MARINHO,
Roberto
*jornalista.
Roberto
Marinho nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no
dia 3 de dezembro de 1904, filho de Irineu Marinho Coelho de Barros e de
Francisca Pisani Barros. Seu pai, jornalista renomado, fundou os jornais A
Noite em 1911 e O Globo em 1925. Seus irmãos, Rogério e Ricardo
Marinho, dedicaram-se também ao jornalismo, participando da direção de O
Globo.
Fez o curso primário no Colégio Paula Freitas e o secundário
nos colégios Anglo Brasileiro e Aldridge, no Rio de Janeiro. Em agosto de 1925,
com a morte de Irineu Marinho pouco depois da fundação de O Globo,
recusou-se a assumir a direção do jornal, preferindo confiá-la a Euricles de
Matos, antigo companheiro de seu pai. Dedicou-se então a conhecer a estrutura
de um periódico, desempenhando as funções de repórter e de copidesque. Quando
Euricles de Matos faleceu em maio de 1931, assumiu a direção de O Globo,
que, a partir daí, passou a refletir suas posições pessoais.
O Globo: de 1931 a 1964
Nos primeiros tempos, conforme a orientação paterna, imprimiu
ao jornal uma “linha independente” e “sem afinidades com governos”. Assim,
colocando-se contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas e a favor da
redemocratização do país, fez ampla cobertura da Revolução Constitucionalista
de 1932: procurou refutar a argumentação oficial de que o movimento tinha
caráter separatista e mostrar que os revoltosos paulistas visavam apenas à
reconstitucionalização do Brasil. Nos anos seguintes, com o objetivo de
combater os extremismos, manifestou-se contra o processo de radicalização
política tanto dos comunistas como dos integralistas, movendo intensa campanha
contra a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira
(AIB). Recebeu com agrado a decretação da Lei de Segurança Nacional no início
de 1935 e do estado de guerra em 1936 — pouco depois do frustrado levante
comunista de novembro de 1935 —, como forma de controlar o radicalismo político
crescente no período. Em 1937, ao ser decretado o Estado Novo, fez restrições
ao novo regime. No entanto, viria a ser membro do Conselho Nacional de Imprensa
do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) de 1940 a 1945.
Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial em 1939, O
Globo desencadeou uma campanha a favor das forças aliadas, manifestando-se
contra a neutralidade brasileira. Em conseqüência disso, em janeiro de 1942
Roberto Marinho aplaudiu o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com
as potências do Eixo e, em agosto, a declaração de guerra do Brasil à Alemanha,
Itália e Japão. A partir daí deu ampla cobertura à Força Expedicionária
Brasileira (FEB) enviada à Itália em 1944, lançando o tablóide O Globo
Expedicionário, com o objetivo de manter elevado o moral dos soldados
brasileiros em ação nos campos de batalha.
Em dezembro de 1944, Roberto Marinho ampliou suas atividades
com a inauguração, no Rio de Janeiro, dos transmissores da Rádio Globo. No
decorrer de 1945, com a crise do Estado Novo, empenhou O Globo na
luta pela redemocratização do país, dando total apoio à candidatura do
brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República, lançada pela União
Democrática Nacional (UDN), e defendendo a convocação de uma assembléia
nacional constituinte. Apoiou igualmente a deposição de Vargas, em 29 de
outubro. Realizadas as eleições presidenciais em dezembro, saiu vitorioso o
general Eurico Gaspar Dutra, candidato do Partido Social Democrático (PSD).
Segundo suas próprias palavras no editorial comemorativo dos 50 anos de O
Globo (4/5/1975), Roberto Marinho deu seu apoio ao novo governo por
acreditar “que se impunha a união nacional de todas as correntes
‘democráticas’, para combater de frente o comunismo, dispondo-se a proscrevê-lo
da legalidade”.
