CAMPOS,
Mílton
*const. 1946; dep. fed. MG 1946-1947; gov.
MG 1947-1951; dep. fed. MG 1955-1959; sen. MG 1959-1964; min. Just. 1964-1965;
sen. MG 1965-1972.
Mílton Soares Campos nasceu
em Ponte Nova (MG) no dia 16 de agosto de 1900, filho do desembargador
Francisco de Castro Rodrigues Campos e de Regina Martins Soares Campos. Seu pai
foi presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e da comissão que
elaborou o anteprojeto da Constituição mineira de 1935. Seu tio Luís Martins
Soares, chefe político de Ponte Nova ao longo das décadas de 1930 e 1940, foi
membro da Constituinte estadual de 1934 e deputado federal de 1935 a 1937. Seu
avó materno, Manuel Olímpio Soares, foi presidente da Câmara Municipal de Ponte
Nova durante 25 anos, no início do período republicano, enquanto seu tio-avô,
Antônio Martins Ferreira da Silva, foi vice-presidente de Minas Gerais entre
1910 e 1914 e deputado federal de 1915 a 1917.
Mílton
Campos fez seus estudos primários em Ponte Nova e Viçosa (MG). Transferiu-se em
1911 para Belo Horizonte, onde cursou o secundário no Instituto Claret e no
Ginásio Mineiro, tendo como colegas, entre outros, Pedro Aleixo e Gustavo
Capanema. Nesse período, empolgou-se com os ecos da Campanha Civilista,
movimento que promovera em 1909 e 1910 a candidatura de Rui Barbosa à
presidência da República em oposição à do marechal Hermes da Fonseca, afinal
eleito em março de 1910. Depois de fazer o curso preparatório no Ginásio Leopoldina,
na cidade mineira de mesmo nome, ingressou em 1918 na Faculdade de Direito de
Belo Horizonte.
Datam
de seus tempos de universitário as primeiras colaborações na imprensa — no
jornal de sua cidade natal —, seu ingresso na política o seu primeiro emprego,
como funcionário da Estrada de Ferro Oeste de Minas, depois incorporada à Rede
Mineira de Viação. Terceiranista de direito, participou em 1920 da comitiva que
foi visitar Rui Barbosa em Palmira, atual Santos Dumont (MG), para desagravá-lo
por não ter sido convidado pelo presidente Epitácio Pessoa para a recepção ao
rei Alberto, da Bélgica. No ano seguinte, movido por suas posições
antioligárquicas, foi um dos redatores do manifesto de lançamento da
candidatura de Francisco Sales para o governo de Minas, patrocinada pela Reação
Republicana que, no plano nacional, promoveu a campanha de Nilo Peçanha à
presidência da República. Esses dois candidatos foram derrotados em março de
1922 por Raul Soares e Artur Bernardes, respectivamente.
Ainda
acadêmico, Mílton Campos estabeleceu sólidos laços com toda uma geração de
intelectuais e políticos mineiros, notadamente os jovens poetas adeptos do
movimento iniciado em 1922 com a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Leitor
assíduo de Anatole France, foi companheiro de juventude e de experiências
literárias de Gustavo Capanema, Gabriel Passos, Francisco Negrão de Lima, Mário
Casassanta, Abgar Renault, João Alphonsus, Ciro dos Anjos, Afonso Arinos de
Melo Franco e, em particular, de Emílio Moura, Pedro Nava, Rodrigo Melo Franco
de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, que mais tarde diria: “Mílton Campos
foi o orientador involuntário e despretensioso da nossa geração.”
Foi o orador da turma que se bacharelou em dezembro de 1922,
sendo nomeado em seguida promotor em Mococa (SP), por intercessão do
desembargador paulista Manuel da Costa Manso. Mal recebido no gabinete do
secretário do Interior de São Paulo, a quem fora agradecer a nomeação, desistiu
do cargo e foi iniciar sua carreira de advogado em Dores da Boa Esperança, hoje
Boa Esperança, no sul de Minas. Permaneceu nessa cidade durante um ano,
retornando em 1924 para Belo Horizonte, onde seu pai já era desembargador do
Tribunal de Justiça do estado. Pouco depois, passou a trabalhar no escritório
de advocacia de Abílio Machado, onde reencontrou Pedro Aleixo, que também fora
seu colega de turma na faculdade.
Mílton Campos permaneceu ligado aos jovens intelectuais
mineiros e, sem interromper o exercício da advocacia, começou a atuar
profissionalmente no jornalismo a partir de 1925, quando se tornou diretor da
sucursal de O Jornal em Belo Horizonte e colaborador de O Estado de
Minas e do Diário de Minas. Nesse ano, colaborou ainda na efêmera A
Revista, editada por seus amigos adeptos do modernismo. Em 1930, foi
escolhido para saudar o lançamento do primeiro livro de Carlos Drummond de
Andrade, Alguma poesia, proferindo então um discurso mordaz e
irreverente em defesa do modernismo e da “antropofagia” lançada por Oswald de
Andrade em 1927.
Participou
da Aliança Liberal, coligação oposicionista que promoveu as candidaturas de
Getúlio Vargas e João Pessoa à presidência e a vice-presidência da República
nas eleições de março de 1930. A vitória da chapa situacionista formada por
Júlio Prestes e Vital Soares nesse pleito foi contestada por importantes
setores da oposição, que deflagraram em outubro um levante armado contra o
governo federal. Mílton Campos apoiou o movimento revolucionário, cuja vitória
levou à formação do Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas. No ano
seguinte, integrou a Legião Mineira, organização política criada em fevereiro
de 1931 sob inspiração fascista e com o propósito de aprofundar o programa da
revolução.
Foi nomeado advogado-geral de Minas Gerais em 1932 pelo
presidente do estado, Olegário Maciel, que morreu em setembro do ano seguinte.
Nessa ocasião, Mílton Campos chegou a figurar em uma das listas organizadas
pelo Partido Progressista (PP) de Minas Gerais a pedido de Getúlio Vargas, que
se preparava para nomear o interventor federal no estado. A escolha, contudo,
recaiu sobre Benedito Valadares.
Mílton
Campos integrou o Conselho Consultivo do estado, formado depois do fechamento
dos órgãos legislativos em 1930 e extinto com a eleição da Assembléia
Constituinte estadual em outubro de 1934. Foi eleito deputado a essa assembléia
na legenda do PP, exercendo o cargo de relator-geral da comissão, presidida por
seu pai, que elaborou o anteprojeto da Constituição mineira, promulgada em
julho de 1935. Iniciando-se então a primeira legislatura ordinária da nova Assembléia,
continuou a exercer seu mandato parlamentar. Ainda em 1935, foi indicado para
desembargador pelo voto unânime do Tribunal de Justiça, como representante dos
advogados, mas recusou a nomeação porque ela implicaria a aposentadoria de seu
pai, então presidente do tribunal. Logo depois desse episódio, o governador
Benedito Valadares indicou-o para presidir a comissão mista encarregada de
resolver as questões dos limites entre Minas e São Paulo, que remontavam a
1720. No exercício dessa função, Mílton Campos teve como principal interlocutor
o jurista paulista Francisco Morato. Os trabalhos foram encerrados com êxito em
28 de setembro de 1936 e Mílton Campos, que dispensou os honorários
correspondentes ao trabalho, teve sua atuação elogiada.
Na oposição ao Estado Novo
Mílton Campos exerceu seu mandato de deputado estadual até o
fechamento de todas as instituições parlamentares do país, provocado pelo golpe
que, sob a liderança do presidente Getúlio Vargas, implantou o Estado Novo em
10 de novembro de 1937. Com o advento do novo regime, voltou a se dedicar
inteiramente às atividades profissionais, sendo nomeado advogado da Caixa
Econômica Federal. Nos anos seguintes, foi um dos fundadores, secretário e
presidente da seccional mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
presidiu o Instituto dos Advogados de Minas Gerais e ingressou no magistério
superior como professor de política da atual Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escola que ajudou a fundar.
