MEDEIROS,
Otávio Aguiar de
*militar;
ch. SNI 1978-1985.
Otávio Aguiar de Medeiros nasceu no Rio de
Janeiro, então Distrito Federal, no dia 22 de outubro de 1922, filho de Flávio
Figueiredo de Medeiros.
Sentou
praça em abril de 1940 na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, de
onde saiu aspirante-a-oficial da arma de artilharia três anos depois. Designado
para servir na Escola Militar das Agulhas Negras (AMAN) como subalterno da 1ª
Bateria, ainda em outubro de 1943 foi promovido a segundo-tenente. Em março do
ano seguinte, foi designado instrutor do Curso de Armamento para Oficiais e
Sargentos. A partir de junho passou a desempenhar, cumulativamente, as funções
de oficial regimental de educação física. Em setembro recebeu a promoção a
primeiro-tenente.
Em
janeiro de 1945 foi transferido para o 4º Regimento de Artilharia Montada (4º
RAM), em Itu (SP), como subalterno da 1ª Bateria. Em outubro matriculou-se no
curso de motomecanização. Em abril de 1946 foi transferido para o Regimento
Obuses, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, como oficial de motores e comandante
da 6ª Bateria. Em fevereiro de 1950, foi desligado desse regimento por ter sido
matriculado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Concluído o curso
em dezembro, em março do ano seguinte foi designado para o Grupo de Obuses-155,
no Rio de Janeiro, onde permaneceu apenas um ano. Em março de 1952 foi nomeado
instrutor-auxiliar do curso de artilharia do Centro de Preparação de Oficiais
da Reserva (CPOR) de Curitiba, passando a desempenhar as funções de instrutor a
partir de outubro. Em março de 1953 foi classificado no 3º RAM como oficial
administrativo, e em junho foi promovido a major.
Em
janeiro de 1954, foi matriculado na Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército (ECEME). Após concluir o curso em dezembro de 1956, foi designado para
estagiar no quartel-general do IV Exército, passando a responder, em março de
1957, pela chefia da 2ª Seção. A seguir foi transferido para o Ministério da
Guerra, como adjunto da 2ª Seção. Em março de 1959 apresentou-se à AMAN como
instrutor-chefe do curso de artilharia. Em janeiro de 1962 começou a frequentar
o estágio de guerra revolucionária e anticomunismo do Estado-Maior do Exército
(EME), que concluiu em novembro. Em dezembro recebeu a patente de
tenente-coronel. Em janeiro de 1963, foi nomeado instrutor da ECEME, onde
permaneceu até março de 1964. Foi então transferido para a Secretaria Geral do
Conselho de Segurança Nacional, onde serviu como adjunto do Serviço Federal de
Informações e Contra-Informações e integrou o grupo que deu início ao Serviço Nacional
de Informação (SNI).
Em
agosto foi desligado desse órgão e designado para assumir as funções de adjunto
do SNI. Em janeiro de 1966, matriculou-se no curso de atualização da ECEME, por
correspondência. Foi promovido a coronel em fevereiro seguinte e, em janeiro de
1968, deixou o SNI por ter sido nomeado comandante do CPOR de Belo Horizonte
(MG). Em outubro de 1969, foi designado para o cargo de secretário do chefe do
Gabinete Militar da presidência da República, durante o governo Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974). Em março de 1973, foi exonerado do cargo que
estava ocupando, por ter sido indicado adido militar das forças armadas junto à
Embaixada do Brasil em Israel. Em agosto de 1975 foi promovido a
general-de-brigada e nomeado diretor da Escola Nacional de Informação (EsNI).
No SNI
Em
junho de 1978, foi nomeado pelo presidente Ernesto Geisel (1974-1979) ministro
de Estado chefe do SNI. Foi substituído na EsNI por Danilo Venturini e
substituiu, por sua vez, o general João Batista de Figueiredo. Quando este assumiu
a presidência da República, em março de 1979, foi mantido no cargo. Em novembro
de 1980 foi promovido a general-de-divisão e, em dezembro, a
general-de-exército.
