MANGABEIRA,
Otávio
*dep. fed. BA 1912-1926; min. Rel.
Ext. 1926-1930; dep. fed. BA 1935-1937; const. 1946; gov. BA
1947-1951; dep. fed. BA 1955-1959; sen. BA 1959-1960.
Otávio
Mangabeira nasceu em Salvador no dia 27 de agosto de 1886, filho
do farmacêutico Francisco Cavalcanti Mangabeira e de Augusta Cavalcanti
Mangabeira. Seu irmão, João Mangabeira, foi deputado federal pela Bahia em
diversas legislaturas, participou da fundação do Partido Socialista Brasileiro
(PSB) em 1947, foi candidato à presidência da República em 1959 e ministro das
Minas e Energia em 1962, e da Justiça, de 1962 a 1963, durante o governo de
João Goulart. O nome Mangabeira, árvore típica do sertão nordestino, foi adotado
por seu avô — substituindo o nome Faria — na época da independência do Brasil.
Após concluir o curso de humanidades no Colégio São Salvador,
atual Ginásio São Salvador, Otávio Mangabeira ingressou em 1900 no curso de
engenharia da Escola Politécnica da Bahia. Em 1903 lançou um manifesto
político-literário contra a reforma da Constituição baiana, que estabelecera a
exigência de que os candidatos ao governo estadual tivessem residência fixa no
estado. No ano seguinte, ainda acadêmico, passou a exercer a atividade
jornalística, assinando inicialmente uma seção em versos no Diário de Notícias
da Bahia e trabalhando logo depois como redator nos jornais baianos Gazeta do
Povo e O Democrata. Em 1905 formou-se em engenharia civil e bacharelou-se em
ciências físicas e matemáticas, tendo sido o orador de sua turma.
Em 1906 passou a integrar o corpo docente da Escola
Politécnica da Bahia, lecionando trigonometria esférica, astronomia, geodésia,
química, navegação interior e portos de mar e faróis. Ainda em 1906 foi nomeado
engenheiro da Comissão Fiscal do Porto da Bahia e engenheiro fiscal da
companhia canadense Light and Power, concessionária de serviços públicos no
estado.
Na política baiana
Em 1907 foi eleito vereador ao Conselho Municipal de Salvador
na legenda do Partido Republicano da Bahia (PRB), Assumindo o mandato em
janeiro de 1908, logo em seguida foi eleito segundo-secretário daquela casa e
em 1909 deixou os cargos que ocupava como engenheiro.
Também
em 1909, ao se iniciarem as articulações em torno das eleições presidenciais
marcadas para março de 1910, o Partido Republicano Paulista (PRP) desencadeou a
Campanha Civilista, logo encampada pelo PRB, em favor da candidatura de Rui
Barbosa. O movimento visava denunciar o caráter militar da candidatura de Hermes
da Fonseca e apresentar uma alternativa civil à sucessão presidencial.
Divergindo
de seu irmão, João Mangabeira, que se manteve ao lado do PRB, Otávio
vinculou-se ao chefe político baiano José Joaquim Seabra, que, em fins de julho
de 1909, organizou a chamada Comissão Republicana em apoio à chapa Hermes da
Fonseca-Venceslau Brás. A campanha eleitoral na Bahia se desenrolou em clima de
grande violência, principalmente no interior, onde os jagunços ligados aos
chefes do PRB e a polícia estadual opuseram resistência à proposta da Comissão
Republicana.
Logo após a realização do pleito, que deu a vitória a Hermes
da Fonseca, Otávio Mangabeira aderiu ao Partido Republicano Democrata (PRD),
então criado por Seabra com os militantes da antiga Comissão Republicana.
Aproveitando também o apoio de Hermes, Luís Viana, outro proeminente chefe
político, passou a dirigir na Bahia o Partido Republicano Conservador, que se
aliou ao PRD na oposição ao PRB, representante das oligarquias agrárias e até
então hegemônico.
Em
dezembro de 1911, enquanto João Mangabeira, entre outros, foi eleito deputado
na legenda do PRB, Otávio elegeu-se deputado federal pela Bahia na legenda do
PRD, compondo, ao lado de Antônio Muniz Sodré de Aragão e Mário Hermes, filho
do presidente da República, o grupo dos 14 novos deputados e um senador
estadual eleitos por esse partido. Em janeiro de 1912, após uma campanha
tumultuada por inúmeros atos de violência, a Assembléia baiana elegeu Seabra,
candidato único, governador da Bahia. Com o PRD no governo, o PRB iria se
enfraquecer gradativamente.