Em 1942, o governo brasileiro modificou sua posição de
neutralidade em relação à Segunda Guerra Mundial em curso na Europa desde 1939,
declarando guerra à Alemanha nazista. A evolução dos acontecimentos na esfera
internacional influenciava diretamente a situação política brasileira, marcada
pela vigência do regime de exceção. Integrado desde o início na oposição ao
Estado Novo, Mílton Campos participou das atividades da Sociedade Amigos da
América, fundada em janeiro de 1943 pelo general Manuel Rabelo. Em maio desse
ano, no curso da Semana Antifascista organizada pela entidade em todos os
estados, foi o orador da sessão realizada na Faculdade de Direito de Belo
Horizonte.
Ainda em 1943, um grupo de políticos oposicionistas mineiros
radicados no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, decidiu aproveitar a
mobilização da opinião pública contra o nazi-fascismo europeu para promover uma
manifestação de personalidades de Minas Gerais em favor da democratização do
país. Luís Camilo de Oliveira Neto, Odilon Braga, Pedro Aleixo, José de
Magalhães Pinto e os irmãos Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco lideraram a
iniciativa, decidindo elaborar um manifesto. Virgílio de Melo Franco fundiu as
três redações iniciais (de Odilon Braga, de Dario de Almeida Magalhães e dele
mesmo) num só texto, e levou-o a Belo Horizonte para Mílton Campos e Pedro
Aleixo fazerem suas sugestões. Finalmente, retocado por Afonso Arinos, o Manifesto
dos mineiros foi datado de 24 de outubro de 1943 (aniversário da vitória da
Revolução de 1930) e distribuído originalmente com 76 assinaturas, às quais se
acrescentaram posteriormente outras 16. Foi o primeiro pronunciamento público
de setores liberais contra o Estado Novo e obteve grande repercussão em todos
os setores da oposição ao regime. Afirmando que “a ilusória tranqüilidade e a
paz social que se obtém pelo banimento das atividades cívicas podem parecer
propícias aos negócios e ao comércio, ao ganho e à própria prosperidade, mas
nunca benéficas ao revigoramento e à dignidade dos povos”, o manifesto reivindicava
“o estabelecimento de garantias constitucionais” e exortava à realização de
movimentos idênticos nos demais estados.
Getúlio Vargas respondeu ao documento com represálias
administrativas e econômicas contra seus signatários, confirmando a previsão de
Mílton Campos de que “este manifesto, se não fizer onda, certamente abrirá
vagas”. Mílton foi um dos atingidos, sendo exonerado em janeiro de 1944 de seu
cargo na Caixa Econômica Federal, ao qual só voltaria dez anos depois, por
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A
partir de 1944, o quadro político nacional se alterou visivelmente com o
crescimento da oposição nos meios civis e militares, estimulada pelo desgaste
do Estado Novo e a iminente derrota das potências do Eixo na guerra. Vargas
adotou então uma linha reformista e liberalizante que incluía a promessa de
reabertura dos órgãos de representação política, a reorganização dos partidos e
a convocação de eleições, procurando manter sob seu controle a transição em
curso na vida nacional. No início de 1945, quando os agrupamentos que deram
origem aos novos partidos já estavam sendo formados, Mílton Campos foi um dos
organizadores da União Democrática Nacional (UDN), fundada em 7 de abril como
expressão da oposição liberal ao Estado Novo.
Vargas
foi derrubado em 29 de outubro de 1945 por um golpe militar chefiado pelos
generais Eurico Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro. Pouco depois, Mílton
Campos foi novamente nomeado advogado-geral de Minas Gerais pelo novo
interventor federal, Nísio Batista de Oliveira, e, nas eleições de 2 de
dezembro, concorreu à Assembléia Nacional Constituinte por Minas na legenda da
UDN, sendo eleito com 11.331 votos. O grande vencedor das eleições foi,
entretanto, o Partido Social Democrático (PSD), que, com o apoio de Vargas e
dos interventores da época do Estado Novo, elegeu a maioria dos constituintes e
o presidente da República, Eurico Dutra.
Mílton Campos deixou seu cargo no estado para assumir a
cadeira na Constituinte, que iniciou seus trabalhos em 5 de fevereiro de 1946.
Foi sub-relator da Comissão do Poder Judiciário e teve participação destacada
durante as discussões em plenário sobre os artigos 141 (que tratava dos
direitos e garantias individuais) e 146, cuja redação final incorporou uma
emenda de sua autoria determinando que a intervenção estatal e o monopólio de
indústrias pela União teriam como limite “os direitos fundamentais assegurados
nesta Constituição”. A Carta foi promulgada em 18 de setembro de 1946.
No governo de Minas
Mílton Campos foi escolhido candidato ao governo de Minas
Gerais pela grande maioria dos participantes da convenção estadual da UDN,
realizada em 9 de novembro de 1946. Foi lançado, porém, como candidato de
sacrifício, com a tarefa de conduzir um movimento de afirmação do partido
diante da poderosa máquina eleitoral montada pelo PSD. Demonstrando ter
consciência do seu papel, pouco depois de indicado, Mílton Campos declarou ao
pessedista Tancredo Neves que “o meu compromisso com a UDN é o de pronunciar 12
discursos de doutrinação democrática... Se houvesse a mais remota possibilidade
de vitória, o candidato não seria eu”.
O
candidato pessedista era inicialmente Carlos Luz, ministro da Justiça do
governo do general Eurico Dutra, que desistiu em benefício do ex-presidente da
República Venceslau Brás, então quase octogenário. Mas a direção do PSD mineiro
se dividiu em relação à sucessão, e em dezembro de 1946, na convenção estadual
que definiu o candidato do partido, Venceslau foi derrotado por José Francisco
Bias Fortes, nome apoiado por Benedito Valadares. Venceslau transferiu então
seu apoio a Mílton Campos, sendo seguido por uma facção liderada por Carlos Luz
e Fernando de Melo Viana, denominada “PSD independente”.
O comitê pró-Mílton Campos foi então reestruturado, passando
a aglutinar as forças da UDN, do Partido Republicano (PR) liderado pelo
ex-presidente Artur Bernardes, do “PSD independente” e de partidos menores,
corno o Trabalhista Nacional (PTN), o Republicano Democrático (PRD) e o
Democrata Cristão (PDC). Também o Partido Comunista Brasileiro — então chamado
Partido Comunista do Brasil (PCB) —, que estava na legalidade, apoiou
abertamente sua candidatura, enquanto os integralistas apoiavam-na de forma
mais discreta. A perspectiva mudara inteiramente. Em manifesto ao povo mineiro,
Mílton Campos afirmou: “O comando fugiu das mãos dos grupos oligárquicos e se
transferiu para o povo.” Quando sua campanha, iniciada em meio à completa
indiferença popular, entrou em rápida ascensão, comentou com seus auxiliares e
amigos: “Corro o perigo de ser eleito.”
Em
19 de janeiro de 1947, essa impressão se confirmou. Mílton Campos recebeu
448.073 votos (55,6% do total), contra 388.207 dados a seu adversário Bias
Fortes. Tomou posse em 19 de março seguinte, comprometendo-se a fazer um
governo “mais da lei do que dos homens”, e formou seu secretariado levando em
conta a composição partidária que se estabelecera em torno da sua candidatura,
mas sem abrir mão do direito de escolher segundo critérios pessoais os nomes de
seus auxiliares. De seu secretariado fizeram parte Pedro Aleixo (Interior),
José de Magalhães Pinto (Finanças), Abgar Renault (Educação) e Américo Gianetti
(Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho).
