RAMOS,
Nereu
*rev. 1930; rev. 1932; const. 1934;
gov. SC 1935-1937: interv. SC 1937-1945; const.1946; sen. SC 1946-1951;
vice-pres. Rep. 1946-1951; dep. fed. SC 1951-1955; sen. SC 1955; pres. Rep.
1955-1956; min. Just. 1956-1957; min. Educ. 1956; sen. SC 1957-1958.
Nereu de Oliveira Ramos
nasceu em Lajes (SC) no dia 3 de setembro de 1888, filho de Vidal José de
Oliveira Ramos e de Teresa Fiúza Ramos. Sua família, proprietária de grandes
extensões de terra no planalto catarinense, constitui com a família
Konder-Bornhausen — também de Santa Catarina — uma das poucas oligarquias que
acompanharam todos os movimentos políticos mais importantes do século XX sem
ceder à primazia da política estadual. Seu pai foi deputado provincial no
Império e, depois da proclamação da República, ocupou uma cadeira na Câmara
Estadual durante várias legislaturas; exerceu por duas vezes o governo de Santa
Catarina (de 1902 a 1905 e de 1910 a 1914), foi deputado federal e senador.
Entre seus irmãos, Joaquim Ramos foi deputado federal de 1947 a 1971, e Celso
Ramos governou o estado entre 1961 e 1966, representando-o no Senado de 1967 a
1971. Três primos seus também se destacaram na política catarinense: Saulo
Ramos cumpriu um mandato na Câmara Federal de 1951 a 1955 e foi eleito senador
para o período de 1955 a 1963; Aristiliano Ramos foi interventor no estado
entre 1933 e 1935, e Cândido de Oliveira Ramos, interventor em 1932, foi também
senador em 1935 e deputado federal entre 1935 e 1937. Seu sobrinho Hugo Ramos
Filho, eleito suplente de senador pelo Rio de Janeiro em 1974, assumiu uma
cadeira na Câmara Alta em 1978.
Depois de cursar o primário em sua cidade natal, Nereu Ramos
ingressou no internato Nossa Senhora da Conceição, dirigido por padres jesuítas
e situado em São Leopoldo (RS). Em 1905, matriculou-se na Faculdade de Direito
de São Paulo, onde foi redator da revista do Centro Acadêmico XI de Agosto. Por
ocasião da Segunda Conferência de Paz, realizada em Haia (Holanda) em 1907,
Nereu integrou uma comissão de estudantes formada para inaugurar, no salão
nobre da faculdade, um busto de Rui Barbosa, representante do Brasil naquela
conferência.
Bacharelando-se em 1909 retornou a Lajes no ano seguinte e
começou a exercer a advocacia. Em 1911, transferiu-se para Florianópolis e
iniciou sua participação no jornalismo e na política, escrevendo para jornais
locais e elegendo-se em seguida deputado estadual. No ano seguinte, renunciou
ao mandato parlamentar para assumir as funções de secretário da delegação
brasileira às conferências internacionais de Direito Marítimo e Letras de
Câmbio, realizadas em Bruxelas e Haia.
De volta ao Brasil, reintegrou-se à política de seu estado,
atuando, entre janeiro e junho de 1914, como oficial-de-gabinete de seu pai,
presidente de Santa Catarina. Durante a Primeira Guerra Mundial, iniciada nesse
ano, Nereu foi redator-chefe de O Dia, órgão do Partido Republicano Catarinense
(PRC), e fundou o jornal A Noite, em Florianópolis, para defender a causa dos
países aliados. Apesar da presença de grande número de imigrantes germânicos no
estado e da simpatia de parte significativa da opinião pública catarinense à
Alemanha, Nereu fez campanha em favor da declaração de guerra a esse país, o
que ocorreu em outubro de 1917.
Nereu
não se reelegeu para a Câmara Estadual em 1916 em virtude dos conflitos
existentes entre sua família e Filipe Schmidt, sucessor de seu pai na chefia do
governo de Santa Catarina. Na legislatura seguinte, iniciada em 1919, exerceu
pela última vez um mandato de deputado estadual, permanecendo na oposição ao
governo catarinense chefiado, entre 1918 e 1924, por Hercílio Luz. Em 1921,
fundou o jornal A República e foi um dos organizadores em seu estado da Reação
Republicana, movimento de apoio à candidatura de Nilo Peçanha para as eleições
presidenciais de março do ano seguinte, vencidas por Artur Bernardes.
Esse resultado desagradou a setores militares e provocou o
recrudescimento da oposição ao governo federal. Em 5 de julho de 1922 antes da
posse de Bernardes, eclodiu um levante em guarnições do Rio de Janeiro (então
Distrito Federal) e de Mato Grosso que, apesar de rapidamente sufocado, deu
início ao ciclo de revoltas tenentistas da década de 1920. Durante todo esse
período, Nereu Ramos permaneceu na oposição aos governos estaduais de Antônio
Pereira da Silva e Oliveira (1924-1926) e Adolfo Konder (1926-1930), exercendo
a advocacia e atuando como jornalista em Santa Catarina.
