a abertura de novas ruas e o alargamento de outras, a construção
de escolas e a generalização da cobrança de impostos.
No
pleito de março de 1909, João Mangabeira foi eleito deputado federal pelo
segundo distrito da Bahia para a legislatura de 1909 a 1911, tendo sido o
oitavo candidato mais votado num total de 22. Acumulando esse mandato com a
prefeitura de Ilhéus, participou da Comissão de Reconhecimento de Poderes da
Câmara, que era responsável pela ratificação da eleição dos deputados, já que
nessa época inexistia a Justiça Eleitoral. Foi encarregado de relatar as
eleições do terceiro distrito do antigo estado do Rio de Janeiro que, como em
todo o interior do país, haviam sido fraudadas. Os chefes dos governos
fluminense, Alfredo Backer, e federal, Afonso Pena, pressionaram para que os
candidatos oposicionistas do estado, partidários de Nilo Peçanha, não tivessem
sua eleição reconhecida pela Câmara, mas Mangabeira se recusou a aceitar
qualquer interferência em seu trabalho. Diante da impossibilidade de se
processarem novas eleições, propôs que os dois candidatos mais votados de cada
lado fossem diplomados. O governo federal, insatisfeito com essa solução,
procurou afastar Mangabeira da comissão, mas o apoio prestado ao deputado por
Rui Barbosa e José Marcelino em nome da Bahia garantiu sua permanência e a
validade do seu parecer. Pouco depois, em junho de 1909, Afonso Pena faleceu e
Nilo Peçanha ascendeu à presidência, determinando a imediata “degola” dos
antigos situacionistas do estado do Rio, cujo reconhecimento já era tido como
certo. Apesar de integrar a maioria governamental, Mangabeira também se opôs a
essa manobra, tendo conseguido fazer prevalecer seu ponto de vista na comissão
pela diferença de apenas um voto. Sua atuação nessa fase foi elogiada por Rui
Barbosa, o que marcou o início da colaboração e amizade entre os dois.
Na Campanha Civilista
Por
outro lado, logo no começo da legislatura de 1909, foram iniciadas as
articulações para as eleições presidenciais marcadas para março de 1910. A
desistência de Davi Campista em aceitar a indicação do seu nome e a organização
de uma chapa situacionista — ainda no governo de Afonso Pena — composta pelo
marechal Hermes da Fonseca e um político a ser indicado por Minas Gerais
levaram o grupo dominante em São Paulo a preparar o lançamento de um candidato
de oposição. Desencadeou-se então intensa campanha liderada por Rui Barbosa e
Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, presidente de São Paulo, visando alertar a
opinião pública para o caráter militar da candidatura de Hermes da Fonseca e
apresentar uma alternativa civil. Essa alternativa foi a candidatura do próprio
Rui Barbosa, lançada pelo Partido Republicano Paulista (PRP) e imediatamente
confirmada pela Bahia. A propaganda foi intensa, com a organização de caravanas
e a utilização de trens e navios especialmente fretados para levar Rui Barbosa
e seus adeptos a todo o território nacional.
Aderindo à chamada Campanha Civilista, João Mangabeira
participou de diversos comícios através dos quais adquiriu grande prestígio,
sobretudo na Bahia e em São Paulo, onde seu nome aparecia em cartazes ao lado
de Maurício de Lacerda, Pedro Moacir, Irineu Machado, Alexandre José Barbosa
Lima e Pinto da Rocha. Em junho de 1909, foi intensamente aplaudido ao defender
da tribuna da Câmara, em nome da bancada baiana, a renovação política do país,
em resposta a um discurso do deputado gaúcho Germano Hasslocher.
Apoiada por algumas oposições estaduais, a candidatura do
marechal Hermes da Fonseca foi vitoriosa nas eleições de 1910. Seu mandato
presidencial começou em novembro e, a partir do ano seguinte, as oposições de
diversos estados alinhadas com o novo governo federal passaram a utilizar
contingentes das forças armadas, para atacar os grupos situacionistas locais,
iniciando-se assim o chamado período das “salvações militares”. Nessa época, Mangabeira
assumiu o posto de redator-chefe do Diário de Notícias, no Rio.
Em
meados de 1911, a oposição baiana começou a articular a candidatura de José
Joaquim Seabra ao governo do estado para as eleições de 12 de janeiro de 1912,
contando com o apoio do Partido Republicano Democrata (PRD) e de uma
dissidência do PRB. Apesar da manifesta hostilidade dos situacionistas
estaduais, esse candidato contava com o apoio da maioria do Exército e do
funcionalismo público. Com a renúncia do governador Araújo Pinho em 30 de
novembro de 1911, o presidente da Câmara estadual, Aurélio Rodrigues Viana,
assumiu a chefia do governo baiano, tentando dificultar a participação dos
parlamentares partidários de Seabra na sessão legislativa que reconheceria o
candidato eleito. O período final da campanha eleitoral foi marcado por uma
grave crise político-militar que resultou em combates de rua em Salvador entre
tropas federais e estaduais e no bombardeio da cidade pelas fortalezas situadas
em seu próprio perímetro urbano. Com o palácio do governo destruído, Aurélio
Viana renunciou e Seabra tomou posse em 29 de janeiro de 1912, apoiado pelo
presidente Hermes da Fonseca.
Com
o bombardeio da capital baiana, João Mangabeira se transferiu para Ilhéus, onde
estava sua base eleitoral. Devido à sua participação na Campanha Civilista não
teve sua reeleição reconhecida pela nova Câmara Federal. Em 1914, contudo,
candidatou-se novamente à Câmara dos Deputados, sendo eleito junto com Pedro
Lago e Miguel e Antônio Calmon pela oposição, formada pelo PRB e o Partido
Republicano Conservador (PRC). Seu irmão Otávio Mangabeira conquistou o mesmo
mandato na legenda do PRD, que obteve 14 dos 22 lugares destinados à bancada
federal baiana.