Mílton
Campos proclamou que sua primeira preocupação era a de consolidar no estado as
instituições democráticas definidas na Constituição que acabara de ser
aprovada. Desde o início do seu governo, repeliu sistematicamente os freqüentes
pedidos de substituição de delegados de polícia e de diretoras de grupos
escolares formulados em virtude de conveniências partidárias, chegando a
modificar a legislação referente ao acesso à carreira de delegado na tentativa
de lhe retirar seu peso político e sua ostensiva facciosidade. Essa postura
garantiu o apoio a seu governo das forças pessedistas dissidentes, agrupadas
principalrnente no chamado “PSD liberal”, grupo continuador do “PSD
independente”, liderado por seu tio Luís Martins Soares. Entretanto, esse
estilo de governo provocou descontentamento entre as forças que haviam apoiado
sua candidatura. Um grupo de udenistas organizou a “Resistência Democrática”
para exigir do governador uma orientação marcadamente partidária no exercício
do mandato, como uma espécie de revanche contra o pessedismo oriundo do Estado
Novo. O próprio presidente da seção mineira da UDN, Virgílio de Melo Franco,
demonstrou seu descontentamento com o que chamava de conciliação do partido no
governo com forças que haviam apoiado a ditadura de Vargas. Também o PR se
julgava injustiçado e preterido, na medida em que diminuíam os espaços para a
sua política tradicional de clientela.
Sempre reafirmando sua disposição inicial, Mílton Campos
evitou a intervenção de tropas federais, sugerida por pessedistas ao presidente
Eurico Dutra, contra uma greve de mineiros no município de Nova Lima, debelou
um movimento separatista em curso na região do Triângulo Mineiro e instaurou
inquérito para apurar responsabilidades de policiais militares no
empastelamento do Jornal do Povo, órgão comunista editado em Belo
Horizonte. O episódio mais famoso envolvendo seu estilo de governo ocorreu
durante a longa greve dos empregados da Rede Mineira de Viação, iniciada desde
antes de sua posse na cidade de Divinópolis em protesto contra a falta de
pagamento dos ferroviários. Em reunião para tratar do assunto, foi sugerido que
se enviasse ao local um trem com soldados da Polícia Militar. Mílton Campos
retorquiu: “Não seria melhor mandar o trem pagador?”
Ainda em 1947, foi elaborado sob a supervisão de Américo
Gianetti o Plano de Recuperação Econômica do Estado, que forneceu um
diagnóstico da situação de Minas e resultou na criação de diversos serviços,
como o Instituto de Pesquisas Agronômicas, a Estação Central de Experimentação
Vegetal, o Serviço Especial de Cultura do Algodão, o Serviço de Cultura do Trigo,
quatro escolas industriais e cinco escolas agrícolas. Pouco depois, foi criada
a Universidade Rural de Viçosa e a Escola Média de Agricultura, e assinado o
convênio com o governo norte-americano para a formação da Associação de Crédito
e Assistência Rural (ACAR) de Minas Gerais, primeira de uma série de entidades
congêneres que se espalhariam pelos estados. Para enfrentar a saturação
prevista na cidade industrial de Contagem, próxima da capital, o governo criou
a cidade industrial de Santa Luzia, também situada nos arredores de Belo
Horizonte, mas a tentativa fracassou inteiramente.
Mílton
Campos presidiu a sessão inaugural do II Congresso Brasileiro de Escritores em
outubro de 1947, lembrando na ocasião a circunstância de ter sido um dos
fundadores em Minas da entidade promotora, a Associação Brasileira de
Escritores. Em dezembro seguinte, ao encerrar o Congresso de Trabalhadores de
Minas Gerais, afirmou: “Sem a liberdade, cairemos na opressão política. Sem a
igualdade, consolidaremos a opressão econômica. Num e noutro caso, estará
esquecida a pessoa humana e a democracia falhará em sua missão.”
No plano político nacional, Mílton Campos foi um dos
articuladores, junto com o governador baiano Otávio Mangabeira, do acordo
interpartidário, que estava em gestação desde 1946, quando dois udenistas —
Raul Fernandes e Clemente Mariani — passaram a integrar o ministério de Eurico
Dutra. Assinado pelos presidentes do PSD, da UDN e do PR em janeiro de 1948, o
acordo garantiu ao presidente da República tranqüila maioria para a aprovação
no Congresso das matérias de maior importância. Atrás da tese de “união
nacional” estava o desejo de cada um dos três partidos de obter o apoio de
Dutra e o consenso das forças políticas e sociais que partilhavam o poder para
seu candidato às próximas eleições presidenciais. A participação de Mílton
Campos na formalização do acordo não significou seu alinhamento automático com
o presidente. Contrário à cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas,
ocorrida ainda em janeiro de 1948, o governador de Minas rejeitou as pressões
de Dutra para que interferisse junto aos parlamentares federais sob sua
influência para que estes votassem favoravelmente à medida.
Em
julho de 1948, Mílton Campos foi escolhido presidente de honra do XI Congresso
da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado no Rio de Janeiro.
Considerando a educação setor prioritário do seu governo, estabeleceu em
setembro seguinte a gratuidade do ensino secundário oficial, impulsionando a
construção de escolas primárias. Entre 1946 e 1950, o número de escolas
aumentou de 6.661 para 12.056 e o número de matrículas de 578.920 para 823.105.
Ao
discursar na inauguração da II Conferência Nacional das Classes Produtoras,
realizada em Araxá (MG) no mês de julho de 1949, Mílton Campos apresentou um
dos eixos do seu ideário político: “Em verdade, o meio-termo é uma posição de
coragem... O ponto extremo é mais cômodo, porque oferece uma definição precisa
e dispensa as constantes revisões que a realidade suscita. É um compromisso teórico
e sistemático, cuja firmeza está em contraste com as vertiginosas mutações da
vida real. O ponto intermediário é mais propriamente uma zona fronteiriça, de
contornos imprecisos e lindes esquivas, mas onde mais adequadamente se demarca
a área da realidade.”
Em
dezembro de 1949, foi aprovada uma lei autorizando o governo a “organizar, no
estado, sociedades de economia mista e delas participar, para a construção e
exploração de centrais e usinas elétricas”. No mês seguinte, o governo de
Mílton Campos encomendou a uma empresa de engenharia a elaboração do plano de
eletrificação do estado, concluído sete meses depois. Este foi o ponto de
partida das Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), criadas efetivamente no
governo seguinte, chefiado por Juscelino Kubitschek. Mílton Campos criou ainda
a Secretaria de Saúde e Assistência, desmembrada da de Educação, a Escola de
Saúde Pública, o Departamento Estadual da Criança e o Hospital de
Neuropsiquiatria Infantil. Durante seu mandato, o número de unidades sanitárias
passou de 31 para 93. Seu governo, que durou três anos e dez meses, foi todavia
acusado de imobilismo por seus adversários, muitos dos quais alegavam que a
manutenção de uma postura democrática era incompatível com a realização de uma
boa administração.
Mílton Campos foi partidário do lançamento de uma candidatura
de “união nacional” nas eleições presidenciais de outubro de 1950. Como
governador de Minas, teve seu próprio nome ventilado para a sucessão de Dutra,
mas não aceitou a indicação. No início do ano eleitoral, lançou o nome de
Afonso Pena Júnior, sem filiação partidária mas de difícil articulação. O PSD e
a UDN acabaram não chegando a um acordo e lançaram candidatos próprios,
respectivamente Cristiano Machado e Eduardo Gomes, ambos derrotados por Getúlio
Vargas, que concorreu na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Na
sucessão mineira, decidida também nas eleições de 3 de outubro de 1950, saiu
vitorioso o PSD, em aliança com o PR: Juscelino Kubitschek suplantou o
candidato udenista Gabriel Passos em quase duzentos mil votos, recebendo 53,5%
dos sufrágios. Também para o Senado, o candidato udenista, Amaro Lanari, foi
derrotado por Artur Bernardes Filho, do PR.
Mílton
Campos passou o governo a Kubitschek em 31 de janeiro de 1951, sendo convidado
por Magalhães Pinto para ocupar o cargo de consultor jurídico do Banco Nacional
de Minas Gerais, de sua propriedade.