Um
dos possíveis candidatos à sucessão de Figueiredo, embora seu nome nunca
tivesse tido receptividade entre os oficiais das três forças armadas, teve seu
prestígio muito abalado em virtude de dois episódios: os casos Riocentro e
Baumgarten. No primeiro caso, na noite de 30 de abril de 1981, duas bombas
explodiram nas cercanias do Riocentro, no Rio de janeiro, onde o Centro Brasil
Democrático (Cebrade) promovia um show de música popular brasileira em comemoração ao Dia do Trabalho, com a presença de cerca de 20 mil pessoas. Uma das explosões
ocorreu no interior de um veículo particular que manobrava no pátio de
estacionamento, matando um de seus ocupantes, o sargento Guilherme Pereira do
Rosário, e ferindo gravemente o motorista, o capitão Wilson Luís Chaves
Machado, ambos lotados no Centro de Operações para a Defesa Interna (CODI) do I
Exército. Na época, chegou-se a suspeitar da participação do SNI no caso. O
então chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva, chegou a
classificar o órgão, que ele mesmo criara, de “monstrengo”. As críticas de
Golbery não tiveram as consequências que ele esperava para o SNI, mas causaram
abalos na possível candidatura de Otávio Medeiros à presidência.
A
crise subsequente chegou a ameaçar a estabilidade do governo e foi solucionada
à base de mútuas concessões. Não houve nenhuma punição ostensiva aos militares
integrantes da “linha dura”, e o I Exército pôde realizar seu próprio inquérito
para concluir que os dois militares haviam sido “vítimas de uma armadilha
ardilosamente colocada no carro do capitão”. Em compensação, não ocorreu a
partir daí nenhum outro atentado terrorista significativo. Essa solução,
entretanto, não agradou a todos os membros do governo. No dia 6 de agosto,
alegando “divergências irreconciliáveis”, Golbery pediu demissão da chefia do
Gabinete Civil, cargo que exercia desde o início do governo Geisel e que o
projetava como o principal articulador do processo de distensão política. Alguns
dos defensores da candidatura Medeiros tentaram tudo para torná-la possível, e
houve até um esquema para “desmilitarizar” o chefe do SNI. Ele passaria para a
reserva e substituiria um ministro fiel ao palácio, o das Minas e Energia,
César Cals. Mas o envolvimento do SNI no caso da morte do jornalista Alexandre
von Baumgarten comprometeu ainda mais a possível candidatura.
O
caso Baumgarten teve início no dia 13 de outubro de 1982, quando, por volta das
quatro horas da madrugada, o jornalista e sua mulher foram sequestrados no cais
de embarque da praça Quinze de Novembro, no Rio de Janeiro, e levados para
local ignorado, aparecendo dias depois mortos. Certo de que poderia ser
assassinado, Alexandre von Baumgarten deixara um dossiê — que seria publicado
pela revista Veja em janeiro de 1983 —, onde acusava o ex-chefe da
Agência de Central do SNI, e então comandante Militar do Planalto, general
Newton Cruz, de ser o principal interessado em sua morte, após o fracasso das
negociações que com ele mantivera para obter verbas para a revista O
Cruzeiro, da qual era diretor. Dizia nas primeiras linhas: “A esta altura
já deve ter sido decidida minha eliminação. A minha dúvida é se foi pelo chefe
da Agência Central do SNI (Newton Cruz) ou pelo titular do SNI (Otávio
Medeiros).” O dossiê também acusava os dois de repassarem uma verba secreta do
SNI para a revista, para promover a imagem do governo. Em entrevistas, Newton Cruz procurou diminuir a participação de Otávio Medeiros no caso,
assumindo total responsabilidade pelo apoio dado a Baumgarten para tentar
recuperar a revista. Contudo, o prestígio de Medeiros já estava seriamente
abalado e sua candidatura definitivamente descartada.
Em
março de 1985, já durante o governo de José Sarney, Otávio Medeiros deixou o
SNI, e no mês seguinte foi nomeado para o Comando Militar da Amazônia. Na época
foram publicadas várias listas com nomes de torturadores de presos políticos
durante o regime militar, mas nenhuma delas teve a dimensão da que foi publicada
em novembro pela equipe do projeto Tortura Nunca Mais, organizado pela Arquidiocese
de São Paulo. Durante seis anos, advogados e religiosos ligados a dom Paulo
Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo, analisaram mais de um milhão de
páginas de 695 processos que chegaram aos arquivos do Superior Tribunal Militar
entre 1964 e 1979. Desses documentos, foram extraídos os nomes ou codinomes de
444 pessoas apontadas como torturadores por presos políticos. Dessas 444
pessoas, apenas 219 eram apresentadas com seus nomes completos, sendo que 96
pertenciam ao Exército na época das denúncias, sete à Marinha e três à
Aeronáutica. Na lista foi publicada, o nome de maior prestígio era o do
general Otávio Medeiros.