Iniciada
a legislatura em maio de 1915, Mangabeira dedicou-se junto com Rui Barbosa à
campanha contra a neutralidade adotada pelo governo de Venceslau Brás diante da
Primeira Guerra Mundial. Nesse período, Rodrigues Alves, Epitácio Pessoa,
Carlos Peixoto e muitas outras personalidades da vida política brasileira
manifestavam velada simpatia pelos alemães. Quando finalmente foi declarada
guerra à Alemanha em outubro de 1917, o governo solicitou ao Congresso
autorização para decretar o estado de sítio em todo o território nacional. João
Mangabeira se opôs à aprovação dessa medida, pois, além de tornar a guerra
impopular, o estado de sítio geral não era permitido pela Constituição de 1891.
Durante os debates na Câmara, sugeriu a adoção do estado de sítio apenas nas
regiões onde havia grande influência da colonização alemã. Ainda durante essa
legislatura, Mangabeira foi relator da Comissão Especial Organizadora do Código
Penal Militar. Em 1918 teve seu mandato renovado, o que viria a ocorrer
sucessivamente até 1929.
Para
as eleições presidenciais de abril de 1919, a oposição ao governo federal
começou a articular nova campanha, liderada por Nilo Peçanha, Paulo de Frontin,
Francisco Rosa e Silva, João Mangabeira e José Eduardo de Macedo Soares, entre
outros, que pretendiam combater o candidato oficial Epitácio Pessoa. Os
oposicionistas tentaram demover Rui Barbosa da idéia de aceitar uma nova
candidatura mas não o conseguiram e acabaram sendo derrotados. Com a posse de
Epitácio Pessoa, a oposição baiana começou a articular um movimento de unificação
liderado por Rui Barbosa, visando derrotar no pleito estadual de dezembro
seguinte o PRD de Seabra, que apoiara Epitácio Pessoa. Apesar da aliança
firmada pelas facções de João Mangabeira, Luís Viana, Pedro Lago e outros, em
meados de outubro a oposição não definira ainda o nome do seu candidato para o
governo estadual, e não contava com uma estrutura partidária organizada. Rui
Barbosa estava mais interessado em derrotar eleitoralmente Seabra do que em
assumir o governo. Por outro lado, a escolha de um político jovem destruiria a
frágil unidade obtida entre as oposições, pois Pedro Lago, João e Otávio
Mangabeira (que saíra do PRD em julho, levando consigo muitos partidários),
Miguel e Antônio Calmon, e Ernesto Simões Filho eram contemporâneos e tinham o
mesmo peso na política estadual. O problema foi resolvido com a candidatura do
juiz federal Paulo Martins Fontes, lançada pela comunidade comercial e
financeira de Salvador.
Mais uma vez, a violência predominou durante a campanha. João
Mangabeira participou de diversos comícios pelo interior, especialmente na
região do Recôncavo Baiano, onde Rui Barbosa concentrou sua atuação em favor do
candidato oposicionista. Mesmo assim, dizia-se que Mangabeira e Pedro Lago
estavam financiando e armando os “coronéis” do vale do rio São Francisco
contrários ao PRD e tentando subornar o destacamento local da Força Pública.
Com a realização do pleito em 29 de dezembro, ambos os lados reivindicaram para
si a vitória, agravando as tensões e os conflitos armados em curso. A
verificação dos resultados pela Assembléia estadual, dominada pelo PRD, foi
extremamente lenta, estendendo-se por todo o mês de fevereiro de 1920, em meio
a uma situação de virtual guerra civil. No fim desse mês, foi decretada a
intervenção federal no estado e, na primeira semana de março, os “coronéis” do
interior aceitaram as condições propostas pelo governo de Epitácio Pessoa, ao
mesmo tempo em que o Legislativo estadual se reuniu para proclamar Seabra
governador.
Durante todo o governo de Epitácio Pessoa, João Mangabeira se
manteve na oposição, em apoio a Rui Barbosa. Mesmo assim, ambos apoiaram no
Congresso a decretação do estado de sítio no Rio de Janeiro solicitada pelo
governo devido à eclosão da revolta tenentista de 5 de julho de 1922 em protesto
contra a eleição da Artur Bernardes à presidência da República e contra as
punições impostas por Epitácio Pessoa à diretoria do Clube Militar.
Empossado em novembro de 1922, Bernardes enfrentou de
imediato uma grave crise no estado do Rio, onde dois candidatos — Raul
Fernandes e Feliciano Sodré, este apoiado pelo presidente da República — também
se consideravam eleitos para o governo. A violência atingiu tal intensidade que
Bernardes nomeou Aureliano Leal interventor federal no estado. Em 1923, o processo
relativo a essa medida foi enviado à Câmara, sendo analisado em primeiro lugar
pela Comissão de Constituição e Justiça, presidida por Afrânio de Melo Franco e
composta por Juvenal Lamartine (relator do processo), João Mangabeira, Lindolfo
Pessoa, Artur Lemos, Henrique Borges, Godofredo Maciel, Heitor de Sousa,
Solidônio Leite e Prudente de Morais Filho. Este último foi o único que
discordou da decisão de aprovar a nomeação do interventor federal encarregado
de organizar novas eleições, vencidas afinal por Feliciano Sodré.
Em
1925, durante a Conferência de Montevidéu, Mangabeira participou da Comissão de
Diplomacia e Tratados, destacando-se no debate sobre policiamento das
fronteiras e repressão a movimentos subversivos. Nesse período, a política
baiana passou a ser dominada por uma nova coalizão, formada pelos adeptos de
Miguel Calmon, Otávio Mangabeira (que liderava o grupo Mangabeira na política
estadual) e ex-partidários de Seabra. Segundo Eul Soo-Pang, “a mistura dos
tradicionais interesses agrários dos Calmon e as forças populistas urbanas dos
Mangabeira, para não mencionar os ex-chefes do PRD de Seabra, constituía um
precário equilíbrio de poder”. Essa coalizão foi consolidada em agosto de 1925,
quando da reunião que escolheu dois representantes do grupo de Calmon e um dos
Mangabeira para comparecerem à convenção que escolheria o candidato à
presidência da República, no Rio.