Candidato à vice-presidência
Além de exercer a profissão de advogado, Mílton Campos
retomou sua cadeira de política na Faculdade de Filosofia e tornou-se professor
de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Católica de
Minas Gerais (UCMG). Em 1953, colaborou como editorialista no Correio do
Dia, jornal lançado em Belo Horizonte pela UDN para fazer oposição ao governo
de Kubitschek. Nas eleições de 3 de outubro de 1954, recebeu a terceira maior
votação da UDN em Minas Gerais (29.292 votos), conquistando novo mandato na
Câmara Federal, o que provocou sua mudança para o Rio de Janeiro no ano
seguinte.
Essas eleições, realizadas pouco mais de um mês depois do
suicídio do presidente Getúlio Vargas, demonstraram uma relativa força das
instituições, o que animou Juscelino Kubitschek a trabalhar por sua candidatura
à presidência da República no pleito marcado para 3 de outubro de 1955. Seu
nome foi aprovado pela convenção de compor uma coligação com o PTB, que
indicaria o candidato à vice-presidência. Enquanto isso, a UDN encontrava
dificuldades para apresentar uma chapa. Seu candidato natural, o brigadeiro
Eduardo Gomes, fora derrotado em 1945 e 1950. O partido se dividia entre
urna ala francamente golpista, liderada pelo jornalista e deputado carioca
Carlos Lacerda, e uma ala que procurava esgotar todas as possibilidades legais
de impedir uma vitória da coligação PSD-PTB, que significaria um retorno ao
governo federal das forças derrotadas no processo que culminou com o suicídio
de Vargas.
Embora já se falasse desde janeiro de 1955 no possível
lançamento pelo PDC da candidatura do general Juarez Távora, de trajetória e
ideário semelhante ao de Eduardo Gomes, a UDN se fixou inicialmente no nome do
pessedista dissidente Etelvino Lins, que foi lançado em 24 de abril pela
convenção de sua seção mineira e homologado quatro dias depois pela convenção
nacional do partido. Nesses encontros, Mílton Campos foi eleito,
respectivamente, presidente da UDN em Minas Gerais e presidente nacional
da agremiação.
A
candidatura de Etelvino Lins durou, oficialmente, pouco menos de dois meses,
mas tornou-se inviável apenas 15 dias depois de seu lançamento. Em 11 de maio,
o PDC definiu seu apoio a Juarez Távora, após reunião na casa do próprio
Etelvino, com a presença de Mílton Campos, André Franco Montoro (do PDC), Raul
Pilla (do Partido Libertador), Nereu Ramos e João Neves da Fontoura (ambos do
PSD). A direção udenista continuou a apoiar seu candidato oficial, mas as bases
foram conquistadas pela candidatura de Juarez, desencadeando um processo de
transição dentro do partido de um nome para outro. Em 13 de junho, a UDN lançou
Mílton Campos para a vice-presidência, e no dia 22 seguinte Etelvino Lins
retirou sua candidatura. Consolidou-se então a chapa Juarez Távora-Mílton
Campos, homologada em nova convenção da UDN realizada em 31 de julho, mas já
sem esperanças de vitória.
Nos
meses de agosto e setembro, as forças hostis à chapa Juscelino Kubitschek-João
Goulart procuraram identificá-la com a herança ditatorial de Vargas e com o
apelo às massas proletárias, confirmado pelo apoio do PCB. Enalteciam, por seu
lado, a campanha de “pregação cívica” desenvolvida pelos candidatos apoiados
pela UDN, enquanto tentavam, sucessivamente, impor um candidato militar de
“união nacional”, adiar o pleito e aprovar a exigência da maioria absoluta para
a eleição do presidente, sempre sem êxito. Já prevendo um desfecho militar para
a crise, os dois blocos em confronto começaram a dedicar particular
atenção às forças armadas. Enquanto setores militares e udenislas preparavam um
dispositivo golpista, o PSD articulava sua neutralização.
Juscelino
venceu as eleições com uma diferença de 460 mil votos sobre Juarez Távora. Em
terceiro lugar ficou Ademar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP) e,
em quarto, Plínio Salgado, do Partido de Representação Popular (PRP). A
candidatura de Plínio, que obteve setecentos mil votos, fora estimulada pelo
próprio Juscelino, na certeza de que ele dividiria o eleitorado de Juarez, como
efetivamente aconteceu. Mas o fato de Plínio Salgado não ter apresentado um
companheiro de chapa para a vice-presidência favoreceu Mílton Campos, que teve
3.384.739 votos — 770 mil a mais do que Juarez —, perdendo para Goulart por
duzentos mil votos. Em terceiro lugar ficou Danton Coelho, candidato do PSP,
com 1.119.857 votos. Mílton Campos foi derrotado em seu próprio estado por mais
de 120 mil sufrágios, obtendo vitórias expressivas sobre Goulart apenas em São
Paulo (mais de 330 mil votos de diferença) e no Distrito Federal.
As
articulações que visavam impedir a posse de Juscelino e Goulart foram
frustradas em 11 de novembro de 1955 pelo movimento militar liderado pelo
ministro da Guerra demissionário, general Henrique Teixeira Lott. No mesmo dia,
o Congresso Nacional, por maioria de votos, declarou impedido o presidente da
República Carlos Luz, em exercício, empossando na chefia da nação o vice-presidente
do Senado, Nereu Ramos. No dia 22 de novembro o presidente licenciado João Café
Filho teve seu impedimento igualmente aprovado, e em 31 de janeiro do ano
seguinte Nereu Ramos entregou o cargo ao candidato eleito.
Mílton Campos permaneceu na presidência nacional da UDN,
tendo ainda três anos de mandato a cumprir na Câmara dos Deputados, onde
integrou as comissões de Justiça, de Finanças, de Relações Exteriores e de
Educação e Cultura. Nessa legislatura, abandonou sua antiga posição favorável
ao presidencialismo e aderiu à emenda constitucional reapresentada por Raul
Pilla com o objetivo de instituir o regime parlamentarista. No início de 1957,
sua atitude diante do governo de Juscelino foi considerada pouco combativa
pelos setores mais radicais do partido, que articularam a indicação de Carlos
Lacerda para a liderança da bancada udenista na Câmara e conseguiram, em maio,
a substituição de Mílton Campos por Juraci Magalhães na presidência do partido.
Mílton Campos concorreu ao Senado por Minas Gerais como
candidato da coligação UDN-PDC nas eleições de 3 de outubro de 1958, recebendo
780.624 votos e derrotando Artur Bernardes Filho, da coligação PR-PSD, e Pedro
Gomes de Oliveira, do PTB. Tomou posse no Senado em 1º de fevereiro de 1959.
Atuação no início da década de 1960
Em 8 de novembro de 1959, a convenção nacional da UDN
escolheu por larga margem de votos Jânio Quadros como candidato do partido à
presidência da República nas eleições do ano seguinte. Para a indicação do
candidato à vice-presidência houve acirrada disputa, vencida pelo ex-governador
de Sergipe, Leandro Maciel, com apenas um voto de vantagem sobre o ex-líder
petebista Fernando Ferrari, que já estava em plena campanha com o apoio do PDC.
A coligação PSD-PTB lançou uma chapa composta pelo general Lott e o
vice-presidente João Goulart.
No início de dezembro, Jânio e Leandro Maciel começaram a
percorrer o país, enquanto Fernando Ferrari anunciava que prosseguiria sua
campanha em faixa própria; Lacerda e outros dirigentes udenistas consideravam
perigosa a dupla candidatura à vice-presidência. Fernando Ferrari poderia tomar
votos a Goulart, sobretudo no Sul, mas o fato de concorrer em chapa com Jânio
dividiria o eleitorado deste. Por outro lado, o ex-governador de Sergipe era
candidato de parco eleitorado.
Em
abril de 1960, Leandro Maciel deixou claro que iria renunciar à candidatura,
considerando-se abandonado pela UDN. Imediatamente, Lacerda e outros dirigentes
do partido definiram-se pelo nome de Mílton Campos para assumir o lugar de
candidato udenista à vice-presidência, pois julgavam que ele tinha real
possibilidade de derrotar Goulart. Mílton foi contatado em Roma, onde se
encontrava no início de maio, e concordou com sua segunda candidatura a esse
cargo, formalizada pelo diretório nacional da UDN em 9 de junho.