Nas revoluções de 1930 e 1932
No
início de 1926, sob a liderança de Antônio Prado, foi fundado o Partido
Democrático (PD) de São Paulo, que defendia a adoção do voto secreto e outras
medidas destinadas à “moralização” do processo eleitoral. A idéia da criação de
um partido nacional com essas características logo teve curso e obteve a adesão
de Nereu Ramos, fundador e primeiro presidente, em 1927, do Partido Liberal
Catarinense (PLC). Nesse mesmo ano, paulistas do PD e gaúchos da Aliança
Libertadora organizaram o Partido Democrático Nacional (PDN) sob a presidência
de Joaquim Francisco de Assis Brasil. O PLC passou então a desenvolver em seu
estado uma política correspondente à que era proposta em âmbito nacional pelo
PDN, que, em 1929, incorporou-se à recém-fundada Aliança Liberal, coligação
oposicionista que apresentou a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa para as
eleições presidenciais de março de 1930. Líder da campanha liberal em seu
estado, Nereu também esteve presente na “caravana democrática” que promoveu
comícios no Nordeste com a participação de João Neves da Fontoura, Maurício de
Lacerda, Adolfo Bergamini e outros destacados oposicionistas.
No
pleito de 1930, Nereu se elegeu deputado federal por Santa Catarina, mas a
vitória nas eleições presidenciais coube ao situacionista Júlio Prestes.
Entretanto, a lisura do processo eleitoral foi contestada por importantes
segmentos da Aliança Liberal que, aproximando-se dos grupos tenentistas,
passaram a defender a luta armada contra o governo federal. A instabilidade
política do país foi agravada pelo assassinato de João Pessoa, ocorrido no dia
26 de julho em Recife. Em agosto, quando o corpo do líder aliancista chegou ao
Rio de Janeiro, Nereu discursou pelas ruas da cidade, que experimentou intensa
ebulição política. Integrado na conspiração revolucionária, transferiu-se em seguida
para o Rio Grande do Sul, onde o levante teve início no dia 3 de outubro,
chegando rapidamente à vitória. Nereu acompanhou então as tropas gaúchas que
marcharam para o norte e, no dia 24 seguinte, com a notícia da queda do
presidente Washington Luís no Distrito Federal, entrou em Florianópolis junto
com o estado-maior do general Ptolomeu de Assis Brasil que pouco depois assumiu
o governo do estado na condição de delegado da revolução vitoriosa. Com o
fechamento do Congresso, extinguiu-se o seu primeiro mandato de deputado
federal.
No
dia 3 de novembro Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório, que
nomeou interventores para os estados da federação. Em Santa Catarina foi
escolhido o general Ptolomeu de Assis Brasil, que assumiu o cargo no dia 24 do
mesmo mês. Em vários estados, o período posterior à revolução foi marcado pela
instabilidade política devido ao agravamento dos conflitos entre as diversas
correntes que almejavam o poder. Em São Paulo esse processo acirrou-se
progressivamente ao longo dos dois anos seguintes, conduzindo à deflagração da
Revolução Constitucionalista (9/7/1932), apoiada pelas principais forças
políticas do estado, unidas contra o governo federal. Nereu Ramos
solidarizou-se com o movimento e demitiu-se da presidência do PLC, então
minoritário em Santa Catarina, acompanhando assim a posição assumida por
Antônio Augusto Borges de Medeiros, Raul Pilla e outros líderes da Frente Única
Gaúcha (FUG). Entretanto, o interventor José Antônio Flores da Cunha, do Rio
Grande do Sul, fez um acordo com Vargas, contribuindo assim, decisivamente,
para o isolamento dos paulistas. Com a derrota dos revolucionários no início de
outubro, Nereu Ramos foi posto sob vigilância e proibido, durante algum tempo,
de deixar Florianópolis.
Ainda em 1932, Nereu foi um dos fundadores da Faculdade de
Direito de Santa Catarina, onde passou a lecionar direito constitucional e
teoria do estado. Pouco depois da vitória sobre os paulistas, o Governo
Provisório anunciou a convocação, para maio de 1933, de eleições para uma
Assembléia Nacional Constituinte. Em abril desse ano, Aristiliano Ramos assumiu
a interventoria de Santa Catarina e a presidência do PLC. Reintegrado a esse
partido e lançado candidato à Constituinte, Nereu obteve a maior votação em seu
estado, conquistando uma das vitórias mais significativas da oposição em todo o
país.
Na
Constituinte, reunida a partir de novembro de 1933, foi um dos 26 deputados
integrantes da Comissão Constitucional encarregada de examinar o anteprojeto de
Constituição preparado pelo Governo Provisório e as emendas a ele apresentadas.
Junto com o deputado João Marques dos Reis, foi relator de um substitutivo
parcial ao capítulo que tratava da nacionalidade, cidadania, inelegibilidade e
declaração de direitos. Em maio de 1934, integrou a delegação de parlamentares
designada para levar a Vargas cumprimentos pela decretação da anistia aos
revolucionários de 1932.
No governo de Santa Catarina
Após a promulgação da Constituição e a eleição de Getúlio
Vargas para a presidência da República, em 16 e 17 de julho de 1934, os
constituintes tiveram seus mandatos prorrogados até a posse dos novos deputados
que seriam eleitos em outubro, passando então ao trabalho legislativo
ordinário. Nesse período, Nereu Ramos integrou na Câmara as comissões de
Constituição e Justiça, Reforma do Código Eleitoral e Estatuto dos Funcionários
Públicos, além de participar da campanha eleitoral do seu estado. No pleito de
14 de outubro estavam em jogo a renovação da bancada federal catarinense e a
composição da Assembléia Constituinte estadual, encarregada também de escolher
dois senadores e o governador. Nereu Ramos concorreu a uma cadeira na Câmara
Federal, tornando-se também candidato do PLC ao governo do estado.