Otávio Mangabeira assumiu o mandato em maio de 1912 e logo em
seguida tornou-se membro e mais tarde vice-presidente da Comissão de Finanças
da Câmara Federal. Ainda na legenda do PRD, foi reeleito para as legislaturas
subseqüentes, iniciadas em 1915 e em 1918. Em julho de 1919, no entanto, em
virtude de divergências com os Muniz, principais líderes do PRD, e com Seabra,
que se mostrara solidário a eles, desligou-se do partido e ingressou na
oposição, que tinha como lideranças mais expressivas seu irmão João Mangabeira,
Pedro Lago, Miguel e Antônio Calmon e Rui Barbosa.
Para
concorrer ao governo estadual nas eleições previstas para o final de 1919, o
PRD lançou mais uma vez a candidatura de Seabra, enquanto do PRC, após a recusa
de Rui Barbosa, apresentou como candidato o juiz federal Paulo Martins Fontes.
Novamente a violência predominou durante a campanha eleitoral. Otávio e João
Mangabeira participaram de diversos comícios no interior, fundamentalmente na
região do Recôncavo Baiano, onde Rui Barbosa concentrou sua atuação em favor de
Martins Fontes. Dizia-se na época que os Mangabeiras e Pedro Lago estavam
financiando e armando os “coronéis” do vale do rio São Francisco, contrários ao
PRD, e tentando subornar o destacamento da Força Pública local.
Com a realização do pleito em 29 de dezembro de 1919, ambos
os lados reivindicaram a vitória, agravando as tensões e os conflitos armados
em curso. Em meio a uma situação de virtual guerra civil, a apuração dos
resultados pela Assembléia estadual, dominada pelo PRD, foi extremamente lenta,
estendendo-se por todo o mês de fevereiro. No final do mês foi decretada a
intervenção federal na Bahia e, na primeira semana de março, enquanto o
Legislativo estadual se reunia para proclamar Seabra governador, os “coronéis”
aceitavam afinal as condições propostas pelo governo central de Epitácio
Pessoa.
Reeleito
em dezembro de 1920 na legenda do PRB, Otávio Mangabeira manteve-se na oposição
ao governo de Epitácio Pessoa. No entanto, apesar das divergências, apoiou mais
tarde no Congresso a decretação do estado de sítio no Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, solicitada pelo presidente devido à eclosão da Revolta de 5
de Julho de 1922. Esse movimento — que irrompeu no Rio e em Mato Grosso em
protesto contra a eleição de Artur Bernardes à presidência da República e as
punições impostas pelo governo Epitácio Pessoa aos militares, como o fechamento
do Clube Militar e a prisão do marechal Hermes da Fonseca — foi debelado em um
dia, mas deu início ao ciclo de revoltas tenentistas da década de 1920.
Em
janeiro de 1923, Otávio filiou-se à Concentração Republicana da Bahia (CRB),
partido político recém-criado por Pedro Lago, Vital Soares e Ernesto Simões
Filho, entre outros. Logo no mês seguinte, Seabra, enfraquecido politicamente,
tentou fazer um acordo com os líderes da CRB em torno da candidatura de
Francisco Marques de Góis Calmon à sua sucessão no governo do estado. Nessa
ocasião, Otávio Mangabeira viajou a São Paulo para discutir com o presidente
desse estado, Washington Luís, a sucessão baiana. Seabra, no entanto, não
obtendo êxito nos entendimentos com os líderes da CRB, que mantinham estreitos
vínculos com Artur Bernardes, hostil ao PRD, lançou a candidatura de Arlindo
Leoni. A CRB, por sua vez, garantiu a indicação de Góis Calmon.
Realizadas as eleições para a Câmara dos Deputados no final
de 1923, o PRD e a CRB passaram a reivindicar a vitória de seus respectivos
candidatos. Por outro lado, recebendo o decisivo apoio de Bernardes, Góis Calmon
foi eleito governador. Com o objetivo de evitar qualquer reação dos adeptos de
Seabra, Bernardes decretou o estado de sítio na Bahia em março de 1924,
garantindo assim a posse do governador eleito. A intervenção do presidente da
República se fez sentir também na composição final da bancada baiana na Câmara,
que contou com 11 deputados da CRB — ou seja, a metade do total —, escolhidos
para integrarem as comissões mais importantes. Incluindo-se entre os deputados
eleitos nessa legenda, Otávio Mangabeira participou da legislatura iniciada em
1924 e, embora mantendo divergências políticas com o novo governador, tornou-se
líder da bancada baiana na Câmara Federal.