Na
reabertura dos trabalhos parlamentares em maio de 1926, ainda no governo
Bernardes, João Mangabeira substituiu Herculano de Freitas como líder da
bancada governista na Câmara. Nesse momento teve início o segundo turno da
tramitação do projeto de reforma constitucional proposto pelo presidente da
República desde 1924. O projeto de Bernardes, cujas linhas dominantes eram a
proteção da economia nacional e o fortalecimento do Executivo para fazer frente
à instabilidade política, encontrara a oposição de um grupo pequeno mas eficaz,
o que obrigara o governo a reformar o regimento interno da Câmara e a retirar a
maioria de suas propostas, visando garantir assim a aprovação das que
considerava essenciais. Em 3 de setembro, finalmente, o Senado aprovou as
emendas de Bernardes, as quais, de modo geral, diziam respeito à intervenção
federal nos estados, às atribuições do Poder Legislativo, à competência da
Justiça Federal e aos direitos e garantias individuais.
A sucessão de movimentos armados iniciada em 1922 foi
interrompida depois da posse de Washington Luís na presidência da República em
novembro de 1926. Com o exílio da Coluna Miguel Costa-Prestes na Bolívia em
fevereiro do ano seguinte, deixou de existir o último foco de rebelião armada
contra o governo em território brasileiro, fato inédito nos últimos anos. A
partir de então, João Mangabeira passou a defender a anistia geral para os revolucionários,
pois, segundo ele, esta “era uma medida não somente humana, mas ainda de defesa
da legalidade, da ordem e da liberdade”. Washington Luís, contudo, continuou
contrário à concessão da anistia.
Nesse
ínterim, em janeiro de 1927, foi fundado o novo Partido Republicano da Bahia,
que desde o início promoveu uma reorganização de forças na política estadual.
Logo na primeira convenção, os Calmon tentaram absorver os antigos adeptos de
Seabra e dominar o partido, mas encontraram forte oposição dos Mangabeira. Para
superar o impasse, foi solicitada a intervenção de Washington Luís, que
resultou na assinatura de um documento estabelecendo a distribuição dos cargos
para cada facção: a ala Mangabeira receberia três dos nove lugares da comissão
executiva do PRB, um terço dos 42 deputados estaduais e oito das 22 cadeiras de
deputado federal. Por outro lado, Miguel Calmon seria eleito senador federal
pelo PRB em 1927, e o novo governador seria Vital Soares, seu correligionário.
Os antigos seabristas foram colocados de lado, sendo pouco depois absorvidos
pelas duas facções.
As eleições de 1927 constituíram a primeira evidência de que
o compromisso entre os Mangabeira e os Calmon estava funcionando. Tendo o seu
mandato para a Câmara Federal renovado, João Mangabeira voltou a integrar na
legislatura seguinte a Comissão de Constituição e Justiça, mais uma vez
presidida por Afrânio de Melo Franco.
A sucessão de Washington Luís
A questão sucessória começou a ser discutida em 1928, embora
o presidente Washington Luís ainda tivesse mais dois anos de governo. Júlio
Prestes, presidente de São Paulo, surgiu como candidato oficial, contrariando
os interesses do Partido Republicano Mineiro (PRM) que, no decorrer do ano
seguinte, se aproximou dos principais líderes gaúchos e lançou a candidatura
oposicionista de Getúlio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul. Os
entendimentos entre as forças dominantes desses dois estados criaram as
condições para a formação da Aliança Liberal, coligação oposicionista apoiada
também pelo governo da Paraíba, pelas oposições de outros estados e por
integrantes do movimento tenentista.
Depois de alguma indecisão, João Mangabeira optou pela
candidatura de Júlio Prestes. Além do bom conceito que tinha do presidente
paulista, foi influenciado pelo fato de que seus correligionários na Bahia
haviam optado pelo apoio à chapa situacionista, cuja vice-presidência era
ocupada pelo governador baiano, Vital Soares. Seu apoio aos candidatos
oficiais, entretanto, não impediu que mantivesse as melhores relações com os
líderes da Aliança Liberal, sobretudo João Neves da Fontoura e Osvaldo Aranha.
As
eleições foram realizadas em 1º de março de 1930. Em 13 de maio, pouco antes da
divulgação dos resultados, Mangabeira proferiu uma conferência sobre Rui
Barbosa no Teatro Municipal de São Paulo, a convite de estudantes desse estado.
A chapa situacionista foi afinal declarada vencedora do pleito presidencial,
provocando enérgica reação de setores oposicionistas que denunciaram a fraude e
a violência presentes em todo o processo eleitoral e aceleraram a preparação de
um movimento revolucionário contra o governo federal. Em Salvador, as
principais facções do PRB se reuniram para debater a sucessão de Vital Soares,
já que o compromisso assumido em 1927 por Miguel Calmon e Otávio Mangabeira
dissera respeito às eleições daquele ano, tornando-se necessário novo acordo
para 1930. Vital Soares lançou a candidatura de Simões Filho, editor de
A Tarde e líder da bancada baiana, recusada pelos irmãos Mangabeira.
Miguel Calmon defendeu o nome de Pedro Lago, enquanto Frederico Costa declarava
que sua facção aceitaria qualquer candidato indicado por Washington Luís. O
acordo foi finalmente obtido em meados de junho, com plena aprovação do
presidente da República e de Júlio Prestes: Frederico Costa assumiria
interinamente o governo estadual até a eleição de Pedro Lago para esse cargo,
cabendo a João Mangabeira a cadeira de senador federal pela Bahia.
Em 3 de outubro, contudo, foi deflagrada a revolução no Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, que conduziu à deposição de Washington
Luís e à formação do Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas. Com o
fechamento dos órgãos legislativos do país, Mangabeira perdeu seu mandato e
passou a dedicar-se exclusivamente à advocacia.