Medeiros foi apontado pelo músico e cartunista Nilo Sérgio de
Meneses Macedo, preso em janeiro de 1969, em Belo Horizonte, sob a acusação de
pertencer à organização clandestina Comando de Libertação Nacional (Colina).
Segundo Macedo, Medeiros — que na época era coronel e presidia o inquérito
contra o Colina — não participou diretamente de violências físicas contra os
presos, mas valeu-se delas em proveito de seu trabalho. Macedo contou que
Medeiros não ficou satisfeito com suas declarações durante o interrogatório e
ameaçou mandá-lo de volta para a delegacia dizendo ironicamente “que os métodos
das polícias eram mais eficazes”. Diante das denúncias do Tortura Nunca Mais,
Medeiros, juntamente com os outros militares e policiais citados, preferiram
ficar em silêncio.
Em julho de 1986 Otávio Medeiros foi nomeado chefe do
Departamento Geral de Pessoal (DGP), e em agosto do ano seguinte foi transferido
para a reserva remunerada, por estar completando 12 anos de generalato. Entregou
a chefia do departamento ao general Hélio Pacheco. Despediu-se do Alto Comando
do Exército com palavras de advertência sobre os rumos que a Nova República
estava tomando.
Em
1993, rompendo uma tradição de todos os ex-chefes do SNI, que nunca deram
nenhuma declaração a respeito do órgão e de suas atividades, deu uma detalhada
entrevista para dois pesquisadores universitários. Nela declarou que o SNI — que
chefiou no período de apogeu, quando o órgão contava com mais de três mil
pessoas servindo em seus quadros — não estava envolvido apenas em assuntos
ligados à sua área de origem, como as questões políticas e diplomáticas, mas
também em outras questões, como a criação de uma empresa na área de informática
e a garantia da construção do túnel Gávea-São Conrado, no Rio de Janeiro,
desfazendo um conflito em que estavam envolvidos ecologistas, estudantes e
diretores da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Fez
outras importantes revelações sobre a atuação do SNI no exterior, como no apoio
ao plano americano de invadir o Suriname. Segundo afirmou, o embaixador daquele
país pediu ao general Figueiredo uma reunião secreta, por estar preocupado com
a entrada do comunismo na Nicarágua e com a influência cubana no Suriname. Disse
ainda que os Estados Unidos programavam uma manobra naval nas costas do
Suriname e pediram ao Brasil um batalhão de pára-quedistas para ajudar na
tomada do aeroporto de Paramaribo. Danilo Venturini, que era então ministro de
Estado Extraordinário para Assuntos Fundiários, e fora encarregado pelo
presidente João Figueiredo de manter conversações com o comandante-em-chefe das
forças armadas daquele país, coronel Desiré Bourtese, negou, porém, que o
governo brasileiro tivesse então conhecimento da operação americana.
Ainda
na mesma entrevista, em relação ao caso Riocentro, atribuiu a responsabilidade
do atentado ao sargento Rosário e ao capitão Wilson, classificando-os como
“elementos individualistas revoltados”. Segundo afirmou, o SNI mostrara
bastante eficiência em vários momentos, contando com a importante colaboração
de várias autoridades. Um dos informantes mais ativos era o delegado Romeu
Tuma, que na época pertencia ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)
de São Paulo. Enfurecido com o vazamento da entrevista, Medeiros entrou na
Justiça e obteve o impedimento da divulgação do material até sua morte.
Em março de 1996, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados propôs à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) uma ação conjunta
para reabrir as investigações sobre os atentados contra a sede da entidade e o
Riocentro, e ouvir, uma década depois, as muitas testemunhas que haviam sido
chamadas a prestar depoimento durante as investigações feitas na época, entre
elas o general Otávio Medeiros e o tenente-coronel Wilson Machado.
Faleceu em Brasília no dia 5 de setembro de 2005.
Casado com Olga Aguiar de Medeiros, teve três filhos.
Mirian
de Aragão Silva
FONTES:
CURRIC. BIOG.; Estado de S. Paulo (18/5/80, 1/7, 8/5 e 19/8/81,
21/7/87, 6/9/05); Folha de S. Paulo (14/8/87, 22/10/88, 6/9/05); Globo
(13/11/79, 20/3/96, 8/7/97); Jornal do Brasil (1/8/77, 23/8/79, 8/1/80,
25/7/87); Veja (27/11/85, 9/7/97).