Durante a campanha, o Partido Republicano Catarinense (PRC) e
outras agremiações oposicionistas articularam uma coligação que, liderada por
Adolfo Konder — chefe da oligarquia rival da família Ramos —, conquistou o
apoio do interventor Aristiliano Ramos. Dessa forma o interventor foi lançado
candidato ao governo do estado pela oposição. Realizado o pleito, Nereu foi
reeleito deputado federal, enquanto que, na composição da Constituinte
estadual, configurou-se uma situação de equilíbrio entre as duas candidaturas
para o governo: foram escolhidos 12 deputados partidários de Nereu, cinco de
Aristiliano e 14 das oposições coligadas, dos quais cinco, do grupo Konder, se
recusavam a votar no interventor. Nesse contexto, Flores da Cunha pediu a
Vargas que interviesse em favor de Aristiliano, mas o presidente preferiu
tentar uma solução conciliatória que lhe garantisse um governo amigo em Santa
Catarina.
Antes da instalação da Constituinte, o PLC conseguiu obter a
adesão de alguns deputados republicanos desequilibrando a correlação de forças.
Alegando falta de garantias para o funcionamento normal da Assembléia, os
representantes liberais e os dissidentes do PRC refugiaram-se no quartel da
guarnição federal de Florianópolis — o 14º Batalhão de Caçadores — e iniciaram os
trabalhos. Em1º de maio de 1935 elegeram Nereu Ramos governador do estado,
dando início a um período de dez anos em que Nereu esteve à frente do governo
de Santa Catarina.
Sua administração teve dois aspectos especialmente
relevantes. O primeiro foi sua obra viária, que, na época, dotou Santa Catarina
das melhores e mais bem conservadas rodovias do país. O outro, no plano
político, foi o dos conflitos com ponderáveis parcelas da colônia alemã,
simpatizantes do nazismo e do integralismo. Além disso instalou diversos postos
de saúde nos municípios e construiu o edifício do Departamento de Saúde
Pública. Apesar de governar um pequeno estado, Nereu era também um político de
atuação nacional tendo participado, junto com Juraci Magalhães, Carlos de Lima
Cavalcanti e Benedito Valadares, das articulações ligadas à sucessão de Vargas,
prevista para 1938. Em maio de 1937, seu partido, o PLC, esteve representado na
convenção de lançamento da candidatura de José Américo de Almeida à presidência
da República, com o apoio oficioso do governo.
Segundo entrevista do general Eurico Gaspar Dutra concedida
ao historiador Hélio Silva, em 1937 Nereu negou-se a colaborar com Vargas na
execução de um plano que visava criar as condições para decretar intervenção
federal no Rio Grande do Sul através da promoção de um levante contra Flores da
Cunha. O cerco ao governador gaúcho, no entanto, se estreitou até que, em
outubro de 1937, ele abandonou o cargo e se exilou no Uruguai.
Nereu
foi convertido de governador em interventor quinze dias após o golpe de Estado
que, liderado pelo próprio presidente Vargas em 10 de novembro de 1937,
implantou o Estado Novo. A nova Constituição então outorgada por Vargas
facilitou o desenvolvimento de uma campanha de nacionalização do ensino em
Santa Catarina, apoiada por Nereu e dirigida pelo general José Meira de
Vasconcelos, comandante da 5ª Região Militar, visando a substituição das
numerosas escolas alemãs por escolas públicas brasileiras, especialmente nos 20
municípios situados nos vales dos rios Itajaí e Cachoeira. Nessa região, a
língua portuguesa era precariamente falada e as crianças, até então, estudavam
em alemão.
Nereu
encontrou forte oposição a seu governo e foi estigmatizado como inimigo dos
imigrantes e dos seus descendentes em virtude de cinco decretos que assinou
entre janeiro de 1938 e fevereiro de 1939, instituindo novas normas relativas
ao ensino primário e à nacionalização do sistema escolar. Seu pai realizara a
primeira reforma do ensino em Santa Catarina. Nereu fez a segunda, desenvolvendo
intensa atividade na área da educação pública durante sua interventoria. Entre
outras medidas, criou a Inspetoria Geral das Escolas Particulares e
Nacionalização do Ensino, instituiu a obrigatoriedade da educação primária para
as crianças de oito a 14 anos e proibiu que sedes municipais, novos núcleos de
população e estabelecimentos escolares sustentados total ou parcialmente pelo
Estado ou pelos municípios recebessem nomes estrangeiros.
A colônia alemã de Santa Catarina também reagiu com antipatia
ao fechamento das sociedades de atiradores (clubes onde os imigrantes se
reuniam para praticar o tiro ao alvo e cultivar suas tradições folclóricas) e à
elevação de vários distritos de Blumenau — Rio do Sul, Indaial, Ibirama,
Rodeio, Timbó e Gaspar — à condição de municípios. Após a eclosão da Segunda
Guerra Mundial em setembro de 1939, o general Meira Vasconcelos, apoiado por
Nereu, concentrou suas atividades na desarticulação das redes de espionagem que
trabalhavam para o Eixo no estado.
Em
1942, quando o rumo da guerra começou a ser revertido em favor dos Aliados, o
governo brasileiro abandonou sua posição de neutralidade e declarou guerra aos
países do Eixo. Pouco depois, tentando se antecipar às pressões em favor da
redemocratização do país, Getúlio Vargas anunciou que, ao final do conflito, o
Estado Novo seria transformado. Visando preparar as condições políticas dessa
transição, em fins de 1944 Alexandre Marcondes Filho, ministro da Justiça, deu
instruções aos interventores no sentido de começarem a organizar um partido
político nacional que apoiasse Vargas. Das articulações então desenvolvidas
pelo governo federal com os interventores nos estados do Rio (Ernâni Amaral
Peixoto), Pernambuco (Agamenon Magalhães), Minas Gerais (Benedito Valadares) e
São Paulo (Fernando Costa) começou a nascer o Partido Social Democrático (PSD).