Ministro das Relações Exteriores
Logo
após a posse de Washington Luís na presidência da República em novembro de
1926, Otávio Mangabeira foi nomeado ministro das Relações Exteriores,
afastando-se do mandato parlamentar. Permanecendo, entretanto, ligado à
política de seu estado, participou da criação, em janeiro de 1927, do novo
Partido Republicano da Bahia, que veio a promover uma reorganização de forças
na política estadual. Logo na primeira convenção, os Calmon tentaram absorver
os antigos adeptos de Seabra para obter a maioria no partido, encontrando,
porém, forte oposição dos Mangabeira. Para superar o impasse interno, foi
solicitada a intervenção de Washington Luís, que resultou na assinatura de um
documento estabelecendo a distribuição dos cargos para cada facção: a ala
Mangabeira receberia três dos nove lugares da comissão executiva do novo PRB,
1/3 dos 42 deputados estaduais e oito das 22 cadeiras de deputado federal. Por
outro lado, Miguel Calmon seria eleito senador federal pelo PRB ainda em 1927,
e o novo governador seria Vital Soares, seu correligionário. Os antigos
seabristas foram colocados de lado, sendo pouco depois absorvidos pelas duas
facções.
Como
ministro das Relações Exteriores, Otávio Mangabeira promoveu gestões destinadas
a complementar a demarcação das fronteiras brasileiras com os países vizinhos.
De sua atuação nos vários litígios relacionados às convenções de limites ganhou
destaque o acordo firmado com o Paraguai em 21 de maio de 1927, regulamentado
no Tratado do Rio de Janeiro.
Ainda em 1927, representou o Brasil na Conferência
Parlamentar Internacional de Comércio, realizada no Rio de Janeiro, e em
janeiro do ano seguinte, visando à participação do Brasil na Conferência
Panamericana de Havana, em Cuba, orientou a delegação brasileira, chefiada por
Raul Fernandes, no sentido de defender a maior aproximação diplomática e comercial
entre os Estados Unidos e os países latino-americanos. O fato de o Brasil
integrar na época o conselho executivo da Liga das Nações foi decisivo para o
êxito obtido na defesa dos interesses econômicos e comerciais do país.
Em
1928, dois anos antes do término do governo de Washington Luís, iniciaram-se os
debates em torno da sucessão à presidência da República. Júlio Prestes,
presidente de São Paulo, surgiu como candidato oficial, contrariando os
interesses do Partido Republicano Mineiro (PRM), que, no decorrer do ano
seguinte, aproximou-se dos principais líderes gaúchos e lançou a candidatura
oposicionista de Getúlio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul. Os
entendimentos entre as forças dominantes desses dois estados possibilitaram a
formação da Aliança Liberal — coligação oposicionista que contou ainda com o
apoio do governo da Paraíba, das oposições de outros estados e de integrantes
do movimento tenentista.
Como membro do governo, Otávio Mangabeira acatou a
candidatura oficial de Júlio Prestes, divergindo de seu irmão, que aderiu à
Aliança Liberal. Assumiu assim a posição da grande maioria de seus
correligionários na Bahia, que optou pelo apoio à chapa situacionista, da qual
o próprio governador baiano, Vital Soares, participava como candidato a vice-presidente.
A vitória de Júlio Prestes nas eleições de março de 1930
provocou enérgica reação dos setores de oposição, os quais, denunciando a
ocorrência de fraude e de violência durante todo o processo eleitoral,
aceleraram a preparação de um movimento revolucionário. Ao mesmo tempo, as
principais facções do PRB se reuniram em Salvador para debater a sucessão de
Vital Soares, já que o compromisso assumido em 1927 por Miguel Calmon e Otávio
Mangabeira dissera respeito às eleições daquele ano, tornando-se necessário
novo acordo para 1930. Esse acordo foi obtido afinal em meados de junho, com
plena aprovação do presidente da República e de Júlio Prestes: Frederico Costa
assumiria interinamente o governo estadual até a eleição de Pedro Lago para
esse cargo, cabendo a João Mangabeira a cadeira de senador federal.