Nas
eleições, realizadas em 3 de outubro, Jânio derrotou Lott por uma diferença de
quase dois milhões de votos. Em terceiro lugar ficou, mais uma vez, Ademar de
Barros, candidato do PSP. Na disputa pela presidência, Goulart obteve 4.547.010
votos contra 4.237.719 dados a Mílton Campos, que dessa vez venceu em seu
estado natal por pequena margem. Fernando Ferrari recolheu 2.137.382 votos. As
únicas vitórias expressivas de Mílton Campos nos estados ocorreram, mais uma
vez, em São Paulo (quase quinhentos mil votos de diferença) e no antigo
Distrito Federal, já então transformado em estado da Guanabara em virtude da
mudança da capital para Brasília. Essas vitórias foram novamente compensadas
pelas derrotas para Goulart em 17 estados.
Escrevendo mais de dez anos depois, Alexandre Barbosa Lima
Sobrinho atribuiu a derrota de Mílton Campos — episódio cuja importância iria
se tornar cada vez mais evidente a partir da renúncia de Jânio Quadros — a
razões diversas das que haviam informado as previsões de Lacerda e outros
dirigentes udenistas. Segundo o articulista, Jânio não queria Mílton Campos
como companheiro de chapa, e contava com a presença de Goulart na
vice-presidência como fator adverso a uma possível deposição: “Num país de
instituições incertas, a segurança do presidente estaria num companheiro de
chapa que as forças golpistas detestassem mais que ao presidente eleito.” Ainda
segundo Barbosa Lima Sobrinho, “a campanha de Jan-Jan (Jânio-Jango, apelido de
João Goulart) foi, se não organizada, pelo menos aproveitada pelo candidato à
presidência com slogans de sua preferência e cartazes que ele próprio
aprovava e mandava distribuir a elementos de sua confiança”.
Jânio Quadros tomou posse em janeiro de 1961. Cogitou nomear
Mílton Campos, que retornara ao Senado, para a embaixada do Brasil em Cuba, mas
acabou convidando-o para representar o país em Washington. Mílton não aceitou o
convite, mas aceitaria a nomeação para o Supremo Tribunal Federal (STF), que
Jânio pretendia fazer mais tarde.
Em abril de 1961, o Senado rejeitou um projeto de Mílton
Campos instituindo os distritos eleitorais para a eleição de deputados. Não se
tratava, como ele mesmo esclareceu, de estabelecer a representação puramente
distrital, mas de conciliar o sistema proporcional com a votação por distritos,
adotando-se “uma técnica de votação que facilita o uso imprescindível da cédula
oficial” e prestigiando-se os partidos “sem se lhes permitir o despotismo na
escolha dos candidatos, como sucederia com o voto de legenda”.
Ainda durante o governo de Jânio Quadros, Mílton Campos foi
nomeado para presidir um grupo de trabalho encarregado de elaborar um projeto
de reforma agrária e de estatuto da terra. O grupo concluiu pela necessidade de
“uma reforma agrária que não seja paliativa nem espoliativa” e formulou um
projeto que introduzia um dispositivo sobre a arrecadação dos bens vagos,
inovando assim em relação à tradição brasileira em matéria de legislação
agrária. Esse mecanismo era prevlsto no Código Civil, mas só fora aplicado ao
meio urbano por falta de definição do que seriam bens vagos no meio rural.
Nesse particular, Mílton Campos acatou o parecer do secretário-executivo e
relator da comissão, Tomás Pompeu Acióli Borges, definindo bens vagos no meio
rural como imóveis ou propriedades mantidos inexplorados durante um período
prolongado. Aplicando esse dispositivo, a União poderia reaver sem nenhum ônus
cerca de 80 milhões de hectares, o que levaria a uma queda no preço da terra.
A
situação política do país foi gravemente afetada pela renúncia, em agosto de
1961, do presidente Jânio Quadros. Inicialmente, os ministros militares vetaram
a posse do seu substituto legal, João Goulart, comprometido com o movimento
sindical e o programa de reformas de base que incluía, entre outros pontos, a
reforma agrária. A sucessão legal só foi possível depois da adoção do
parlamentarismo, dando início a um período marcado pelo aumento da tensão entre
as forças reformistas e conservadoras, no qual a questão da reforma agrária
desempenhou relevante papel.
Em agosto de 1962, Mílton Campos apresentou no Senado um
projeto de lei baseado nos trabalhos da comissão que presidira durante o
governo de Jânio. Com base no artigo 589 do Código Civil, mantinha a
arrecadação dos bens vagos, definidos como imóveis rurais com condições de
exploração mantidos totalmente inexplorados e sem benfeitorias por mais de dez
anos. No capítulo atinente à desapropriação por interesse social, previa que a
indenização seria em dinheiro, pelo valor tributado. O projeto preconizava
também a criação da Superintendência da Reforma Agrária (Supra), efetivada pelo
presidente Goulart.
Durante a tramitação do projeto no Senado, uma comissão
especial apresentou um substitutivo modificando o sistema de indenização, que
passava a ser “correspondente à nova tradução monetária do valor original dos
bens desapropriados”, definindo esse valor como “a importância em moeda
nacional pela qual tenha sido o mesmo adquirido e o custo das benfeitorias a
ele incorporadas”. O bem vago, por outro lado, passou a ser considerado como “o
imóvel rural localizado em área necessária ao desenvolvimento econômico do
país, suscetível de aproveitamento econômico, desde que se mantenha totalmente
inexplorado e sem benfeitorias”.
O Projeto Mílton Campos, como ficou conhecido, foi aprovado
no Senado em dezembro de 1962, passando então para a apreciação da Câmara, onde
desagradou os setores que defendiam as reformas de base. Liderados pelo
deputado petebista Sérgio Magalhães, esses setores exigiam que a desapropriação
das terras improdutivas fosse feita em troca de títulos da renda pública, e não
em dinheiro, conseguindo para as suas críticas a adesão dos chamados
“agressivos” do PSD, que não se alinhavam com a posição do presidente do
partido, Ernâni Amaral Peixoto. Em 24 de julho de 1963, o projeto foi derrotado
na Câmara. A desapropriação na forma defendida pelo deputado Sérgio Magalhães e
seus companheiros só se tornaria legalmente possível em novembro de 1964, no
governo do general Humberto Castelo Branco, através da Emenda Constitucional nº
10.
No Ministério da Justiça
O
agravamento da crise econômica e política nacional levou a que setores
oposicionistas adotassem uma estratégia de ruptura com o governo de Goulart,
que resultou no movimento político-militar de 31 de março de 1964, no qual
Mílton Campos teve ativa participação. Nos últimos dias desse mês, ele aceitara
o convite de Magalhães Pinto, governador de Minas, para integrar seu
secretariado, que estava sendo reorganizado com o objetivo de fortalecer a
presença do governo mineiro na derrubada do presidente. No dia 29 de março,
José Maria Alkmin assumira a chefia da Secretaria de Finanças. Em 1º de abril,
Mílton Campos e Afonso Arinos de Melo Franco foram nomeados oficialmente
secretários sem pasta.
Mílton
Campos e Edgar da Mata Machado, secretário do Trabalho, redigiram juntos o
manifesto em que o governador mineiro definiu sua posição favorável ao
movimento que destituiu Goulart. A partir de 9 de abril, as leis fundamentais
do país tiveram sua vigência subordinada às disposições do Ato Institucional nº
1 (AI-1) que, promulgado pelo alto comando militar, iniciou o processo de
punições extra-legais aos adversários do novo regime.