No início de 1945, as modificações surgidas nas conjunturas nacional e
internacional levaram Vargas a adotar medidas reformistas no terreno político.
Em 28 de fevereiro foi promulgada a Lei Constitucional nº 9 (Ato Adicional),
que previa a convocação de eleições diretas para a presidência da República, o
governo dos estados e o Congresso Nacional. Em 18 de abril foi concedida a
anistia, e em 28 de maio um decreto-lei permitiu a existência dos partidos.
Nereu
Ramos foi o condutor do processo de formação do PSD em Santa Catarina, e
durante a primeira convenção nacional desse partido, realizada no Rio de
Janeiro em 17 de julho, apresentou uma moção, aprovada por unanimidade, em que
expressava apoio integral a Vargas, “a cuja obra de governo e orientação
política deve o Brasil, de par com a sua paz social, o período mais assinalado
de sua grandeza e expressão internacional”.
Entretanto,
o enfraquecimento do regime prosseguiu até que, em 29 de outubro de 1945,
Vargas foi derrubado por um golpe liderado pelo general Pedro Aurélio de Góis
Monteiro, que voltara a ocupar a pasta da Guerra em agosto. O presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares, assumiu interinamente a
presidência da República e começou a substituir os interventores dos estados.
No dia 6 de novembro, Nereu passou o seu cargo para Luís Gallotti, procurador
da República.
De volta ao Parlamento
Os resultados conseguidos por Nereu e pelo PSD catarinense
nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, realizadas em2 de
dezembro de 1945, demonstraram que o antigo interventor absorvera com relativa
facilidade os problemas políticos enfrentados com a colônia alemã durante sua
gestão. Nereu foi eleito simultaneamente senador, com 110.840 votos,
correspondentes a 51,1% do colégio eleitoral, e deputado; seu partido conseguiu
eleger sete representantes, contra dois da União Democrática Nacional (UDN).
Por outro lado, o general Eurico Dutra, candidato vitorioso à presidência da
República, lançado pelo PSD e apoiado por Vargas, obteve 65,6% dos votos
válidos em Santa Catarina, o dobro da votação do seu principal oponente, o
brigadeiro Eduardo Gomes.
A Constituinte iniciou seus trabalhos em2 de fevereiro de
1946, tendo Nereu como líder da maioria. Em 15 de março, ele foi eleito por
unanimidade presidente da Comissão Constitucional, integrada por representantes
de todos os partidos e encarregada de elaborar o projeto de Constituição, além
de apreciar as emendas a ele apresentadas.
Em 4 de junho do mesmo ano, Otávio Mangabeira, líder da UDN,
apresentou uma moção condenando o Estado Novo e exaltando as forças armadas
pela deposição de Vargas. Nereu, em nome do PSD, propôs uma modificação que
suprimia a referência ao golpe de 29 de outubro de 1945, de maneira a agradecer
às forças armadas o modo como, “unidas em todos os movimentos republicanos”,
haviam cumprido o seu dever. A UDN, entretanto, se opôs a essa nova versão,
afirmando que ela desmerecia a ação dos chefes militares na deposição de
Vargas, o que levou a Assembléia a aprovar as duas moções.
A
nova Constituição foi promulgada em 18 de setembro de 1946 e, no dia seguinte,
Nereu foi eleito pelos constituintes vice-presidente da República recebendo 178
votos contra 139 dados a José Américo de Almeida, candidato da UDN. Tomou posse
no mesmo dia, passando a exercer automaticamente, de acordo com as novas normas
constitucionais, a presidência do Senado.
No
dia 24 de fevereiro de 1947, a comissão diretora do PSD indicou Nereu para a
presidência da agremiação no lugar de Benedito Valadares que, no mês anterior,
havia sido derrotado na disputa da terceira cadeira de senador por Minas Gerais
e estava bastante desgastado junto à seção mineira do partido. Vice-presidente
da República e presidente do PSD, Nereu tinha então aberta diante de si, em
princípio, a perspectiva de ser escolhido candidato situacionista à sucessão de
Dutra. Já estava em curso, porém, a política de “união nacional” patrocinada
pelo presidente, que resultou inicialmente na entrada dos udenistas Raul
Fernandes e Clemente Mariani no ministério em dezembro de 1946 e na articulação
do acordo interpartidário, homologado em 22 de janeiro de 1948 no palácio do
Catete pelos presidentes das três agremiações que formavam a base de apoio do
governo no Congresso: Nereu Ramos pelo PSD, José Américo pela UDN e o
ex-presidente Artur Bernardes pelo Partido Republicano (PR), que contavam,
respectivamente, com 151, 77 e sete dos 286 deputados federais.
No mesmo mês de janeiro de 1948, Nereu participou também das
cassações dos mandatos dos parlamentares eleitos pelo Partido Comunista
Brasileiro (PCB) — então Partido Comunista do Brasil —, cujo registro havia
sido cancelado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano anterior. Coube ao
senador pessedista catarinense Ivo d’Aquino, líder da maioria (PSD-PTB) e
secretário do estado na época da interventoria de Nereu, a iniciativa do
projeto que permitiu a cassação dos mandatos pelas mesas da Câmara e do Senado.