Durante sua gestão como ministro das Relações Exteriores,
Otávio Mangabeira promoveu e divulgou a literatura brasileira no exterior e
organizou e instalou os arquivos, a biblioteca e a mapoteca do palácio
Itamarati, no Rio, então sede do ministério. Em setembro de 1930 foi eleito
membro da Academia Brasileira de Letras para a cadeira número 23, não chegando
a ser empossado em virtude da eclosão, em 3 de outubro, da revolução que
conduziria Vargas ao poder.
No
dia seguinte à deposição do presidente Washington Luís, ocorrida em 24 de
outubro de 1930, Otávio Mangabeira foi destituído do cargo de ministro das
Relações Exteriores. Identificado como uma das principais lideranças no combate
à revolução, no dia 7 de novembro foi preso e levado para um quartel de
cavalaria do Exército, no Rio, por ordem do então chefe de polícia João Batista
Luzardo. Em 25 de novembro foi posto em liberdade sob a condição de sair do
país e, pouco depois, seguiu para o exílio na Europa, tendo residido em vários
países durante o período em que lá permaneceu. Regressando ao Brasil em 10 de
agosto de 1934, após ser beneficiado pela anistia aprovada pela Assembléia
Nacional Constituinte, no início de setembro foi empossado na Academia
Brasileira de Letras.
Na oposição a Vargas
Retornando à vida política no pleito de outubro de 1934,
Otávio Mangabeira foi eleito deputado federal pela Bahia com o apoio da
coligação entre a Liga de Ação Social e Política (LASP) da Bahia e o PRD.
Assumindo o mandato em maio de 1935, tornou-se um dos líderes do bloco
parlamentar de oposição a Vargas, cujo governo, a partir de então, iria adotar
medidas crescentemente repressivas e fortalecedoras do Executivo.
Enquanto
membro da minoria parlamentar, Mangabeira reagiu energicamente à prisão, no
início de 1936, de quatro deputados e um senador, acusados de conivência com o
Levante Comunista de novembro de 1935. Opôs-se, nesse sentido, ao projeto
encaminhado pelo governo ao Congresso em 3 de maio, restringindo as imunidades
parlamentares. Contrapondo-se a essas medidas, a minoria apresentou a Vargas
dois documentos, cujas principais reivindicações eram a trégua política até 15
de janeiro de 1937, o respeito às imunidades parlamentares, o direito da
oposição de fiscalizar as eleições municipais, a suspensão, e não demissão, dos
funcionários públicos indiciados como extremistas e a liberdade de propaganda
eleitoral. Com a recusa de Vargas em atender a essas propostas, as divergências
entre oposição e governo se acirraram ainda mais.
Em 1937, quando se iniciava a campanha eleitoral visando à
sucessão presidencial prevista para 1938, Otávio Mangabeira, juntamente com uma
facção do PRD, aderiu à candidatura de Armando de Sales Oliveira, lançada
oficialmente em maio pelo Partido Constitucionalista de São Paulo. Em seguida,
participou da organização da União Democrática Brasileira (UDB), partido de
âmbito nacional criado em 10 de junho de 1937 congregando todas as facções e
partidos estaduais que apoiavam a candidatura Armando Sales. Em discurso
proferido na ocasião afirmou que “quando os nossos adversários, da esquerda e
da direita, se arregimentam em todo o país, nós, os da democracia, vamos,
através de um grande partido nacional, coordenar todas as forças políticas estaduais”.
Eleito membro da comissão executiva da UDB, anunciou, no primeiro comício do
partido, realizado no campo do América Futebol Clube, no Rio, suas principais
bandeiras de luta, denominadas por ele de “evangelho da UDB”: democracia com
preservação do voto secreto, pluralidade partidária e sistema de representação
proporcional, defesa das liberdades públicas e educação popular para o
exercício do voto.
Em 1º de outubro votou contra a proposição governamental de
restabelecimento do estado de guerra, decretado pela primeira vez em março de
1936 e prorrogado sucessivamente até julho de 1937. A proposta de Vargas foi
apresentada sob a alegação da necessidade de se combater o crescente perigo
comunista no país, dramatizado pela “descoberta” do Plano Cohen, documento na
verdade forjado contendo um plano dos comunistas para derrubar o governo e
tomar o poder. O estado de guerra foi aprovado por 138 votos contra 52, abrindo
assim o caminho para um golpe em preparação no interior do próprio governo.