Ao se iniciar o ano de 1950, diante da proximidade de novo
pleito presidencial, mais uma vez Roberto Marinho deu apoio pessoal ao
candidato udenista Eduardo Gomes em oposição a Getúlio Vargas, que também se
candidatou, sustentado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido
Social Progressista (PSP) e parte do PSD. Durante a campanha eleitoral, no
entanto, manteve O Globo numa linha de neutralidade em face das duas
candidaturas. Com a vitória de Vargas, segundo seu depoimento, fez através de O
Globo acirrada oposição ao governo, por entender “que novamente abriram-se
as comportas para as ondas da subversão que passou a compactuar com os
processos mais perniciosos de corrupção”. Por esse motivo, no último ano do
governo de Vargas, criou na Rádio Globo uma nova forma de comunicação social,
estabelecendo um estado de consciência contrário ao tristemente famoso “mar de
lama”, que acabaria chegando ao fim com o suicídio de Getúlio em agosto de
1954.
Quando
assumiu o governo, logo após a morte de Vargas, o vice-presidente João Café
Filho recebeu integral apoio de O Globo em virtude de sua aproximação
política com a UDN, partido que desde sua fundação em 1945 contava com a
simpatia do jornal. Em outubro de 1954, Roberto Marinho concluiu a construção
da nova sede de O Globo, na rua Irineu Marinho, e para lá transferiu a
redação e as oficinas do jornal. Nessa ocasião instalou também novo equipamento
de impressão, com a rotativa Hoe, que ampliou consideravelmente a tiragem.
Em 1955, quando se iniciaram os debates em torno da sucessão
presidencial e foram articuladas as candidaturas de Juscelino Kubitschek, pela
coligação entre o PSD e o PTB, e de Juarez Távora, pela UDN, O Globo permaneceu
fiel aos princípios udenistas, apoiando o candidato do partido nas eleições de
outubro. Com a instalação, em janeiro de 1956, do governo de Juscelino
Kubitschek, Roberto Marinho, segundo o editorial já citado, “permaneceu na
oposição, embora propiciando a devida cobertura à realização das metas de
Juscelino, sem todavia dar quartel aos desmandos inflacionários”.
Nas eleições presidenciais de 1960, O Globo, ao
lado da UDN, apoiou irrestritamente o candidato Jânio Quadros, que venceu o
pleito derrotando o general Henrique Teixeira Lott, lançado pelo PSD-PTB.
Durante o governo Jânio, no entanto, o jornal posicionou-se contra a política
externa independente adotada pelo presidente da República.
A
renúncia de Jânio em agosto de 1961 foi recebida com perplexidade geral, e as
negociações para a posse do vice-presidente João Goulart foram vistas com
reservas nos meios políticos e militares. Empossado o novo presidente, Roberto
Marinho moveu através do seu jornal e sua rádio uma campanha sistemática contra
as propostas de Goulart, principalmente as reformas de base, metas fundamentais
do governo, denunciando o que considerava a “comunização” do país. Em vista
disso, segundo René Dreifuss, associou-se ao Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (IPÊS), organização de empresários criada em 1962 com o objetivo “de
defender a liberdade de imprensa, ameaçada pelo plano de socialização dormente
no seio do governo Goulart”, e deu apoio ao movimento político-militar de março
de 1964. Segundo suas próprias palavras, “em 31 de março de 1964, a nação se reencontrou: os tenentes, então generais reformados, os expedicionários, então
responsáveis pela chefia das forças armadas, e os líderes políticos herdeiros
das tradições de várias décadas de lutas pela democracia, uniram-se, sob a
pressão das grandes marchas populares, para uma nova revolução”. Desde então,
as Organizações Globo, “integradas no processo revolucionário, apenas exigiram
que não se repetissem as indecisões e indefinições de 1930 e 1945” e deram total apoio aos governos militares.
A expansão das Organizações Globo
No período pós-64 Roberto Marinho iniciou a expansão das
Organizações Globo, inaugurando em abril de 1965 a TV Globo do Rio de Janeiro, cuja criação enfrentou inúmeras dificuldades. A primeira delas foi
a tentativa de construção da sede da nova emissora nos terrenos do parque Laje,
no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, adquiridos ao Banco do Brasil
em sociedade com a firma Comércio e Indústria Mauá, de propriedade do senador
por Alagoas Arnon de Melo. Realizada a transação imobiliária, foi obtida a
anulação do tombamento da área, efetuado anos antes pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A luta de Roberto Marinho
para eliminar os entraves ao aproveitamento imobiliário do parque suscitou, em
contrapartida, calorosa campanha por sua preservação. A campanha acabou
vitoriosa, com a desapropriação e o novo tombamento do imóvel pelo governador
do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, que pouco antes havia rompido
politicamente com Roberto Marinho. Outra grande dificuldade enfrentada no
processo de implantação da TV Globo foram as denúncias de participação de
capital estrangeiro, proibida por lei.