Em seguida, Nereu liderou a comissão do Congresso que foi levar o projeto para
a sanção presidencial. No ano seguinte, o deputado Edmundo Barreto Pinto,
eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e autor de violentas críticas
a Dutra, ao PSD e à UDN, se deixou fotografar de cuecas para uma reportagem
publicada na revista O Cruzeiro. Nereu e Carlos Cirilo Júnior, presidente da
Câmara Federal, exerceram forte pressão no sentido de obter a cassação do seu
mandato por atentado ao decoro parlamentar, conseguindo esse objetivo em maio de
1949.
Nereu
exerceu a presidência da República de 13 a 30 de maio de 1949, durante a viagem
que o general Dutra fez aos Estados Unidos.
A sucessão de Dutra
As
negociações em torno da sucessão presidencial começaram em Minas Gerais ainda
no ano de 1948, sob a égide da política de “união nacional”, que criava fortes
obstáculos à candidatura de Nereu. Lideranças mineiras dos dois maiores
partidos do país buscaram inicialmente um acordo em torno de nomes comuns, cabendo
em princípio ao PSD a chefia do governo federal, enquanto a UDN indicaria o
governador do estado. Em 1949, foi formada uma comissão composta pelos
presidentes das três agremiações integrantes do acordo interpartidário — Nereu,
José Eduardo do Prado Kelly (UDN) e Artur Bernardes (PR) — para discutir o
problema, mas os entendimentos chegaram a um impasse porque Nereu pleiteava sua
própria candidatura, enquanto que a possibilidade de acordo estava em torno do
nome de José Francisco Bias Fortes, apoiado por Dutra. Nessas condições, as
seções mineiras dos três partidos resolveram deixar a solução do problema a
cargo do presidente, desde que o escolhido fosse de Minas Gerais: foi a
“fórmula mineira” que, se aplicada, frustraria as pretensões de Nereu.
Em agosto de 1949, os diretórios dos três partidos em Minas
firmaram um acordo em que se decidia a adoção de uma candidatura comum. De fins
de setembro a fins de outubro, Nereu, Prado Kelly e Bernardes voltaram a se
reunir, infrutiferamente, e nas semanas seguintes o presidente do PSD procurou
articular sua candidatura. Entretanto, Dutra agiu em sentido contrário. Segundo
depoimento de Ernâni Amaral Peixoto o presidente instruiu Benedito Valadares
para que afirmasse que o PSD mineiro não aceitava Nereu, advertindo ao mesmo
tempo os interessados nessa candidatura de que ela não era viável devido ao
veto de Minas Gerais.
Em
12 de novembro, Nereu teve uma audiência com Dutra, o qual se negou a assumir
um compromisso formal com o PSD, provocando um rompimento político entre ambos.
No dia 21 em reunião da comissão diretora do partido, Benedito Valadares
apresentou novamente a “fórmula mineira” — apoiada então pelo general Góis
Monteiro, senador pessedista por Alagoas — e sugeriu que a escolha fosse
realizada entre os nomes de Bias Fortes, Israel Pinheiro, Carlos Luz e Ovídio
de Abreu, excluindo assim Cristiano Machado, simpático à UDN.
No
dia 26, a direção do PSD voltou a se reunir e aprovou a “fórmula mineira”,
levando Nereu a renunciar à presidência do partido em protesto contra a
interferência do governo na questão sucessória sendo substituído por Cirilo
Júnior. No mesmo dia, seu amigo João Neves da Fontoura declarou que a “fórmula
mineira” havia sido elaborada por Dutra e seu ministro da Justiça, Adroaldo
Mesquita da Costa, à revelia e contra a vontade do partido. “Por muito menos”,
afirmou, “formou-se a Aliança Liberal”.
No
início de dezembro, Otávio Mangabeira afirmou que o candidato da UDN só poderia
ser o brigadeiro Eduardo Gomes, opinião compartilhada pela comissão executiva
desse partido. Ao mesmo tempo, Amaral Peixoto propôs a Vargas a formação de uma
coligação entre o PTB e o PSD para levar à presidência “um grande nome
nacional”; enquanto este último partido se inclinava pela “fórmula Jobim”,
proposta de entendimento entre todas as agremiações elaborada pelo governador
gaúcho Válter Jobim. Ademar de Barros, governador de São Paulo, insistia junto
a Vargas para que se candidatasse.
As
idas e vindas do processo sucessório continuaram até que, em 19 de abril de
1950, a UDN lançou oficialmente a candidatura de Eduardo Gomes. No dia
seguinte, Vargas aceitou o lançamento do seu nome pelo PTB, feito pouco antes
por João Goulart em um comício. No início de maio ainda havia setores
pessedistas que defendiam a candidatura de Nereu, mas no dia 17 o PSD indicou
oficialmente o nome de Cristiano Machado. Nereu chegou a ser cogitado pelo PTB
para formar a chapa com Vargas, mas a escolha acabou recaindo sobre João Café
Filho, do Partido Social Progressista (PSP), em virtude do acordo estabelecido
entre Vargas e Ademar de Barros, chefe nacional do partido.
Nas
eleições de 3 de outubro de 1950, Getúlio recebeu 3.839.040 votos contra
2.342.384 dados a Eduardo Gomes, enquanto Café Filho foi eleito vice-presidente
com menos de duzentos mil sufrágios de vantagem sobre o candidato udenista
Odilon Braga. Cristiano Machado teve apenas 1.697.193 votos, pois muitos
setores pessedistas, inclusive em Minas Gerais, orientaram suas áreas de
influência para apoiar Vargas. Em Santa Catarina o PSD cedeu terreno à UDN, que
elegeu Irineu Bornhausen para o governo estadual e ao PTB, que ganhou a cadeira
de senador. Nessa eleição, a família Ramos deu uma notável prova de
versatilidade política: Nereu, candidato pelo PSD, obteve o quinto lugar na
relação dos mais votados para a Câmara Federal, recebendo 14.513 votos; Joaquim
Ramos encabeçou a lista do PSD; Saulo Ramos, que concorreu pelo PTB, foi o
deputado mais votado, e Aristiliano Ramos foi eleito primeiro suplente pela
UDN.