Quando, em meados de outubro, o governador do Rio Grande do
Sul, José Antônio Flores da Cunha, foi obrigado a renunciar por pressão de
Vargas, a UDB, receando a ofensiva continuísta do presidente, decidiu lançar um
manifesto — de autoria de Otávio Mangabeira — denunciando a ação do governo
como estratégia golpista. Os parlamentares que subscreveram o manifesto
decidiram ainda se ausentar dos trabalhos da Câmara e do Senado até a data
marcada para a leitura do documento, ou seja, 9 de novembro.
Em fins de outubro, já corriam as notícias a respeito da
chamada Missão Negrão de Lima, viagem realizada nesse período por Francisco
Negrão de Lima a diversos estados da Federação com a incumbência de
arregimentar o apoio dos governadores ao golpe projetado por Vargas. No dia 9
de novembro, o deputado João Carlos Machado leu na Câmara a carta aberta de
Armando Sales aos militares em protesto contra o golpe iminente. Logo em
seguida, Otávio Mangabeira tomou a palavra, deixando consignada a denúncia dos
membros do Legislativo. Com o apoio das forças armadas e de seus ministros, à
exceção de Odilon Braga, da Agricultura, no dia seguinte, 10 de novembro,
Vargas desfechou o golpe do Estado Novo, que suprimiu os órgãos legislativos do
país e garantiu sua permanência no poder. Nesse mesmo dia Otávio Mangabeira foi
preso em sua residência, permanecendo detido por algumas horas.
No
período que se seguiu, Mangabeira aproximou-se da Ação Integralista Brasileira
(AIB), que, com o apoio de oposicionistas liberais, passou a organizar um
movimento de resistência ao governo visando à deposição de Vargas. Tornando-se
um dos principais articuladores da conspiração, teve suas atividades
descobertas pela polícia e, em março de 1938, ao lado do coronel Euclides
Figueiredo, entre outros, foi preso na Casa de Correção do Rio de Janeiro,
sendo pouco depois transferido para o Hospital da Polícia Militar. Em
conseqüência da prisão, não participou do Levante Integralista, deflagrado em
11 de maio de 1938 e prontamente sufocado pelas forças leais a Vargas.
Acusado
de conspiração, Otávio Mangabeira foi julgado pelo Tribunal de Segurança
Nacional (TSN) e condenado a dois anos de prisão. Entretanto, após passar
quatro meses preso, obteve um habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal (STF),
conseguindo ainda autorização para deixar o país. Em 10 de agosto de 1938 foi
aposentado por motivos políticos do cargo de professor catedrático da Escola
Politécnica da Bahia, do qual já se encontrava afastado efetivamente há muitos
anos.
Em 29 de outubro seguinte partiu afinal para o exílio na
Europa, escrevendo durante a viagem o primeiro dos inúmeros manifestos que
enviou ao povo brasileiro, de análise da situação nacional, de contestação ao
regime ditatorial e de exame da posição do Brasil no contexto mundial.
Transferiu-se posteriormente para Nova Iorque, passando a trabalhar como
tradutor na edição brasileira da revista norte-americana Reader’s Digest.
Ao ser decretada a anistia em 2 de abril de 1945, cerca de
quinhentos advogados brasileiros impetraram junto ao STF um pedido de habeas-corpus
em seu favor e ainda de Armando de Sales Oliveira e Paulo Nogueira Filho,
também exilados. No dia 11 daquele mês o recurso foi concedido e poucos dias
depois os três políticos retornaram ao Brasil.
Novamente na política
Por
essa época, com o desgaste do Estado Novo, o país iniciava um processo de
redemocratização e os diferentes grupos se organizavam em novos partidos
políticos de âmbito nacional visando às próximas eleições. Otávio Mangabeira
ligou-se então ao grupo que no dia 7 de abril havia fundado a União Democrática
Nacional (UDN), expressão da oposição liberal ao Estado Novo. Engajou-se na
campanha do candidato udenista à sucessão presidencial, Eduardo Gomes, tendo
comparecido inclusive ao comício realizado em junho no Estádio Municipal do
Pacaembu, em São Paulo. No mês seguinte manifestou-se contrário à chamada Lei
Malaia, denominação dada à lei antitruste elaborada pelo ministro da Justiça
Agamenon Magalhães. Em agosto, durante a primeira convenção da UDN para a
aprovação de seus estatutos e a constituição de seu primeiro diretório, foi
eleito presidente do partido.