Em junho de 1965, através da imprensa, Carlos Lacerda
denunciou como ilegais os acordos entre a TV Globo e o grupo norte-americano
Time-Life. A denúncia fundamentava-se no depoimento de Alberto Hernández Catá,
assessor de Roberto Marinho na recém-criada TV Globo, que revelou a
subordinação do grupo brasileiro ao estrangeiro através da relação
econômico-financeira entre as duas empresas e da orientação ministrada pela assessoria
técnica do grupo norte-americano em decorrência do contrato firmado. Enquanto a
questão era levada ao conhecimento do Conselho Nacional de Telecomunicações
(Contel), em setembro de 1965 o deputado Eurico de Oliveira apresentou
requerimento na Câmara dos Deputados pedindo a instauração de uma comissão
parlamentar de inquérito (CPI) para a apuração das denúncias.
A
campanha desencadeada contra as Organizações Globo e Roberto Marinho contou com
a adesão dos Diários Associados, através do deputado João Calmon, presidente da
Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (ABERT), e de O
Estado de S. Paulo. Ficando ao lado do diretor de O Globo, o
Jornal do Brasil considerou a campanha um “jacobinismo provinciano”. Na
ocasião, João Calmon acusou as Organizações Globo de terem recebido importância
superior a cinco milhões de cruzeiros e de terem vendido o prédio da TV Globo
ao grupo Time-Life, e alegou ainda a existência de contratos que provariam o
vínculo societário proibido pela Constituição e pelo Código Brasileiro de
Telecomunicações.
Chamado
a depor na CPI, Roberto Marinho defendeu-se dizendo que “o contrato denominado
principal foi celebrado em Nova Iorque em 22 de junho de 1962, não tendo sido
remetidos para o Brasil os respectivos originais. Esse contrato foi revogado
por acordo mútuo, havendo sido convertido em financiamento sob forma de conta
de participação, um contrato de cessão de promessa de venda do terreno, bem
como do edifício construído”. Contudo, em 21 de janeiro de 1966, o presidente
Humberto de Alencar Castelo Branco determinou a instalação de uma comissão de
alto nível para investigar as denúncias de infiltração estrangeira na imprensa
brasileira escrita e falada. Constituída cinco dias depois e composta pelos
procuradores Gildo Ferraz, coronel Rubens Brum Negreiros e Celso Silva, a
comissão concluiu seus trabalhos declarando reconhecer a ingerência estrangeira
nos negócios da empresa. O parecer assinado por Gildo Ferraz finalizava
advertindo que, naquele momento, Roberto Marinho “possuía, em tramitação no
Contel, pedido de concessão de trinta e seis emissoras de rádio, algumas com
canal de televisão, nas capitais e cidades mais populosas”. Nessas
circunstâncias, segundo Ricardo Marinho, Roberto Marinho desligou-se do grupo
Time-Life, indenizando-o, “para evitar pretextos que viessem a afetar a
empresa”.
Embora
desligado do grupo norte-americano, Roberto Marinho continuou a expandir as
Organizações Globo, estruturando o Sistema Globo de Rádio, constituído no
estado do Rio de Janeiro pela Rádio Globo, Rádio Mundial, Rádio Eldorado, Globo
Estéreo FM, Rádio 98 Estéreo FM, Rádio Imperial de Petrópolis, Rádio
Teresópolis e Rádio Barra do Piraí; em São Paulo, pela Rádio Globo, Rádio Excelsior e Rádio Excelsior FM; no Rio Grande do Sul, pela Rádio Continental de
Porto Alegre; em Pernambuco, pela Rádio Repórter e Rádio Relógio Musical; em Minas Gerais, pela Rádio Tiradentes de Belo Horizonte, Rádio Cultura de Monlevade e Belo
Horizonte FM Estéreo; e em Brasília, pela Rádio Estéreo FM. Levou adiante
também a organização da Rede Globo de Televisão, constituída de cinco emissoras
básicas, às quais se ligaram diretamente 30 retransmissoras, que, por seu
turno, passavam seus programas a centenas de retransmissoras municipais,
transformando-se desse modo na maior e mais poderosa rede de televisão do
Brasil, com os mais elevados índices de audiência.