As crises de 1954-1955
O
segundo governo constitucional de Vargas, iniciado em 31 de janeiro de 1951,
traçou uma política de desenvolvimento baseada em um sistema de alianças em que
os movimentos populares, canalizados principalmente através do PTB e dos
sindicatos, dispunham de espaço para barganhar com os centros de decisão do
Estado. Essa orientação foi combatida por um conjunto heterogêneo de forças em
que figuravam os segmentos udenistas liberais, uma parte do pessedismo de
extração oligárquica, os comunistas e, sobretudo, os setores udenistas aliados
a correntes militares conservadoras, favoráveis a uma solução ditatorial
transitória. O principal porta-voz desta última corrente era o jornalista
Carlos Lacerda.
Em
12 de março de 1951, Nereu foi eleito presidente da Câmara dos Deputados,
passando a ser o segundo nome na linha de sucessão do presidente da República.
O período seguinte foi pontilhado de crises, que desembocaram em uma grande
ofensiva contra Vargas depois do atentado praticado na madrugada de 5 de agosto
de 1954, quando elementos ligados à guarda pessoal do presidente, tentando
alvejar Lacerda, assassinaram o major-aviador Rubens Vaz. A Força Aérea
Brasileira evocou a si a realização do inquérito sobre o atentado instaurando a
chamada “República do Galeão” e acusando servidores de Getúlio. Gregório
Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente, foi preso e submetido a
violências. Na Câmara, o líder da UDN, Afonso Arinos de Melo Franco, pediu da
tribuna a renúncia de Vargas.
Em 21 de agosto, Café Filho entrevistou-se com Vargas e lhe
propôs, sem êxito, que ambos renunciassem, passando o governo a Nereu Ramos,
que exercia seu segundo mandato na presidência da Câmara. As pressões militares
sobre o presidente aumentaram e, na madrugada do dia 24, ele realizou a última
reunião com o ministério, anunciando sua intenção de pedir licença do cargo. Na
manhã seguinte, chegou a notícia de que seu irmão Benjamim Vargas fora intimado
a depor no inquérito do Galeão. Pouco depois, Getúlio se suicidou com um tiro
no coração.
A grande mobilização de massas populares então ocorrida em
todo o país, especialmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre,
desarmou a ofensiva contra o governo e inviabilizou a consumação da intervenção
militar. Café Filho tomou posse no próprio dia 24 de agosto.
Nessa ocasião, Nereu estava em Santa Catarina. Diante da
notícia do suicídio de Vargas, retornou ao Rio de Janeiro, mas os trabalhos da
Câmara, realizados sob forte pressão popular nos arredores do palácio
Tiradentes, foram presididos pelo primeiro-vice-presidente da casa, o deputado
udenista José Augusto Bezerra de Medeiros. Segundo Café Filho, a filha de
Getúlio, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, repeliu “com expressões ríspidas” as
manifestações de pesar feitas por Nereu durante o velório do ex-presidente.
Empenhado em unificar o PSD sob o comando de João Neves da
Fontoura e impedir a candidatura do governador mineiro Juscelino Kubitschek à
presidência da República — cujo êxito dependia da sua aliança com o PTB —, Café
Filho ofereceu a chefia do Ministério da Justiça a Nereu, que gozava de
simpatias junto à UDN e era candidato potencial à sucessão. Nereu recusou o
convite, alegando sua condição de candidato a senador e deputado nas eleições
marcadas para 3 de outubro seguinte. Além disso, tinha compromissos com o PTB
em Santa Catarina e julgava não contar com o apoio de Amaral Peixoto, então
presidente do PSD, e da bancada mineira do partido. Por sugestão sua, Café
Filho escolheu Miguel Seabra Fagundes para essa pasta.
No início de setembro, uma comissão do PSD integrada pelo
governador paulista Lucas Nogueira Garcez, Benedito Valadares, Edgar Batista
Pereira e Nereu entrevistou-se com o presidente para sugerir o adiamento das
eleições com o argumento de que, realizado sob o impacto do suicídio de Vargas,
o pleito poderia levar a uma votação em massa nos candidatos do PTB, gerando
uma reação militar. Lacerda também defendia a adoção dessa medida, acompanhado
de forma mais ou menos explícita por importantes segmentos udenistas, pelo PR e
pelo presidente do Partido Libertador (PL), Raul Pilla.
As eleições, entretanto, se realizaram, e os resultados
refletiram muito mais as tendências profundas do eleitorado e os acordos locais
do que o clima criado pelo desenlace da crise de agosto. Em Santa Catarina, a
coligação PSD-PTB elegeu o mesmo número de deputados federais e estaduais que a
UDN. Para o Senado, foram eleitos Nereu e seu primo Saulo Ramos, com 160.980 e
145.627 votos, respectivamente, derrotando os candidatos udenistas Adolfo
Konder e Aristiliano Ramos, que obtiveram em torno de 135 mil sufrágios cada
um. Apesar dessa vitória, no cômputo geral o PSD recuou novamente, cedendo
terreno à UDN, ao PSP e ao Partido Democrata Cristão (PDC). Mais um nome da
família Ramos, Celso Ramos, irmão de Nereu, apareceu na constelação política do
estado, como primeiro suplente de deputado federal pela UDN.