Na constitucionalização do país
No início de 1932, intensificaram-se as pressões exercidas
por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul em favor da constitucionalização do
país, opondo-se à permanência do estado de exceção defendida pelos
revolucionários mais radicais. Em 24 de fevereiro, Vargas assinou a nova Lei
Eleitoral, uma das exigências da Frente Única Gaúcha (FUG). No dia seguinte,
foi empastelado o Diário Carioca, órgão de oposição ao tenentismo e que se
destacara na luta por essa lei. Ante a relutância do governo em apurar as
responsabilidades, Maurício Cardoso pediu demissão do Ministério da Justiça no
dia 29, sendo acompanhado nessa atitude por outros políticos igualmente ligados
à FUG que integravam a administração federal, agravando ainda mais a crise
política.
Em
16 de março de 1932, o jornal carioca Correio da Manhã publicou uma longa
entrevista de João Mangabeira em que este defendia a necessidade de realização
de reformas políticas para dotar o país de uma nova Constituição. Opondo-se
àqueles que consideravam necessário o prolongamento do regime de exceção porque
a revolução ainda não atingira seus objetivos, Mangabeira argumentava que até a
aprovação final de uma nova Constituição já se teria passado tempo suficiente
para que o Governo Provisório cumprisse seus objetivos. Ainda nessa entrevista,
declarou que “todo o surto revolucionário deve ser, por definição, um movimento
para a esquerda, procurando atender, por soluções políticas, traduzidas afinal
em fórmulas jurídicas, os interesses, as necessidades, os sofrimentos das
massas, espoliadas pelas minorias venturosas... O papel dos governos, sobretudo
os revolucionários, e dos capitalistas inteligentes, é procurar novas fórmulas
jurídicas que harmonizem os interesses em conflito, reduzindo diferenças de nível
na vida das classes... e pondo o barco a seguro, antes que as tempestades se
desatem”. Considerava, assim, que a elaboração da nova Constituição poderia ser
a oportunidade para a realização desta “revolução branca”, desde que cada
candidato para a assembléia constituinte se comprometesse com um grupo de
princípios que defenderia durante o exercício do mandato.
Em julho de 1932, a tensão crescente acabou resultando na
eclosão da Revolução Constitucionalista de São Paulo, dirigida pela Frente
Única Paulista (FUP). Nessa ocasião, Mangabeira e outros políticos baianos
manifestaram-se, em nome do estado, a favor dos paulistas, que entretanto
permaneceram isolados no confronto militar contra o Governo Provisório, sendo
derrotados em outubro. Pouco depois, Vargas decidiu empenhar-se no processo de
constitucionalização do país, confirmando para maio de 1933 eleições para a
Assembléia Nacional Constituinte. Em 1º de novembro de 1932, foi criada a
chamada Subcomissão do Itamarati para apressar os trabalhos da Comissão
Constitucional formada em maio com a finalidade de elaborar um anteprojeto de
Constituição. João Mangabeira foi nomeado membro dessa subcomissão, da qual
faziam parte também Afrânio de Melo Franco (presidente), Carlos Maximiliano
Pereira dos Santos (redator-geral), Temístocles Cavalcanti, Joaquim Francisco
de Assis Brasil, Osvaldo Aranha, José Américo de Almeida, Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada, José de Castro Nunes, Prudente de Morais Filho, Agenor de
Roure, Francisco Solano Carneiro da Cunha e Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
Durante os trabalhos da Subcomissão do Itamarati, o debate
foi polarizado pelo problema da centralização política, ou seja, o reforço das
atribuições da União frente aos estados. João Mangabeira, Temístocles
Cavalcanti e outros advogaram o reforço da centralização, enquanto Antônio
Carlos e Prudente de Morais defenderam a preservação da autonomia estadual.
Nesse
mesmo período, a oposição baiana ao Governo Provisório organizou-se, com vistas
às próximas eleições, em torno da Liga de Ação Social e Política da Bahia
(LASP), criada por Otávio Mangabeira em dezembro de 1932, e do Partido
Republicano Democrata da Bahia, reorganizado por J. J. Seabra com o apoio de
João Mangabeira e de Muniz Sodré. Essas duas correntes oposicionistas se uniram
para o pleito sob a legenda “A Bahia ainda é a Bahia”, que elegeu apenas dois
representantes, Aluísio de Carvalho Filho e J. J. Seabra, tendo João Mangabeira
ficado como segundo suplente.
Ainda em maio de 1933, a Subcomissão do Itamarati aprovou o
anteprojeto de Constituição, que tinha como pontos principais a criação de um
poder legislativo composto de uma câmara única — a assembléia nacional — eleita
através de voto direto, a supressão do Senado e a formação de um conselho
federal, a participação dos ministros de Estado no Legislativo, a rejeição da
representação classista, a criação de uma legislação trabalhista e de segurança
social e a proteção da economia nacional. Os trabalhos da subcomissão só foram
divulgados em novembro de 1933, mês em que a Assembléia Nacional Constituinte
se reuniu pela primeira vez. Os jornais da época atribuíram a João Mangabeira
um papel essencial na elaboração do anteprojeto, ressaltando como de sua
autoria a inclusão do mandado de segurança nesse texto.
Durante os trabalhos constituintes, os membros da Comissão
Constitucional, conhecida como Comissão dos 26, examinaram cerca de duas mil
emendas ao projeto apresentado pelo governo, que foi severamente criticado.
Nessa época, Mangabeira concedeu novas entrevistas ao Correio da Manhã
alertando para o “caráter reacionário” das emendas, que alteravam a essência do
anteprojeto e punham “em risco as liberdades nos seus direitos mais sagrados”.
A maior parte dessas modificações foi rejeitada durante a votação final do
texto em plenário, mas a estrutura e a composição do Legislativo foram
modificadas, com a manutenção do Senado e a adoção da representação classista.
A Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934 e, no dia seguinte, a
Assembléia elegeu Getúlio Vargas para a presidência da República.