O progressivo enfraquecimento do Estado Novo diante da
crescente resistência oposicionista desencadeada pelos diversos segmentos da
sociedade culminou na deposição de Vargas, em 29 de outubro de 1945, por um
golpe militar liderado pelo ministro da Guerra, Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
A chefia do governo foi entregue ao presidente do STF, José Linhares, o qual,
ainda em novembro, baixou um decreto determinando a readmissão de Otávio
Mangabeira como professor catedrático da Escola Politécnica da Bahia e
concedendo uma indenização referente aos anos em que permanecera afastado.
Mangabeira se aposentaria apenas no ano seguinte, com o benefício do tempo de
serviço.
Nas eleições de dezembro de 1945, Eduardo Gomes foi derrotado
por Eurico Gaspar Dutra, candidato lançado pelo Partido Social Democrático
(PSD) com o apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). No mesmo pleito,
Otávio Mangabeira elegeu-se deputado pela Bahia à Assembléia Nacional
Constituinte na legenda da UDN. Assumiu o mandato ao se iniciarem os trabalhos
constituintes, em 5 de fevereiro de 1946, sendo eleito na ocasião
vice-presidente da mesa diretora.
Durante
o processo de discussão do regimento interno da Assembléia, propôs que a mesa
fosse organizada inicialmente de acordo com as normas da Constituinte de 1934,
para que se pudesse elaborar em seguida uma regulamentação definitiva. Sua
proposta, contudo, foi derrotada pela de Nereu Ramos, que sugeriu que se nomeasse
uma comissão de três membros encarregada de elaborar o estatuto final. Ainda no
mês de fevereiro, a UDN, em repúdio aberto à Carta de 1937, encaminhou a
proposta de que se redigisse com urgência um “projeto de normas gerais” pelas
quais o país se regeria até a promulgação da nova Constituição. Essa proposta
tampouco foi aprovada.
Em março de 1946, Otávio Mangabeira proferiu um discurso
analisando a “situação calamitosa” em que se encontrava o país por força da
atuação de Vargas, e terminando com o pedido de “um inquérito nacional que
fosse, ao mesmo tempo, o balanço dessa administração”. Em junho propôs uma
moção — assinada por mais de cem constituintes — exaltando as forças armadas
pela deposição de Vargas e repudiando, como medidas antidemocráticas, a implantação
do Estado Novo e a conseqüente dissolução do Legislativo. Em sessão realizada
em agosto, foi escolhido orador oficial durante as homenagens que seriam
prestadas ao general norte-americano Dwight Eisenhower em sua visita ao Brasil.
A atitude que teve, em meio à saudação, de ajoelhar-se e beijar a mão do famoso
general, alcançou grande repercussão no país.
Por
sua iniciativa, representando a UDN em negociação com os líderes da maioria na
Assembléia, o estado de guerra foi eliminado do projeto de constituição e
substituído pela tese do estado de sítio em caráter preventivo. Foi ainda de
sua autoria a emenda vitoriosa de redução de seis para cinco anos do mandato
presidencial. Com a promulgação da nova Carta em 18 de setembro de 1946, passou
a exercer mandato legislativo ordinário e teve seu nome indicado pela UDN — por
sugestão de José Eduardo do Prado Kelly — para concorrer à presidência da
Câmara. Foi porém derrotado pelo deputado pessedista Honório Monteiro.
Ainda
em 1946, combateu a primeira investida em favor da cassação do mandato do
senador Luís Carlos Prestes, bem como a hipótese, já comentada na ocasião, de
cancelamento do registro do Partido Comunista Brasileiro, então Partido
Comunista do Brasil (PCB). Embora contrário à ideologia comunista, considerava
essas medidas não apenas inconstitucionais, como também um erro político dos
pontos de vista interno e externo. Segundo afirmou, “as nações democráticas, na
Europa como na América, estão fartas de saber que não é necessário suprimir o
Partido Comunista para que se possa exercer sobre as atividades comunistas,
sempre que preciso, a vigilância legal, sem ofensa aos princípios
democráticos”. Na mesma ocasião, pronunciou a frase que ficaria célebre: “A
nova democracia que procuramos estabelecer não é ainda uma árvore que dê abrigo
e sombra; é uma planta tenra, que exige todo o cuidado para medrar e crescer.”