Em
novembro de 1954, o diretório nacional do PSD indicou o nome de Kubitschek para
concorrer à presidência da República nas eleições marcadas para 3 de outubro do
ano seguinte. Abstiveram-se de votar os representantes de Pernambuco (liderados
pelo governador Etelvino Lins, que fora eleito com o apoio da UDN), de Santa
Catarina (liderados por Nereu) e do Rio Grande do Sul. Além das resistências de
setores pessedistas que preferiam as candidaturas “regionais” de Etelvino e
Nereu, o nome de Kubitschek encontrou forte oposição das principais autoridades
militares e da UDN, a qual, com o apoio de Café Filho, voltou ao tema do
candidato de “união nacional”.
Em janeiro de 1955 Café viajou à Bolívia para inaugurar a
ferrovia Corumbá-Santa Cruz de la Sierra e Nereu assumiu interinamente, pela
segunda vez, a presidência da República. De volta ao Brasil, no fim desse mês
Café leu através de uma cadeia nacional de rádio e televisão um apelo dos
chefes militares à “união nacional”, contra as candidaturas partidárias.
Referindo-se expressamente a Kubitschek, afirmou: “Receio assim que possam
avolumar-se as perspectivas de que o Brasil caminha para uma luta política de
conseqüências imprevisíveis.” Juscelino respondeu imediatamente, mantendo sua
candidatura.
Na
nova legislatura, iniciada em 1º de fevereiro de 1955, Nereu foi eleito
vice-presidente do Senado, voltando a ser o segundo na ordem de sucessão
presidencial, depois do pessedista mineiro Carlos Luz, que assumiu a
presidência da Câmara derrotando o candidato apoiado por Kubitschek, Pascoal
Ranieri Mazzilli, também do PSD. Apesar dessa derrota, o governador mineiro
teve sua candidatura à presidência da República homologada pela convenção
nacional do PSD que se reuniu em 10 de fevereiro, obtendo 1.646 dos 1.925 votos
dos convencionais. Discordando dessa escolha, os diretórios estaduais de
Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, assim como grande número de
representantes da Bahia e alguns do Distrito Federal, formaram uma dissidência
que passou a estudar o lançamento de uma candidatura alternativa. Depois de
cogitarem os nomes de Etelvino, Nereu, Carlos Luz e Lucas Lopes, os dissidentes
pessedistas, apoiados por representantes da UDN, do PDC e do PL, lançaram em
abril o nome do governador de Pernambuco. Ao mesmo tempo, o acordo PSD-PTB
ficou configurado com o lançamento de João Goulart, presidente do PTB, para
completar a chapa de Kubitschek.
No final desse mês, o Clube da Lanterna, constituído pelos
adeptos de Carlos Lacerda, e depois a própria UDN, apoiaram oficialmente a
candidatura de Etelvino Lins, cuja campanha teve início nos primeiros dias de
maio. Em seguida, o PSP lançou o nome de Ademar de Barros e o PDC escolheu
Juarez Távora, que pouco antes havia renunciado à sua candidatura na legenda da
UDN. Em fins de junho, Etelvino resolveu retirar sua candidatura. Juarez
enalteceu essa decisão e pediu para si o endosso dos setores que haviam apoiado
o governador de Pernambuco.
Em
31 de julho, a convenção nacional da UDN homologou a chapa Juarez Távora-Mílton
Campos. Nesse período, os diretórios pernambucano e gaúcho do PSD sofreram
intervenção da direção nacional do partido por se recusarem a apoiar a chapa
Juscelino-Goulart, mas o de Santa Catarina, presidido por Nereu, foi mantido em
virtude de sua decisão de aceitar a aliança PSD-PTB para a sucessão estadual.
Em agosto, a tensão nas áreas militares cresceu em função de dois episódios.
Primeiro, o lançamento de um manifesto do PCB, assinado por Luís Carlos
Prestes, apoiando a chapa Juscelino-Goulart e contendo severas acusações a
militares. Segundo, o discurso pronunciado pelo general Canrobert Pereira da
Costa no Clube da Aeronáutica por ocasião do aniversário do assassinato do
major Rubens Vaz.
Realizadas as eleições, Juscelino e Goulart venceram. O
primeiro recebeu cerca de 1/3 dos votos depositados nas urnas, enquanto o
segundo teve pouco mais de duzentos mil votos de vantagem sobre Mílton Campos.
Em Santa Catarina, os candidatos da coligação PSD-PTB para a presidência e a
vice-presidência da República foram vitoriosos, mas o governo do estado foi
conquistado por Jorge Lacerda, apoiado pela UDN, o PDC, o PRP e o PSP. O
candidato vitorioso conseguiu cerca de três mil votos a mais do que o candidato
apoiado por Nereu, Francisco Gallotti.
Logo
após a proclamação dos resultados, teve início uma crise política de âmbito
nacional, pois a UDN deflagrou uma campanha, liderada pelo deputado Aliomar
Baleeiro, contra a posse de Juscelino e Goulart, alegando que eles não haviam
obtido a maioria absoluta dos sufrágios. Alguns setores udenistas, tendo à
frente Carlos Lacerda, passaram a pregar abertamente a implantação de um estado
de exceção. O ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, assumiu
posição favorável à posse dos eleitos, mas as tensões nos meios militares não
desapareceram. No dia 1º de novembro, durante o sepultamento do general
Canrobert, o coronel Jurandir de Bizarria Mamede discursou como porta-voz da diretoria
do Clube Militar, externando uma posição claramente contrária à do ministro.