Nas eleições realizadas na Bahia em outubro de 1934 para
compor a Assembléia Constituinte estadual e a bancada baiana na Câmara Federal,
a oposição se reuniu na legenda Governador Otávio Mangabeira, elegendo dez
deputados estaduais e sete federais, entre os quais João Mangabeira, que
assumiu o novo mandato em 3 de maio de 1935. No início do mês seguinte, os
partidos oposicionistas realizaram uma convenção conjunta em Salvador e criaram
a Concentração Autonomista da Bahia, fundindo todas as agremiações presentes
numa organização voltada para defender a posição de Rui Barbosa a favor da
autonomia, “ussurpada pela invasão revolucionária”. João Mangabeira foi
escolhido para integrar seu primeiro diretório, junto com J. J. Seabra, Miguel
Calmon, Muniz Sodré, Ernesto Simões Filho, Aluísio de Carvalho Filho e Otávio
Mangabeira. A Concentração Autonomista desenvolveu cerrada oposição aos
governos estadual, chefiado por Juraci Magalhães, e federal, integrando no Congresso
o bloco das Oposições Coligadas, ou Minoria Parlamentar.
No
primeiro semestre de 1935, a conjuntura nacional foi marcada pela radicalização
crescente da luta política, com a emergência de duas forças antagônicas, a Ação
Integralista Brasileira (AIB), de tendência fascista, e a Aliança Nacional
Libertadora (ANL), movimento contra o fascismo, o imperialismo e o latifúndio
que congregava diversas correntes e sofria influência preponderante do Partido
Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB). Francisco
Mangabeira, filho de João, foi um dos signatários do manifesto de fundação da
ANL, em março de 1935. Em julho, os aliancistas realizaram comícios
comemorativos dos levantes tenentistas de 1922 e 1924, provocando o
recrudescimento das medidas repressivas por parte do governo de Vargas, que
decretou no dia 13 desse mês o fechamento da ANL e ordenou a punição dos
militares que haviam participado das manifestações. Nessa ocasião, João
Mangabeira, João Neves da Fontoura, Domingos Velasco, Otávio da Silveira, José
Augusto Bezerra de Medeiros e outros líderes da oposição na Câmara foram
procurados pela doutora Maria Werneck de Castro e pelo major Carlos da Costa
Leite, membros do diretório central da ANL. Durante o segundo semestre de 1935,
o PCB ampliou sua influência no interior desse movimento, que passou a atuar na
ilegalidade, e começou a preparar um levante armado contra Vargas.
João
Mangabeira foi um dos 20 deputados que, junto com o senador Abel Chermont,
fundaram no início de novembro de 1935 o Grupo Parlamentar Pró-Liberdades
Populares para combater a Lei de Segurança Nacional, em vigor desde março desse
ano, e defender os direitos inscritos na Constituição. Em 23 de novembro,
eclodiu a Revolta Comunista em Natal e, no dia seguinte, Vargas solicitou ao
Congresso permissão para decretar o estado de sítio em todo o país durante 60
dias. Mangabeira, Domingos Velasco, Abguar Bastos, Abel Chermont e outros
parlamentares oposicionistas votaram contra essa medida na sessão do dia 25,
alegando que as revoltas se restringiam, até então, ao Rio Grande do Norte e a
Pernambuco, não sendo portanto justificável colocar todo o país em regime de
exceção. Mesmo assim, o estado de sítio foi aprovado e, dois dias mais tarde,
com a eclosão do movimento no Rio, Francisco Mangabeira foi preso e enviado
para o navio Pedro I junto com muitos outros oposicionistas. A revolta foi
rapidamente sufocada, dando lugar a uma gigantesca onda de repressão que
conduziu milhares de pessoas à prisão. No início de fevereiro de 1936, João
Mangabeira impetrou um pedido de habeas-corpus em favor de seu filho e dos
demais detidos no Pedro I, alegando a inconstitucionalidade da prorrogação do
estado de sítio, só permitida pela Constituição nos casos de “iminência de
agressão estrangeira ou emergência de insurreição armada”. O habeas-corpus foi
recusado pela maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF). Pouco
depois, Mangabeira apresentou novo recurso em benefício de Maurício Goulart,
Dionélio Machado e Bernardino Garcia, e conseguiu que alguns parlamentares
fizessem o mesmo em relação a outros presos, inclusive o alemão Harry Berger,
enviado ao Brasil pela Internacional Comunista, que teve um habeas-corpus a seu
favor impetrado por Abel Chermont.
A repressão aumentou a partir de 21 de março de 1936, quando
o estado de sítio foi transformado em estado de guerra, ampliando os poderes
discricionários do chefe do governo. Nesse dia, o senador Chermont e os
deputados João Mangabeira, Domingos Velasco, Abguar Bastos e Otávio da Silveira
foram presos sob a acusação de atuarem como um “comitê parlamentar a serviço do
líder comunista Luís Carlos Prestes”, ajudando a reorganizar atividades
subversivas. No arquivo de Prestes, apreendido pela polícia, havia diversas
cartas contendo referências aos pedidos de habeas-corpus, mas Mangabeira
recusou-se a prestar qualquer declaração às autoridades sob a alegação de que,
na condição de parlamentar, não poderia ser preso ou processado sem licença da
Câmara ou da Sessão Permanente do Senado.
Em
maio, o governo solicitou ao Congresso a suspensão das imunidades dos
parlamentares presos, o que provocou um acirrado debate entre os deputados da
maioria e da minoria. No dia 20 desse mês, Mangabeira e seus colegas detidos
enviaram uma carta ao comandante do quartel onde se encontravam, protestando
contra as condições carcerárias e a incomunicabilidade a que estavam
submetidos. Essa carta chegou às mãos do deputado João Neves da Fontoura, que
apelou diretamente a Vargas. A prisão dos parlamentares foi também motivo de
manifesto endereçado a Osvaldo Aranha, embaixador brasileiro em Washington,
assinado por diversas entidades norte-americanas, que denunciavam a onda de
prisões e a violação das imunidades garantidas pela Constituição. Apesar dessas
pressões, a Comissão de Justiça da Câmara aprovou em 29 de junho de 1936 o
parecer de Alberto Álvares a favor da concessão da licença para o governo
processar os parlamentares, que permaneceram presos até a data do seu
julgamento pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) em 12 de maio de 1937.