Em 14 de abril, Mílton Campos aceitou o convite para ocupar o
cargo de ministro da Justiça do novo governo chefiado pelo general Castelo
Branco, que tomou posse no dia seguinte. Em maio, começou a trabalhar na
elaboração de uma legislação cujo objetivo, segundo suas palavras, era o de
“resguardar a revolução de seus inimigos e avançar no processo de recuperação
do regime democrático”. Ordenou também o prosseguimento dos trabalhos visando à
reformulação do Código Penal, iniciados em 1962, na gestão do ministro João
Mangabeira.
Segundo
vários depoimentos, entre eles o de Aliomar Baleeiro quando exercia a
presidência do STF, Mílton Campos lutou para manter os direitos e garantias
estabelecidos no artigo 141 da Constituição de 1946, entrando mais de uma vez
em atrito com o ministro da Guerra, general Artur da Costa e Silva. Este se
queixava de que o titular da Justiça obstruía o “saneamento revolucionário”,
mas Mílton Campos respondia que havia jurado cumprir a Constituição,
formalmente mantida em vigor (com algumas alterações) pelo novo regime.
Na primeira quinzena de junho, Mílton Campos foi encarregado
de preparar uma série de emendas constitucionais referentes à eleição do
presidente e do vice-presidente da República por maioria absoluta, à
elegibilidade de militares da ativa para estes cargos e ao direito de voto para
os analfabetos. Esse conjunto de medidas seria enviado em seguida ao Congresso,
onde Castelo Branco dispunha de um bloco de apoio formado por parlamentares de
vários partidos. Entretanto, a cassação do mandato do ex-presidente Kubitschek,
então senador por Goiás, ocorrida em 8 de junho, provocou o início da
fragmentação desse bloco, agravada pelas novas cassações decretadas no dia 15
seguinte, quando expirava o prazo concedido pelo AI-1 para que o presidente
utilizasse essas medidas excepcionais. Cresceram então as suspeitas de que
Castelo Branco pretendia governar de forma ditatorial, adiando as
eleições presidenciais previstas para 3 de outubro de 1965. Apesar das
resistências do presidente à prorrogação do seu mandato, essa medida era
apoiada por Magalhães Pinto e outros governadores, além do senador paraibano
João Agripino, da UDN.
A
prorrogação do mandato de Castelo Branco e todas as medidas elaboradas por
Mílton Campos, salvo a extensão do direito de voto aos analfabetos, foram
aprovadas pelo Congresso em 22 de julho, através da Emenda Constitucional nº 9,
que fixou para outubro de 1966 as eleições presidenciais. Carlos Lacerda,
governador da Guanabara, protestou publicamente contra essas alterações que
ameaçavam sua candidatura à presidência, pois, além de adiarem o pleito,
permitiam que o general Costa e Silva fosse legalmente candidato. Não obstante,
na convenção nacional da UDN, realizada em 8 de novembro de 1964, Lacerda foi
escolhido por 309 dos 318 delegados para concorrer na legenda do partido à chefia
da nação, nas eleições agora previstas para 1966.
No
início de 1965, quando o ímpeto da chamada “linha dura” militar parecia
contido, o presidente promoveu a formação de um novo bloco parlamentar tendo
por núcleo a UDN e composto ainda por integrantes do PSD e do PTB, para aprovar
no Congresso reformas políticas fundamentais cuja elaboração encomendara ao
ministro da Justiça. No dia 23 de março, Mílton Campos atendeu a uma convocação
da Câmara dos Deputados e compareceu ao parlamento para definir a posição do
governo federal em relação às eleições diretas para os governos de 11 estados,
marcadas para 3 de outubro seguinte. Nessa ocasião, garantiu estar lutando
“pela criação das condições de sobrevivência” da democracia no Brasil,
afirmando: “O governo quer eleições, e as quer limpas, autênticas,
democráticas. Considera mesmo que elas são a base do regime...” Em 8 de abril,
o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 13, confirmando a realização das
eleições diretas.
Milton Campos vinha trabalhando também numa série de reformas
constitucionais, paralelamente a outras reformas de legislação que foram
aprovadas no curso da sua gestão, como a Lei do Inquilinato (favorável aos
proprietários de imóveis), a Lei de Remessas de Lucros (que suprimia as
restrições estabelecidas no governo Goulart às filiais de empresas
estrangeiras), a lei reguladora da ação popular e a lei que estruturou a
Justiça Federal de primeira instância. Designou ainda uma comissão integrada
por Orosimbo Nonato, José Eduardo do Prado Kelly e Dario de Almeida Magalhães
para estudar um anteprojeto de reforma do Poder Judiciário.
As principais reformas políticas elaboradas por Mílton Campos
— e enviadas por Castelo Branco ao Congresso em 22 de abril de 1965 — foram o
novo Código Eleitoral e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos. O código, com
383 artigos, mantinha a exclusão dos analfabetos dos processos eleitorais, o
voto obrigatório e o tipo de escrutínio (majoritário para os cargos executivos
e proporcional para os legislativos). Instituía a cédula única, proscrevia a
participação dos cassados na via partidária e nas eleições, definia as
condições de voto e de elegibilidade dos militares, e limitava a duração das
campanhas eleitorais mediante a fixação do prazo de registro de candidatos em
seis meses antes de cada pleito. As alterações mais importantes eram a
proibição das alianças partidárias em todas as eleições proporcionais e a
vinculação do voto para presidente e vice-presidente, governador e
vice-governador, prefeito e vice-prefeito.
Por
outro lado, o projeto da Lei Orgânica dos Partidos apresentava um conjunto de
exigências mínimas para o reconhecimento de uma agremiação, entre as quais: ter
obtido nas eleições precedentes para a Câmara dos Deputados 3% dos votos em
escala nacional, distribuídos em 11 estados com um mínimo de 2% em cada um; ter
uma bancada de 12 deputados federais, eleita por sete estados diferentes; e ter
organizado 11 diretórios estaduais, segundo as normas definidas pela nova lei.
Nessas condições, apenas dois partidos — o PSD e a UDN — poderiam certamente
sobreviver, restanto a três outros — o PTB, o PSP e o PDC — apenas uma tênue
esperança de conservação.
Durante a tramitação desses projetos no Congresso, aumentou a
tensão política no país em virtude da aproximação das eleições de outubro de
1965, nas quais seriam renovados os governos de 11 estados, inclusive Minas
Gerais e Guanabara, considerados de grande importância para o curso do processo
político nacional. No primeiro caso, o PSD lançou a candidatura do banqueiro e
deputado federal Sebastião Pais de Almeida, que foi considerada pela “linha
dura” como “uma afronta à revolução”, sendo impugnada sob a alegação de que o
deputado abusara do poder econômico para se eleger em 1958. Na Guanabara, o PTB
liderava a coligação com o PSD e havia escolhido como candidato Hélio de
Almeida, ex-ministro de João Goulart. O governo federal reagiu, remetendo ao
Congresso um projeto de lei sobre inelegibilidades que foi elaborado por Mílton
Campos com a colaboração de Pedro Aleixo e complementava a Emenda
Constitucional nº 14, aprovada no início de julho. Entre os novos casos de
inelegibilidade se incluíam os ministros de Estado (com exceção dos ministros
militares e dos que tivessem atividade parlamentar) que houvessem exercido suas
funções entre 23 de janeiro de 1963 e 31 de março de 1964, isto é, na fase
presidencialista do governo Goulart.
Essa Lei Complementar sobre Inelegibilidades foi aprovada
junto com o Código Eleitoral e a Lei Orgânica dos Partidos em 15 de julho de
1965, após acirrados debates no Congresso. Apesar da substituição de Hélio de
Almeida por Francisco Negrão de Lima e de Sebastião Pais de Almeida por Israel
Pinheiro como candidatos da coligação PSD-PTB aos governos da Guanabara e de
Minas Gerais, a “linha dura” permanecia contrária à realização das eleições
estaduais e exercia forte pressão sobre o governo. Nesse contexto, Castelo
Branco preparou novas reformas políticas, enviadas em agosto ao Congresso, que
começou a examiná-las no âmbito de uma comissão mista de deputados e senadores.