Em 1977 Roberto Marinho criou uma fundação “com o objetivo de
atuar junto às comunidades brasileiras onde o governo e a iniciativa privada
encontravam dificuldades para resolver problemas, cujas soluções atendessem ao
bem comum”. O início das atividades da Fundação Roberto Marinho ocorreu nesse
mesmo ano, com o lançamento da Campanha de Preservação da Memória Nacional.
Paralelamente, Roberto Marinho desenvolveu um projeto de apoio ao esporte
amador, com o objetivo de promover o atleta brasileiro. Em 1978 deu início a
novo empreendimento, inaugurando com a Fundação Padre Anchieta, em São Paulo, o Telecurso 2º Grau, com a finalidade de preparar alunos para prestar os exames
supletivos de segundo grau. Mais tarde inaugurou o Telecurso 1º Grau, em
convênio com a Fundação Universidade de Brasília e o Ministério da Educação e
Cultura.
Nos anos 1980 e 1990
A
partir da década de 1980 Roberto Marinho iria receber diversas homenagens e
prêmios, pessoalmente ou em nome de suas empresas. Em janeiro de 1987, por
exemplo, a Associação dos Dirigentes de Vendas do Brasil (ADVB) concedeu ao
presidente das Organizações Globo o Prêmio “Homem de Vendas 1986”, após eleição de que participaram três mil profissionais da área de marketing,
empresários, jornalistas econômicos e publicitários. Em seu discurso de
agradecimento, Roberto Marinho conclamou todos os brasileiros a se unirem em
torno do encaminhamento do processo da Assembléia Nacional Constituinte para a
construção da “sociedade livre, próspera e democrática a que sempre aspiramos”
e elogiou o presidente da República, José Sarney, por sua noção de “equilíbrio
político” num momento de tantas expectativas por mudanças.
Em outubro de 1987, recebeu o Prêmio “Homem das Américas” por
sua atuação “a serviço da democracia no hemisfério ocidental” como jornalista,
executivo e filantropo. A cerimônia de premiação foi realizada em Nova Iorque, e em seu discurso de agradecimento atribuiu o prêmio à sua atuação como
dirigente de um sistema de comunicação de massas num momento em que todas as
atenções voltavam-se para a transição política, social e econômica que o Brasil
atravessava, com a restauração das instituições democráticas, a livre escolha
do representante máximo do país e a discussão de um pacto visando a uma
distribuição de renda mais justa, em confronto com a necessidade de controle da
inflação e dos níveis de desemprego.
Durante o processo de elaboração da Constituição, que viria a
ser promulgada em 5 de outubro de 1988, Roberto Marinho escreveu editoriais
avaliando decisões tomadas pela Assembléia Nacional Constituinte. Num deles,
“Os supremos objetivos da nação”, escrito em 5 de maio de 1988, afirmou que a
Carta em votação não estava à altura das tradições, da cultura e dos objetivos
essenciais da nação, já que se vinha transformando em “fonte geradora de
conflitos entre os diversos segmentos da sociedade”. Referiu-se diretamente à
grande explosão de greves por melhores salários diante dos altos índices de
inflação do governo Sarney e protestou contra a aprovação do direito de greve
irrestrito no artigo “A porta da anarquia”, pelo qual obteve o apoio de
diversos líderes empresariais. Em outro artigo, “A safra de impasses”,
publicado na semana seguinte, também demonstrou insatisfação em relação à
Constituinte ao mencionar as “decisões hostis” à integração do país na economia
internacional, “consagrando o protecionismo” que a seu ver levaria o Brasil ao
isolamento e dificultaria ainda mais a entrada de capitais estrangeiros no
país. O texto expressava seu inconformismo diante do que chamava de “votação
emocional” a favor da participação reduzida de capitais estrangeiros,
principalmente na exploração do subsolo brasileiro, que dependia de bens
escassos no Brasil, como capitais e tecnologia.