Com
a inclusão dos udenistas Raul Fernandes e Clemente Mariani no ministério de
Dutra em dezembro de 1946, foi dado o primeiro passo para um acordo entre a UDN
e o governo. Sempre na presidência da UDN, Otávio Mangabeira foi o maior
entusiasta dessa aproximação, que provocou contudo os protestos de uma facção
liderada por Virgílio de Melo Franco.
Governador da Bahia
Em janeiro de 1947, Otávio Mangabeira foi eleito governador
da Bahia com o apoio da coligação formada pela UDN, o PSD e o Partido de
Representação Popular (PRP). Nesse mesmo mês transmitiu a presidência da UDN a
José Américo de Almeida. Em abril tomou posse no governo baiano, substituindo o
interventor federal general Cândido Caldas. A partir de então passou a
estimular com rigor redobrado uma política de “união nacional”, com a intenção,
segundo Hermes Lima, de garantir sua própria candidatura à presidência da
República nas eleições de 1950.
Em novembro de 1947, ao lado do governador mineiro Mílton
Campos, também udenista, Mangabeira começou a discutir com Dutra os termos de
um acordo interpartidário de apoio a seu governo. Entre as exigências
apresentadas pelos udenistas incluíam-se o respeito à Constituição, que viria a
ser violada com a cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas (o
registro do PCB fora cancelado em maio), a manutenção da ordem nos estados e o
direito de a UDN fazer críticas ao governo. Em janeiro de 1948, foi finalmente
assinado o Acordo Interpartidário entre o PSD, a UDN e o Partido Republicano
(PR), que constituíram assim um bloco parlamentar de sustentação ao governo
Dutra.
Em fins de 1949, quando se intensificaram os debates em torno
da sucessão presidencial, Otávio Mangabeira chegou a ser cogitado por alguns
líderes da UDN como possível candidato. Entretanto, o escolhido foi mais uma
vez o brigadeiro Eduardo Gomes, afinal derrotado por Vargas nas eleições de
outubro de 1950.
Entre suas realizações à frente do governo da Bahia, Otávio
Mangabeira promoveu a renovação da empresa Navegação Baiana e a construção do
Fórum Rui Barbosa, do estádio Fonte Nova e da avenida Otávio Mangabeira, todos
em Salvador. Incentivou também o desenvolvimento da instrução e da assistência
médica gratuita e impulsionou o setor agrário. Durante sua gestão, ocorreu
ainda o empastelamento — por forças do Exército — do jornal comunista O
Momento, em virtude de uma manchete de primeira página pedindo a renúncia de
Dutra.
Otávio
Mangabeira governou a Bahia até o final do mandato, em 31 de janeiro de 1951,
sendo substituído no cargo por Régis Pacheco.
De volta ao Congresso
Deixando o Executivo baiano, Mangabeira fez oposição ao
governo de Vargas, participando ativamente da campanha que terminou em agosto
de 1954 com a virtual deposição e o suicídio do presidente. Nesse período,
entrou também em dissidência com a direção udenista, ligando-se à “ala
autonomista” desse partido e, em seguida, ao Partido Libertador (PL).
Concorrendo ao pleito de outubro de 1954 na legenda da Coligação Baiana —
frente eleitoral que congregou o PSD, o PRP e o Partido Libertador (PL) —, foi
mais uma vez eleito deputado federal pela Bahia, assumindo o mandato em
fevereiro de 1955. Pouco depois aderiu à campanha em favor dos candidatos
udenistas à presidência e vice-presidência da República, Juarez Távora e Mílton
Campos, derrotados nas eleições presidenciais de outubro seguinte por Juscelino
Kubitschek e João Goulart, lançados pela aliança formada entre o PSD e o PTB.
A oposição da UDN e de setores militares à posse dos
candidatos eleitos, baseada na inexistência de maioria absoluta nas eleições,
levou à eclosão, em 11 de novembro, de um movimento militar liderado pelo
general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra demissionário, visando,
segundo suas palavras, barrar uma conspiração em preparo no governo e garantir
a posse de Kubitschek. Nesse mesmo dia Otávio Mangabeira lançou um apelo à
pacificação nacional, em defesa da democracia, afirmando que, do contrário, “o
que aí vem, inelutavelmente, é o governo militar”. O movimento liderado por
Lott provocou o impedimento do presidente Carlos Luz, em exercício, colocando
na chefia da nação Nereu Ramos, presidente do Senado e seu sucessor legal.