Mílton Campos discordou dessas medidas, que já antecipavam as modificações no
panorama político do país que viriam a ser implementadas mais tarde. Prevendo o
resultado adverso das eleições e o endurecimento subseqüente da orientação do novo
regime, o ministro da Justiça pediu demissão em 1º de outubro. Na carta que
enviou ao presidente, dizia não se sentir “com temperamento e condições para
ser o braço executivo que a revolução reclama” e concluía: “Não me considero o
melhor intérprete da Revolução, mas entendo que não é útil a ela muito do que
recentemente se fez, sobretudo pela maneira como foi feito.” Castelo Branco não
respondeu imediatamente ao pedido de demissão de Mílton Campos, que continuou
mais alguns dias no cargo.
Negrão
de Lima e Israel Pinheiro — ambos muito ligados ao ex-presidente Kubitschek —
saíram vitoriosos no pleito de 3 de outubro de 1965. No dia seguinte,
Kubitschek voltou da França, onde vivia há 16 meses, sendo recebido
festivamente no Rio de Janeiro. A crise que ameaçava derrubar o governo de
Castelo Branco chegou ao auge com o desenvolvimento de uma conspiração militar
cuja liderança é atribuída por Georges-André Fiechter ao general Afonso de
Albuquerque Lima, chefe do Estado-Maior do I Exército. No dia 6, Castelo reuniu-se
longamente com os ministros militares e com Mílton Campos, e decidiu submeter
ao Congresso medidas que tornavam mais restritivas as reformas políticas já em
exame, sem contudo superar imediatamente a grave crise político-militar que
abalava seu governo. Cinco dias depois, aceitou a demissão do ministro da
Justiça, nomeando para seu lugar, interinamente, o chefe do Gabinete Civil da
Presidência, Luís Viana Filho. No dia 19 de outubro, Juraci Magalhães, que
ocupava a embaixada brasileira em Washington, assumiu a chefia do ministério.
Últimos anos de atuação parlamentar
Diante da impossibilidade de aprovar no Congresso as novas
reformas políticas elaboradas por seu governo, Castelo Branco editou, em 27 de
outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que incorporava e
radicalizava as medidas anteriormente propostas, fazendo cessar a vigência da
Constituição de 1946 em muitas de suas disposições fundamentais. Além de
extinguir os partidos políticos existentes e estabelecer eleições indiretas
para a presidência da República e os governos estaduais, o novo ato simplificou
o método de revisão constitucional e limitou as imunidades parlamentares e as
liberdades individuais dos cidadãos. Concedeu também ao presidente da República
uma soma enorme de poderes, incluindo a iniciativa exclusiva das leis sobre
matéria financeira e a faculdade de ordenar o recesso do Congresso e legislar
por decretos. Na esfera do Poder Judiciário, o AI-2 ampliou a competência da
Justiça Militar, que passou a julgar os civis acusados de crimes contra a
segurança nacional, e aumentou de 11 para 16 o número de juizes do STF.
Mílton
Campos discordou da maior parte das reformas mencionadas, que representaram uma
inflexão dentro do próprio regime vigente desde 1964 e consolidaram a posição
do general Costa e Silva como candidato da maioria das forças armadas à
presidência da República. Reassumiu nessa época sua cadeira no Senado,
declinando em seguida do convite para ocupar uma das cinco vagas recém-criadas
no STF. Alegou que, tendo concordado com o aumento do número de ministros dessa
corte, sua nomeação poderia dar margem à idéia de que tivera interesse pessoal
nessa medida.
Em 20 de novembro de 1965, Castelo Branco emitiu o Ato
Complementar nº 4, que estabeleceu as modalidades para a formação daqueles que
seriam, nos 14 anos seguintes, os dois únicos partidos legais existentes no
país. Mílton Campos participou da fundação da Aliança Renovadora Nacional
(Arena), agremiação situacionista que contou com a adesão da maioria dos
parlamentares udenistas. Em março de 1966 aposentou-se como catedrático da
UFMG.
No
segundo semestre de 1966, foi mais uma vez convidado para integrar o STF,
ocupando agora uma vaga não decorrente do AI-2. Estava disposto a aceitar, mas
acabou se curvando aos apelos da Arena mineira para que se candidatasse à
reeleição para o Senado. Durante sua campanha, pronunciou um discurso que ficou
famoso estabelecendo uma distinção entre “a revolução e seu processo”: “A
revolução há de ser permanente como idéia e inspiração, para que, com a
colaboração do tempo, invocada pacientemente, possa produzir seus frutos... O
processo revolucionário há de ser transitório e breve, porque sua duração tende
à consagração do arbítrio, que elimina o direito, intraliqüiliza os cidadãos e
paralisa a evolução do meio social. O que urge institucionalizar, portanto, é a
revolução e não o seu processo.”
Em 3 de outubro, Costa e Silva foi eleito indiretamente para
a presidência e Pedro Aleixo para a vice-presidencia. Nas eleições
parlamentares de 15 de novembro seguinte, Mílton Campos obteve novo mandato de
senador por Minas Gerais, recebendo 979.631 votos, contra 665.702 dados a Darci
Bessone de Andrade, candidato do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Mílton
Campos votou a favor do projeto de Constituição enviado por Castelo Branco ao
Congresso e aprovado em dezembro de 1966, vendo nele “o propósito do governo de
encerrar o ciclo revolucionário processual, dando um passo decisivo no sentido
da normalidade constitucional”. Entretanto, fez uma série de ressalvas,
concernentes ao novo caso previsto de intervenção federal nos estados (quando
estes adotassem medidas ou executassem “planos econômicos ou financeiros em
contrário às diretrizes estabelecidas pela União”), aos decretos-leis, à
iniciativa de emenda constitucional do presidente da República, à eleição
indireta para este cargo, à extensão da competência da Justiça Militar para
julgar civis e à possibilidade de decretação do estado de sítio sem autorização
prévia do Congresso. Após entendimento com as bancadas da Arena e do MDB no
Senado, apresentou um projeto de emenda restabelecendo a declaração de direitos
da Carta de 1946, mas essa iniciativa foi prejudicada por uma emenda de autoria
do senador Eurico Resende, que resultou no artigo 150 da nova Constituição. No
decorrer dos debates, Mílton Campos protestou contra o fato de que esse artigo
deixava a lei ordinária estabelecer os termos em que seriam exercidos os
direitos e garantias individuais previstos no artigo anterior, contrariando
assim a tradição constitucional brasileira que adotara — em 1891, 1934 e 1946 —
processo inverso: “Declarado o direito, só em alguns casos se fazia apelo à lei
ordinária... Este é o traço identificador do regime político.” Nesse particular,
comparou a nova Constituição brasileira com a soviética, a tcheca, a iugoslava
e a portuguesa.
Em
janeiro de 1967, entregou ao presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, um
relatório, assinado juntamente com o deputado emedebista Nélson Carneiro, sobre
a viagem de observação que haviam feito aos parlamentos da Inglaterra, Alemanha
Ocidental, França, Itália, Estados Unidos, México e Peru. O documento continha
sugestões visando a adaptar o funcionamento do Congresso à realidade
contemporânea, marcada pelo fortalecimento do Executivo. Esse estudo ficou sem
efeito prático, principalmente depois que o presidente Costa e Silva editou o
Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, e fechou o Congresso. Após a
edição de mais alguns atos institucionais e complementares que vieram na
esteira do AI-5, o presidente encomendou a Pedro Aleixo a elaboração de um
projeto de Constituição. Mílton Campos ajudou seu velho amigo e companheiro da
UDN nessa tarefa, que mais tarde seria tornada vã pela doença e substituição de
Costa e Silva.