Em
entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo ainda em maio de 1988,
revelou que preparava um livro no qual se defenderia das acusações de ter
construído seu império de telecomunicações com a ajuda dos governos militares,
o que teria contribuído para a divulgação de uma imagem negativa a seu
respeito. Tomou essa iniciativa depois da publicação de um artigo no jornal
norte-americano The Washington Post, cujo ombudsman, Richard
Harwood, criticara a linha de programação “não-polêmica” da TV Globo. Roberto
Marinho respondeu apresentando um documento oficial do Ministério das
Comunicações, datado 24 de setembro de 1984, que garantia que uma das
concessões da Rede Globo de Televisão fora outorgada em 1957, no governo do
presidente Juscelino Kubitscheck, enquanto a segunda concessão, do canal de
Brasília, fora dada em 1962, durante o governo de João Goulart. Acrescentou
ainda que “O Globo apoiou a ação construtiva dos governos militares e
fez questão de não obter favores, inclusive a concessão de canais, o que não
seria favor. Durante esse tempo, para formar a rede, compramos de particulares
e de empresários em dificuldades os outros canais de televisão que possuímos.
São Paulo, Bauru e Recife foram comprados de Vítor da Costa. Belo Horizonte do
João Batista do Amaral, Juiz de Fora do Geraldo Mendes”. O presidente das
Organizações Globo admitiu que a Rede Globo teve sua expansão no período do
regime militar, mas afirmou que o fenômeno da TV foi de crescimento desde os
primeiros dias de sua fundação.
Em
setembro de 1988, enviou memorando a todos os funcionários da Rede Globo de
Televisão com orientações sobre a linha da programação da emissora a partir do
fim da censura estabelecido pela Constituição. A mensagem pôs em evidência sua
preocupação quanto aos “desvios de forma e conteúdo” em alguns programas da TV
Globo, derivados do “clima de euforia” decorrente da liberdade de expressão
artística e jornalística reconquistada após duas décadas de censura, mas
lembrou também a necessidade de se respeitar certos padrões éticos, sem
“ultrapassar os limites que um veículo de massas, como a televisão, impõe”. A
presidência e o comitê executivo das Organizações Globo determinaram então a
elaboração de um “código de ética” para a orientação dos produtos veiculados
pela TV Globo.
Em novembro de 1988, quando o presidente José Sarney convocou
a sociedade para se unir em torno de um “pacto social” contra a hiperinflação
que ameaçava a economia nacional, Roberto Marinho foi acusado de combater o
ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega em função de interesses pessoais. De
acordo com notícia publicada por O Estado de S. Paulo de 3 de novembro
de 1988, tudo começara quando o ministro Maílson impediu uma transação para
exportar casas pré-fabricadas no valor de um bilhão de dólares para os EUA, na
qual Roberto Marinho teria interesse. A partir de então, Maílson da Nóbrega
passou a sofrer constantes ataques nos editoriais de O Globo, nos quais
se defendia a idéia da conversão da dívida para melhorar as condições
econômicas do país e se criticava a maneira como o ministro havia conduzido o
acordo para a rolagem da dívida externa brasileira, aceitando integralmente as
condições impostas pelos bancos internacionais.
Ao longo de toda essa polêmica, Roberto Marinho obteve o
apoio de nomes conhecidos do meio empresarial, político e sindical, como o do
presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, Luís Antônio Medeiros, do
presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Mário Amato, do
presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, Eduardo Rocha Azevedo, do deputado
federal do Partido Liberal (PL) paulista e futuro candidato a presidente da
República, Guilherme Afif Domingos, entre outros.