Abel Chermont e Domingos Velasco foram absolvidos, mas Otávio da Silveira,
Abguar Bastos e João Mangabeira foram condenados, cabendo ao último a pena de
três anos e quatro meses de reclusão. Poucos dias depois, Osvaldo Aranha enviou
uma carta à senhora Constança Mangabeira, esposa de João, deplorando sua
condenação.
Mangabeira
e Otávio da Silveira decidiram recorrer ao Supremo — hoje Superior — Tribunal
Militar (STM), que concedeu habeas-corpus ao primeiro e reduziu a pena do
segundo, outorgando dessa forma a liberdade para ambos em fins de junho de
1937. Em 9 de julho, Mangabeira retornou à Câmara de Deputados depois de mais
de um ano de prisão, pronunciando nessa ocasião um vigoroso discurso contra as
violências e crimes praticados pelo governo. Esse discurso levou à elaboração
de um relatório das prisões efetuadas, preparado pelo chefe de polícia do
Distrito Federal, Filinto Müller. Ainda nesse ano, Mangabeira realizou um
estudo para demonstrar a irregularidade do TSN, tribunal de exceção criado
exclusivamente para julgar os revolucionários de 1935.
Com a implantação do Estado Novo em 10 de novembro de 1937 e
o subseqüente fechamento de todos os órgãos legislativos do país, João
Mangabeira perdeu seu mandato parlamentar pela segunda vez e se refugiou na
embaixada da Colômbia, onde permaneceu até que o ministro da Justiça, Francisco
Campos, desse plena garantia de respeito à sua liberdade, o que se efetivou.
A redemocratização do país
Em 1943, Mangabeira fez uma conferência sobre Rui Barbosa que
foi em seguida desdobrada em uma série de artigos publicados no Diário Carioca,
reunidos ainda no mesmo ano no livro Rui, o estadista da República. Em outubro,
foi lançado o Manifesto dos mineiros, que reivindicava a redemocratização do
país. Contando com a assinatura de importantes nomes da política mineira, foi a
primeira manifestação ostensiva de oposição ao Estado Novo por parte das
lideranças liberais e conservadoras. A pronta reação do governo conseguiu
evitar o aparecimento de movimentos idênticos em outros estados, inclusive na
Bahia, onde João Mangabeira chegou a redigir outro manifesto, que teve sua
divulgação abafada pelas autoridades.
Em
fins de 1944, Mangabeira foi convidado para ser paraninfo da turma da Faculdade
de Direito de Salvador. Nessa ocasião, pronunciou um longo discurso sobre o
Estado, o direito e a conceituação de democracia. Mesmo discordando do “cunho
esquerdista” dessa palestra, Ernesto Simões Filho resolveu publicá-la na
íntegra no jornal A Tarde sem consulta prévia ao Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), órgão encarregado da censura durante o Estado Novo.
Mangabeira viajou em seguida para o Rio, onde tentou a publicação de seu
discurso, que foi vetado pela censura. Muito mais tarde, em 1955, viria a
publicá-lo num folheto intitulado A oração do paraninfo.
Mangabeira foi um dos delegados da Bahia presentes ao I
Congresso Brasileiro de Escritores, promovido pela Associação Brasileira de
Escritores em São Paulo entre 22 e 27 de janeiro de 1945. Esse congresso reuniu
um expressivo número de intelectuais oposicionistas de várias tendências
políticas, incluindo comunistas, aprovando por unanimidade uma declaração de
princípios a favor da democratização do país. No mês seguinte, o Correio da
Manhã publicou longa entrevista de José Américo de Almeida, que elogiou os
princípios aprovados pelo Congresso de Escritores sem que o DIP determinasse
qualquer punição para o jornal carioca, Esse fato encorajou os demais jornais a
tratar com maior liberdade os assuntos políticos. Mangabeira, até então
ignorado pela “imprensa controlada”, foi procurado para falar sobre eleições,
declarando: “Não temos eleições — nós e as tribos africanas.” Poucos dias
depois, escreveu artigo sobre o Ato Adicional nº 9, de 28 de fevereiro, que
definia as normas para a reorganização de partidos políticos legais e
estabelecia o calendário eleitoral, marcando eleições presidenciais para 2 de
dezembro de 1945. Nesse artigo, publicado em 2 de março de 1945, Mangabeira
afirmava que a política de Vargas mantinha intacta a estrutura fascista de
poder, com a anulação do Legislativo e a abolição da liberdade sindical, e
concluía dizendo que “em todo ditador é grande a vontade de ficar, mas muito
maior o medo de sair”.
No dia 7 de abril foram lançadas as bases da União
Democrática Nacional (UDN), partido político que agrupou a oposição liberal ao
Estado Novo e indicou o nome do brigadeiro Eduardo Gomes para concorrer à
presidência da República nas eleições de dezembro. Durante a convenção,
Mangabeira discursou defendendo o partido das acusações de que a UDN queria
chegar ao poder através de golpes de Estado. Com a formação dos grupos de
trabalho para a elaboração do primeiro projeto de estatutos do partido em 21 de
abril, Mangabeira passou a integrar a Comissão de Estudos Sociais e Econômicos.
Em maio, Otávio Mangabeira foi escolhido primeiro presidente
da UDN. No dia 24 desse mês, João Mangabeira representou Eduardo Gomes num
comício promovido pelo PCB no estádio do Vasco da Gama, no Rio, para promover a
proposta de “união nacional” defendida por Luís Carlos Prestes, libertado da
prisão no mês anterior.
Durante a fase de elaboração dos estatutos, surgiu dentro da
UDN um grupo denominado Esquerda Democrática (ED), constituído em grande parte
por intelectuais e políticos de tendência socialista, cuja primeira aparição
pública ocorreu com a apresentação, em 12 de junho de 1945, de uma moção de
apoio à candidatura de Eduardo Gomes. A aprovação dos estatutos da UDN em 14 de
agosto provocou o acirramento das críticas da ED, que, apesar de manter seu
apoio à candidatura de Eduardo Gomes, exigia um programa com “espírito social”
e protestava contra a exclusão de certos princípios, como o alargamento das
conquistas sociais do getulismo. João Mangabeira, Herculino Cascardo, Domingos
Velasco, Juraci Magalhães e outros membros da comissão provisória da ED
lançaram um manifesto no dia 24 de agosto reafirmando essas posições e
manifestando a necessidade de livrar a UDN de “ranços conservadores”. A
capacidade de mobilização da ED para as eleições de 2 de dezembro era reduzida.