Quando o presidente João Café Filho, licenciado por motivo de saúde, revelou
disposição de retornar à chefia do governo, alguns parlamentares, entre os
quais Otávio Mangabeira, o apoiaram. No entanto, Café Filho também teve seu
impedimento aprovado pelo Congresso — com o voto contrário de Mangabeira — e
Nereu permaneceu no governo até a posse de Kubitschek e Goulart, realizada com
o respaldo das forças armadas em 31 de janeiro de 1956.
Em outubro de 1958 Otávio Mangabeira foi eleito senador pela
Bahia na legenda da coligação entre a UDN e o PL. Deixando a Câmara em janeiro
de 1959, assumiu no mês seguinte, o mandato no Senado.
Em 1960 engajou-se na campanha em favor da chapa Jânio
Quadros-Mílton Campos à sucessão presidencial e em julho licenciou-se do Senado
para tratamento de saúde. Assistiu à vitória de seus candidatos no pleito de
outubro desse ano, mas veio a falecer logo em seguida, em 29 de novembro de
1960, no Rio, deixando de realizar o desejo de concorrer à prefeitura de
Salvador em 1962, como despedida da vida política.
Foi casado com Ester Pinto Mangabeira, com quem teve dois
filhos. Seu sobrinho, Francisco Mangabeira, participou da Aliança Nacional
Libertadora (ANL) e foi presidente da Petrobras de 1962 a 1963.
Além de inúmeros discursos, pareceres, relatórios e conferências,
publicou as seguintes obras: Halley e o cometa de seu nome (1910), Voto de
saudade (1924), Christus imperat (1930), Pelos foros do idioma (1930),
Tradições navais do Brasil (1930), As últimas horas da legalidade (1930), Um
pregador da paixão (1933), Palavras... ao vento (1938), Pela honra, pelos
direitos, pela soberania do Brasil (1939) e Machado de Assis (os seus contos e
romances em ponto pequeno) (1954).
A respeito de sua vida e atuação política foram publicadas as
obras Otávio Mangabeira: alma e voz da República (1971), de Yves de Oliveira, e
Vultos que ficaram: os irmãos Mangabeira (1977), de Sá Meneses. Em 1978 a
Câmara Federal editou Otávio Mangabeira, discursos parlamentares.
Sílvia Pantoja
FONTES: ABRANCHES,
J. Governos; ARAÚJO, M. Cronologia; AUTUORI, L. Quarenta; BENEVIDES, M. UDN;
Boletim Min. Trab. (5/36); BRINCHES, V. Dic.; CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CÂM.
DEP. Deputados; CÂM. DEP. Relação dos dep.; CÂM. DEP. Relação nominal;
CARNEIRO, G. História; CARONE, E. Estado; CARONE, E. República nova; CONSULT.
MAGALHÃES, B.; CORRESP. GOV. EST. BA; CORTÉS, C. Homens; COSTA, M. Cronologia;
COUTINHO, A. Brasil; DUARTE, P. Prisão; DULLES, J. Getúlio; Efemérides
paulistas; Encic. Mirador; ENTREV. BARRETO, A.; ENTREV. PEREIRA, J.; EUL-SOO
PANG. Coronelismo; FRANCO, A. Escalada; GARDEL, L. Armoiries; Grande encic.
Delta; GUIMARÃES, A. Dic.; HIPÓLITO, L. Campanha; HIRSCHOWICZ, E.
Contemporâneos; HORTA, C. Famílias; Ilustração brasileira (1922-10); Jornal do
Brasil (13/6/79); LEITE, A. História; LEITE, A. Páginas; LEVINE, R. Vargas;
LIMA, H. Travessia; MANGABEIRA, O. Otávio; MELO, A. Cartilha; MENESES, R. Dic.;
MENESES, S. Vultos; MIN. REL. EXT. Anuário; MOURÃO, M. Dutra; NABUCO, C. Vida;
NEVES, F. Academia; OLIVEIRA, Y. Otávio; SENADO. Relação; SILVA, G.
Constituinte; SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1938; SILVA, H. 1945; SOUSA, A.
Baianos.