Em
entrevista concedida no mês de dezembro de 1988 ao jornal Folha de S. Paulo,
Roberto Marinho atacou Leonel Brizola, que se candidatara à presidência da
República, afirmando que o ex-governador do Rio de Janeiro não dera
demonstração alguma, em sua gestão no governo fluminense, de competência para
concorrer ao cargo de principal chefe político do país. Acusou Brizola de
permitir o crescimento vertiginoso das favelas da cidade e de se envolver com
os “setores menos corretos existentes entre os habitantes dos morros”,
responsáveis pelo alastramento da violência e do narcotráfico, contra os quais
não se preocupou em tomar providências. Declarou também que, em razão das
enormes modificações que a política brasileira vinha sofrendo, não definiria
como seria a cobertura de seu jornal e de sua emissora de TV na disputa
presidencial, mas enfatizou que não concordava com o critério do “jornalismo
moderno de dar o mesmo espaço e a mesma oportunidade” a qualquer dos
presidenciáveis, “sem levar em conta as propostas de cada um”. Ao final da
entrevista, lembrou que Brizola fora procurá-lo diversas vezes, ainda como
governador, em seu gabinete na sede das Organizações Globo, no bairro do Jardim
Botânico, no Rio de Janeiro, para pedir sugestões para sua administração, as
quais não cumprira. Procurado pela equipe do Estadão para responder a
essas declarações, Brizola não lembrou de nenhuma sugestão concreta de Roberto
Marinho para seu governo, mas apenas de solicitações às quais não pôde atender
integralmente, ou por não estarem ao seu “alcance” ou por serem “contrárias ao
interesse público”.
Em
fevereiro de 1989, as Organizações Globo se associaram ao maior banco do mundo
árabe, o Arab Banking Corporation, para formar no Brasil o banco ABC-Roma de
Investimentos S.A. Roberto Marinho anunciou seu investimento no setor
financeiro, em associação com a holding pertencente aos Emirados Árabes
Unidos, ao Kuweit e à Líbia, lembrando que o negócio nada tinha a ver com
comunicação e que, por ser o banco em questão um dos maiores credores da dívida
externa brasileira (quinhentos milhões de dólares), tratava-se de uma demonstração
da sua confiança no país. O presidente e diretor-geral do ABC, Abdulla Saudi, e
Roberto Marinho, eleito presidente do conselho do banco, disseram na ocasião
que o banco nascia numa posição privilegiada, ocupando um lugar “do meio para
cima entre os bancos independentes”. A nova instituição financeira entrou em
operação no mês de julho de 1989.
Na
acirrada campanha presidencial para a sucessão de José Sarney — o primeiro
pleito direto para presidente após o regime militar —,a vitória de Fernando Collor
de Melo, político jovem e pouco conhecido que no entanto derrotou importantes
líderes políticos de diversas tendências ideológicas, foi em grande medida
atribuída ao espaço que lhe foi dado pela mídia, divulgando uma imagem de nova
liderança moralizadora e comprometida com o combate à corrupção no país. Na
Globo, o “jovem caçador de marajás”, como Fernando Collor se apresentava e
ficou conhecido nacionalmente, chegou a conceder entrevista a um dos programas
de maior audiência do país (Fantástico) antes mesmo de se lançar
candidato. O apoio declarado e definitivo de Roberto Marinho só ocorreu porém
em agosto de 1989, alguns meses antes da eleição.
Collor
venceu o primeiro turno sem participar do debate entre os presidenciáveis
promovido pela Rede Bandeirantes de Televisão. A disputa foi para o segundo
turno, e a candidatura de seu concorrente, Luís Inácio Lula da Silva, começou a
tomar fôlego e a ameaçá-lo. Às vésperas da realização do segundo turno da
eleição, a TV Globo organizou um debate ao vivo entre os dois candidatos que
posteriormente foi editado e apresentado em dois telejornais de sua programação
(Jornal hoje e Jornal nacional), dando mais tempo a Collor e
exibindo seus melhores momentos. A edição do debate Collor versus Lula,
aliada à divulgação de boatos segundo os quais a Rede Globo não tornara
públicos os resultados de uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística (IBOPE) que indicariam pequena vantagem de Lula, acabou
gerando protestos de funcionários da própria Rede Globo. Roberto Marinho
declarou, em entrevista concedida ao Jornal da Tarde no mês de abril de
1992, que “promovera” a eleição de Collor porque “tinha os melhores motivos
para um grande entusiasmo e uma grande esperança de que ele faria um
extraordinário governo”.
Em 1992, Roberto Marinho publicou, pela editora Topbooks, uma
coletânea de artigos intitulada Uma trajetória liberal.