Por outro lado, a nova lei eleitoral exigia para o registro de partidos
nacionais um mínimo de dez mil assinaturas de eleitores de, pelo menos, cinco
estados. Assim, tornou-se indispensável ao novo grupo manter a aliança com os
udenistas, formando chapas conjuntas UDN-ED.
Com a aproximação das eleições, cresceram as suspeitas dentro
da oposição de que Vargas preparava manobras continuístas, o que levou à
deflagração de um golpe de Estado em 29 de outubro de 1945, liderado pelos
generais Pedro Aurélio de Góis Monteiro e Eurico Dutra. A chefia do governo
federal foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José
Linhares, e as eleições foram realizadas na data prevista, saindo vencedor o
general Dutra, candidato do Partido Social Democrático (PSD) e apoiado por
Vargas. Nesse pleito, a UDN elegeu 77 deputados à Assembléia Nacional
Constituinte. João Mangabeira obteve 3.863 votos e ficou como quinto suplente
da coligação UDN-ED na Bahia.
O Partido Socialista Brasileiro
O acordo da ED com a UDN terminou depois das eleições. Em
agosto de 1946, João Mangabeira participou da primeira convenção nacional da
ED, que se transformou em partirdo político e obteve o registro legal no dia 24
desse mês. Promulgada a Constituição em setembro de 1946, a Assembléia Nacional
Constituinte foi transformada em Congresso ordinário, sendo necessária a
realização de eleições suplementares para as cadeiras ainda não preenchidas. No
pleito de 19 de janeiro de 1947, Mangabeira foi eleito deputado federal pela
Bahia na legenda da ED.
No início de maio de 1947, o PCB teve seu registro cassado
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os senadores Ismar de Góis Monteiro,
Georgino Avelino e Dario Cardoso, do PSD, formularam uma consulta ao tribunal
para saber como seriam preenchidas as vagas que se abrissem com a cassação dos
mandatos dos parlamentares comunistas. Quando essa questão foi levada ao debate
na Câmara, João Mangabeira fez um pronunciamento afirmando que o cancelamento
do registro do PCB não implicava a cassação de seus parlamentares e que a
iniciativa dos três senadores pessedistas era inconstitucional, visando
preparar as condições para uma “distribuição amigável” das cadeiras do PCB aos
outros partidos. Voltou a defender a mesma posição quando, em 19 de dezembro
desse ano, o projeto de extinção dos mandatos dos parlamentares comunistas, de
autoria do senador Ivo d’Aquino, foi levado ao plenário e aprovado por maioria
de votos.
Ainda
em agosto de 1947, a ED realizou sua segunda convenção nacional e passou a
denominar-se Partido Socialista Brasileiro (PSB), incorporando alguns membros
do antigo PSB que existira na década de 1930 com reduzida expressão. Nessa
ocasião, Mangabeira foi eleito primeiro presidente do novo partido.
Em
1948, Mangabeira foi escolhido relator da subcomissão encarregada de definir a
tarefa da Comissão Mista de Leis Complementares. Seu parecer, considerado
excelente por Afonso Arinos de Melo Franco, definia juridicamente a competência
da comissão, apresentava uma lista preliminar de 33 assuntos que poderiam ser
objeto de leis complementares e fixava os critérios para a indicação de outros.
No ano seguinte, Mangabeira presidiu a Comissão Especial da Câmara criada para
estudar um projeto de adoção do regime parlamentarista. A maioria da comissão
era claramente contrária a essa emenda, assim como Mangabeira, que indicou
Afonso Arinos, também presidencialista, para relator dos trabalhos.
Ainda nessa legislatura, Mangabeira apresentou diversos projetos,
propondo a adoção da lei sindical de emergência (aprovada em 1950), a extensão
das leis trabalhistas ao meio rural, a anistia aos condenados ou processados
por motivo de greve ou crimes conexos, a regulamentação das eleições sindicais
e a modificação das leis que regulavam o funcionamento do Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM).
Em 1949, João Mangabeira representou o PSB nas articulações
com os demais partidos visando definir as candidaturas para as eleições
presidenciais de 1950. Convidado a aderir à campanha do brigadeiro Eduardo
Gomes, novamente lançada pela UDN, respondeu que o apoio dos antigos
integralistas agrupados no Partido de Representação Popular (PRP) a esse
candidato tornava difícil a adesão do PSB. Nessa ocasião, segundo Hélio Silva,
o brigadeiro declarou que não lhe cabia recusar o apoio de nenhum partido,
deixando implícita a aceitação da aliança com o PRP. Pouco depois, o PSB
decidiu lançar chapa própria, formada por João Mangabeira e Alípio Correia
Neto, de modo a preservar a identidade do seu programa. A convenção nacional do
partido, realizada em 29 de julho de 1950, ratificou a escolha desses dois
nomes, reconhecendo contudo a falta de chances de vitória eleitoral dos seus
candidatos. No pleito de 3 de outubro seguinte, Getúlio Vargas, lançado
pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi eleito presidente da República
com 3.849.040 votos, enquanto Mangabeira recebeu apenas 9.466 votos. Nesse
mesmo dia, o político baiano concorreu também a uma cadeira na Câmara Federal
na legenda da Aliança Democrática da Bahia — coligação entre a UDN, o PSB e os
partidos Republicano (PR), Social Progressista (PSP) e Democrata Cristão (PDC)
—, ficando como 12º suplente. Com a proclamação dos resultados, os adversários
de Vargas tentaram impugnar sua posse alegando que, ao referir-se à “maioria”,
a Constituição de 1946 exigia implicitamente “maioria absoluta” de votos.