Em
junho de 1969, o presidente convidou Mílton Campos para assumir um lugar no
STF, mas ele mais uma vez recusou por estar a apenas um ano da idade-limite de
aposentadoria. Costa e Silva foi vitimado por uma trombose cerebral em 13 de
agosto seguinte. No dia 31 desse mês, os ministros militares general Aurélio de
Lira Tavares, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Márcio de Sousa Melo
divulgaram um comunicado à nação para informar que o presidente estava
impossibilitado de continuar à frente do governo. Simultaneamente, editaram o
Ato Institucional nº 12 (AI-12), assumindo na prática o poder e impedindo a
ascensão de Pedro Aleixo à presidência. Depois de um processo interno de
consulta à oficialidade das forças armadas, o general Emílio Garrastazu Médici,
comandante do III Exército, foi indicado para ocupar a chefia do governo, tendo
como vice-presidente o almirante Rademaker. Em 15 de outubro, o Ato
Complementar nº 72 determinou a reabertura do Congresso para a eleição indireta
dos novos governantes, cujo mandato seria exercido entre 30 de outubro de 1969
e 15 de março de 1974.
Mílton
Campos não compareceu ao Congresso no dia da eleição. Em 7 de novembro,
pronunciou no Senado um discurso que seria depois considerado como uma espécie
de testamento político. Explicou então sua ausência da reunião do diretório
arenista e da sessão do Congresso que referendou os nomes de Médici e
Rademaker: “Por meio da abstenção, quis significar minha divergência com o
processo adotado pela cúpula dirigente para resolver a crise que
desnecessariamente se criara.” Reconheceu a “correção do impedimento do
presidente Costa e Silva”, mas não “a necessidade de destituí-lo”, lembrando
que a Constituição previa claramente sua sucessão pelo vice-presidente.
Insistiu na distinção “entre a revolução e seu processo”, afirmando: “Foi por
isso que... divergi do AI-5 e, com maioria de razão, de sua conseqüência que
foi o AI-12.”
Mílton Campos criticou também o processo de escolha dos novos
governantes: “Deixou-se à margem a chamada classe política, mas é inútil tentar
proscrevê-la, pois ela existe sempre. Quem não vê que líderes parlamentares,
representantes do povo, chefes locais, regionais e nacionais estão cedendo
lugar a outras expressões de poder, como os militares, os técnicos e os
empresários? Mas estes passam, por sua vez, a constituir a classe política
dirigente... É inútil combatê-los como classe estratificada, porque a
organização política reclama sempre a camada dirigente, ainda que seja a ‘nova
classe’ burocrática desligada do povo, cuja denúncia levou Djilas ao ostracismo
na Iugoslávia.”
Em fevereiro de 1970, afirmou que “a adoção do sistema
distrital com bipartidarismo pode ser perigosa, sobretudo se instituir o
princípio majoritário, em lugar do proporcional, pois abrirá caminho para o
partido único, como aconteceu nos países comunistas”. Aceitava, por outro lado,
a instituição de inelegibilidades, “para que não se crie obstáculo à renovação
política e não se facilite a formação de oligarquias. Mas é preciso evitar os
exageros, pois o princípio salutar é o de livre escolha pelo eleitorado”.
Em
seu derradeiro período no Senado, exerceu a presidência da Comissão de
Constituição e Justiça e foi membro da Comissão de Relações Exteriores. Em
1971, foi convidado pelo presidente da casa, Petrônio Portela, a ser um dos
relatores da Comissão Especial para o Programa de Modernização e
Aperfeiçoamento dos Serviços do Senado, mas a doença que o mataria impediu sua
participação nos trabalhos.
Mílton
Campos faleceu em Belo Horizonte no dia 16 de janeiro de 1972. As manifestações
de pesar por seu falecimento, num período de vigência do AI-5 e da Constituição
outorgada pela junta militar formada em 1969, de grande repressão e censura à
imprensa, ganharam inequívoca coloração política, unindo os dois partidos na
exaltação da sua tradicional postura liberal-democrática. Nas sessões do Senado
e da Câmara realizadas três meses depois em sua homenagem, os discursos
principais foram quase todos feitos por antigos adversários pessedistas, em
especial Gustavo Capanema, senador arenista, e Tancredo Neves, deputado
emedebista, ambos mineiros e ex-ministros, em épocas diferentes, de Getúlio
Vargas.
Em novembro de 1975, a Arena criou um instituto de estudos
políticos denominado Fundação Mílton Campos, que foi mantido, após a
reformulação partidária ocorrida em novembro de 1979, como órgão do Partido
Democrático Social (PDS).
Mílton Campos casou-se em 1926 com Déa Dantas Campos, cuja
família por parte de mãe — Resende Costa — era tradicional em Minas Gerais.
Tiveram seis filhos.
Escreveu Compromisso democrático (1951), Eleições
diretas (1965), Testemunhos e ensinamentos (org. por Antônio
Gontijo de Carvalho, 1972), Limites Minas Gerais-Espírito Santo (em
colaboração com Benedito Quintino dos Santos) e Sobre a questão de limites
Minas-São Paulo. Além desses textos, deixou também inúmeras mensagens
elaboradas quando era governador, discursos parlamentares e de paraninfo,
estudos jurídicos e sociológicos, pareceres e artigos em revistas, especialmente
a Revista Forense e Kriterion, esta última editada pela Faculdade
de Filosofia da UFMG. Colaborou também em vários jornais de Belo Horizonte e do
Rio de Janeiro.
A seu respeito José Bento Teixeira de Sales escreveu Mílton
Campos, uma vocação liberal (1975) e Carlos Horta Pereira publicou “O
ideário de Mílton Campos”, na Revista Brasileira de Estudos Políticos (1975).
José de Magalhães Pinto e outros publicaram Testemunhos sobre Mílton Campos.
Mauro
Malin
FONTES: ANDRADE, F.
Relação; ARQ. NAC. Relação; BANDEIRA, L. 24; BELO
HORIZONTE. Esc. Mun. Mílton Campos; BENEVIDES, M. UDN; CACHAPUZ,
P. Cronologia; CAFÉ, FILHO, J. Sindicato; CÂM. DEP. Deputados;
CÂM. DEP. Relação dos dep.; CAMPANHOLE, A. Todas; CAMPOS, M.
Testemunhos; CASTELO BRANCO, C. Introdução (1); CASTELO
BRANCO, C. Militares (1); CONSULT. MAGALHÃES, B.; CORRESP. ARQ. PÚBL.
MINEIRO; CORTÉS, C. Homens; COSTA, E. Grandes; COSTA, M. Cronologia;
COUTINHO, A. Brasil; DANTAS, B. Ementário; Digesto Econômico (1/2,
3/4, 5/6, 7/8 e 9/10/72); DUARTE, J. Constituição; DULLES, J. Getúlio;
Encic. Mirador; Estado de S. Paulo; FED. ESC. ISOLADAS DO
EST. RJ. Ministros; FIECHTER, G. Regime; GARDEL, L. Armories;
Grande encic. Delta; HIPÓLITO, L. Campanha; HIPÓLITO, L.
Manifesto; HIRSCHOWICZ, F. Contemporâneos; HORTA, C. Famílias;
Jornal do Brasil (6/10/66 e 1/8/76); Jornal do Comércio, Rio
(20/10/45 e 17/1/72); KUBITSCHEK, J. Meu (3); LACERDA, C.
Depoimento; LEITE, A. História; LEITE, A. Páginas; LOURENÇO,
M. Jânio; MIN. GUERRA. Subsídios; MOURÃO; M. Dutra; NABUCO,
C. Vida; OLIVEIRA, M. História; PEREIRA, C. Ideário;
PINTO, J. Testemunhos; QUADROS, J. História; REIS JÚNIOR,
P. Presidentes; Rev. Arq. Públ. Mineiro; SALES, J. Mílton; SENADO.
Dados; SENADO. Dados biográficos; SENADO. Endereços; SENADO.
Reforma; SENADO. Relação; SILVA, G. Brigadeiro (1/72);
SILVA, G. Constituinte; SILVA, H. 1964; SILVA, H. História; TORRES,
J. História de Minas; Veja (26/1/72; 26/3, 19 e 26/11/75); VIANA
FILHO, L. Governo; Visão (11/3/74); VÍTOR, M. Cinco; WROBEL, F. Movimento.