No
mês de março de 1993, solicitou ao então governador de São Paulo, Luís Antônio
Fleury Filho, que proibisse a exibição no Museu da Imagem e do Som (MIS)
daquele estado do documentário de Simon Hartog, Brazil: beyond citizen Kane
(traduzido para o português sob o título Muito além do cidadão Kane),
produzido na Inglaterra para a British Broadcasting Corporation (BBC). O nome
do filme fazia alusão direta à conhecida obra cinematográfica do diretor Orson
Welles sobre a vida de um magnata das comunicações norte-americano,
estabelecendo uma comparação com o poder econômico e político que Roberto
Marinho e a Rede Globo representavam no Brasil. Apesar da reprodução da
película ter sido proibida, algumas cópias piratas circularam em ambientes
fechados de associações de trabalhadores.
Ainda em 1993, Roberto Marinho apresentou-se como candidato e
obteve a cadeira nº 39 da Academia Brasileira de Letras, vaga com o falecimento
do também jornalista Oto Lara Resende, antigo colaborador de O Globo. A
cerimônia de sua posse realizou-se no dia 19 de outubro.
Em razão dos problemas com a campanha eleitoral de 1989, em
abril de 1994 Roberto Marinho impôs uma norma interna na Rede Globo que proibia
“quaisquer referências a campanha eleitoral ou a partidos, bem como entrevistas
com candidatos e políticos nos programas de entretenimento”.
Ao
longo dos anos, Roberto Marinho acrescentou a seu conjunto de empresas a Rio
Gráfica S.A., a Globo Vídeo, a Globo Filmes, a Globotec, a Globo Computação, a
Editora Globo, a Globo Agropecuária, a Som Livre, o Sistema Globo de Gravações
Audiovisuais, entre outras.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 6 de agosto de 2003.
Foi casado pela primeira vez com Estela Marinho, com quem
teve quatro filhos: Roberto Irineu, José Roberto, João Roberto, todos eles
vice-presidentes das Organizações Globo, e Paulo Roberto (falecido). Pela
segunda vez foi casado com Rute Marinho. Lily de Carvalho é sua terceira
mulher.
Marieta
de Morais Ferreira/Jacqueline Ribeiro Cabral
FONTES: Acordo; ARQ.
CENTRO DOC. REDE GLOBO; CARONE, E. Terceira; CASTELO BRANCO, C. Introdução;
CONFERÊNCIA NAC. CLASSES PRODUTORAS. Carta; CONTI, M. Notícias;
CORTÉS, C. Homens; COUTINHO, A. Brasil; Diário de Notícias, Rio
(4/9/56); DREIFUSS, R. Conquista; Encic. Mirador; ENTREV. GONÇALVES, M.;
ENTREV. MARINHO, R.; ENTREV. PINHEIRO, F.; Estado de S. Paulo (12/6/66,
3/11/88, 15/2, 22/6/89); FICHÁRIO PESQ. M. AMORIM; Folha de Goiás (24/4/66);
Folha de S. Paulo (25/3, 21/5, 24/9 e 18/12/88, 13/8 e 9/11/89); Globo
(24, 25, 26 e 27/8/66 e 4/5/75, 11/10/84, 27/4 e 8 e 27/5/86, 30/1, 25/3, 5
e 11/6, 2 e 5/7, 15 e 16/10 e 21/11/87, 25/3, 2 e 19/8, 27/9, 4, 13, 16 e 29/10
e 6 e 11/11/88, 7/7/89, 23/7 e 19, 20/10/93; 7/8/03); Grande encic. Delta; HIRSCHOWICZ,
E. Contemporâneos; Jornal do Brasil (9/7/88, 26/9/88);
LATTMAN-WELTMAN, F. Imprensa; MACEDO, R. Efemérides; MARINHO, R. Trajetória;
MELO, G. Muito além; Movimento, SP (19/7/76); SILVA, H. 1935;
SKIDMORE, T. Brasil; SOC. BRAS. EXPANSÃO COMERCIAL. Quem;
TAVARES, J. Radicalização; Veja (25/3/81, 1/3/89, 18/9/91); VÍTOR, M. Cinco;
Who’s who in Brazil.