Mangabeira se opôs a essa atitude e defendeu a legitimidade da vitória de
Vargas, afinal confirmada pelo TSE.
No ano seguinte, João Mangabeira foi vitimado por uma séria
crise cardiocirculatória, que o obrigou a ficar hospitalizado por algum tempo.
Restabelecido, pronunciou uma conferência na Faculdade Nacional de Direito do
Rio de Janeiro em 1953, quando a política nacional estava polarizada pelo
debate provocado pelo projeto de criação da Petrobras, afinal aprovado em
outubro desse ano. Seu pronunciamento se ateve à questão da soberania econômica
do país, tendo afirmado: “Amigos do povo dos Estados Unidos, sempre. Agentes
das grandes empresas norte-americanas, nunca... Permitir que qualquer dessas
empresas... penetre, ainda que seja com a posse de uma ação, numa companhia
mista de exploração de riquezas essenciais à defesa nacional, é crime contra a
pátria.”
Para
as eleições presidenciais de 1955, o PSB, então presidido por Alípio Correia
Neto, lançou ao lado do PDC a candidatura de Juarez Távora, depois apoiado pela
UDN, que completou a chapa apresentando Mílton Campos para a vice-presidência.
Esses candidatos foram derrotados pela chapa Juscelino Kubitschek-João Goulart,
representantes da coligação PSD-PTB. Durante o governo de Kubitschek,
Mangabeira foi nomeado membro do Conselho Superior das Caixas Econômicas, onde
procurou manter uma atitude de independência no exercício das suas funções:
segundo seu filho, sempre votou contra os empréstimos solicitados pelos grandes
jornais com o apoio do governo, pois achava que o objetivo das caixas
econômicas era beneficiar a classe operária e as classes médias. Em 1958, Mangabeira
se candidatou ao Senado pelo Distrito Federal na legenda do PSB, mas não
conseguiu se eleger.
Em 5 de novembro de 1961, o jornal carioca Diário de Notícias
publicou entrevista de Mangabeira sobre a crise político-militar decorrente da
renúncia do presidente Jânio Quadros em agosto, que resultou na adoção do
regime parlamentarista, através de um ato adicional, como condição para que os
ministros militares permitissem a posse do seu substituto legal, João Goulart.
Mangabeira afirmou que a oposição à investidura de Goulart não contara com o
apoio da tropa e comparou a implantação do parlamentarismo nessas
circunstâncias com o golpe que originara o Estado Novo em 1937, afirmando: “O
Ato Adicional nem sequer poderá ser exculpado sob a alegação de que evitou a
guerra civil.”
A experiência parlamentarista decorreu em clima de grande
instabilidade política. Com a renúncia do primeiro-ministro Tancredo Neves em
26 de junho de 1962, Francisco Brochado da Rocha o substituiu e reorganizou
todo o ministério, nomeando João Mangabeira para suceder a Gabriel Passos na
pasta de Minas e Energia. Empossado no dia 25 de julho, o novo ministro
permaneceu apenas dois meses no cargo, em virtude de nova reorganização do
gabinete.
Nesse período, Goulart travou uma obstinada luta para
reimplantar o presidencialismo, insistindo na antecipação do plebiscito
destinado a escolher entre os dois regimes, previsto inicialmente para 1965. Em
setembro, o Congresso marcou para 6 de janeiro de 1963 a data dessa consulta
popular e autorizou o presidente a formar um novo gabinete, que teve Hermes
Lima como primeiro-ministro e João Mangabeira na pasta da Justiça. Em outubro,
Goulart solicitou ao Congresso permissão para decretar o estado de sítio em
todo o país durante 30 dias devido à sucessão de greves deflagradas, em São
Paulo. Mangabeira manifestou-se contrário à aplicação dessa medida, afirmando
que greves existiam em todos os países e não exigiam quebra da normalidade
política. Ainda em outubro, denunciou publicamente e intromissão “em escala
inédita em todo o mundo” de grupos econômicos nacionais e estrangeiros na
campanha eleitoral em curso, através de instituições criadas especialmente para
esse fim. Para o ministro, a lisura do pleito estava comprometida, tornando-se
necessário coibir legalmente a ação nociva do poder econômico.
Realizado
o plebiscito de janeiro de 1963, o presidencialismo foi aprovado por larga
margem e Goulart deu início, imediatamente, à formação do novo ministério.
Juscelino Kubitschek foi convidado para a pasta das Relações Exteriores, mas
não aceitou, indicando contudo Abelardo Jurema para o Ministério da Justiça.
Goulart preferiu manter João Mangabeira nessas funções, inclusive porque
tencionava substituir seu filho, Francisco, na presidência da Petrobras.
Mangabeira permaneceu por pouco tempo à frente do ministério, apresentando seu
pedido de demissão em maio de 1963 em virtude da aprovação do empréstimo
compulsório pela Câmara.
Afastado desde então da política, João Mangabeira veio a
falecer no Rio de Janeiro, em 27 de abril de 1964, menos de um mês depois do
movimento político-militar que derrubou o presidente João Goulart.
Em 1975, por iniciativa do Instituto dos Advogados do Brasil,
os restos mortais de Mangabeira foram trasladados para a Faculdade de Direito
de Salvador, sendo depositados junto à urna de outro jurista baiano, Teixeira
de Freitas.
Além de diversos pareceres e discursos e dos trabalhos
citados, Mangabeira deixou publicadas as obras Em torno da Constituição (1934)
e Rui Barbosa, discursos e conferências (1958). Sobre o biografado, Francisco
Mangabeira escreveu João Mangabeira: república e socialismo no Brasil (1979) e
Francisco de Assis Barbosa organizou a coletânea Idéias políticas de João
Mangabeira (1980).
O arquivo de João Mangabeira encontra-se depositado no Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da
Fundação Getulio Vargas.
Regina da Luz Moreira
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J. Governos (2); ARAÚJO, M. Cronologia 1943; ARQ. NAC. Relação; ASSEMB. NAC.
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