Lott passou então a reivindicar a punição de Mamede, que servia na Escola
Superior de Guerra, subordinado portanto à Presidência da República.
Dois dias depois, um distúrbio cardíaco forçou a internação
do presidente Café Filho no Hospital dos Servidores do Estado e, em 8 de
novembro, a passagem do seu cargo ao presidente da Câmara, Carlos Luz. Apesar
de não alterar de imediato o ministério, o novo chefe do governo negou-se a
punir o coronel Mamede e aceitou, no dia 10, a renúncia de Lott, escolhendo o
general Álvaro Fiúza de Castro para substituí-lo. De volta ao prédio do
Ministério da Guerra para preparar a transmissão do cargo, Lott foi convencido
por vários generais, especialmente Odílio Denis, a permanecer em suas funções
e, assim, provocar a deposição do presidente em exercício.
Na
madrugada de 11 de novembro de 1955, a capital federal foi ocupada por tropas
do Exército, levando Carlos Luz e outras autoridades civis e militares a
buscarem abrigo no Ministério da Marinha e a embarcarem, na manhã seguinte, no
cruzador Tamandaré, que tomou o rumo de Santos. Nesse ínterim, o ministro da
Aeronáutica, Eduardo Gomes, se havia deslocado para o quartel-general da IV
Zona Aérea, em São Paulo, onde procurava concentrar os pilotos e os aviões de
combate normalmente sediados no Rio. No mesmo dia, o Congresso Nacional se
reuniu e, refletindo a posição de Lott e dos demais chefes militares decididos
a garantir a posse dos eleitos, aprovou o impedimento de Carlos Luz por 257
votos contra 72, dando posse a Nereu Ramos na presidência da República. Na
ocasião, Nereu afirmou a Afonso Arinos que aceitava o cargo para manter o poder
civil e, assim, defender a Constituição.
Compreendendo a inutilidade da resistência em face da
correlação desfavorável de forças políticas e militares, Carlos Luz resolveu
aceitar a decisão do Congresso e o Tamandaré voltou ao Rio.
Em
12 de novembro, Nereu visitou Café Filho no hospital, manifestando a intenção
de transmitir-lhe a chefia do governo tão logo se verificasse seu
restabelecimento, posição que reiterou três dias depois. No dia 20, porém, Lott
entrevistou-se com Café e lhe comunicou que, na opinião do esquema militar
vitorioso, sua volta à presidência não seria conveniente. Café insistiu em
reassumir o cargo, mas no dia 21 o Congresso aprovou seu impedimento por 208
votos contra 109. O ex-presidente ficou então confinado em seu apartamento, em
Copacabana, cercado por tropas e blindados do Exército.
No dia 24, atendendo a uma solicitação dos ministros
militares, o Congresso decretou o estado de sítio. Do ministério de Café Filho,
Nereu manteve os titulares da Guerra, o general Lott, e da Fazenda, Mário
Câmara, nomeando para as demais pastas o almirante Antônio Alves Câmara
(Marinha), o brigadeiro Vasco Alves Seco (Aeronáutica), José Carlos de Macedo
Soares (Relações Exteriores), Abgar Renault (Educação e Cultura), Maurício
Medeiros (Saúde), Lucas Lopes (Viação), Nélson Omegna (Trabalho, Indústria e
Comércio), Eduardo Catalão (Agricultura) e Francisco Meneses Pimentel
(Justiça).
Em
1º de janeiro de 1956, a vigência do estado de sítio foi prorrogada até 26 de
fevereiro. No dia 31 de janeiro, Nereu passou o governo a Juscelino Kubitschek,
de quem se tornou, na mesma data, ministro da Justiça. Em fins de maio desse
ano, Nereu delegou ao Exército a tarefa de reprimir as manifestações populares
desencadeadas na capital federal contra o aumento das tarifas dos bondes. A
cidade foi então ocupada por tropas e, durante o cerco efetuado à sede da União
Nacional dos Estudantes (UNE), na praia do Flamengo, houve espancamento de
parlamentares, notadamente Adauto Lúcio Cardoso, da UDN. Esses fatos provocaram
o comparecimento de Nereu à Câmara em junho, para prestar esclarecimentos.
Nesse
mês, com o objetivo de aperfeiçoar a Carta de 1946, nomeou uma comissão
especial de juristas encarregada de estudar uma reforma constitucional.
Entretanto, seus esforços nesse sentido foram frustrados, o que o levou a pedir
exoneração do Ministério da Justiça em4 de novembro de 1957, sendo substituído
por Eurico Sales. Entre 3 de outubro e 4 de novembro de 1956, Nereu acumulara
interinamente o cargo de ministro da Educação.
Nereu
reassumiu então sua cadeira no Senado. No dia 16 de junho de 1958, em pleno
exercício do mandato, faleceu em desastre aéreo ocorrido em Curitiba, junto com
o governador catarinense Jorge Lacerda e o deputado federal por Santa Catarina
Leoberto Leal, do PSD.
Foi casado com Beatriz Pederneiras Ramos, com quem teve
quatro filhos.
Escreveu discursos e relatórios, além de artigos em jornais
de Santa Catarina e do Rio de Janeiro. Sobre o biografado, Teobaldo Costa
Jamundá publicou Nereu Ramos, o da hora da reconstrução nacional (1968).
Depois de sua morte, a localidade de Itaguá (SC) passou a
município com o nome de Presidente Nereu.
Mauro Malin
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